09 julho 2011

Sete Rápidas Considerações Amargo-Irônicas (ou Poemetos para Twitter)

nº1 – da Verdade

pra quê?
ninguém vai acreditar em você

nº2 – da Filosofia

até serve para um oi:
mais que isso
até ia...
mas não foi

nº3 – do Amor

o amor é uma grande viagem
cujo final você nem imagina...
nunca vai encontrá-lo
nem aqui nem na china

nº4 – da Esperança

já não sou mais criança

nº5 – da Fé

o que é?
talvez o finalzinho
de uma xícara de café

nº6 – do Sentimento

um saco vazio de cimento

nº7 – do Coração

com o das galinhas
se faz um sopão

07 julho 2011

O Sanguinário (ou Vingança é Sede) - As Almas do Fantástico na História do RS – História 7ª (Última) FINAL

Durante o conflito, O Sanguinário matou 117 chimangos, vários deles durante as degolas de prisioneiros, ocorrência bastante comum na Revolução Federalista. Os prisioneiros tinham suas gargantas cortadas como forma de execução não exatamente por crueldade, mas porque não havia meios de mantê-los durante a guerra, e também era uma maneira de poupar munição, não se utilizando de balas. E essa forma sangrenta e impiedosa de matar um prisioneiro era, naturalmente, a preferida de O Sanguinário. Sempre que ocorriam degolas (e ele sempre sugeria para seus superiores que elas deveriam ocorrer o quanto antes), ele era o primeiro a degolar e o que degolava mais prisioneiros, sempre de forma extremamente brutal, fazendo jorrar sangue das gargantas para todos os lados, como se carneasse um animal qualquer. Não, de forma ainda mais violenta do que o faria com um animal, porque seu ódio naqueles instantes era verdadeiramente indizível. Porém, era um ódio frio, sem extravasões além do ato de matar, sem gritos, sem emoções de êxtase. O Sanguinário matava e, depois, praticamente embebido no sangue das vítimas, fixando seus grandes olhos de uma frieza glacial em seus companheiros de batalha dizia, calmamente, com uma calma que assombrava: “eles mereciam, cada um deles mereceu o que teve.”

O Sanguinário, como já foi dito, matava sempre por vingança. Matando os partidários da situação, ele entendia que se vingava daqueles que exploravam ou permitiam a exploração do povo gaúcho da época, daqueles que enriqueciam à custa da miséria dos trabalhadores do campo. Seus motivos eram justíssimos. E todos deveriam pagar com a morte. Mas esses atos de morte por vingança eram também o motivo da vida de O Sanguinário. Se não houvesse os motivos acima mencionados, ele encontraria outros motivos para saciar a sua monstruosa sede vingativa. O importante era a vingança. Havia em O Sanguinário um desejo de vingança infinito, nunca plenamente satisfeito, algo que nem mesmo ele sabia explicar, e nem buscava fazê-lo, e nem queria. No entanto, ele não se vingava de ninguém se não encontrasse um motivo justo. Justo no seu entender, que fique bem claro. E ele acabava sempre por encontrar um motivo. E se justificava. E se vingava.

E não havia, para ele, sentimento melhor do que o de sentir-se vingado, era o seu céu, a sua glória, a sua religião, a sua filosofia, o seu motivo de manter-se vivo e de acordar todas as manhãs. E o cheiro da vingança era o cheiro do sangue, a sua cor era a vermelha, o seu gosto, o gosto do sangue. Se não houvesse sangue, a vingança não teria sido plena. E quando O Sanguinário sentia-se plenamente vingado, saboreava o gosto da vingança durante todo o tempo em que se mantinha acordado. Aliás, dormindo, também sonhava com sua vingança concretizada.

O Sanguinário pensava (não exatamente com estas palavras, mas traduzindo para uma linguagem mais civilizada, seria mais ou menos isso): “Estar vingado... Sentir-se grande, sentir-se forte, sentir-se firme, ter orgulho e ser temido. Rir por último. Ver os desgraçados ajoelhados aos meus pés implorando piedade. Eu não tenho piedade! Isso, estar vingado! Mostrar a eles quem eu sou, a minha força, a minha vitória. Mostrar que sou mais forte que todos eles e que não levo desaforo para casa! Acabar com o riso na cara daqueles desgraçados, acabar com a alegria deles. Estavam pensando que eu iria esquecer, que iria deixar por isso mesmo, que tudo ficaria assim enquanto eles se divertiam às minhas custas? Mostrei que eles se enganavam, vi eles sofrendo como eles me fizeram sofrer, fiz eles pagarem pelo que fizeram, fiz justiça com o fio da minha adaga. Naquele sangue derramado está a minha alegria, agora me sinto em paz, agora é que vi que tudo que passei e sofri não foi em vão. E não me arrependo. Mataria todos aqueles desgraçados quantas vezes fosse preciso. Pensavam que poderiam cagar em mim e que eu não faria nada... Pensavam que aqui não teria homem e fibra o bastante para uma vingança... Mas eu esperei o  momento, alimentando a minha raiva, e me vinguei. Estou vingando, e é só isso que importa.”

Em 1930, com 57 anos, depois de participar de vários outros conflitos e revoluções e ter perdido a conta de quantas pessoas já havia matado, de quantas vinganças cruéis já haviam perpetrado, O Sanguinário contraiu tuberculoso e recusou-se a receber qualquer tratamento contra a doença: Dizia: “Eu quero morrer assim mesmo, esvaído em sangue, só que esse sangue não será nenhum outro homem que derramará... O meu sangue ninguém derrama, e nele ninguém toca. Agora o destino se vinga de mim. Deixa ele se vingar. Vou morrer no meio do meu sangue, mas derramado pela mão do destino, não pela de um homem. É assim que quero. É assim que será.”

E assim foi. O Sanguinário morreu esvaído em sangue, após uma brutal crise de hemoptises causada por uma tuberculose galopante. E sanguinária...

(Na imagem, o quadro "Death Pale Horse" de William Blake)

06 julho 2011

O Sanguinário (ou Vingança é Sede) - As Almas do Fantástico na História do RS – História 7ª (Última)

Criado dentro dos açougues e dos matadouros, acostumou-se à visão, ao cheiro e ao gosto do sangue. Mais que se acostumou, aprendeu fatalmente a apreciá-lo, a saboreá-lo, a desejá-lo. Desde criança, sua vida foi imersa na presença sanguínea, em meio ao aroma da morte, às carnes cruas sanguinolentas, às poças escarlates pelo chão, ao gotejar incessante do sagrado líquido orgânico. Vivia o sangue durante o dia e sonhava com ele durante a noite.

Seus sonhos eram constantemente regados de uma chuva sanguínea, e as suas paisagens oníricas sempre variavam em tons de vermelho, por vezes incendiados, por vezes úmidos, pelos céus, pelos horizontes, onde, ao longe, bandos de corvos disputavam espaço em açudes inundados de sangue, pelos campos sem termo devastados por batalhas, pelas estradas  encharcadas do sangue de todas as guerras, pelos rios tingidos de um vermelho infinito, que nunca cessava de correr, que parecia provir de todos os lugares.

Nestes mesmos sonhos, ele contemplava cenas de sangrentas batalhas impiedosas, espadas e adagas perfurando peitos e cortando gargantas e decepando mãos, punhaladas que arrancavam nacos de carne, tiros que estouravam cabeças, furavam olhos e espalhavam pedaços de órgãos pelas coxilhas banhadas de sangue.

Sempre auxiliava seu pai nas carneadas, vibrava em seu âmago um imenso prazer nesses instantes, deliciava-se em matar bois, ovelhas, porcos, observar em profunda concentração o sangue escorrer quente e grosso, respigando sobre suas próprias roupas, sobre suas mãos, sobre sua face. Sentia sede e fome ao ver as bacias que eram colocadas para acumular o sangue das vítimas transbordarem com aquele viscoso líquido, que corria profuso das gargantas dos animais. Era invadido por um anômalo prazer ao ver o sangue coagulando-se juntamente com a terra, ao observar os cachorros pintados pelo líquido sanguíneo disputando e dilacerando brutalmente as vísceras que a eles eram jogadas para saciar sua fome bestial, tais como intestinos e pulmões. Naqueles momentos, ele desejava ser como os cachorros.

Seu prato preferido era, naturalmente, carne, carne mal-passada, quanto mais mal-passada, melhor. Crua sempre era bem-vinda. Seu prato estava sempre sanguinolento. O sangue que restava após as refeições era comido com pão.

Durante toda sua adolescência, foi considerado como alguém frio e violento, que não hesitava bater em qualquer outro que cometesse qualquer ato que ele percebesse como sendo injusto, seja consigo mesmo, seja com outros. Batia violentamente, até fazer a vítima sangrar. Muitas vezes tinha que ser impedido, ou acabaria por assassinar seu oponente. É importante salientar, no entanto, que ele nunca agredia alguém sem motivos que ele acreditava serem justos. Mas agredia por vingança. Para ele, a vingança era algo sagrado. Homem que fosse homem não poderia deixar passar em branco qualquer tipo de desaforo. Deveria se vingar. Nem sempre a vingança se consumava com agressões físicas. Mas ele preferia que assim pudesse ser. E quase sempre era.

Este de quem agora vos falo ficou conhecido como “O Sanguinário”. Foi em 1893, com 20 anos, que O Sanguinário ingressou nas fileiras dos Maragatos durante a Revolução Federalista, que tingiu de vermelho os campos do sul do país. Finalmente, estava naquilo que mais desejava: a guerra. Nutria um ódio visceral, verdadeiramente espantoso contra os partidários da situação, os pica-paus, ou chimangos. Seu objetivo na guerra era extremamente simples: matá-los. Se fosse possível, todos. De preferência, matá-los com um banho de sangue. Nada poderia ser mais prazeroso para ele. Tinha predileção por matar com a espada ou com o punhal do que com armas de fogo. Era mais sangrento e mais impiedoso. Refestelava-se em ver o sangue quente e espumoso derramar-se sobre o gelo da geada dos campos gaúchos. A névoa que se erguia com aquele contato do calor do sangue com o frio do orvalho congelado era para O Sanguinário um verdadeiro espetáculo. A carnificina era o seu meio natural.

Amanhã, o final do conto.

*Com este conto encerro a série de 7 contos que criei abordando a história gaúcha e introduzindo nela elementos do fantástico. Todos os contos já foram publicados aqui no blog. Apesar de estarem relacionados, os contos são independentes entre si, cada um é uma história diferente. 

05 julho 2011

O Silêncio é Ouro...

melhor que afirmar
é sugerir...
quem afirma tudo o que fala
como um pavão a empenar-se  na sala
viola as portas invioláveis do silêncio
com a violência de um touro
que se deixe o silêncio dizer de si:
o que se silencia vale ouro...

gosto de dizer
o que está (ou não)
por entre do que digo
não quero que quem me leia
esteja lendo de si para comigo
e melhor ainda
é aquilo que nunca disse
verso sorrateiro e furtivo
como um sussurro pelo vento
que nem sequer existisse...

a verdade nunca se sempre de frente
há que se por um porém
entre o que ela é
e o que dela se vê
verdade é o que está sempre latente
a possibilidade ainda não alcançada
(e protegê-la do que é gente)
por isso deve vir só em signos
e criptografada

há um só sentido
(mas que são vários
são vários...)
e para provar
que não afirmei nada
poderia ter dito tudo isso
pelos contrários...

03 julho 2011

Inebriado

e que no além seja tudo aquilo
que caí de ser além de tudo:
me deixando em tudo que não fui
seja minha arte o além mais alto...

o além de mais belo
do vasto que andei
chama que te li
tragos do que busco
ave que clarei
sempre que te bebo
mais do que te vejo
sonho que não li
beijo do que vou
verso mais que flor
olho que me noite
nada do que sou...

lá me alto e passo
e sou o só que sinto:

céu e vinho tinto

Literatura e Ciberespaço

A blogueira e jornalista Melissa Resch, residente em Frederico Westphalen, RS, está realizando um trabalho jornalístico sobre literatura e ciberespaço bastante interessante, do qual tive a honra de ser convidado a participar. Vale a pena conhecer, clicando aqui. Eu estou na parte III da reportagem. 

01 julho 2011

Melodia que te tarde...

melodia que te ias
(é meio-dia)
e agora já não vais mais
quanto mais eu quanto contigo
mais me quantam finais
melodia que te arrasta foice
dia-a-dia por onde não digo
quem é que roubou o meu fosse?
(foste vós
que mais não me olhais?)
melodia que te tarde
(é tempestarde)
e mais o teu voo se vaga
como som que se busca e te perde
como rosa esmagada no verde
e que sangra e que tarde e te verte
melodia que te ocaso
como açoite no meu beijo
eu só sino os teus sinais
melodia que te lua
( é ela quanta nua)
sou como beijo que te açoite
melodia...
melonoite

30 junho 2011

Arma Química utilizada na Guerra do Vietnã está sendo usada para destruir a Floresta Amazônica

A maioria das pessoas já deve ter ouvido falar em Agente Laranja. Trata-se de um poderoso agrotóxico, extremamente venenoso, que foi utilizado como arma química pelos EUA na Guerra do Vietnã. Nesta guerra, o Agente Laranja foi aspergido por aviões e helicópteros sobre vastas áreas de exuberantes florestas tropicais vietnamitas com o propósito de desfolhar as árvores para ser possível a localização dos exércitos vietcongues. Esse desfolhante aniquilou o habitat natural (cerca de 25% das florestas do país foram devastadas), deixou quase 5 milhões de pessoas expostas às suas substâncias venenosas, provocou enfermidades irreversíveis, sobretudo malformações congênitas, câncer e síndromes neurológicas em crianças, mulheres e homens do país. Os efeitos são até hoje sentidos na região.

Pois o IBAMA acaba de descobrir na Amazônia 4 toneladas do agrotóxico Tordon 2,4 D, ou seja, o mesmo utilizado no Agente Laranja. O herbicida seria utilizado para desmatar 3.000 hectares de floresta nativa da União em Novo Aripuanã, sul do Amazonas. Uma floresta pulverizada com o Tordon perde totalmente suas folhas, e as árvores, vítimas de uma reação química em seu metabolismo, morrem praticamente de forma imediata. Além disso, o Tordon, assim como outros agrotóxicos, contamina o solo, os lençóis freáticos, os animais e os seres humanos. Pode inclusive levar à morte.

"A floresta vira um grande paliteiro, facilitando o desmatamento. É o mesmo processo usado pelo Exército norte-americano para encontrar os vietnamitas na Guerra do Vietnã", disse o superintendente do Ibama no Amazonas, Mário Lúcio Reis.

Enquanto isso, para alguns otimistas ingênuos e que consideram um sacrilégio não acreditar no homem, na humanidade, o mundo está ótimo. Tão bom, que até aprovaram o Novo Código Florestal, que vai perdoar os desmatadores, talvez até os que tenham utilizado o Agente Laranja. Como o ser humano é bondoso... Mais sobre o assunto aqui.

(Nas imagens, uma floresta devastada pelo Agente Laranja no Vietnã, e pessoas vítimas dos efeitos do produto)

28 junho 2011

Mantenha a Atenção...


se estivesses atento
e não estavas
rapidamente teria percebido


inteligência
não passa de
ter a condição de perceber
e digo isso atento ao que não digo
lendo-me por outras linhas
inventando-me no que não sou
gravitando-me por entre o entre
esperando-te por entre os nãos:
naquilo que me negaste
tendo tão certa certeza
entregaste-me minha razão

é agora a minha vez...

então atento-me:
saber é manter a atenção
ter a condição de perceber
ao infinito o que não pode
responder-se

ao que finalizo: se estivesses atento
teria percebido
escondido
neste poema
tantalizado por alguém que não
o que se formou através de um acróstico


(acrósticos são formas textuais onde a primeira letra de cada frase ou verso formam uma palavra ou frase.) 
Na imagem, uma escultura de Dante Alighieri.

se estivesses atento

26 junho 2011

Sinto o sono que não me dorme

a final
o que é que queres de mim?
que eu nade no mar da tua morte
ou que morra no amar do teu nada?
ah quem me dera que o sono me caia
como quem nada e morre na praia
por que é que faço isso que não fiz?
ah que o meu sempre
é sempre por um
triz

semprei-me de lado  a lado
extremando-me de extremo a extremo
e de cada lado e de cima a baixo
só nadei-me por todo veneno
ah quem me dera que meu sonho me saia
como aquele único pedido
que me fizeste
em troca de que eu pedisse
qualquer coisa
que tu quisesses
ah quem me dera
que meu olhar fechasse
que dormisse outra era
que se te durmo
me sumo
de espera

mas agora
o que é que me acorda?
a corda

24 junho 2011

Agora sou frio

fazia frio
fora
e dentro de mim...
isso foi há séculos
agora sou frio.

mas há séculos
passei pela floresta
e na floresta havia um rio
e no rio uma cachoeira
e ao lado da cachoeira
havia uma grande pedra
e sobre a pedra
caía eternamente
um tênue fio de água
do lado esquerdo do rio...
isso foi há séculos
agora sou frio.

há dias
fui ver a grande pedra
não passava
de um pequeno cascalho
o tênue fio de água
de tanto cair em cima
por séculos e séculos consecutivos
a consumiu...
isso foi há dias
agora sou frio.

mas quem ali passou
durante esses séculos
não percebeu
que a pedra estava agonizando
lentamente
sob a água sem nenhum compromisso...

o Fim é isso.

23 junho 2011

O Paulo Leminski, que é um Cachorro Louco

Já disse que o Leminski é um dos meus poetas pós-modernistas brasileiros preferidos. Mas não custa repetir. É. Talvez seja O preferido. Sua poesia é leve e pesada ao mesmo, no sentido de ser agradabilíssima de se ler, de uma inteligência e criatividade ímpares, sutilmente irônica, sem deixar de lado a força emocional, a sua intensa veia trágica. Por isso, deixo aqui alguns dos poemas do "cachorro louco", como ele mesmo já se definiu, para compartilhar com os leitores. Todos os poemas são de seu livro "Caprichos e Relaxos".

Quem nasce com coração?

Quem nasce com coração?
Coração tem que ser feito.
Já tenho uma porção
Me infernando o peito.

Com isso ninguém nasça.
Coração é coisa rara,
Coisa que a gente acha
E é melhor encher a cara.


minhas 7 quedas

minha primeira queda
não abriu o pára-quedas
daí passei feito uma pedra
pra minha segunda queda
da segunda à terceira queda
foi um pulo que é uma seda
nisso uma quinta queda
pega a quarta e arremeda
na sexta continuei caindo
agora com licença
mais um abismo vem vindo


quem me dera um abutre

quem me dera um abutre 
pra devorar meu coração! 
naco de carne crua 
comida de pé no balcão!

quem me dera um apache 
pra colher meu escalpo! 
que desta vez não escape 
nenhum disfarce!

tomara que um furacão 
caia sobre meu navio! 
que nenhum deus nem dragão 
possa ser meu alívio!


tenho andado fraco

tenho andado fraco

levanto a mão
é uma mão de macaco

tenho andado só 
lembrando que sou pó

tenho andado tanto 
diabo querendo ser santo

tenho andado cheio 
o copo pelo meio

tenho andado sem pai

yo no creo en caminos 
pero que los hay
hay


em matéria

em matéria 
de tino
menino 
eu tenho dez

quiser 
tenho até 
um destino
a meus pés

Paulo Leminski

21 junho 2011

Aceitar as coisas como elas são?

“aceitar as coisas como elas são...”
muito bem...
mas o que são as coisas como elas são?
quais coisas?
e quem disse que tal coisa é assim
e não de outro jeito?
assim como?
quem é que define como devem ser?
o que é afinal que devem ser?
e quem disse que alguém pode definir?
e por que eu devo aceitar?

aceitar as coisas como elas são...
e como que são?
e o que é aceitar?
quem é que percebe as coisas como sendo elas?
estás certo de que as coisas são o que são?
conheces as coisas?
estás seguro de que não seria melhor
se não as aceitasses?

e ainda que as coisas sejam o que são
serão eternamente assim?
e ainda que sejam de alguma forma
(que forma?)
eternamente
aceitar ou não
não passa da minha opção

enfim
aceitar as coisas como elas são
é tão vago sem-sentido e estúpido
que nem sei mais do que estou falando...

prefiro aceitar as coisas
como elas não são

20 junho 2011

de Números e de Cosmos

há sempre (o) um que é o último:
por mais infinitos que sejam os números
ninguém os conta para sempre...
há sempre (a) uma que é a última
por mais infinito que seja o cosmos
ninguém o percorre no seu todo...

mas se o cosmos é infinito
o que é afinal isso de ser?
se eu estou aqui
por que um outro não pode estar lá?
e por que um outro lá e não eu?
o que existe infinitamente
pode existir e ser como sem-limite
e tudo pode (deve) ser possível:
dizer “é infinito”
é sustentar que tudo existe
então por que não posso buscar
e não ser alcançado?
por que faço um pedido
que não me é dado?

mais ainda assim
há um momento em que não mais
há sempre um último
em tudo que é
(ou que não foi)
que pode ser o primeiro
de um outro outro
mais acima
ou mais abaixo
em que não acho...

mas (e) há uma indizível volta
após uma derradeira vinda...
quem dera este poema
ainda dissesse mais
mas ele aqui se finda

18 junho 2011

Algumas Ironias

Encontrei na internet as imagens abaixo. Adaptei a cada uma delas trechos de poemas conhecidos. A reunião das imagens com os trechos eu já publicara como álbum no orkut. Agora, publico no blog. 

"Falas de amor, e eu ouço tudo e calo./O amor na humanidade é uma mentira./É. E é por isso que na minha lira/De amores fúteis poucas vezes falo." Augusto dos Anjos




"Pensava em ti, nas horas de tristeza..." Fagundes Varela




"Dá-me mais vinho/ que a vida é nada." Fernando Pessoa




"É necessário estar sempre bêbado... Para não serdes os martirizados escravos do Tempo, embriagai-vos;
embriagai-vos sem tréguas!
De vinho, de poesia ou de virtude, a vossa escolha." Baudelaire




"O ser humano não aprende as lições da vida nem a canhonaços." Samael Aun Weor




"Se a água de tua boca então/ Aflora em teus dentes,/ Bebo um vinho que me infunde/ Amargura e calma." Baudelaire



"O homem está colocado onde termina a Terra./ A mulher, onde começa o Céu." Victor Hugo





"O livro caído n'alma/ É gérmen que faz a palma,/ É chuva que faz o mar..." Castro Alves




De dois efes se compõe/ Esta cidade a meu ver:/ um furtar, o outro, foder." Gregório de Matos




"Escarrar de um abismo noutro abismo,/ Mandando ao céu o fumo de um cigarro./ Há mais filosofia neste escarro,/ Do que em toda a moral do cristianismo." Augusto dos Anjos




"Minha tripa cortai, a mais sonorosa!.../ Façam dela uma corda, e cantem nela/ Os amores da vida esperançosa!" Álvares de Azevedo




"Minha desgraça, ó cândida donzela,/ O que faz que o meu peito assim blasfema,/ É ter para escrever todo um poema,/ E não ter um vintém para uma vela." Álvares de Azevedo

16 junho 2011

Tudo é Cálculo

gosto de não ser entendido
é bom não ser o que se é
(é o que mais me faz sentido)
que a poesia é para se ser
(independente de acessível ou grega)
e isso chega

além do mais
(o que é além do mais?)
por que querer que eu seja
o que sou aqui?
sou no verso que deixo
mas não sou o que deixo do verso
e meu vou muito mais disperso
e falo do que não é meu eu
porque somente sou
e bem mais o que se perdeu
mas o verso fica
e eu não irei junto com ele
portanto não me confundam
com o que eu disse
e vice-versa e versa-vice

as palavras que fatalmente digo
nem sei se estão comigo
elas vieram e eu as disse
como o mafioso que atira
porque tem que atirar
(é sua função
como quem vive aspira (a)o ar)

porém
cada palavra é calculadamente meditada
(me ditada)
que tudo (tudo) é cálculo
por mim mesmo feito
ou até mim enviado
(por algum outrem
em inconcebível jeito)
e este mesmo poema é um plano...

(talvez meu talvez não
talvez prenúncio de furacão)
...
vamos ver o que ele será
daqui a um ano...

15 junho 2011

Eu não Falo de Coisa Alguma

olho aquele olhar que nos olha
sem que esteja
em algum lugar que se entenda
sei que ele gosta de não estar lá
e não se ouve uma palavra
do que ele não diz
até porque ele nunca diz
o que se pensa que é dito
o que não significa que nada faça
mas pelo contrário:
ele se realiza não se importando
e deixando que se fale ou cale
aliás ele não se importa nem em deixar
ele passa sempre a um passo
enquanto se pensa (nós)
no que se pode ser
mas aqueles que julgam pensar
nunca pensam em ele
o que muito lhe agrada
pois quando estivermos indo
ele terá ido voltado
e nem estará mais aqui
e há até os que pensam
que falo de Deus
sinal que não
pensam de nenhum jeito
aliás eu não falo de coisa alguma
e este poema sequer
chegou a ser feito

13 junho 2011

Fernando Pessoa e suas Quadras

Hoje, o mundo comemora os 123 anos do maior gênio da poesia em língua portuguesa na minha opinião: o inatingível Fernando Pessoa. Sua obra é vastíssima. E algumas delas ainda são bem pouco conhecidas. Por exemplo, as suas "Quadras ao Gosto Popular". Simples, melodiosas e belíssimas, intensamente poéticas. Em homenagem ao nosso maior poeta, deixo algumas dessas quadras. Quase todas são como declarações de amor ternas, melancólicas. Por vezes, amargas e irônicas.

Quadras ao Gosto Popular (apenas algumas poucas)

Morto, hei de estar ao teu lado
Sem o sentir nem saber...
Mesmo assim, isso me basta
P'ra ver um bem em morrer.

Se ontem à tua porta
Mais triste o vento passou -
Olha: levava um suspiro...
Bem sabes quem to mandou...

Tens o leque desdobrado
Sem que estejas a abanar.
Amor que pensa e que pensa
Começa ou vai acabar.

Duas horas te esperei
Dois anos te esperaria.
Dize: devo esperar mais?
Ou não vens porque inda é dia?

Trazes a rosa na mão
E colheste-a distraída...
E que é do meu coração
Que colheste mais sabida?

Teus olhos tristes, parados,
Coisa nenhuma a fitar...
Ah meu amor, meu amor,
Se eu fora nenhum lugar!

Teus brincos dançam se voltas
A cabeça a perguntar.
São como andorinhas soltas
Que inda não sabem voar.

Adivinhei o que pensas
Só por saber que não era
Qualquer das coisas imensas
Que a minh'alma sempre espera.

Rosa verde, rosa verde...
Rosa verde é coisa que há?
É uma coisa que se perde
Quando a gente não está lá.

Há verdades que se dizem
E outras que ninguém dirá.
Tenho uma coisa a dizer-te
Mas não sei onde ela está.

Quem me dera, quando fores
Pela rua sem me ver,
Supor que há coisas melhores
E que eu as pudera ter.

Dei-lhe um beijo ao pé da boca
Por a boca se esquivar.
A ideia talvez foi louca,
O mal foi não acertar.

A tua saia, que é curta,
Deixa-te a perna a mostrar:
Meu coração já se furta
A sentir sem eu pensar.

12 junho 2011

Poeta é Aquele que Nunca Descansa (2º versão)*

o poeta vive cada momento
não por viver cada momento
mas para vivê-lo e usá-lo:
poeta é aquele
que tudo que vive
vive com segundas intenções...
utiliza tudo na vida
como combustível de versos:
cada instante ao poeta
é infinito de universos

por isso é que o poeta trabalha
enquanto os outros vivem:
o poeta é um vagabundo
que trabalha 24h por dia:
enquanto dorme
deve lembrar do sonho e pesadelo do sono
e se acordado
deve sentir o sonho e pesadelo da vida
o poeta deve entrar em todas as coisas
mas nunca encontrar a saída

poeta é aquele que nunca descansa:
o poeta é um sempre ausência
há que nunca estar (mas sendo)
pela manhã pela tarde pela madrugada:
e extrair tudo de tudo que vive
e nunca esperando nada de nada

* Realizei uma revisão neste poema já publicado aqui no blog e posto-o como uma 2ª versão.