Naquele meu sonho, vejo sempre algo como um quadro de um
gráfico. A imagem, nunca absolutamente clara, semelhando-se a uma aparição
esbranquiçada entre névoas, surge sempre no teto de meu quarto. Penso, nesses
momentos, que estou acordando, mas logo me apercebo que continuo dormindo. Sei,
então, que estou dormindo e que tudo não passa de um sonho. Porém, não consigo
despertar. Na verdade, nem procuro fazê-lo. Mas tenho a segura sensação de que
se tentasse, não conseguiria. Momentos após tomar consciência de que estou
adormecido e de fixar minha atenção no surgimento do gráfico, uma tênue linha
avermelhada é traçada por uma mão invisível na tela nebulosa do gráfico. A
linha, de forma irritantemente lenta, vai subindo através do espaço em branco
da tela até atingir o ponto máximo possível, até os limites do quadro do
gráfico. Creio que a ascensão da linha
mantém-se por cerca de 10 minutos. Durante esse tempo, permaneço imóvel em
minha cama, com a atenção fixa no gráfico. Tal atenção não é exatamente
voluntária. Sinto-me como que hipnotizado.
No instante que a linha atinge o limite do gráfico, as
janelas do meu quarto abrem-se por si mesmas, e um dia ensolarado de céu
absolutamente límpido resplandece no ambiente exterior, ambiente este que não
corresponde às imediações normais de minha casa quando nos instantes de vigília.
Olho para as janelas e contemplo um vasto campo de um intenso verde povoado de
árvores gigantes que se estende até um horizonte azulado e infinito. Embaixo de
umas das árvores, um belo espécime de elefante alimenta-se com suas folhas.
Começo a me
movimentar, como se a partir de então me fosse permitido. Ergo-me da cama. O
gráfico permanece no teto de meu quarto, mas a mão invisível reinicia a traçar
a linha avermelhada. Como não é mais possível a linha subir, ela principia, com
a mesma lentidão da subida, a declinar na tela do gráfico. No instante em que a
linha atinge a metade de sua queda, no percurso em direção ao extremo inferior
do gráfico, este desaparece instantaneamente, e o sol, no ambiente externo,
também declina no horizonte. Começa, vagarosamente, a entardecer. Olho-me em um
espelho posicionado à minha esquerda e verifico que estou trajando um uniforme
de um soldado americano da Segunda Guerra Mundial. Meus cabelos estão
embranquecidos e minha pele envelhecida. Mas não a ponto de parecer um velho. Aos
meus pés, no piso, estão um capacete e uma metralhadora com farta munição, além
de uma pequena mochila com várias granadas.
Coloco o capacete, pego a metralhadora com a munição e a
mochila com as granadas e saio pela janela. Olho ao redor com a máxima atenção
e sinto um rumor estranho, um pressentimento desagradável que me percorre
friamente. A tarde se aprofunda. Dos horizontes, agora um tanto obscurecidos,
surgem nuvens inicialmente claras e rarefeitas, mas que gradativamente e numa
movimentação acelerada, vão se tornando cinzentas e carregadas, assomando-se às
regiões mais elevadas do céu. A luz solar vai sendo encoberta. Nesse instante,
tenho a definitiva impressão de que algo mortífero se aproxima.
O elefante segue arrancando e se alimentando vagarosamente com
as folhas de uma das árvores gigantes, porém aparenta agora ser um animal velho
e doentio, sem a sua beleza original. Olha-me de uma maneira canhestra, como se
quisesse me dizer alguma coisa. Seus olhares entristecidos causam-me calafrios.
Observo que as árvores perderam parte de seu vigor e frondosidade. Em algumas,
suas folhas haviam murchado. Algo
semelhante acontecera com o campo, agora amarelecido, chegando a estar seco em
alguns trechos.
Perambulando com a metralhadora em
prontidão (intuía que devia estar atento para alguma espécie de perigo
desconhecido que poderia advir a qualquer momento), principio a ouvir sons
distantes, como de explosões, tiros e gritos humanos. As nuvens, agora
completamente escuras, mescladas com fumaça negra, tomam conta da totalidade do
céu, obscurecendo a luz solar. Cai um crepúsculo enfermiço. Avisto, ao longe,
titânicos incêndios, e luzes de explosões iluminam lugubremente os horizontes
quase anoitecidos.
Sento-me sob uma das árvores. Só
então percebo que as folhas de quase todas elas estão completamente secas. Ouço
um baque às minhas costas. O elefante caíra morto, absurdamente velho,
esquálido, como se fosse apenas pele e ossos. Não há mais grama abaixo de meus
pés. De alguma forma que não observei, onde antes crescia o gramado do campo,
agora somente havia um espesso lodo, como se tivesse chovido sobre a terra
desprotegida. Não chovera, no entanto.
Os sons de tiros e de explosões
aparentam estar se aproximando. Um dramático nervosismo, uma tensão
insuportável se apossa da minha psique. Firmo minhas mãos na metralhadora.
Percebo que estou suando frio. Olho para as árvores gigantes ao meu redor.
Haviam perdido todas as suas folhas. Todas as árvores estavam, aparentemente,
mortas. Abro a mochila e conto as granadas de seu interior. São 14 ao total.
Encontro também uma enorme lanterna. Acendo-a e dirijo seu facho para as
imediações. Diviso vultos que se aproximam sorrateiramente. Alarmado, ergo-me e
rapidamente me oculto atrás do tronco enorme da árvore, agora morta. As
explosões aumentam de frequência, e principia a relampejar. Aproxima-se uma
tempestade. Já não preciso mais da lanterna. A cada clarão, seja das explosões,
seja dos relâmpagos, observo inúmeros vultos que se aproximam ameaçadores.
(Amanhã, o final do conto.)
(Amanhã, o final do conto.)