26 outubro 2012

A Linha Decadente (Final)


Agora, verifico que os vultos são soldados trajados exatamente como eu, soldados americanos com uniformes da Segunda Guerra Mundial, armados com metralhadoras. São dezenas, talvez 30 ou 40 soldados. Cada um se oculta atrás de algum tronco das mortas árvores gigantes. Percebo que me observam. Apesar de trajarem o mesmo uniforme que eu, sinto que são meus inimigos. Exatamente no momento em que decido se devo fugir ou enfrentá-los, sou abordado por dois dos soldados. Tenho a impressão de que já os conheço. Então, percebo que são meus vizinhos na vida real. Porém, assim como eu, ambos estão envelhecidos. Questionam-me se sou amigo ou inimigo. Digo que, se somos vizinhos, devemos ser amigos. Eles concordam. Alertam-me então que todos os outros soldados que estão ali desejam a nossa morte, e que devemos combatê-los. Respondo que estou preparado para o enfrentamento.  Sob as luzes das explosões e dos relâmpagos, somos surpreendidos pela presença de dezenas de soldados a poucos metros de onde nos encontramos

De forma desesperada, principiamos a correr e a disparar as metralhadoras em tudo o que se mexe. E matamo-nos uns aos outros. Acerto, ao menos, em cinco soldados. Um, deles, quase a queima-roupa. Sou lavado com seu sangue. Meus companheiros baleiam outros soldados, mas também são alvejados. Um na cabeça, morrendo na hora, e outro, no abdômen.  Verifico, porém, que os demais soldados não desejam matar exclusivamente a nós três. Matam-se a eles mesmos. De modo que permanecem vivos menos de dez soldados.

Uma granada explode ao meu lado e fico completamente surdo de um dos ouvidos. Lembro das granadas de minha mochila. Retiro duas, mas no instante em que vou lançá-las, sou ferido com um tiro nas costas, mas não mortalmente. Sinto uma dor dilacerante. Mesmo assim, ainda consigo lançar as granadas. Faço explodir três soldados. Pedaços de corpos caem aos meus pés. Restam apenas três homens. Eu, meu companheiro agonizante, ferido no abdômen, e um outro que se aproxima de mim com um punhal. Quando está a menos de três passos, comprovo, estarrecido, que se trata de meu irmão caçula, porém, muito envelhecido, aparentando ser mais velho do que eu. Ao perceber que sou que eu que estou ali caído, ferido nos pulmões, meu irmão se suicida, cravando o punhal na região do coração. Olho para meu vizinho ferido. Já está morto.

Tento erguer-me, conseguindo com imensa dor e dificuldade. Saio a perambular por aquele campo devastado, afundando os pés em poças de sangue e tropeçando em cadáveres ou em pedaços de cadáveres. Há vísceras por todos os lados. Quando surgem mais explosões e relâmpagos, fixo minha atenção na face dos mortos. Verifico, abismado, que todos eles, todos os soldados mortos naquela batalha, vários deles por mim, são pessoas conhecidas, e muito bem conhecidas. São todos ou meus parentes, ou meus amigos, ou meus vizinhos. No momento que me dou conta de que assassinei entes queridos, suicido-me com um tiro na cabeça.

No entanto, não sinto morrer, mas, imediatamente, vejo-me, ainda mais envelhecido, no alto de um prédio, um arranha-céu gigantesco ao absurdo, cujo topo aproxima-se da lua. O prédio tem sua base na Terra, mas o seu objetivo é atingir alguma região lunar. Sou um dos construtores do prédio. Ele ainda não foi terminado. Há muitos outros construtores, todos velhos, que, de forma frenética, robótica, quase desesperada eu diria, colocam mais e mais tijolos no prédio, de modo que ele cresce sem cessar. O ritmo é tão intenso que está quase tocando o solo lunar. Percebo que tenho um buraco em minha cabeça. Recordo-me do tiro que desferi em mim mesmo. Do buraco, escorre um filete de sangue. O filete possui um aspecto estranho, bizarro, pois desce em linha reta, absolutamente reta, e assemelha-se muito à linha vermelha do gráfico que descia no gráfico do teto do meu quarto.

Um dos construtores volta-se rapidamente para mim, gritando: “Pega o último tijolo e termina o prédio!” O tijolo está à minha esquerda. Então, percebo que se eu colocar o último tijolo no topo do prédio, este tocará o solo da lua. Cumpro a ordem dada pelo construtor. No instante absolutamente exato em que o tijolo toca o terreno lunar, sinto uma tremenda vibração que parece advir da base do arranha-céu situada na Terra. A sua estrutura entra em colapso e começa a desabar numa velocidade vertiginosa. Junto com o prédio, principio uma queda absurda e impossível. Impossível, não fosse tudo um sonho, do qual estou plenamente consciente. Como um foguete humano, sinto-me nem mesmo caindo, mas como se fosse arremessado por uma força desconhecida de volta para o meu planeta.

Tomado de indizível pânico, penetro incólume na atmosfera terrestre, dirigindo-me para uma grande metrópole que não sei definir qual é. Quando estou próximo dela o suficiente para observar com certa clareza suas construções, habitações, habitantes, enfim, toda a sua civilização, comprovo que tudo está desabado e em ruínas como o arranha-céu que ajudei a construir. Ao meu lado centenas, senão milhares, de seres humanos caem como eu, muitos deles já se esfacelaram no solo do planeta. Muitos outros caem acima de mim. Quando vai chegando minha vez de me espatifar no meio de uma rua coberta de escombros, desperto do sonho.

Todos esses acontecimentos oníricos que relatei já se repetiram em meu sono dezenas de vezes, com mínimas variações que não afetam em nada o teor do que ocorre. Quando narro minha história absurda para amigos e conhecidos (muitos deles presentes no sonho), ficam boquiabertos, não entendendo como alguém pode sonhar algo tão terrível e de forma tão clara. Perguntam-me se não estou chocado ou perturbado em viver frequentemente semelhante pesadelo. Respondo que o que me choca e me perturba é eles ainda NÃO terem sonhado com aquele gráfico sinistro e com sua linha avermelhada que sobe ao máximo para depois descer, a sua linha decadente.

25 outubro 2012

A Linha Decadente


Naquele meu sonho, vejo sempre algo como um quadro de um gráfico. A imagem, nunca absolutamente clara, semelhando-se a uma aparição esbranquiçada entre névoas, surge sempre no teto de meu quarto. Penso, nesses momentos, que estou acordando, mas logo me apercebo que continuo dormindo. Sei, então, que estou dormindo e que tudo não passa de um sonho. Porém, não consigo despertar. Na verdade, nem procuro fazê-lo. Mas tenho a segura sensação de que se tentasse, não conseguiria. Momentos após tomar consciência de que estou adormecido e de fixar minha atenção no surgimento do gráfico, uma tênue linha avermelhada é traçada por uma mão invisível na tela nebulosa do gráfico. A linha, de forma irritantemente lenta, vai subindo através do espaço em branco da tela até atingir o ponto máximo possível, até os limites do quadro do gráfico.  Creio que a ascensão da linha mantém-se por cerca de 10 minutos. Durante esse tempo, permaneço imóvel em minha cama, com a atenção fixa no gráfico. Tal atenção não é exatamente voluntária. Sinto-me como que hipnotizado.

No instante que a linha atinge o limite do gráfico, as janelas do meu quarto abrem-se por si mesmas, e um dia ensolarado de céu absolutamente límpido resplandece no ambiente exterior, ambiente este que não corresponde às imediações normais de minha casa quando nos instantes de vigília. Olho para as janelas e contemplo um vasto campo de um intenso verde povoado de árvores gigantes que se estende até um horizonte azulado e infinito. Embaixo de umas das árvores, um belo espécime de elefante alimenta-se com suas folhas.

 Começo a me movimentar, como se a partir de então me fosse permitido. Ergo-me da cama. O gráfico permanece no teto de meu quarto, mas a mão invisível reinicia a traçar a linha avermelhada. Como não é mais possível a linha subir, ela principia, com a mesma lentidão da subida, a declinar na tela do gráfico. No instante em que a linha atinge a metade de sua queda, no percurso em direção ao extremo inferior do gráfico, este desaparece instantaneamente, e o sol, no ambiente externo, também declina no horizonte. Começa, vagarosamente, a entardecer. Olho-me em um espelho posicionado à minha esquerda e verifico que estou trajando um uniforme de um soldado americano da Segunda Guerra Mundial. Meus cabelos estão embranquecidos e minha pele envelhecida. Mas não a ponto de parecer um velho. Aos meus pés, no piso, estão um capacete e uma metralhadora com farta munição, além de uma pequena mochila com várias granadas.

Coloco o capacete, pego a metralhadora com a munição e a mochila com as granadas e saio pela janela. Olho ao redor com a máxima atenção e sinto um rumor estranho, um pressentimento desagradável que me percorre friamente. A tarde se aprofunda. Dos horizontes, agora um tanto obscurecidos, surgem nuvens inicialmente claras e rarefeitas, mas que gradativamente e numa movimentação acelerada, vão se tornando cinzentas e carregadas, assomando-se às regiões mais elevadas do céu. A luz solar vai sendo encoberta. Nesse instante, tenho a definitiva impressão de que algo mortífero se aproxima.

O elefante segue arrancando e se alimentando vagarosamente com as folhas de uma das árvores gigantes, porém aparenta agora ser um animal velho e doentio, sem a sua beleza original. Olha-me de uma maneira canhestra, como se quisesse me dizer alguma coisa. Seus olhares entristecidos causam-me calafrios. Observo que as árvores perderam parte de seu vigor e frondosidade. Em algumas, suas folhas haviam murchado.  Algo semelhante acontecera com o campo, agora amarelecido, chegando a estar seco em alguns trechos.

            Perambulando com a metralhadora em prontidão (intuía que devia estar atento para alguma espécie de perigo desconhecido que poderia advir a qualquer momento), principio a ouvir sons distantes, como de explosões, tiros e gritos humanos. As nuvens, agora completamente escuras, mescladas com fumaça negra, tomam conta da totalidade do céu, obscurecendo a luz solar. Cai um crepúsculo enfermiço. Avisto, ao longe, titânicos incêndios, e luzes de explosões iluminam lugubremente os horizontes quase anoitecidos.

           Sento-me sob uma das árvores. Só então percebo que as folhas de quase todas elas estão completamente secas. Ouço um baque às minhas costas. O elefante caíra morto, absurdamente velho, esquálido, como se fosse apenas pele e ossos. Não há mais grama abaixo de meus pés. De alguma forma que não observei, onde antes crescia o gramado do campo, agora somente havia um espesso lodo, como se tivesse chovido sobre a terra desprotegida. Não chovera, no entanto.

            Os sons de tiros e de explosões aparentam estar se aproximando. Um dramático nervosismo, uma tensão insuportável se apossa da minha psique. Firmo minhas mãos na metralhadora. Percebo que estou suando frio. Olho para as árvores gigantes ao meu redor. Haviam perdido todas as suas folhas. Todas as árvores estavam, aparentemente, mortas. Abro a mochila e conto as granadas de seu interior. São 14 ao total. Encontro também uma enorme lanterna. Acendo-a e dirijo seu facho para as imediações. Diviso vultos que se aproximam sorrateiramente. Alarmado, ergo-me e rapidamente me oculto atrás do tronco enorme da árvore, agora morta. As explosões aumentam de frequência, e principia a relampejar. Aproxima-se uma tempestade. Já não preciso mais da lanterna. A cada clarão, seja das explosões, seja dos relâmpagos, observo inúmeros vultos que se aproximam ameaçadores. 

(Amanhã, o final do conto.)

24 outubro 2012

Mensagem


seres que vos extinguis
a que oculto
o que mistério
vos leva...?
o que vos leva
em que mistério
é oculto?...

quando vos fordes
ocultai convosco
o que me segredo
quando partirdes
me deixai que parta
o que talvez eu deixe
o que talvez se parta
e este meu perto peito
despejai ao longe

o que pulsou comigo
não deixeis que siga
na desalada vida
no desperado  verso
que perambula e erra
escondei da terra
o que me esperanço
nos confins
a que vos destinais...

que eu me esqueça do existe
em vossos eternos jamais

mas guardai
em vossas almas
a minha arte dos tardes

para quando voltardes...

22 outubro 2012

Beijo ou Cuspe


Porque, se no orbe oval que os meus pés tocam
Eu não deixasse o meu cuspo carrasco,
Jamais exprimiria o acérrimo asco
Que os canalhas do mundo me provocam!

Augusto dos Anjos

poesia
pode ser beijo
e pode ser cuspe
ser suspiro
ou catarro
inspiração
aspirada em névoa
ou em céu claro

poesia
que não pode ser buscada
vem
como desce a água
pelo cair da escada
quando se sai em busca
da água
não encontrada

poesia
em busca
de cuspe ou beijo
e não
como quer o desejo
poesia
noite que ofusca
o todo do instante
peso nos ombros
(e)levado adiante

poesia
que ao ninguém
pertence
escada inundada
de catarro e de fada
de horizonte
e de nada
infindo-sentença
de céu
e de doença

21 outubro 2012

Da Verdade dos Governos

O filósofo e escritor alemão Max Stirner (1806-1856) escreveu a frase que está na imagem acima. Assino embaixo. Alguns, é possível, não concordarão. Talvez, seja porque já estão limitados, domesticados, subordinados, subjugados.

20 outubro 2012

Biodiversidade: Ritmo de Destruição Aterrador - mais de 400 espécies de seres vivos entram para lista de extinção em 4 meses

Quando digo que o ritmo de destruição ambiental é catastrófico, sou acusado por alguns otimistas de ser exagerado, alarmista em demasia. Infelizmente, meu alarmismo até agora tem se confirmado. Os trechos abaixo, copiei do site de notícias do Uol:

"Cerca de 400 espécies animais e vegetais foram incorporadas à lista das espécies em risco de extinção revelada nesta quarta-feira (17) em Hyderabad, na Índia, onde ocorre a 11ª Conferência das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica, a COP11 - o evento entrou em sua reta final com a presença de mais de 70 ministros nesta semana.


'Não há uma maneira única de medir a decadência da biodiversidade, é complexo, mas a 'Lista Vermelha' é a melhor medida de que dispomos', ressaltou Jane Smart, diretora mundial do Grupo de Conservação da Biodiversidade da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN, na sigla em inglês).
A atualização deste registro de referência inclui 65.518 espécies, das quais cerca de um terço (20.219) estão em perigo de extinção -  sendo 4.088 espécies em risco crítico de extinção, 5.919 em risco e 10.212 vulneráveis.
Desde a a última versão apresentada em junho, durante a cúpula Rio+20, mais de 400 vegetais e animais foram acrescentados à lista das espécies ameaçadas. Além disso, dois invertebrados integraram a categoria das espécies consideradas extintas: uma barata das Seychelles e uma espécie de caramujo de água doce."
Um terço das espécies existentes no planeta correm risco de extinção, de moderado a crítico. Um terço! Mais de 20 mil espécies. Mas pior do que isso é o ritmo de extinção. Em 1950, as espécies em risco de extinção limitavam-se a algumas dezenas. Em pouco mais de 60 anos saltamos de dezenas para dezenas de MILHARES. A doença do planeta agrava-se rapidamente, no entanto, estamos seguros de que percorremos, como civilização, o caminho correto.
Existem atualmente espécies de plantas e de animais cujo número de espécimes vivos  e em liberdade no planeta não chegam a 30. TRINTA! É o caso de espécies de palmeiras e de lêmures de Madagascar, e dois primatas brasileiros. 
Calcula-se que cerca de 150 espécies de seres vivos são extintas TODOS OS ANOS. Para alguns, isso pouco interessa. Para mim, é de uma profunda tristeza.
(Acima, o Lobo da Tasmânia, um dos primeiros animais extintos pelo homem. O último espécime morreu em 1936.)

19 outubro 2012

Do Fatal do Gatilho


se adiantar ao adiante...
para quê?

a vida
é um cálculo intuitivo-mental
é videnciar
o próximo instante
sem sê-lo no antes

por que querer
que o que virá
já seja como sendo?

esperar...
dar um palmo de calma ao coração
não trocando os palmos
abaixo dos pés
pelas palmas
acima das mãos

mais que isso
são momentos
de se pressionar o medo
sobre o equilíbrio do trilho
ou de se pressionar o dedo
sobre o fatal do gatilho

18 outubro 2012

O Professor Eugênio Gastaldo

O professor Eugênio Ebling Gastaldo, falecido ontem, foi um exemplo. Exemplo de como ser um grande professor e um grande homem sem a necessidade de titulações acadêmicas de araque. O professor Eugênio, incontestavelmente, um dos mais importantes e melhores professores de Língua Portuguesa da região, senão o melhor,  não possuía o título de doutor. E mesmo sua titulação de mestre foi obtida quando sua carreira já estava absolutamente consolidada. Sem ostentar títulos de mestrado e doutorado, o professor Eugênio impressionou a todos que o conheceram pelo seu autêntico e incomparável conhecimento de nossa língua, pela sua brilhante erudição e pela sua intensa didática de ensino sem "decorebas", de contagiante naturalidade e amor pela missão de ensinar. Com o professor Eugênio, se aprendia ou se aprendia. E com o prazer de aprender. Fui testemunha de sua  sabedoria em duas oportunidades, durante o Ensino Médio na escola Cristóvão Pereira e durante o curso de Letras da URI. 

Hoje, é lamentável constatar que as universidades estão cheias de "doutorezinhos" que não transmitem nada aos alunos, porque não têm nem para si mesmos.

Parabéns, professor Eugênio, pelo teu exemplo. E obrigado.

17 outubro 2012

Excesso de Aditivos


I

dizem os humanistas
que não devemos
tratar um ser humano
como se fosse só um número
(um zero)
como se fosse mais um rosto
(sem rosto)
como se fosse apenas mais um
(nenhum)
em meio à multidão

concordo
mas...
o que questiono
é o que cada um faz
para ter alguma diferenciação

II

comparo a humanidade
a um saco de balas
de embalagens sortidas

por fora
mil tipos
de atraentes embalagens
por dentro
é sempre a mesma bala
do mesmo sabor
dura
insossa
com muito açúcar
e com excesso de aditivos
para ter alguma cor

15 outubro 2012

Atentado

de todas as capacidades
que desenvolver nos é possível
a de manter-se
a de manter-se
atentamente atento
é a mais impossível

porque atenção
é o que está no afora
quando nos perdemos adentro
e é saber o adentro
enquanto vagamos
pelo (a)lado de fora

estar atento
é saber que é sempre a hora

o homem nunca está onde está
ou é lá ou é acá
ou é abaixo ou é acima
mas nunca está no ponto preciso
a que a vida o destina

viver
é perceber que em todo momento
está o momento todo...
não estar atento
é um atentado
tardo
atirado ao vento

12 outubro 2012

Do Retorno

voltar a ver
no longe-paisagem que estende
o estendimento não-visto do sempre
o entendimento não-lido da vida

voltar a ler
no pássaro-verbo que canta
o pressentimento não-ido do algo
o desvelamento não-tido do vasto

voltar a ter
no mistério-som que segreda
o ressurgimento-consciência do alto
o renascimento-silêncio da alma...

voltar ao Ser

10 outubro 2012

Não Reconheço Nenhuma Autoridade


desde as fezes
que se exalam nos intestinos
os restos vegetais e animais
absorvidos pelo estômago
os colesteróis que circulam pelo sangue
o suor, a lágrima e o óleo
que escorrem pela pele
as secreções dos órgãos sexuais
os ácaros acumulados entre os poros
as bactérias que fermentam
nos recônditos da boca
as poluições do ar
entranhadas entre os pelos do nariz
os catarros dos brônquios
as ceras dos ouvidos
os maus-hálitos provindos do esôfago

até as sinapses dos neurônios
abarrotadas de não-confessados pensamentos
invejas, fraquezas e cobiças
temores, vaidades e angústias
taras, maldades e hipocrisias
vazios, vazios e vazios
por todo o comum estado humano
de psíquica miséria
é que declaro
que não reconheço
nenhuma autoridade e hierarquia
nenhum ser humano
acima de mim

09 outubro 2012

Após a Boca de Urna, o Boca do Inferno

Faz três séculos que o grande Gregório de Matos, o Boca do Inferno, botou a boca no mundo. De lá para cá, o mundo mudou. Será? Se tivesse mudado tanto, a sua poesia não seria tão atual. É só conferir abaixo o poema "Epílogos", que deixo em homenagem às eleições municipais das cidades brasileiras. 


Epílogos (Trechos)


Que falta nesta cidade?................Verdade
Que mais por sua desonra?...........Honra
Falta mais que se lhe ponha..........Vergonha.

O demo a viver se exponha,
Por mais que a fama a exalta,
numa cidade, onde falta
Verdade, Honra, Vergonha.

Quem a pôs neste sacrócio?..........Negócio
Quem causa tal perdição?.............Ambição
E o maior desta loucura?...............Usura.

Notável desventura
de um povo néscio, e sandeu,
que não sabe, que o perdeu
Negócio, Ambição, Usura.

E que justiça a resguarda?.............Bastarda
É grátis distribuída?......................Vendida
Que tem, que a todos assusta?.......Injusta.

Valha-nos Deus, o que custa,
o que El-Rei nos dá de graça,
que anda a justiça na praça
Bastarda, Vendida, Injusta.


E nos frades há manqueiras?.........Freiras
Em que ocupam os serões?............Sermões
Não se ocupam em disputas?.........Putas.

Com palavras dissolutas
me concluís na verdade,
que as lidas todas de um Frade
são Freiras, Sermões, e Putas.

A Câmara não acode?...................Não pode
Pois não tem todo o poder?...........Não quer
É que o governo a convence?........Não vence.

Que haverá que tal pense,
que uma Câmara tão nobre
por ver-se mísera, e pobre
Não pode, não quer, não vence.

Gregório de Matos

08 outubro 2012

Uma Certeza


certo
é que nasce o sol
e morre
e que nasce a lua
e morre
e que nasce o sol
e morre
e que nasce a lua...
mais que isso?
nem flutua

já quase nada
nada a ser dito.
(ponto)
homens que se acotovelam
se (r)indo
em seu cagar infinito

deixar uma letra que fique
(não-lida)
para que eu não fique em nada
da história
(mentida)
civilizada

escrever
é dizer o quê
a quem?
ser poeta
é desrimar o coração

ser humano
é rimá-lo
com ilusão

04 outubro 2012

Do Fundamental


fundamental
não é o que está feito
é o que está latente
passo ainda não passado
mas astralizado
mais em frente

consequência não-sólida
ainda não-contente
pata de tigre na mata
como um sopro
fatal
mas silente

qual sábio garante
que um vento de veste leve
não vista outro vestido
desvistado
e se torne tornado
mais no diante?

a flor que cai
traz outra queda
em sua queda?
o que é que envolve
o que vem?
o lento
ou o de repente
traz um ato que é fato
um outro ato que esconde
e mais um
que se sente

ah...
o além-motivo
(ausente)
pelo que não
nos motivamos:
um sorriso
rindo do riso
da gente

03 outubro 2012

Um Ouvido pelo Outro


então
o quê?
qualquer coisa que se sim
ou não
se faça
não irá impedir
nem o breve nem o largo
do derramamento da taça

qualquer coisa
que se diga
cruza incólume
de tímpano a tímpano
de traça por traça

qualquer trecho
que se leia...
nem teia
qualquer música
que se toque...
nem toque

é nada

cada um
é ninguém
e todos
não valem um
ou uva
já passa

nem estou comigo
e mal
sei por que digo

02 outubro 2012

De Por que um Partido deve deixar o Governo...


Sempre que escrevo sobre política, fico com a desagradável sensação de que saí cheirando mal. Afinal, como diz aquele velho clichê, “a política fede”. E no Brasil, o fedor é mais pungente. Admiro os políticos pela sua capacidade de não vomitar estando envoltos em tanto fedor.  Dado esse preâmbulo, como as eleições municipais estão aí, deixo algumas considerações.

1 – “Os políticos e as fraldas devem ser mudados frequentemente e pela mesma razão.” Alguém discorda do que disse Eça de Queiroz? De minha parte, estou certo de que um mesmo partido não deve ocupar mais do que por 8 anos seguidos o poder.  Oito anos deve, ou deveria, ser o tempo máximo de um mesmo partido permanecer no governo. Mais que isso, leva à acomodação. Tanto do governo quanto de quem se favorece do governo. Mesmos os partidos, mesmos os favorecidos. Quem está na mamata são sempre os mesmos. Sim, porque mamata há com todos os partidos.  Isso não adianta. Sempre haverá os aproveitadores do partido que estiver no poder, seja qual for. Por isso, é importante que o partido mude. Para que mude os favorecidos, para que outros também possam se aproveitar e não sempre os mesmos. Para que se formem outras “panelas” com outras pessoas. Portanto, está na hora de o PP deixar o poder em Santiago.

2 – E também ocorre que determinados partidos preferem fazer tais coisas e deixar de fazer outras. Não digo que prefiram simplesmente “porque sim”. “Preferem” porque assim são seus direcionamentos. Que têm a ver com toda a história e com aqueles que fizeram e mantêm o partido. Não existe partido que faça tudo em tudo. Cada um faz de acordo com seus interesses e de acordo com quem está por trás de seus interesses. Lá de vez em quando faz por sua ideologia. Se é que a tem. E não venham me dizer que o que vale é a pessoa e não o partido. Isso é conversa fiada. Ingenuidade. A pessoa faz o que o partido e as forças que sustentam o partido deixam que a pessoa faça. No caso do PP em Santiago, não digo que ele não fez coisas boas para o município. Porém, deixou a desejar em vários pontos, o que vem se repetindo desde gestões anteriores do partido. A questão do emprego é uma delas. Sem falar na "Política da Aparência", na preocupação com enfeites no centro, olvidando-se do resto. Outra sigla que assuma a prefeitura poderá deixar de cobrir alguns pontos cobertos pelo PP, mas dará, ou deverá dar, atenção a outros que estão um tanto “esquecidos”, ou deixados em segundo plano. Ou, que simplesmente, não podem ser feitos pelo PP, visto que as forças por trás de um partido de direita impedem, não desejam que sejam realizados.

3 – Em uma de suas colunas no jornal “Correio do Povo”, intitulada “Coincidências Rurais”, o jornalista Juremir Machado da Silva escreve que muitas das mudanças de que necessita a sociedade brasileira são impedidas pelos grandes proprietários rurais, que, na defesa de seus interesses, não desejam, por exemplo, a reforma agrária e buscam também o amolecimento da legislação ambiental para terem “liberdade de destruição”. O hediondo Novo Código Florestal está aí para provar. Ocorre que tais produtores patrocinam, sustentam os partidos de direita na câmara, entre eles, o PP. Qual a preocupação do PP com o meio ambiente? Para mim, parece ser nula. Não é à toa que o deputado Luiz Carlos Heinze , do PP, é claro, foi um ferrenho defensor desse Código. E aqui em Santiago, como se dá essa sustentação?

4 – Alguns dizem que hoje não há mais esquerda e direita. O curioso é que os que dizem isso são os que são, geralmente, de direita. A direita é sempre direita. E não quer que exista a esquerda. O que ocorre é que muitos partidos de centro ou ficam como melancias em cima do muro, ou se aproximam de partidos que estão no poder. Qual é a ideologia do centro?  Já os partidos de esquerda existem. Mas muitos afrouxaram e se aproximaram da direita, adotaram práticas de direita.  Sempre em prol de “seus interesses”. Voltamos ao velho clichê: “política fede”. Mas continuam sendo esquerdas, “enternecidas”, para usarmos um eufemismo. Esquerda total hoje no Brasil talvez seja o PSol. Talvez. Seja como for, cada partido tem interesses diferentes. Alguns são os mesmos, como roubar. Não digo que todos os políticos roubam. Mas todos os partidos,quando assumem o poder, dão a sua roubadinha. O PT roubou com o seu mensalão. E o PMDB junto. O PSDB, antes ainda, também roubou com o seu mensalão. E junto com vários outros, como o Dem e o PP. Tivemos no RS vários escândalos de desvios de verbas durante o governo de direta da Yeda. Um foi o do DETRAN. Diziam até que o ex-deputado Marco Peixoto poderia estar envolvido. Mas não deu em nada. Normal. E como a mídia é de direita (inclusive em Santiago), ela não divulga nada. Não é dos seus interesses.

            Então é isso. Cada partido tem seus interesses. Por isso temos que trocar os partidos de vez em quando. Para que não fiquem em voga sempre os mesmos interesses. E os mesmos interessados. E os mesmos favorecidos. Porque... resolver mesmo a situação, quem é que resolve? O mundo não tem solução. E só a arte vale a pena. 

5 – Já falei, no blog, sobre os candidatos a vereadores. Confira aqui. Por isso, nem vou me deter no assunto. Só acrescento que chegamos ao final da campanha e têm muitos candidatos que querem ser vereadores apenas para estar no meio da política e do seu fedor (talvez, o salário compense).  São como baratas que gostam de lixo. Sim, porque não apresentaram proposta nenhuma. Nada. Alguns, devem desejar o cargo para pagar festas e beberagens para os amigos. Só pode.

6 – E como diria o Capitão Rodrigo em “O Tempo e o Vento” do Érico Veríssimo: “Governo é governo. Sempre é divertido ser contra.”

30 setembro 2012

A Pós-Moderna História de Chapeuzinho Vermelho (de Sangue)


A bela Chapeuzinho verde-limão, contrariada e com muita má-vontade, levava em uma pequena sacola os remédios para sua avó, conforme ordenara sua mãe. Eram medicamentos contra a hipertensão e a diabete, adquiridos gratuitamente em uma farmácia popular. Os tempos mudaram. O mundo está melhor.  

Chapeuzinho detestava ir à casa de sua avó, porque ela deveria seguir uma trilha por entre a mata, e a natureza causava respulsa à bela menina, de pele tão branquinha. Reclamava dos mosquitos, tinha medo das cobras nojentas, repugnava-lhe ter que atravessar a pontezinha sobre o riacho, pois receava que ela pudesse cair, já que era muito velha. A ponte, não a menina. E cairia naquela água suja, imunda, pois há muito o riacho não era mais virgem. Volta e meia, poderiam ser observadas algumas fezes flutuando naquelas águas plácidas.

            O canto dos pássaros não a comovia, antes, a irritava. E a beleza das árvores? Na cidade ela até gostava, mas no meio do mato não tinha graça nenhuma, todas aquelas árvores ali amontoadas, quase todas iguais.  Era uma menina urbana e moderna, preferia passear nos shoppings e contemplar as vitrines das lojas, como toda boa consumidora que adorava andar sempre muito bem arrumadinha. De modo que somente visitava sua avó quando era obrigada por sua mãe. Nesses momentos maldizia aquela velha rabugenta que fedia a fumaça de fogão. E maldizia sua mãe também, aquela mulher antiquada e autoritária.

            Porém, logo ao tomar a trilha que levava à casa de sua avó, Chapeuzinho foi surpreendida ao perceber que grande parte da mata havia sido cortada e queimada. A ausência da vegetação, no entanto, não a incomodava em absoluto, era até melhor, porque assim ela poderia pegar um pouco de sol, “andava muito branca”, diziam suas amigas.  Só o que lhe perturbava era o cheiro de fumaça do mato queimado, que a deixava ainda mais irritada. Caminhando pela trilha, Chapeuzinho chutou o casco seco de um tatu que fora tostado. “Bicho sujo! Que nojo!”, exclamou pra si mesmo. Logo adiante, viu o corpo de uma capivara que havia sido abatida a tiros. Chapeuzinho sorriu ironicamente. É que uma de suas amigas gordinhas tinha o apelido de “Capivara”. “Mas que bicho mais feio essa tal de capivara.”

            Chapeuzinho estranhou não ouvir tantos cantos de aves como das outras vezes. Melhor assim, pensou. Já estava muito mau-humorada mesmo, e o silêncio seria melhor, ou até cantarolar algum sertanejo universitário ou pagode. Caminhando um pouco mais, a menina avistou o cadáver de um cachorro-do-mato. Estava queimado. Nesse instante, Chapeuzinho lembrou-se das histórias de sua avó, quando contava sobre o lobo-guará, belo e antigo animal que nunca mais fora visto nas imediações. Apesar de sua avó insistir que o lobo-guará era um animal dócil e inofensivo, Chapeuzinho não acreditava. A velha devia estar caduca, ou na sua insistente e irritante mania de defender a natureza, exagerou nas qualidades do lobo. Para Chapeuzinho, lobo era lobo. E lobo era sempre mau. Não merecia viver. Deu graças pelo animal não existir mais por aquelas bandas. Imaginem se ela cruzasse com um lobo-guará pelo caminho! O animal estúpido poderia agredi-la e até matá-la.

            Finalmente, atravessando a floresta em grande parte queimada e devastada, Chapeuzinho chegou à casa de sua avó, que vivia sozinha. Como batera várias vezes à porta, e sua avó não atendia, resolveu entrar. Encontrou-a deitada inerte sobre a cama. Chapeuzinho tentou reanimá-la. Foi inútil. Sua avó estava gelada, não respirava, devia estar morta. Chapeuzinho entrou em pânico. Não gostava muito de sua avó, não ficou realmente sensibilizada ao verificar sua provável morte, porém, o problema é que ela não sabia o que fazer estando sozinha diante de uma pessoa sem vida. Olhou pela porta e não avistou ninguém pelas redondezas. Da porta mesmo, gritou por socorro algumas vezes. Um caçador, que passava pelas imediações carregando um saco de tatus e perdizes, ouviu os gritos da menina e dirigiu-se até a casa.

            Chapeuzinho sentiu-se aliviada com a chegada do caçador, e pediu que ele fizesse algo para ajudá-la com a avó. O caçador disse que nada faria, pois a velha já estava morta. Provavelmente, fora o coração. E, por outro lado até seria bom. Afinal, a avó de Chapeuzinho não passava de uma velha chata, rabugenta, caduca, que com suas manias ecológicas vivia tentando impedir que os caçadores entrassem em suas matas. Felizmente, aquela velha imbecil estava agora morta, e ele e seus amigos poderiam caçar à vontade e extrair a madeira de suas terras. Não que já não o fizessem há algum tempo de forma clandestina. Porém, agora teriam mais liberdade e menos estresse para fazê-lo. O que seria muito justo.  Aquelas terras deveriam ser úteis para alguma coisa além de servir de abrigo para sapos e macacos barulhentos.

            Chapeuzinho então, vendo que seria inútil pedir auxílio ao caçador, decidiu voltar para sua casa e comunicar à mãe sobre o ocorrido. No entanto, o caçador a impediu, puxando-a pelo braço e falando em seu ouvido:

- Que é isso, mocinha gostosa, fica mais um pouco. Vamos aproveitar que estamos sozinhos aqui... Com essas roupinhas aí e com essa carinha de safada, tu tá pedindo pra levar, hein.

            Chapeuzinho tentou resistir, empurrando o caçador, mas ele era, obviamente, muito mais forte e conseguiu subjugá-la, derrubando-a no chão. E arrancou suas roupas com fúria e sofreguidão, esbofeteando seu rosto delicado para que ela parasse de gritar. Baixou as calças e, segurando o pênis, exclamou estupidamente:

            - Olha como é grande! Isso é pra te comer melhor, hahaha!

            E penetrou brutalmente a coitada Chapeuzinho. A violência do caçador durante o estupro causava na menina fundos cortes que sangravam copiosamente. A menina, não suportando a dor, esperneava incessantemente, até que em um momento logrou acertar com força seu joelho nos testículos do caçador. Este se enfureceu ainda mais, “Onde se viu uma putinha dessas dando coices nos meus ovos!”, gritou. Indignado, agarrou a cabeça de Chapeuzinho e a bateu violentamente contra o chão por várias vezes, até que ouviu o barulho de seu crânio rachando e sentiu alguns respingos de sangue em seu rosto vermelho de ódio e de monstruoso apetite sexual.

            E, no corpo já sem vida de Chapeuzinho, o caçador prosseguiu o estupro, prosseguiu até dilacerar o órgão sexual da menina, até deixá-lo em carne viva e expor as suas entranhas. Em seguida, apanhou sua espingarda e o saco com tatus e perdizes que largara em um canto, e fugiu pelo que restava da mata, abandonando o cadáver ensanguentado de Chapeuzinho. Agora sim, vermelho.

            Quando saía da floresta e aproximava-se do riacho, o caçador assustou-se com a revoada de um enorme e agourento urubu inteiramente negro que estava pousado sobre uma rocha à beira d’água. Com o susto, o caçador escorregou nas pedras lisas e úmidas, bateu brutalmente a cabeça na rocha e estirou-se fulminado sobre as pedras. Seu crânio abriu-se com a violência do choque, e pedaços sanguinolentos de sua massa encefálica podiam ser vistos à beira do riacho, em uma poça de sangue.

            Dias depois, seu corpo foi encontrado pela polícia. Os policiais tiveram trabalho para afugentar o bando de urubus que fazia um banquete arrancando seus intestinos. Um dos policiais poderia jurar que os murmúrios lúgubres dos urubus quando afugentados assemelhavam-se muito a risadas...

Moral da história: a justiça tarda, mas o urubu não falha.

28 setembro 2012

Permita-me...*


permita-me
que eu me apresente
pois quando eu venho
já é tarde demais...

a minha face
não se revela no antes
mas não que eu não esteja
entre o todos
estou
como sendo um filho
criado em oculto
que nem se conhece
e nem se sabe que se cria

sou o filho de quem me negam
e quando ainda não sou conhecido
levo a face incógnita
que se parece amor
como se eu fosse um outro
daquilo que é o ser em mim

estão todos certos
de que eu nunca serei
que me sou impossível
e que minha vinda
é o próprio absurdo
filho bastardo
que julgam abortado

a princípio
enquanto cresço
eu nem existo
mas quando venho
(e eu sempre venho)
curvam-se à minha face

o meu nome?
O Horror

* Poema inspirado em O Coração das Trevas, de Joseph Conrad