19 setembro 2013

de Esquecimento, Revolução e Sorriso

I
o esquecimento
é da humanidade
o maior mal:
a quem esquece
tudo se torna igual

II
agora
falar-se em revolução
não tem mais sentido:
é fácil se fazer de revolto
quando já se foi vendido

III
dizer-se que um sorriso
é sempre bem-vindo
é doce
e seduz...
mas para quem vive
no arrastar-se da seca
a tempestade é que é a luz


18 setembro 2013

Sete Rápidos Sinais dos Tempos

I

no antigo
se aparecia nos quadros e nas fotos
com nobre seriedade
desde o camponês até a imperatriz

agora
se fores tirar uma foto
ai de ti
se não saíres feliz

II

saudades
do quando acordava
com cantares de galo

agora
é com alarmes de carro

III

naquele tempo
se perguntava o nome primeiro
e se beijava depois
(fazia nexo)

agora
se pergunta o nome depois
e primeiro se faz sexo

IV

naqueles dias
sábios
eram um Dante
um Kant
um Victor Hugo

agora
um Google

V

no antigamente
tinha que se pensar por si próprio
era duro...

agora
a mídia
faz por nós
esse serviço sujo

VI

saudades
do ir para as matas
ver animais

agora
é ir pras baladas
ver débeis mentais

VII

antes
poesia era moda

agora
é foda.

16 setembro 2013

A mais se poder...

o tremendo
homem
ascendido de otimismo

após

(em seu mais poder)
ter aterrado todas as terras
desaguado em todas as águas
arrematado todas as matas
acampado em todos os campos
amontoado em todos os montes
(a não mais poder)...

há pós

acendido de otarismo
e despencando o tempo
agora está ali
(a mais se foder)
abismado à beira do abismo
o homem
tremendo...

13 setembro 2013

Poema Negro de AutoAjuda*

se quiseres ser feliz
não espera
nada de coisa alguma ou algo
de isso ou de aquilo nem
do sol nem de Deus nem
de si e de ninguém
muito menos do que vem

lembra-te que esperança
rima com quem cansa
e que qualquer expectativa
não vale um cuspe qualquer
da tua saliva

quando tiveres uma esperança
executa-a entre a dança
com uma flecha entre a testa
ou enforca-a
ou dá-lhe um tiro
(na cabeça,
não te esqueça)
ou atira-a na rio
atada com um peso
e terás o  lírio-alívio
do confiante desprezo

quando disserem de ti
ou a ti
coisas que gostas de ouvir
acredita com toda confiança
que é mentira
e se ainda não é
um dia será
recorda-te que qualquer pessoa
(antes de prova ao contrário)
é má

lembra-te que se pensas
que não estás sozinho
é porque não olhaste bem
ao teu lado
e que tudo que nos sorri demais
está a um lábio
de dar errado

nunca espera
ou espera ao nunca
deixa o rio correr
que ele sempre leva
ser feliz
é nunca esperar ser:
às  vezes
sem que se espere
brilha um olho na treva...

(Poema reelaborado e republicado)

12 setembro 2013

O Meu Facão na Semana Farroupilha

- A Semana Farroupilha transformou-se em um desfile de agroboyzinhos nas camionetinhas do papai, enquanto gaúchos de verdade, os peões que trabalham duro nas estâncias e cultivam as verdadeiras tradições gaúchas (não para fazer bonito ou para aparecer, mas porque isso é o natural deles) não podem comprar um par de botas. Muito menos desfilar com um cavalo. É como retrata Cyro Martins na sua “Trilogia do Gaúcho a Pé.”

-  Grande parte dos campos dos grandes estancieiros gaúchos é campo que foi roubado na época em que as fronteiras das terras não eram cercadas. É como diz o personagem Juvenal em “O Tempo e O Vento” do Érico Veríssimo, referindo-se ao estancieiro Amaral: “Todo mundo sabe que metade dos campos desse velho é tudo campo roubado!”

- Os agroboyzinhos gostam também de andar por aí enchendo a pança de cerveja e gritando o “Grito do Sapucai”, que é herança de nossos índios guerreiros. Mas os índios ou foram massacrados, ou estão em estado miserável em suas terras devastadas. De vez em quando, o governo tem a “bondade” de dar a eles um cantinho das terras de que eram donos. E os “gaúchos” pouco se importam. Melhor, mais “coisa de macho”, é se exibir em rodeiozinhos para algumas prendinhas chininhas.

- E já aconteceu de alguns “farroupilhas” bem pilchados “apreciarem” matar cavalos esgotados desfilando com bandeiras sob o sol do litoral pra mostrarem que são homens.

- E os nossos “pampeiros”, que dizem amar o pampa, amar a terra, são os mesmos que estão terminando com ela cobrindo tudo de soja, pinus e o diabo. E amando profundamente (as moedas da) sua terra, acabam com os rios, desviam água para plantações de arroz, infestam campos com pesticidas, massacram nossa fauna, causam erosões, assoreamentos, desertificação. E depois vão dançar o bugio em algum campo no qual exterminaram os bugios.

- Não me pilcho, mas sei que amo minha terra mais do que muitos pilchadinhos engomadinhos abostados por aí. Alguns gaúchos deveriam entender que mais do que a pilcha, o que define o gaúcho são os valores de honra, dignidade e coragem. Enfim, realmente “ter bagos”.



11 setembro 2013

do Não Confiar

I
uma das raras
grandes virtudes do homem
é saber ver
que raros homens
têm grandes virtudes

II
há uma lição
que só sabem na íntegra
os mortos:
mais conhece a si mesmo
quem mais desconfia dos outros

III
há infinitos de diferença
entre o que olho
e o que vejo;
apenas não digo
e não demonstro:
por isso é que escrevo

10 setembro 2013

As Palhaçadas da Secretaria da Educação

A SEC e o governo do RS estão dando um show de palhaçadas. Vamos a algumas delas:

Palhaçada 1: O governo estadual não paga o Piso Nacional do Magistério, obrigatório por lei, e acha que seus argumentos em não pagar estão corretos. Não sei por que isso me lembra Kafka. Diz que o pagamento não depende do governo gaúcho, mas de uma negociação  com Governo Federal, Congresso, Sindicatos, e até, eu acho, com o Papa. Como assim, negociação? Negociação é quando não há lei definida. A lei é muito clara. O problema é que é contra os governos. Quando é contra, não é lei. Só quando é a favor. Imaginem o contribuinte argumentar: "Não pagarei o imposto de renda, antes vou negociar com o governo federal, o congresso e o judiciário." 

Palhaçada 2: A SEC diz que nenhum professor estadual ganha menos que o piso, que é de R$1567,00. Mas o piso se refere ao salário básico, não a todas as vantagens, gratificações e promoções somadas. O salário básico é bem menor que o piso. Esse é o problema de a educação andar mal. Até o pessoal da SEC, o senhor secretário, e até o senhor governador não aprenderam nada. Não entendem o significado das palavras. Confundem piso com teto.

Palhaçada 3: A SEC também afirma que de forma alguma irá interromper a reforma do Ensino Médio, porque isso seria um desrespeito à comunidade. Haha! Essa é a melhor das piadas. A reforma foi IMPOSTA sem discussão nenhuma com professores e com a comunidade, e agora é desrespeito interrompê-la? Para executar a Lei do Piso querem negociar, para implantar uma reforma (burra, ao meu ver) é na marra? 

Palhaçada 4: O senhor secretário de educação enche a boca para dizer que as aulas perdidas com a paralisação deverão ser recuperadas e que o ponto será cortado. Como é que é? Quer aulas recuperadas mas com ponto cortado? É isso mesmo? Ou seja, quer que os professores deem aula de graça? Ou se mantém o ponto e as aulas são recuperadas, ou se corta o ponto e as aulas também são cortadas. Ridícula, simplesmente ridícula, a afirmação do secretário. Depois são esses mesmos imbecis que vêm falar em educação participativa, democracia nas escolas, justiça nas salas de aula. Palhaçada! Tudo não passa de palhaçada.

Para encerrar, uns trechinhos de uma palhaçada que escrevi:

um governo sempre mente
mesmo quando diz a verdade:
quando mente
tem a verdade como plano de fundo
quando diz a verdade
tem a mentira como base do mundo

não seria governo se não mentisse
mentir
é adiar para o nunca a verdade
governar é a arte de adiar
não seria governo se não omitisse
omitir
é dizer a verdade de que existe o tapete
mas sem erguê-lo para ver-se o debaixo
governar é decidir
sendo capacho

as verdades que um governo esconde
são aquelas que não podem ser verdades
mesmo o sendo
pois não é que um governo minta
ele decide
(a partir do que decidem por ele)
o que pode ser verdade ou não
transforma fato em ilusão
e ilusão em fato
para mais ou para menos
de acordo com o comprimento
da sua cola de rato

09 setembro 2013

Fragmento Absurdo de um Existência Futura n°4 – A Cabeça no Meio da Rua (Final)

Essa era minha porcaria de vida, somente isso, durante vários meses.  Mas minha depressão foi diminuindo, diminuindo, até que em seu lugar surgiu aos poucos uma absoluta indiferença por tudo e por todos. Em nenhum momento, no entanto, eu deixava, sempre por volta do meio dia, de ir contemplar as colorações avermelhadas do céu, sempre no mesmo campo fedorento. Não que fosse somente naquele campo que eu percebia a invasão vermelha nas atmosferas, isso ocorria em todo o céu, de acordo, e insisto nisso, com meu julgamento perturbado. Porém, e realmente não sei o motivo, eu tinha que observar a maldição daquele fenômeno unicamente de lá.

            Mas agora eu saía do campo sentindo uma cruel indiferença que me fazia vagar o dia inteiro pelo chiqueiro da minha cidade, naquele degradante calor dos infernos, alimentando um desejo doentio de desprezar e rir de todas as merdas de pessoas que cruzavam o meu caminho. Eu olhava pra aqueles miseráveis fodidos, aqueles babacas mergulhados na lama, com uma frieza total e com e uma ironia maligna. Aqueles debilóides, homens e mulheres que não valiam nem o que cagavam, imundícias, todos inúteis, degenerados e perdidos.

            Não sentia nenhuma porra de piedade, nenhuma. Só sentia, por exemplo, vontade de rir quando via aqueles refugiados ambientais bebendo as águas podres, onde boiavam bostas, de um rio aniquilado, ou vendo que disputavam com urubus e cachorros pesteados os restos de comida com larvas dos montes de lixo. Nem mesmo as crianças que eram espancadas com violência por outras crianças, ou as mulheres que eram estupradas nos canteiros das praças fedendo a esperma despertavam em mim algum tipo de clemência. Que sangrassem todos no inferno, para mim não faria a menor diferença.

            Dessa forma degenerada e estúpida vivi por mais alguns meses. Ia para casa, comia como um porco, às vezes nem tomava banho, e voltava para as ruas escaldantes, com o único propósito de debochar, de escarnecer com crueldade, e de sacanear todos os malditos que via diante de mim. E claro, quando se aproximava do meio-dia, sem me ausentar uma única vez, lá estava eu , naquele campo torrado, contemplando em estado de transe,  abobalhado, aqueles nuances avermelhados, enfermiços, que só eu percebia. E parecia que era aquela luz vermelha que me deixava mais enlouquecido, mais monstruoso, mais demoníaco.

            Havia algo inexplicável naquelas luminosidades opacas e rubras que me atraía de uma maneira fatal. E fazia ferver no que eu sentia e pensava uma maldade latente, resumo de todo o horror humano, a plenitude do lado negro que se ocultava dentro do meu eu miserável. Assim como a atmosfera da minha cidade acabada fervia de calor eu também fervia de perversidade.

E seja lá o que for que ocasiona toda essa merda, estou certo de que é algo catastrófico.  Isso eu afirmo porque, desde ontem, dois de janeiro de 2047, tenho percebido uma alteração, para pior, em meu comportamento. Percebido e comprovado. Estou há mais de 72h sem dormir. Não sinto nenhuma porra de sono. Minhas horas de sono foram se reduzindo aos poucos atei que cessei definitivamente de dormir.

            Mas jamais deixo de ir ao campo contemplar em estado de êxtase maligno aquela agourenta luz avermelhada. Hoje, após sair do campo, fui tomado de um acesso de loucura. Peguei uma pedra enorme que encontrei na rua e esmaguei sem dó os crânios de uma criança e de sua mãe, só porque escutei que a mãe falava para a menina em “manter a esperança” enquanto comiam as tripas de um gato.

            Após ter esmagado a cabeça das duas, voltei para casa e tornei-me consciente do que fiz. Compreendi que fora um horror sem limite e sem perdão. Mas não consegui sentir nenhuma merda de arrependimento. Minha vida é mesmo um desastre, a vida de todos é um desastre, a civilização é um desastre, que diferença fará ou deixará de fazer o que fiz?

            E agora, não faz nem 10 minutos que, lá fora, na frente da minha casa, um idiota raquítico, estava vomitando. Senti um ódio diabólico esquentando, subindo e fervendo dentro de mim e não pude, e nem quis, controlá-lo. Muito pelo contrário, gosto de ser um doente, um louco e de matar humanos que pensam que estão vivos. Matar é um favor que faço às suas almas fodidas. Saí de casa e gritei:

- Seu cusco imundo, sarnento filha de uma puta, imundiciando minha calçada com o fedor do teu vômito azedo. Este machado vai te ensinar uma coisa pra nunca mais esquecer. Vou te cortar em pedacinhos e fazer guisado da tua carne aidética.

A cabeça dele ainda está pingando sangue no meio da rua.

(Na imagem, detalhe de "O Julgamento Final", de Hieronymus Bosch)

08 setembro 2013

Fragmento Absurdo de um Existência Futura n°4 – A Cabeça no Meio da Rua

Mais um maldito ano insuportável. 2047. Secas, furacões, enchentes e terremotos pela frente. E o diabo! E, não sei por que, venho me irritando demais com essa alteração na cor dos céus. Não é mais aquele azul celeste reconfortante, mas uma tonalidade modificada, algo opaco, desbotado, amarelecido. Não sei se alguém mais percebe. Mas eu poderia jurar que, há alguns meses, além da opacidade, os céus passaram a apresentar, uma tonalidade avermelhada que tem me inquietado profundamente.

Será mesmo que somente eu percebo essa merda? Talvez eu esteja com alguma doença nervosa, psíquica. Sim, eu devo estar doente da cabeça. E talvez seja melhor assim, para sobreviver neste caos fodido. Tenho certeza, aliás. Também não me importo com qual doença pode estar me afetando. Que diferença faria? Nunca me senti bem mesmo. Em nenhum sentido.  É possível que se trate de uma nova enfermidade, afinal, nos últimos anos, surgiram tantas moléstias desconhecidas, pestes incontroláveis, algumas de uma fatalidade brutal. Eu seria só mais um entre milhões de desgraçados. Grande bosta!  Mutações de vírus e bactérias. O homem virou especialista em criar pragas. Tudo isso fruto da grandiosidade da ciência e da destruição da biodiversidade. Mas o pior é que ainda há imbecis que acham a ciência o máximo. E que estamos evoluindo. Ah, que se fodam, essa gente nunca terá jeito mesmo.
           
            O que sei é que há alguns meses, percebi, ou julguei perceber, uma sutil alteração na coloração do céu, que estaria sendo “invadido” por uma espécie de “avermelhamento”. Talvez sejam alucinações. O sintoma de alguma enfermidade? Não sei, sei que essa quase imperceptível tonalidade rubra, seja ela real ou fictícia, atrai-me de um modo insano, irresistível.

            Todos os dias, sem variações, sinto-me “obrigado” a sair durante o momento do ápice do sol, ou seja, ao meio-dia, não importando as condições climáticas. Saio até abaixo de chuva. Caminho em direção a um campo aberto e desabitado, sento-me sobre a grama, olho para o céu, e fico contemplando, não sei por qual merda de motivo, durante quase uma hora, aquilo que julgo ser uma invasão lenta, insidiosa, do céu azul por uma tonalidade vermelha estranha, muito estranha. Nos primeiros dias, sentia-me bem após o fim da minha contemplação imbecil, embora continuasse melancólico. Porém, com o passar do tempo, essa melancolia foi se transformando em depressão, em um desalento total, em um desânimo tão profundo que havia dias que eu não conseguia nem mesmo erguer a cabeça ao retornar para casa.  Perambulava como um idiota deprimido pelas ruas, eu não passava de um estúpido zumbi. Olhava para as outras pessoas, todas infelizes, desesperadas, imersas em problemas sem solução. Ou então, estavam ali  escancarando um sorriso abestalhado entre a inexpressão e a perversidade. Enquanto eu ficava ainda mais deprimido.

            Ao chegar em casa, eu me atirava sem forças na cama, sem comer, sem tomar banho, um verdadeiro palerma. Enfim, sem fazer porra de merda nenhuma, dormia até a manhã do outro dia, sendo torturado durante todo o período de sono por pesadelos com os seres mais absurdos. Sonhava com monstros de aparência indescritível e de uma maldade extrema.  Os cenários de meus pesadelos eram os piores possíveis, e eu até os descreveria se tivesse um pouco da genialidade de Dante.


            Ao me acordar, quase sempre por volta das 9h, a depressão parecia ter passado, e eu me levantava, comia alguma coisa malfeita, quase sempre horrível, dava uma cagada, realizava uma higiene pessoal ridícula e pensava em ir para a merda do meu trabalho. Mas não tinha forças. Então, sentava-me, aguardando ansioso, angustiado, o momento de sair para a contemplação absurda dos céus que se avermelhavam, conforme meu julgamento de louco. Quando chegava o meio-dia, eu ia pra aquele campo e lá permanecia, por períodos de tempo cada vez maiores. Até que deixava apalermado o local, às vezes debaixo de chuva ácida. Era como se eu arrastasse um maldito manto de chumbo, tamanho era meu desânimo. Chegava em casa e jogava-me demolido em meu sono fodido e atormentado. O calor era tão desgraçado que eu às vezes acordava banhado em suor e tapado de mosquitos, mesmo mantendo o ventilador ligado toda a noite.

Essa era minha porcaria de vida, somente isso, durante vários meses.  Mas minha depressão foi diminuindo, diminuindo, até que em seu lugar surgiu aos poucos uma absoluta indiferença por tudo e por todos. Em nenhum momento, no entanto, eu deixava, sempre por volta do meio dia, de ir contemplar as colorações avermelhadas do céu, sempre no mesmo campo fedorento. Não que fosse somente naquele campo que eu percebia a invasão vermelha nas atmosferas, isso ocorria em todo o céu, de acordo, e insisto nisso, com meu julgamento perturbado. Porém, e realmente não sei o motivo, eu tinha que observar a maldição daquele fenômeno unicamente de lá.

            Mas agora eu saía do campo sentindo uma cruel indiferença que me fazia vagar o dia inteiro pelo chiqueiro da minha cidade, naquele degradante calor dos infernos, alimentando um desejo doentio de desprezar e rir de todas as merdas de pessoas que cruzavam o meu caminho. Eu olhava pra aqueles miseráveis fodidos, aqueles babacas mergulhados na lama, com uma frieza total e com e uma ironia maligna. Aqueles debilóides, homens e mulheres que não valiam nem o que cagavam, imundícias, todos inúteis, degenerados e perdidos.

            Não sentia nenhuma porra de piedade, nenhuma. Só sentia, por exemplo, vontade de rir quando via aqueles refugiados ambientais bebendo as águas podres, onde boiavam bostas, de um rio aniquilado, ou vendo que disputavam com urubus e cachorros pesteados os restos de comida com larvas dos montes de lixo. Nem mesmo as crianças que eram espancadas com violência por outras crianças, ou as mulheres que eram estupradas nos canteiros das praças fedendo a esperma despertavam em mim algum tipo de clemência. Que sangrassem todos no inferno, para mim não faria a menor diferença.

            Dessa forma degenerada e estúpida vivi por mais alguns meses. Ia para casa, comia como um porco, às vezes nem tomava banho, e voltava para as ruas escaldantes, com o único propósito de debochar, de escarnecer com crueldade, e de sacanear todos os malditos que via diante de mim. E claro, quando se aproximava do meio-dia, sem me ausentar uma única vez, lá estava eu , naquele campo torrado, contemplando em estado de transe,  abobalhado, aqueles nuances avermelhados, enfermiços, que só eu percebia. E parecia que era aquela luz vermelha que me deixava mais enlouquecido, mais monstruoso, mais demoníaco.

            Havia algo inexplicável naquelas luminosidades opacas e rubras que me atraía de uma maneira fatal. E fazia ferver no que eu sentia e pensava uma maldade latente, resumo de todo o horror humano, a plenitude do lado negro que se ocultava dentro do meu eu miserável. Assim como a atmosfera da minha cidade acabada fervia de calor eu também fervia de perversidade.

E seja lá o que for que ocasiona toda essa merda, estou certo de que é algo catastrófico.  Isso eu afirmo porque, desde ontem, dois de janeiro de 2047, tenho percebido uma alteração, para pior, em meu comportamento. Percebido e comprovado. Estou há mais de 72h sem dormir. Não sinto nenhuma porra de sono. Minhas horas de sono foram se reduzindo aos poucos atei que cessei definitivamente de dormir.

            Mas jamais deixo de ir ao campo contemplar em estado de êxtase maligno aquela agourenta luz avermelhada. Hoje, após sair do campo, fui tomado de um acesso de loucura. Peguei uma pedra enorme que encontrei na rua e esmaguei sem dó os crânios de uma criança e de sua mãe, só porque escutei que a mãe falava para a menina em “manter a esperança” enquanto comiam as tripas de um gato.

            Após ter esmagado a cabeça das duas, voltei para casa e tornei-me consciente do que fiz. Compreendi que fora um horror sem limite e sem perdão. Mas não consegui sentir nenhuma merda de arrependimento. Minha vida é mesmo um desastre, a vida de todos é um desastre, a civilização é um desastre, que diferença fará ou deixará de fazer o que fiz?

            E agora, não faz nem 10 minutos que, lá fora, na frente da minha casa, um idiota raquítico, estava vomitando. Senti um ódio diabólico esquentando, subindo e fervendo dentro de mim e não pude, e nem quis, controlá-lo. Muito pelo contrário, gosto de ser um doente, um louco e de matar humanos que pensam que estão vivos. Matar é um favor que faço às suas almas fodidas. Saí de casa e gritei:

- Seu cusco imundo, sarnento filha de uma puta, imundiciando minha calçada com o fedor do teu vômito azedo. Este machado vai te ensinar uma coisa pra nunca mais esquecer. Vou te cortar em pedacinhos e fazer guisado da tua carne aidética.


A cabeça dele ainda está pingando sangue no meio da rua.


06 setembro 2013

Só os pessimistas...

Naqueles dias em que os brasileiros saíram às ruas para protestar (cada um por uma coisa), eu fui um dos raros que teve o atrevimento de ser pessimista quanto aos resultados das manifestações. Quase todos estavam entusiasmados e confiantes que, a partir dos tais protestos, o Brasil iria sofrer uma profunda transformação, os políticos iriam fazer a vontade do povo... enfim. Eu não acreditei. E na ocasião escrevi o texto "A Onda de Protestos. Protestos ou Onda?" . 

E um dos otimistas era o escritor e jornalista Juremir Machado da Silva, acreditando realmente que algo de novo estava nascendo. Pois agora, o próprio Juremir virou um descrente. Escreveu o seguinte em sua coluna no jornal Correio do Povo de hoje: "Quando parece que vai, convenhamos, aí é que não vai. Depois das manifestações de rua, o Congresso Nacional fingiu dar grandes passos à frente e deu mesmo alguns para trás."  Deixo apenas esse trecho. Sugiro que o leitor leia toda a coluna.

“Só os pessimistas forjam o ferro enquanto está quente. Os otimistas confiam em que ele não esfrie.”

Peter Bamm

05 setembro 2013

Mensagem para Relaxar

no hoje
pensar virou artigo
de luxo

e sentir
um pão de trigo
no lixo

e nem há mais a dizer
que se digo
ou me xingam
ou serei linchado:
o humano
anda mesmo vazio
e cagado

o homem
é um animal que se acha
e a civilização
um infalível laxante...
então... se lixa
adiante –
relaxa...

03 setembro 2013

aos Punheteadores de Reais

são todos iguais
os punheteadores de reais
lambedores de lucros
chupadores mútuos

farinhas de mandioca
ocas
do mesmo saco:
se julgam algo
de largo
mas não passam de rasos
cossacos
enchedores de sacos
e vasos
de moedas
de cacos
e merdas

andando tesos
e obesos
vão peidando podre
de soberba pelos bancos
com a alma aos trancos
e barrancos
se achando chefes
mas tão somente blefes
marionetes
mequetrefes

são todos iguais:
sempre  se juntam os ricos
para proteger o ouro (de tolo)
dos seus pinicos

01 setembro 2013

Tapado com Tanga

outra manhã amanhecida
(igual a um pão amanhecido)
com o ranço e o seco
de todas as outras manhãs
no bolor amanhecidas

as mesmas pessoas ridículas
aos mesmos trabalhos risíveis
há graça em tanta desgraça
e se eu pudesse morrer de me rir
ou viver de  me ir

as mesmas pessoas de nada
nadando
no mar de merda da mente
e nada que valha a pena
e nada que valha a perna
em outra manhã de lerda
certos de que são profundos

sempre os mesmos caminhos imundos
com placas de sem-sentido
o cérebro tapado com tanga
da moça com cara de bela
alma de baranga
e saliva de cadela

desta amanhã amanhecida
de que chamam vida
quem me dera morrer de rir

hora de ir dormir

31 agosto 2013

2013: em 8 meses, consumo humano já excedeu a capacidade anual de regeneração do planeta

Transcrevo notícia publicada no site www.ecycle.com.br :

"Em pouco mais de oito meses, utilizamos todos os recursos naturais que o nosso planeta consegue regenerar durante o ano de 2013.

Em 20 de agosto de 2013, a humanidade esgotou o orçamento da natureza para este ano e começou a operar no vermelho. Os dados são da Global Footprint Network – GFN (Rede Global  Pegada Ecológica), instituição internacional que gera conhecimento sobre sustentabilidade e tem escritórios na Califórnia (EUA), Europa e Japão, e é parceira da rede WWF.

O Dia da Sobrecarga da Terra (Earth Overshoot Day) é a data aproximada em que a demanda anual da humanidade sobre a natureza ultrapassa a capacidade de renovação possível do planeta no período de um ano.

Para chegar a esse dia, a GFN faz o rastreamento do que a humanidade demanda em termos de recursos ecológicos do planeta (tal como alimentos, matérias primas e absorção de gás carbônico) — ou seja, a Pegada Ecológica – e compara com a capacidade de reposição desses recursos pela natureza e de absorção de resíduos. Os dados da GFN demonstram que, em pouco mais de oito meses, utilizamos todos os recursos naturais que o nosso planeta consegue regenerar durante o ano de 2013.

O restante do ano corresponde ao que ficou descoberto em nossa conta. Esse nosso déficit ecológico continuará, devido à dilapidação dos estoques pesqueiros, das árvores e outros recursos naturais, bem como o CO2 jogado na atmosfera.

Em 1961, a humanidade utilizou somente cerca de dois terços dos recursos ecológicos disponíveis no planeta. Naquela época, a maior parte dos países possuía reservas ecológicas. No entanto, a demanda global, assim como a população mundial, estão em ascensão. No início da década de setenta (1970), o crescimento das emissões de carbono e da demanda humana por recursos naturais começou a ultrapassar a capacidade de produção renovável do planeta. Essa condição é conhecida como Ecological overshoot. E entramos no vermelho ecológico.

Segundo tendências atuais, os recursos disponíveis já não conseguem atender as necessidades da população do planeta, que está em 7 bilhões de pessoas e continua crescendo. Cerca de 2 bilhões de pessoas não têm acesso aos recursos necessários para satisfazer suas necessidades básicas.

Hoje, mais de 80% da população mundial vive em países que utilizam mais do que seus próprios ecossistemas conseguem renovar. Esses países “devedores ecológicos” esgotam seus próprios recursos ecológicos ou os obtêm de outros lugares.

Os devedores ecológicos utilizam mais do que possuem dentro de suas próprias fronteiras. Os moradores do Japão consomem os recursos ecológicos equivalentes a 7,1 Japões.  Seriam necessárias três Itálias para prover a Itália. O Egito utiliza os recursos ecológicos de 2,4 Egitos."

30 agosto 2013

Soneto aos Últimos Momentos de Schubert

surgiste dos solares das auroras
já pronto para ocasos iminentes
anoiteceu em tudo o que tu sentes
cavalos pisam pelas tuas horas...

um sonho de mais vida te devora
que é o oposto de em sublime ir em frente
há um alto nos avisos que pressentes
segredos que ameaçam ao ir embora...

que deus que morre em teu gênio profético?
quem é que escuta teus sopros fatais?
que traz de oculto teu cântico hermético?

as fúnebres marchas são teus sinais...
quem me dera um catastrófico épico:
para entender-te os anúncios finais...

28 agosto 2013

no Horror e no Crime

palavra Sublime
para onde foste?
perdeste tanto teu ser
que talvez eu tenha
que te explicar
para um alguém
quer for me ler

se eu te usasse
como adjetivo
soaria pomposo e antigo
e não valeria de nada...

e ainda alguém pensaria:
“mas que babaca!”

morreste
de algum novo vírus sanguíneo
ou suíno
ou apenas
abandonaste a casa
por nojo
de ver tantas baratas
moscatonteando pela mesa?

seja como for
que assim seja...

palavra Sublime
estás agora em segredo
e no inadmissível
da eternidade do medo

e ainda encontras rima
no que há de sublime
em haver esperança
no Horror e no Crime