11 setembro 2013

do Não Confiar

I
uma das raras
grandes virtudes do homem
é saber ver
que raros homens
têm grandes virtudes

II
há uma lição
que só sabem na íntegra
os mortos:
mais conhece a si mesmo
quem mais desconfia dos outros

III
há infinitos de diferença
entre o que olho
e o que vejo;
apenas não digo
e não demonstro:
por isso é que escrevo

10 setembro 2013

As Palhaçadas da Secretaria da Educação

A SEC e o governo do RS estão dando um show de palhaçadas. Vamos a algumas delas:

Palhaçada 1: O governo estadual não paga o Piso Nacional do Magistério, obrigatório por lei, e acha que seus argumentos em não pagar estão corretos. Não sei por que isso me lembra Kafka. Diz que o pagamento não depende do governo gaúcho, mas de uma negociação  com Governo Federal, Congresso, Sindicatos, e até, eu acho, com o Papa. Como assim, negociação? Negociação é quando não há lei definida. A lei é muito clara. O problema é que é contra os governos. Quando é contra, não é lei. Só quando é a favor. Imaginem o contribuinte argumentar: "Não pagarei o imposto de renda, antes vou negociar com o governo federal, o congresso e o judiciário." 

Palhaçada 2: A SEC diz que nenhum professor estadual ganha menos que o piso, que é de R$1567,00. Mas o piso se refere ao salário básico, não a todas as vantagens, gratificações e promoções somadas. O salário básico é bem menor que o piso. Esse é o problema de a educação andar mal. Até o pessoal da SEC, o senhor secretário, e até o senhor governador não aprenderam nada. Não entendem o significado das palavras. Confundem piso com teto.

Palhaçada 3: A SEC também afirma que de forma alguma irá interromper a reforma do Ensino Médio, porque isso seria um desrespeito à comunidade. Haha! Essa é a melhor das piadas. A reforma foi IMPOSTA sem discussão nenhuma com professores e com a comunidade, e agora é desrespeito interrompê-la? Para executar a Lei do Piso querem negociar, para implantar uma reforma (burra, ao meu ver) é na marra? 

Palhaçada 4: O senhor secretário de educação enche a boca para dizer que as aulas perdidas com a paralisação deverão ser recuperadas e que o ponto será cortado. Como é que é? Quer aulas recuperadas mas com ponto cortado? É isso mesmo? Ou seja, quer que os professores deem aula de graça? Ou se mantém o ponto e as aulas são recuperadas, ou se corta o ponto e as aulas também são cortadas. Ridícula, simplesmente ridícula, a afirmação do secretário. Depois são esses mesmos imbecis que vêm falar em educação participativa, democracia nas escolas, justiça nas salas de aula. Palhaçada! Tudo não passa de palhaçada.

Para encerrar, uns trechinhos de uma palhaçada que escrevi:

um governo sempre mente
mesmo quando diz a verdade:
quando mente
tem a verdade como plano de fundo
quando diz a verdade
tem a mentira como base do mundo

não seria governo se não mentisse
mentir
é adiar para o nunca a verdade
governar é a arte de adiar
não seria governo se não omitisse
omitir
é dizer a verdade de que existe o tapete
mas sem erguê-lo para ver-se o debaixo
governar é decidir
sendo capacho

as verdades que um governo esconde
são aquelas que não podem ser verdades
mesmo o sendo
pois não é que um governo minta
ele decide
(a partir do que decidem por ele)
o que pode ser verdade ou não
transforma fato em ilusão
e ilusão em fato
para mais ou para menos
de acordo com o comprimento
da sua cola de rato

09 setembro 2013

Fragmento Absurdo de um Existência Futura n°4 – A Cabeça no Meio da Rua (Final)

Essa era minha porcaria de vida, somente isso, durante vários meses.  Mas minha depressão foi diminuindo, diminuindo, até que em seu lugar surgiu aos poucos uma absoluta indiferença por tudo e por todos. Em nenhum momento, no entanto, eu deixava, sempre por volta do meio dia, de ir contemplar as colorações avermelhadas do céu, sempre no mesmo campo fedorento. Não que fosse somente naquele campo que eu percebia a invasão vermelha nas atmosferas, isso ocorria em todo o céu, de acordo, e insisto nisso, com meu julgamento perturbado. Porém, e realmente não sei o motivo, eu tinha que observar a maldição daquele fenômeno unicamente de lá.

            Mas agora eu saía do campo sentindo uma cruel indiferença que me fazia vagar o dia inteiro pelo chiqueiro da minha cidade, naquele degradante calor dos infernos, alimentando um desejo doentio de desprezar e rir de todas as merdas de pessoas que cruzavam o meu caminho. Eu olhava pra aqueles miseráveis fodidos, aqueles babacas mergulhados na lama, com uma frieza total e com e uma ironia maligna. Aqueles debilóides, homens e mulheres que não valiam nem o que cagavam, imundícias, todos inúteis, degenerados e perdidos.

            Não sentia nenhuma porra de piedade, nenhuma. Só sentia, por exemplo, vontade de rir quando via aqueles refugiados ambientais bebendo as águas podres, onde boiavam bostas, de um rio aniquilado, ou vendo que disputavam com urubus e cachorros pesteados os restos de comida com larvas dos montes de lixo. Nem mesmo as crianças que eram espancadas com violência por outras crianças, ou as mulheres que eram estupradas nos canteiros das praças fedendo a esperma despertavam em mim algum tipo de clemência. Que sangrassem todos no inferno, para mim não faria a menor diferença.

            Dessa forma degenerada e estúpida vivi por mais alguns meses. Ia para casa, comia como um porco, às vezes nem tomava banho, e voltava para as ruas escaldantes, com o único propósito de debochar, de escarnecer com crueldade, e de sacanear todos os malditos que via diante de mim. E claro, quando se aproximava do meio-dia, sem me ausentar uma única vez, lá estava eu , naquele campo torrado, contemplando em estado de transe,  abobalhado, aqueles nuances avermelhados, enfermiços, que só eu percebia. E parecia que era aquela luz vermelha que me deixava mais enlouquecido, mais monstruoso, mais demoníaco.

            Havia algo inexplicável naquelas luminosidades opacas e rubras que me atraía de uma maneira fatal. E fazia ferver no que eu sentia e pensava uma maldade latente, resumo de todo o horror humano, a plenitude do lado negro que se ocultava dentro do meu eu miserável. Assim como a atmosfera da minha cidade acabada fervia de calor eu também fervia de perversidade.

E seja lá o que for que ocasiona toda essa merda, estou certo de que é algo catastrófico.  Isso eu afirmo porque, desde ontem, dois de janeiro de 2047, tenho percebido uma alteração, para pior, em meu comportamento. Percebido e comprovado. Estou há mais de 72h sem dormir. Não sinto nenhuma porra de sono. Minhas horas de sono foram se reduzindo aos poucos atei que cessei definitivamente de dormir.

            Mas jamais deixo de ir ao campo contemplar em estado de êxtase maligno aquela agourenta luz avermelhada. Hoje, após sair do campo, fui tomado de um acesso de loucura. Peguei uma pedra enorme que encontrei na rua e esmaguei sem dó os crânios de uma criança e de sua mãe, só porque escutei que a mãe falava para a menina em “manter a esperança” enquanto comiam as tripas de um gato.

            Após ter esmagado a cabeça das duas, voltei para casa e tornei-me consciente do que fiz. Compreendi que fora um horror sem limite e sem perdão. Mas não consegui sentir nenhuma merda de arrependimento. Minha vida é mesmo um desastre, a vida de todos é um desastre, a civilização é um desastre, que diferença fará ou deixará de fazer o que fiz?

            E agora, não faz nem 10 minutos que, lá fora, na frente da minha casa, um idiota raquítico, estava vomitando. Senti um ódio diabólico esquentando, subindo e fervendo dentro de mim e não pude, e nem quis, controlá-lo. Muito pelo contrário, gosto de ser um doente, um louco e de matar humanos que pensam que estão vivos. Matar é um favor que faço às suas almas fodidas. Saí de casa e gritei:

- Seu cusco imundo, sarnento filha de uma puta, imundiciando minha calçada com o fedor do teu vômito azedo. Este machado vai te ensinar uma coisa pra nunca mais esquecer. Vou te cortar em pedacinhos e fazer guisado da tua carne aidética.

A cabeça dele ainda está pingando sangue no meio da rua.

(Na imagem, detalhe de "O Julgamento Final", de Hieronymus Bosch)

08 setembro 2013

Fragmento Absurdo de um Existência Futura n°4 – A Cabeça no Meio da Rua

Mais um maldito ano insuportável. 2047. Secas, furacões, enchentes e terremotos pela frente. E o diabo! E, não sei por que, venho me irritando demais com essa alteração na cor dos céus. Não é mais aquele azul celeste reconfortante, mas uma tonalidade modificada, algo opaco, desbotado, amarelecido. Não sei se alguém mais percebe. Mas eu poderia jurar que, há alguns meses, além da opacidade, os céus passaram a apresentar, uma tonalidade avermelhada que tem me inquietado profundamente.

Será mesmo que somente eu percebo essa merda? Talvez eu esteja com alguma doença nervosa, psíquica. Sim, eu devo estar doente da cabeça. E talvez seja melhor assim, para sobreviver neste caos fodido. Tenho certeza, aliás. Também não me importo com qual doença pode estar me afetando. Que diferença faria? Nunca me senti bem mesmo. Em nenhum sentido.  É possível que se trate de uma nova enfermidade, afinal, nos últimos anos, surgiram tantas moléstias desconhecidas, pestes incontroláveis, algumas de uma fatalidade brutal. Eu seria só mais um entre milhões de desgraçados. Grande bosta!  Mutações de vírus e bactérias. O homem virou especialista em criar pragas. Tudo isso fruto da grandiosidade da ciência e da destruição da biodiversidade. Mas o pior é que ainda há imbecis que acham a ciência o máximo. E que estamos evoluindo. Ah, que se fodam, essa gente nunca terá jeito mesmo.
           
            O que sei é que há alguns meses, percebi, ou julguei perceber, uma sutil alteração na coloração do céu, que estaria sendo “invadido” por uma espécie de “avermelhamento”. Talvez sejam alucinações. O sintoma de alguma enfermidade? Não sei, sei que essa quase imperceptível tonalidade rubra, seja ela real ou fictícia, atrai-me de um modo insano, irresistível.

            Todos os dias, sem variações, sinto-me “obrigado” a sair durante o momento do ápice do sol, ou seja, ao meio-dia, não importando as condições climáticas. Saio até abaixo de chuva. Caminho em direção a um campo aberto e desabitado, sento-me sobre a grama, olho para o céu, e fico contemplando, não sei por qual merda de motivo, durante quase uma hora, aquilo que julgo ser uma invasão lenta, insidiosa, do céu azul por uma tonalidade vermelha estranha, muito estranha. Nos primeiros dias, sentia-me bem após o fim da minha contemplação imbecil, embora continuasse melancólico. Porém, com o passar do tempo, essa melancolia foi se transformando em depressão, em um desalento total, em um desânimo tão profundo que havia dias que eu não conseguia nem mesmo erguer a cabeça ao retornar para casa.  Perambulava como um idiota deprimido pelas ruas, eu não passava de um estúpido zumbi. Olhava para as outras pessoas, todas infelizes, desesperadas, imersas em problemas sem solução. Ou então, estavam ali  escancarando um sorriso abestalhado entre a inexpressão e a perversidade. Enquanto eu ficava ainda mais deprimido.

            Ao chegar em casa, eu me atirava sem forças na cama, sem comer, sem tomar banho, um verdadeiro palerma. Enfim, sem fazer porra de merda nenhuma, dormia até a manhã do outro dia, sendo torturado durante todo o período de sono por pesadelos com os seres mais absurdos. Sonhava com monstros de aparência indescritível e de uma maldade extrema.  Os cenários de meus pesadelos eram os piores possíveis, e eu até os descreveria se tivesse um pouco da genialidade de Dante.


            Ao me acordar, quase sempre por volta das 9h, a depressão parecia ter passado, e eu me levantava, comia alguma coisa malfeita, quase sempre horrível, dava uma cagada, realizava uma higiene pessoal ridícula e pensava em ir para a merda do meu trabalho. Mas não tinha forças. Então, sentava-me, aguardando ansioso, angustiado, o momento de sair para a contemplação absurda dos céus que se avermelhavam, conforme meu julgamento de louco. Quando chegava o meio-dia, eu ia pra aquele campo e lá permanecia, por períodos de tempo cada vez maiores. Até que deixava apalermado o local, às vezes debaixo de chuva ácida. Era como se eu arrastasse um maldito manto de chumbo, tamanho era meu desânimo. Chegava em casa e jogava-me demolido em meu sono fodido e atormentado. O calor era tão desgraçado que eu às vezes acordava banhado em suor e tapado de mosquitos, mesmo mantendo o ventilador ligado toda a noite.

Essa era minha porcaria de vida, somente isso, durante vários meses.  Mas minha depressão foi diminuindo, diminuindo, até que em seu lugar surgiu aos poucos uma absoluta indiferença por tudo e por todos. Em nenhum momento, no entanto, eu deixava, sempre por volta do meio dia, de ir contemplar as colorações avermelhadas do céu, sempre no mesmo campo fedorento. Não que fosse somente naquele campo que eu percebia a invasão vermelha nas atmosferas, isso ocorria em todo o céu, de acordo, e insisto nisso, com meu julgamento perturbado. Porém, e realmente não sei o motivo, eu tinha que observar a maldição daquele fenômeno unicamente de lá.

            Mas agora eu saía do campo sentindo uma cruel indiferença que me fazia vagar o dia inteiro pelo chiqueiro da minha cidade, naquele degradante calor dos infernos, alimentando um desejo doentio de desprezar e rir de todas as merdas de pessoas que cruzavam o meu caminho. Eu olhava pra aqueles miseráveis fodidos, aqueles babacas mergulhados na lama, com uma frieza total e com e uma ironia maligna. Aqueles debilóides, homens e mulheres que não valiam nem o que cagavam, imundícias, todos inúteis, degenerados e perdidos.

            Não sentia nenhuma porra de piedade, nenhuma. Só sentia, por exemplo, vontade de rir quando via aqueles refugiados ambientais bebendo as águas podres, onde boiavam bostas, de um rio aniquilado, ou vendo que disputavam com urubus e cachorros pesteados os restos de comida com larvas dos montes de lixo. Nem mesmo as crianças que eram espancadas com violência por outras crianças, ou as mulheres que eram estupradas nos canteiros das praças fedendo a esperma despertavam em mim algum tipo de clemência. Que sangrassem todos no inferno, para mim não faria a menor diferença.

            Dessa forma degenerada e estúpida vivi por mais alguns meses. Ia para casa, comia como um porco, às vezes nem tomava banho, e voltava para as ruas escaldantes, com o único propósito de debochar, de escarnecer com crueldade, e de sacanear todos os malditos que via diante de mim. E claro, quando se aproximava do meio-dia, sem me ausentar uma única vez, lá estava eu , naquele campo torrado, contemplando em estado de transe,  abobalhado, aqueles nuances avermelhados, enfermiços, que só eu percebia. E parecia que era aquela luz vermelha que me deixava mais enlouquecido, mais monstruoso, mais demoníaco.

            Havia algo inexplicável naquelas luminosidades opacas e rubras que me atraía de uma maneira fatal. E fazia ferver no que eu sentia e pensava uma maldade latente, resumo de todo o horror humano, a plenitude do lado negro que se ocultava dentro do meu eu miserável. Assim como a atmosfera da minha cidade acabada fervia de calor eu também fervia de perversidade.

E seja lá o que for que ocasiona toda essa merda, estou certo de que é algo catastrófico.  Isso eu afirmo porque, desde ontem, dois de janeiro de 2047, tenho percebido uma alteração, para pior, em meu comportamento. Percebido e comprovado. Estou há mais de 72h sem dormir. Não sinto nenhuma porra de sono. Minhas horas de sono foram se reduzindo aos poucos atei que cessei definitivamente de dormir.

            Mas jamais deixo de ir ao campo contemplar em estado de êxtase maligno aquela agourenta luz avermelhada. Hoje, após sair do campo, fui tomado de um acesso de loucura. Peguei uma pedra enorme que encontrei na rua e esmaguei sem dó os crânios de uma criança e de sua mãe, só porque escutei que a mãe falava para a menina em “manter a esperança” enquanto comiam as tripas de um gato.

            Após ter esmagado a cabeça das duas, voltei para casa e tornei-me consciente do que fiz. Compreendi que fora um horror sem limite e sem perdão. Mas não consegui sentir nenhuma merda de arrependimento. Minha vida é mesmo um desastre, a vida de todos é um desastre, a civilização é um desastre, que diferença fará ou deixará de fazer o que fiz?

            E agora, não faz nem 10 minutos que, lá fora, na frente da minha casa, um idiota raquítico, estava vomitando. Senti um ódio diabólico esquentando, subindo e fervendo dentro de mim e não pude, e nem quis, controlá-lo. Muito pelo contrário, gosto de ser um doente, um louco e de matar humanos que pensam que estão vivos. Matar é um favor que faço às suas almas fodidas. Saí de casa e gritei:

- Seu cusco imundo, sarnento filha de uma puta, imundiciando minha calçada com o fedor do teu vômito azedo. Este machado vai te ensinar uma coisa pra nunca mais esquecer. Vou te cortar em pedacinhos e fazer guisado da tua carne aidética.


A cabeça dele ainda está pingando sangue no meio da rua.


06 setembro 2013

Só os pessimistas...

Naqueles dias em que os brasileiros saíram às ruas para protestar (cada um por uma coisa), eu fui um dos raros que teve o atrevimento de ser pessimista quanto aos resultados das manifestações. Quase todos estavam entusiasmados e confiantes que, a partir dos tais protestos, o Brasil iria sofrer uma profunda transformação, os políticos iriam fazer a vontade do povo... enfim. Eu não acreditei. E na ocasião escrevi o texto "A Onda de Protestos. Protestos ou Onda?" . 

E um dos otimistas era o escritor e jornalista Juremir Machado da Silva, acreditando realmente que algo de novo estava nascendo. Pois agora, o próprio Juremir virou um descrente. Escreveu o seguinte em sua coluna no jornal Correio do Povo de hoje: "Quando parece que vai, convenhamos, aí é que não vai. Depois das manifestações de rua, o Congresso Nacional fingiu dar grandes passos à frente e deu mesmo alguns para trás."  Deixo apenas esse trecho. Sugiro que o leitor leia toda a coluna.

“Só os pessimistas forjam o ferro enquanto está quente. Os otimistas confiam em que ele não esfrie.”

Peter Bamm

05 setembro 2013

Mensagem para Relaxar

no hoje
pensar virou artigo
de luxo

e sentir
um pão de trigo
no lixo

e nem há mais a dizer
que se digo
ou me xingam
ou serei linchado:
o humano
anda mesmo vazio
e cagado

o homem
é um animal que se acha
e a civilização
um infalível laxante...
então... se lixa
adiante –
relaxa...

03 setembro 2013

aos Punheteadores de Reais

são todos iguais
os punheteadores de reais
lambedores de lucros
chupadores mútuos

farinhas de mandioca
ocas
do mesmo saco:
se julgam algo
de largo
mas não passam de rasos
cossacos
enchedores de sacos
e vasos
de moedas
de cacos
e merdas

andando tesos
e obesos
vão peidando podre
de soberba pelos bancos
com a alma aos trancos
e barrancos
se achando chefes
mas tão somente blefes
marionetes
mequetrefes

são todos iguais:
sempre  se juntam os ricos
para proteger o ouro (de tolo)
dos seus pinicos

01 setembro 2013

Tapado com Tanga

outra manhã amanhecida
(igual a um pão amanhecido)
com o ranço e o seco
de todas as outras manhãs
no bolor amanhecidas

as mesmas pessoas ridículas
aos mesmos trabalhos risíveis
há graça em tanta desgraça
e se eu pudesse morrer de me rir
ou viver de  me ir

as mesmas pessoas de nada
nadando
no mar de merda da mente
e nada que valha a pena
e nada que valha a perna
em outra manhã de lerda
certos de que são profundos

sempre os mesmos caminhos imundos
com placas de sem-sentido
o cérebro tapado com tanga
da moça com cara de bela
alma de baranga
e saliva de cadela

desta amanhã amanhecida
de que chamam vida
quem me dera morrer de rir

hora de ir dormir

31 agosto 2013

2013: em 8 meses, consumo humano já excedeu a capacidade anual de regeneração do planeta

Transcrevo notícia publicada no site www.ecycle.com.br :

"Em pouco mais de oito meses, utilizamos todos os recursos naturais que o nosso planeta consegue regenerar durante o ano de 2013.

Em 20 de agosto de 2013, a humanidade esgotou o orçamento da natureza para este ano e começou a operar no vermelho. Os dados são da Global Footprint Network – GFN (Rede Global  Pegada Ecológica), instituição internacional que gera conhecimento sobre sustentabilidade e tem escritórios na Califórnia (EUA), Europa e Japão, e é parceira da rede WWF.

O Dia da Sobrecarga da Terra (Earth Overshoot Day) é a data aproximada em que a demanda anual da humanidade sobre a natureza ultrapassa a capacidade de renovação possível do planeta no período de um ano.

Para chegar a esse dia, a GFN faz o rastreamento do que a humanidade demanda em termos de recursos ecológicos do planeta (tal como alimentos, matérias primas e absorção de gás carbônico) — ou seja, a Pegada Ecológica – e compara com a capacidade de reposição desses recursos pela natureza e de absorção de resíduos. Os dados da GFN demonstram que, em pouco mais de oito meses, utilizamos todos os recursos naturais que o nosso planeta consegue regenerar durante o ano de 2013.

O restante do ano corresponde ao que ficou descoberto em nossa conta. Esse nosso déficit ecológico continuará, devido à dilapidação dos estoques pesqueiros, das árvores e outros recursos naturais, bem como o CO2 jogado na atmosfera.

Em 1961, a humanidade utilizou somente cerca de dois terços dos recursos ecológicos disponíveis no planeta. Naquela época, a maior parte dos países possuía reservas ecológicas. No entanto, a demanda global, assim como a população mundial, estão em ascensão. No início da década de setenta (1970), o crescimento das emissões de carbono e da demanda humana por recursos naturais começou a ultrapassar a capacidade de produção renovável do planeta. Essa condição é conhecida como Ecological overshoot. E entramos no vermelho ecológico.

Segundo tendências atuais, os recursos disponíveis já não conseguem atender as necessidades da população do planeta, que está em 7 bilhões de pessoas e continua crescendo. Cerca de 2 bilhões de pessoas não têm acesso aos recursos necessários para satisfazer suas necessidades básicas.

Hoje, mais de 80% da população mundial vive em países que utilizam mais do que seus próprios ecossistemas conseguem renovar. Esses países “devedores ecológicos” esgotam seus próprios recursos ecológicos ou os obtêm de outros lugares.

Os devedores ecológicos utilizam mais do que possuem dentro de suas próprias fronteiras. Os moradores do Japão consomem os recursos ecológicos equivalentes a 7,1 Japões.  Seriam necessárias três Itálias para prover a Itália. O Egito utiliza os recursos ecológicos de 2,4 Egitos."

30 agosto 2013

Soneto aos Últimos Momentos de Schubert

surgiste dos solares das auroras
já pronto para ocasos iminentes
anoiteceu em tudo o que tu sentes
cavalos pisam pelas tuas horas...

um sonho de mais vida te devora
que é o oposto de em sublime ir em frente
há um alto nos avisos que pressentes
segredos que ameaçam ao ir embora...

que deus que morre em teu gênio profético?
quem é que escuta teus sopros fatais?
que traz de oculto teu cântico hermético?

as fúnebres marchas são teus sinais...
quem me dera um catastrófico épico:
para entender-te os anúncios finais...

28 agosto 2013

no Horror e no Crime

palavra Sublime
para onde foste?
perdeste tanto teu ser
que talvez eu tenha
que te explicar
para um alguém
quer for me ler

se eu te usasse
como adjetivo
soaria pomposo e antigo
e não valeria de nada...

e ainda alguém pensaria:
“mas que babaca!”

morreste
de algum novo vírus sanguíneo
ou suíno
ou apenas
abandonaste a casa
por nojo
de ver tantas baratas
moscatonteando pela mesa?

seja como for
que assim seja...

palavra Sublime
estás agora em segredo
e no inadmissível
da eternidade do medo

e ainda encontras rima
no que há de sublime
em haver esperança
no Horror e no Crime


26 agosto 2013

Os médicos cubanos são mais médicos

O texto abaixo foi retirado do jornal digital Sul21 (clicar aqui) e foi escrito por Vinicius Galeazzi:

"Santiago de Cuba, em 26 de julho, exatamente durante a cerimônia de comemoração dos 60 anos da invasão dos quartéis de Moncada naquela cidade, início da revolução cubana. Ouvimos os discursos dos vários presidentes e representantes de países caribenhos e da América Latina, entre eles do presidente Mujica do Uruguai. A maior parte das falas vinha carregada de agradecimentos à solidariedade que Cuba presta à saúde e à educação de diferentes países, especialmente daqueles que mais precisam. Assim agindo, Cuba cumpre um preceito previsto em sua Lei Maior, uma vez que prestar solidariedade a outros países é norma da Constituição do país.

No Haiti, depois do terremoto que assolou aquele país, os médicos cubanos lá estiveram e permanecem até hoje, porque ainda existe muito o que fazer na área da saúde. Os nossos médicos ficaram lá somente dois ou três meses. No rico Panamá, soubemos em nosso retorno, os médicos cubanos fizeram um mutirão de mil cirurgias de olhos, em pagamento à ajuda que tiveram daquele país. Esta semana, aqui, um médico do Uruguai, me relatou que tal mutirão de cirurgias de olhos por médicos cubanos também aconteceu no seu país e atingiu a cifra de 45 mil cirurgias grátis, 30.000 de cataratas, em cinco anos. Além de muitas ilhas do Caribe, eles estão presentes na Venezuela, Equador, Bolívia, Portugal, vários países da África, sendo 47 ao todo. Em Chernobyl, atenderam, em 20 anos, mais de 25.000 pessoas, priorizando crianças. A Arábia Saudita, americanófila, recentemente contratou médicos cubanos para, além de clinicar, atuarem como professores dos médicos locais.

Desde a revolução, a saúde e a educação são as grandes prioridades em Cuba. Há 25 faculdades públicas de medicina, além da ELAM (Escola Latina Americana de Medicina) dedicada só a estrangeiros (conta com estudantes de 118 países, inclusive do Brasil). Há 6,4 médicos para cada 1000 pessoas. Como na Inglaterra, lá a medicina é comunitária: o médico conhece todos os seus pacientes e trata as pessoas para que não adoeçam e levem vida saudável. Em Cienfuegos, nosso companheiro de viagem teve sério problema estomacal, foi numa Clínica Internacional foi atendido e saiu de lá com a medicação que precisava, sem pagar nada.

Há, em Cuba, muitos problemas, é verdade. O bloqueio econômico e midiático, em 50 anos, comandado pelos Estados Unidos, obrigou e ainda obriga o país e a população toda a sacrifícios imensos. Mas, apesar dessa imposição internacional, ninguém pode afirmar que Cuba não tem uma das melhores medicinas e saúde pública, educação pública de qualidade e gratuita, uma música extraordinária e sorriso aberto das pessoas exibindo dentes sadios.

No Brasil, há 1,8 médicos para cada 1.000 habitantes. Na Argentina, 3,2. O programa Mais Médicos visa elevar nosso índice para 2,5 médicos para mil habitantes: um incremento de mais de 170.000 médicos, quando nossas escolas de medicina formam cerca de 18.000 médicos por ano.Nesse contexto, não é aceitável que a corporação dos médicos brasileiros não concorde que se chame médicos de outros países para os postos carentes, onde eles não querem ir. Alegam que não há infraestrutura e, sem ela, os médicos não podem trabalhar, mas não lhes importa, parece, que pessoas adoeçam durante essa espera de infraestrutura. Como é que os médicos cubanos realizam curas onde não há nada? O que é que os médicos cubanos têm, que os nossos não têm?

Leio no blog Tijolaço: “Em Portugal, médicos cubanos são um problema. Ninguém quer que eles se vão”, uma vez findo o contrato. Parece que os interesses econômicos da medicina empresarial daqui temem, exatamente, que situação semelhante, também, aqui aconteça: outro conceito de medicina seja conhecido e experimentado e comecem a exigir outra política de saúde pública no Brasil. É evidente que a indústria farmacêutica e de equipamentos, que lucra com a doença, não tem o menor interesse que a medicina preventiva, com foco na saúde, se estabeleça"

25 agosto 2013

Sobre a Justa Greve do Magistério

O Magistério gaúcho deflagrou greve a partir desta segunda-feira, dia 26/08. O motivo principal é que o governo do RS não paga o piso estipulado por lei. Concedeu aumento, é verdade, ainda não de todo efetivado, mas o piso, o básico, está bem abaixo do que diz a lei. E continuará após a concessão total do aumento. 

O problema é que o governo acha que piso é teto. Se for considerar pelo teto, claro que a maioria dos professores que trabalham 40h ganham mais do que o piso. Porém, piso é piso. É o básico, sem acréscimo de nenhuma vantagem ou gratificação. Enfim, o governo está fora da lei. E deve cumpri-la. É muito simples. Nem se precisava fazer greve. Ter que se fazer greve para se fazer cumprir a lei que deve ser naturalmente cumprida, chega a ser um absurdo kafkiano. E o governo deve ser o primeiro a cumpri-la, para dar o exemplo. Ponto final. Só esse argumento, é o suficiente. O governo gaúcho não tem argumento nenhum. Só fala besteiras e desculpas vergonhosamente esfarrapadas.

E não é só pelo pagamento do piso a greve. Há outros motivos, como a reforma do Ensino Médio, a meu ver, precipitada, mal elaborada, mal refletida e apresentada de forma autoritária, sem um verdadeiro debate com a classe dos professores, comunidade escolar e população em geral. Enfim, a greve é justa, mais do que justa. Aproveito para republicar trechos de um texto que escrevi ainda em junho, a propósito das manifestações que se espalharam pelo país:

A sociedade brasileira em geral não apoia greves. Quase sempre fica contra os grevistas e a favor dos governantes, e exige que os grevistas voltem a trabalhar e negociem sem paralisações. É que a greve não é um protesto festivo e descompromissado. A greve, quando bem feita e organizada, fere profundamente o seio da sociedade. Porque é só neste momento, no da greve, é só nesse momento que todos sentem na pele como determinada categoria trabalhadora faz falta às pessoas.

Mas então, o que ocorre? Por que quase sempre as greves não dão resultado no Brasil? Porque os governos ficam na situação cômoda de ter a sociedade a seu favor. As pessoas, sentindo-se prejudicadas com as paralisações do serviços, não são capazes de se solidarizar com as reivindicações autênticas dos grevistas, daqueles trabalhadores oprimidos pelo mecanismo injusto do sistema. Não saem para as ruas com cartazes e palavras de ordem. Não exigem que o Brasil "acorde". Não saem trancar o trânsito e invadir congressos. Assim, ao invés de pressionar os políticos, pressionam os grevistas e acabam por tirar toda a força do movimento. 

É o que tem acontecido com as greves do magistério. A hipocrisia que reina na sociedade brasileira quando o assunto é educação é gritante. Todos garantem estar a favor da educação, porém, na hora do "pega pra capar", quando a classe dos professores quer se manifestar de forma real e efetiva, não com protestos inofensivos, o que é que faz a sociedade? Indigna-se contra os professores, afirma que estão reclamando de "barriga cheia", que estão prejudicando inocentes, que são os seus filhos, que terão que recuperar aulas, e que não poderão aproveitar direito as férias de verão indo para a praia.




23 agosto 2013

Sacanagem

dizem que agora
somos mais livres...
talvez sejamos...
ou talvez sejamos
melhores manipulados

não falo só de brasileiros
falo também de universais
e do meu vizinho ao lado

mais livres
é o que parecemos
porque parecer é o tudo
na era da aparência

de que importa
que não tenhamos consciência?

o que vale é a impressão
de que podemos
escolher o sabor do pão...

o homem é uma peça presa
de uma branca engrenagem
cujo maior objetivo
é não se mostrar engrenagem

nos acharmos livres
é a maior sacanagem...

muitos não concordarão:
são livres para discordar
ou são condicionados
a dizer que o são

22 agosto 2013

Sobre a Hipocrisia

I – da História

existem escrituras apócrifas
(que não se aceita
porque são falsas)
que dizem que todos
erguendo suas calças
são hipócritas

II – do Demônio

nós não somos nós
quando o galho desfolha...
o diabo é diabo
porque não é diabo
para quem olha

III – do Lado Oculto da Lua

se nós fôssemos sempre
aquilo que somos
(e tu aquilo que és)
nós não nos olharíamos nos olhos
mas nos pisaríamos nos pés


20 agosto 2013

O Político (Ou Dos Justos Motivos de um Político)

Agora, estão dizendo que não sou honesto. Nada sabem sobre os desígnios de um grande político. Queria que os que me criticam estivessem em meu lugar. Eu também já fui um grande idealista. Em minha juventude, queria mudar, não, mais que isso, queria revolucionar minha cidade, meu Estado, minha Pátria, e, por que não? o mundo. Eu me sentia capaz das maiores realizações, dos feitos mais nobres e grandiosos, dos atos de heroísmo, do sacrifício pela nação... E eu me via, em meu magnânimo futuro, rodeado de todas as glórias, adorado pelo povo, um símbolo do que é correto, justo, enfim, um grande homem, o maior dos políticos.

Mas não pensem, meus senhores, minhas senhoras, não pensem que eu abri mão de todos esses ideais sublimes. Não, eu apenas os adaptei aos nossos tempos, às necessidades da sobrevivência. Ao contexto de nossa sociedade. De nossa civilização moderna, onde não há espaço para ingenuidades. Os ideais de um grande homem continuam vivos e ativos em meu interior, em minhas atitudes, sempre arraigadas na honra e na dignidade. Isso é que é ser honesto, honesto em manter a minha palavra de homem, qual seja, a que um dia prometeu lutar pelo bem-estar e pelo progresso do povo e da nação. Isso, eu estou certo que realizo com todos os méritos.

E nos meus discursos, qualquer um poderá comprovar a verdade intrínseca do que afirmo. Vejam, percebam como o meu verbo é forte, intenso, inflamado! Quem poderá duvidar da veracidade das minhas palavras? Quando discurso para o meu povo, eu encarno o espírito dos grandes estadistas, dos paladinos do passado, dos benfeitores da humanidade. Muitas vezes, já chorei, derramei as minhas lágrimas, lágrimas sinceras, profundas, sentidas, quando me dirigia àquelas pessoas, vendo-as ali, com os olhos brilhantes de esperança, crentes no meu poder de melhorar suas vidas. Ah, como isso é belo, como é emocionante! E eu nunca as decepcionei!

Mas agora, agora vêm esses inimigos do povo, inimigos dos batalhadores da Pátria, atirar pedras na minha vida exemplar, acusar-me de corrupção, de tráfico de influência, de crime de responsabilidade, de desvio de verbas... É como sempre digo: quem não está no poder, não sabe como deve agir quando se está no poder. Acreditam que podem ser um grande político sendo um reles santinho. Assim, serão esmagados. Devem entender, esses ingênuos, que estamos no meio de lobos. Entre feras. Já dizia o poeta que quem vive entre feras sente necessidade de também ser fera. Isso não é ser corrupto. É apenas ter consciência do lugar em que nos encontramos. Já que estou aqui e que cumpro com o meu dever, por que não? É justo que eu seja muito bem pago pelo meu serviço, que é fruto de anos, anos! de esforço, de dedicação, de reflexão sobre a vida, de criação de laços de amizade, de enfrentamento de inimigos, de sacrifícios voluntários, de dias e dias longe da família, da esposa, dos amigos, para ficar ali, em meio a homens sórdidos, raposas ardilosas, criando pactos, alianças, sabendo a hora certa de apoiar um lado ou o outro. E aí, então, depois disso, eu sou uma pessoa inconfiável? Mas o que é isso? Onde é que estamos?

Meus amigos, tudo depende do ponto de vista. O que é, por exemplo, desviar uma verba? O que é uma verba? Entendo que a verba pública, e os senhores hão de concordar comigo, é para o bem-estar do povo. Então, digamos que eu tenha  desviado alguma verba pública . Se o fiz, foi porque considero que foi para o bem-estar de todas aquelas pessoas as quais represento. Exatamente. Compreendo perfeitamente a importância da minha pessoa para a nação. Deixemos de falsa modéstia. Eu merecia ter o controle daquele dinheiro e usá-lo conforme as minhas determinações. Merecia, primeiro porque batalhei muito para estar onde estou. E cumpro as obrigações de um homem eleito pelo povo. Estou dia e noite preocupado com o bem-estar da população, com o desenvolvimento do país. O que mais desejo nesta vida é contemplar a felicidade do meu povo. E estou trabalhando para isso. E quero trabalhar ainda mais. Então, agora, entendam este ponto fundamental: para isso eu preciso de dinheiro.

Sim, eu sei que dirão que vereadores, deputados e senadores já ganham muito. Mas dizem apenas por ignorância.  Por absoluto desconhecimento das inúmeras funções e atribuições de um bom político. Nosso salário não dá para nada, no que se refere ao exercício de nossas funções. Se eu não fosse um grande político tão cheio de responsabilidades, se não necessitasse de tantos assessores, de tantas pessoas de confiança, de tantas amizades imprescindíveis para o devido desempenho do meu cargo, tudo bem, o salário seria ótimo. Porém, infelizmente, não é assim. Eu preciso comprar pessoas. Digam o que quiserem, mas é assim. Se eu não comprar pessoas, que político serei? Quem estará do meu lado? Quem apoiará minhas ideias? Quem divulgará o meu nome, as minhas promessas, as minhas inúmeras realizações? Quem alardeará para toda a nação o grande homem, o genial político que sou?

Percebam, eu precisava daquele dinheiro, daquela pequena, exígua, parcela daquela verba para continuar a realizar o bem para o povo. Foi uma necessidade que somente os grandes homens compreendem. Eu tenho que fazer favores para aqueles que me auxiliam nesta dificílima empreitada que é engrandecer a nação e tirar o povo da miséria. Ou será que não sabem que ninguém faz nada de graça? Aqueles homens e mulheres que me auxiliam, que possibilitam a minha atuação pelo povo, também necessitam da sua parte. Do seu pagamento. Claro que esse pagamento nem sempre se refere a uma soma em dinheiro. Às vezes, é alguma outra necessidade dessas pobres pessoas, tão serviçais, que dão suor e sangue pelo nosso Brasil. Eu, como o homem justo que sou, devo atender justamente às reivindicações dessa gente que vende os seus prestimosos serviços, os serviços de suas empresas, de seus jornais, de seus blogs, que vendem as suas valiosas opiniões, enfim, que vendem a si próprias! Observem o gigantismo de tamanhos sacrifícios! E isso nem sempre sai barato, naturalmente.

Claro, às vezes, apenas pedem como pagamento um empreguinho aqui, uma informaçãozinha ali, uma participaçãozinha acolá, um patrociniozinho mixuruca, enfim, essas coisas simples, nada de mais. Porém como que vou possibilitar tais coisas a essas pessoas tão úteis, que são tantas, se eu não tiver dinheiro, poder econômico, influência política? E vou tirar dinheiro de onde? Ora, claro que das verbas públicas, exatamente pelo motivo de que eu as usarei para o bem da nação, e isso é algo inquestionável, indubitável, irrebatível, conforme atestam meus argumentos. Não é um desvio de dinheiro, é um emprego inteligente de uma verba que seria desperdiçada em alguma obra desnecessária. E que depois ainda acabaria abandonada. E esse dinheiro indevidamente definido como “desviado” nem ficou em minhas mãos. Foi para quem mais necessitava: aqueles que estão sempre do meu lado (e, por conseguinte, do lado do povo), auxiliando-me na minha divina missão.

Ah, irão dizer que isso a lei não permite? Ora, os grandes homens, os gênios devem estar acima da parca lei humana. Quantos feitos grandiosos nunca teriam sido realizados se não houvesse os corajosos que enfrentam todas as leis, nem sempre justas, os padrões estabelecidos, o senso comum, que vão contra todos os preconceitos e julgamentos ofensivos? Sei que este é o meu caso. Sim, podem me classificar como um ladrão, um salafrário, um cafajeste, seja o que for, eu aceito, em nome da nação pela qual sofro e me sacrifico. A minha consciência resplandece em absoluta tranquilidade. A tranquilidade do dever cumprido.