11 outubro 2010

"A cidade ali está com seus enganos..." - A Cidade, de Fagundes Varela

A meu ver, Fagundes Varela (1841 - 1875), é um de nossos poetas injustiçados. Está certo que não foi dos mais originais de nossos românticos, não foi o iniciador de nenhum dos três períodos do romantismo, e acabou sendo ofuscado pela originalidade e radicalismo de Álvares de Azevedo e pela força grandiosa da inspiração de Castro Alves. No entanto, a imensa variedade de sua temática, que parte do pessimismo e da desilusão do 2ª geração romântica (na qual é incluído) até atingir as alturas do "condoreirismo" da 3ª geração , a espontaneidade da escrita, a beleza plástica de seus versos, a sua intensidade emocional fazem de Fagundes Varela um dos grandes poetas brasileiros. 

É oportuno lembrar que mesmo não tendo sido o poeta carioca o iniciador da geração "condoreira" no Brasil, ele de certa forma se antecipou, prevendo Castro Alves, pois foi o primeiro ultrarromântico a deixar as sombras do "mal-do-século". Isso deveria ser levado mais em consideração ao se avaliar a  importância de sua obra. A presença da natureza é constante e muito forte na obra de Fagundes Varela. E estou certo de que se ele vivesse hoje teria uma imensa consciência ecológica. 

Prova disso é o poema "A Cidade", que está abaixo. Um poema que se nos apresenta com terrível atualidade. Que o leitor tire suas conclusões. Para não deixá-lo muito cansativo à leitura no blog, tomei a liberdade de excluir algumas poucas estrofes. Na imagem, o quadro, "O Crescente das Casas" de Egon Schiele.

A Cidade
A cidade ali está com seus enganos,
seu cortejo de vícios e traições,
seus vastos templos, seus bazares amplos,
seus ricos paços, seus bordéis salões.

A cidade ali está: sobre seus tetos
paira dos arsenais o fumo espesso,
rolam nas ruas da vaidade os coches
e ri-se o crime à sombra do progresso.

A cidade ali está: sob os alpendres
dorme o mendigo ao sol do meio-dia,
chora a viúva em úmido tugúrio,
canta na catedral a hipocrisia.

A cidade ali está: com ela o erro,
a perfídia, a mentira, a desventura...
Como é suave o aroma das florestas!
Como é doce das serras a frescura!

A cidade ali está: cada passante
que se envolve das turbas no bulício
tem a maldade sobre a fronte escrita,
tem na língua o veneno e nalma o vício.



Quanta atroz injustiça e quantos prantos!
Quanto drama fatal! Quantos pesares!
Quanta fronte celeste profanada!
Quanta virgem vendida aos lupanares!

Quanto talento desbotado e morto!
Quanto gênio atirado a quem mais der!
Quanta afeição cortada! Quanta dúvida!
Num carinho de mãe ou de mulher!



E abalroam-se as múmias coroadas,
corpos de lepra e de infecção cobertos,
em cujos membros mordem-se raivosos
os vermes pelas sedas encobertos!



Aqui verdes campinas, altos montes,
regatos de cristal, matas viçosas,
borboletas azuis, loiras abelhas,
hinos de amor, canções melodiosas.



Ali a honra e o mérito esquecidos,
mortas as crenças, mortos os afetos,
os lares sem legenda, a musa exposta
aos dentes vis de perros objetos!



Salve, florestas virgens! Rudes serras!
Templos da imorredoura liberdade!
Salve! Três vezes salve! Em teus asilos
Sinto-me grande, vejo a divindade!



Fagundes Varela

09 outubro 2010

Soneto aos Últimos Momentos (para Franz Schubert)

saíste dos solares das auroras
direto aos teus ocasos iminentes
anoiteceu em tudo o que tu sentes
tragédias sussurraram em tuas horas...

o sonho de mais vida te devora
quanto mais ao sublime vais em frente
há morte nos avisos que pressentes
e arcanjos em segredo vão embora...

deixaste um véu no teu gênio profético
alheios à fama os sopros fatais
mas há oculto no teu cântico hermético

e em fúnebres marchas de altos sinais
o hino em dó de um catastrófico épico:
és um homem para os Grandes Finais.

08 outubro 2010

Poema Catastrófico nº1 – Uma Valsa

A partir de hoje, criarei poemas para as catástrofes ambientais e sociais que assolam nosso planeta. Não que tais acontecimentos já não fossem temas de minhas obras, sempre foram, obviamente, porém agora alguns poemas farão referência direta a fatos catastróficos específicos. Começo com um poema para o vazamento tóxico de “lama vermelha” de uma fábrica de alumínio na Hungria, considerado o pior desastre químico da história do país. O desastre causou a morte de várias pessoas, feriu e contaminou muitas outras, contaminou o solo e pequenos rios, e há o temor que o vazamento atinja o famoso rio Danúbio, que corta inúmeros países europeus e consagrou-se na famosíssima valsa de Johann Strauss "Danúbio Azul".

Poema Catastrófico nº1 – Uma Valsa

eu dormia e sonhava
com as valsas de Liszt e de Strauss
e bailavam na minha esperança
os cânticos das ninfas azuis...
mas acordei-me com um berro
e as pernas afogadas no rubro do ferro...

quedou na leveza do meu sono
o pesar do chumbo
e o ritmo frenético de um bumbo
que fez valsar as minhas pernas em lavas
na febre ardente do mercúrio
as arrancou como se fossem asas...

serpenteavam sarcásticas pelos meus costados
nas hemácias ácidas de um sangue artificial
as correntes dos metais pesados
sonhava com valsas
e acordei com metal...

voei de um leito para um leito
de hospital
valsando às chibatadas
de um líquido relho...
saio do céu do Danúbio Azul
para o inferno de um Danúbio Vermelho...

07 outubro 2010

...dos meus Limites

...aquele que sonhou o sonho do meu ver
porque eu não passo de um sonho
sem sequer esquecer...

deu-me a poesia
(oh dia!)
para que eu chegasse ao fim
e que sonhasse ser o Ser
que está além do acima de mim...
a poesia é o sonho que é o degrau
que talvez eu nunca subi
é ela que lembrando o que não foi
sempre me recorda a corda
que nunca me tirou daqui
talvez eu fosse aquela espada
de não e de nada
que sangrou o tudo
pela minha vida
e fronteirou-me além dos meus Limites
para que eu versasse ao alto
e acima caísse
ao cimo da minha arte
perdida
e à parte...

...àquele que sonhou o sonho do meu ser
porque sou um passo de um sonho
que se quer esquecer...

05 outubro 2010

Por que Escrever?

Quanto ao ofício de escrever, não admito cartilhas, manuais, teorias, enfim, todas essas baboseiras que pretendem nos ensinar artificialmente a escrever. Se alguém disse com real propriedade, na minha opinião, o que é escrever, foram o poeta alemão Rainer Maria Rilke (1875 - 1926) e o poeta e escritor alemão/americano Charles Bukowsky (1920 - 1994), literatos que muito aprecio, principalmente o Rilke. Abaixo, o que disseram Rilke e Bukowsky a respeito (na imagem, Rainer Maria Rilke):


"Procure entrar em si mesmo. Investigue o motivo que o manda escrever; examine se estende suas raízes pelos recantos mais profundos de sua alma; confesse a si mesmo: morreria, se lhe fosse vedado escrever? Isto acima de tudo: pergunte a si mesmo na hora mais tranquila de sua noite: "Sou mesmo forçado a escrever?" Escave dentro de si uma resposta profunda. Se for afirmativa, se puder contestar àquela pergunta severa por um forte e simples "sou", então construa a sua vida de acordo com esta necessidade. Sua vida, até em sua hora mais indiferente e anódina, deverá tornar-se o sinal e o testemunho de tal pressão. Aproxime-se então da natureza. Depois procure, como se fosse o primeiro homem, a dizer o que vê, vive, ama e perde. (...)"
Rainer Maria Rilke



Então queres ser escritor? 

se não sai de ti a explodir
apesar de tudo,
não o faças.
a menos que saia sem perguntar do teu
coração da tua cabeça da tua boca
das tuas entranhas,
não o faças.
se tens que estar horas sentado
a olhar para um ecrã de computador
ou curvado sobre a tua
máquina de escrever
procurando as palavras,
não o faças.
se o fazes por dinheiro ou fama,
não o faças.
se o fazes para teres
mulheres na tua cama,
não o faças.
se tens que te sentar e
reescrever uma e outra vez,
não o faças.
se dá trabalho só pensar em fazê-lo,
não o faças.
se tentas escrever como outros escreveram,
não o faças.

se tens que esperar para que saia de ti a gritar,
então espera pacientemente.
se nunca sair de ti a gritar,
faz outra coisa.

se tens que o ler primeiro à tua mulher
ou namorada ou namorado
ou pais ou a quem quer que seja,
não estás preparado.

não sejas como muitos escritores,
não sejas como milhares de pessoas que se consideram escritores,
não sejas chato nem aborrecido e pedante, 
não te consumas com auto-devoção.
as bibliotecas de todo o mundo têm bocejado até adormecer
com os da tua espécie.
não sejas mais um.
não o faças.
a menos que saia da tua alma como um míssil,
a menos que o estar parado
te leve à loucura ou ao suicídio ou homicídio,
não o faças.
a menos que o sol dentro de ti
te queime as tripas,
não o faças.

quando chegar mesmo a altura,
e se foste escolhido,
vai acontecer
por si só e continuará a acontecer
até que tu morras ou morra em ti.

não há outra alternativa.

e nunca houve.

Charles Bukowski

04 outubro 2010

Faço Slogans para Candidatos

Já que não ganho nenhum dinheiro como escritor, estou oferecendo meus serviços 
para os políticos. Inspirado no sucesso do maior político brasileiro, o filósofo Tiririca, com seu famoso slogan "Pior que tá não fica", estou criando slogans para candidatos. Vou deixar alguns exemplos para provar a qualidade de meu trabalho. Abaixo, alguns slogans que fiz para políticos consagrados:

para a recém eleita senadora Ana Amélia:

"RBSTV: a Ana Amélia, a gente faz pra você." 

para Fogaça:

"Não passe em cima do muro como o meu partido passa, vote Fogaça."

para Yeda:

"Conto com o seu apoio para comprar outra casinha e pôr nas escolas cortinas de seda. Governadora é Yeda."

para Serra:

"Cuidado com a Dilma que a Dilma te pega, te mata daqui e lá ela te enterra.Vote no Serra"

O senhores políticos que apreciaram o meu trabalho e quiserem contratar meus serviços, por favor, deixam aqui seus e-mails que entrarei em contato. Se forem eleitos, cobro 20% dos futuros desvios de verbas.

03 outubro 2010

O Líquido Mais Puro

quem disse que não podeis descer?
qual vazia ditadura oculta mentiu
que esgotou a imensidão dos vossos mares?

quem disse que não podeis brotar?
acaso aterraram o fundo de vossos lagos
ou aprisionaram as nuvens das vossas névoas?

quem disse que não podeis correr?
que mão fútil frívola supérflua
quis pôr um dique nas correntezas dos vossos rios?

quem disse que não podeis sulcar?
sulcar a terra da Terra inteira
com os vinhos dos vossos sangues
com os sangues das vossas águas?

quem disse que não podeis chorar?
minhas glândulas lacrimais
que o após do pós-modernismo
não conseguiu extirpar?

Lágrima imperatriz do profundo!
vós sereis o líquido mais puro
que restará sobre a finitude do mundo...

01 outubro 2010

Palavras de Sangue

antes de ser sagrado
sagre-se
antes de ser sacado
saque
antes de ser sangrado
sangre
atire no ponto
antes que te atirem da ponte
e puxe a faca
antes da maca...

o tigre é tigre porque tem dente
e ameaça à frente
a águia é águia porque tem garra
e mata na marra...

no cavalo se coloca o encilho
e no homem o gatilho...
como ter confiança na esperança?
e alegria no hoje em dia?
ou verdade na humanidade?

há que ser mais forte que a morte
pois não há como se livrar dessa roda:
o sangue está sempre na moda.

Por que NÃO voto em Chicão? Por que NÃO voto no PP?

Primeiramente, como este blog possui muitos leitores de fora de Santiago, esclareço que o senhor Francisco Gorski, mais conhecido como Chicão, é candidato a deputado estadual pelo PP (Partido Progressita).

Os motivos de meu voto não ir para Chicão nada têm a ver com sua pessoa, contra a qual não tenho absolutamente nada. Meus motivos referem-se ao seu partido, PP, para o qual nunca votei e nunca irei votar, seja quem for o candidato e digam-me o que quiserem dele.

Sou do tempo em que antes de se votar num candidato, votava-se na ideologia do partido, em sua história, em seu significado político dentro de nossa nação, estado e cidade. Votava-se antes de qualquer coisa no que este partido iria representar dentro de determinado governo. É nisso que penso. E por pensar é que não voto no PP.

O Partido Progressista deve ter esse nome porque veio progredindo desde lá a ditadura, para a qual deu uma sólida base através da ARENA, (o PP era a ARENA, todos sabem), veio progredindo SEMPRE REPRESENTANDO OS INTERESSES DAS ELITES. Dito isso, vou apresentar meus motivos:

1) Sendo eu um escritor (se bom ou mau, isso já é outra história) que sempre lutou pela liberdade de expressão, como votar em alguém de um partido que foi a base da ditadura militar?

2)Como votar em um partido que tem como um dos seus maiores líderes históricos o cidadão Paulo Maluf, um dos maiores ladrões do Brasil?

3)Como votar em um partido que sempre representou o coronelismo em nossa cidade, a elite financeira, os interesses dos ricos, dos grandes latifundiários?

4)Como votar em partido que sempre representou a direita conservadora, rançosa, arcaica, vazia, que junto com o DEM e o PSDB sempre estiveram ao lado do poder financeiro e do capitalismo selvagem em nosso país?

5) Como votar em um partido que apoiou e apoia o pior governo do RS na história, na minha opinião, esse da Yeda que aí está?

6) Por fim, toda essa campanha que pretende pregar uma unanimidade em Chicão, como se por eu ser santiaguense devo votar em um santiaguense, é simplesmente uma ofensa à minha inteligência e aos meus princípios. Toda unanimidade é burra.

Não voto no PP. Nunca. Jamais.

E, para finalizar, venho informar que estou mudando meu voto para presidente. Votarei agora no vencedor do debate de ontem, no senhor PLÍNIO DE ARRUDA SAMPAIO, do PSOL. Sinto não mais votar na Marina, mas como ela não tem chances de ir para o segundo turno, vou dar meu apoio a esse velho senhor que demonstrou ser o mais inteligente e consciente dos candidatos.

Como sempre, este blog está TOTALMENTE ABERTO para manifestações contrárias à minha. Quem discordar, sinta-se livre para aqui deixar a sua opinião.

30 setembro 2010

O Meu Verdadeiro Fim

os versos que não fiz
é o que há de melhor em mim
o que não fiz é meu verdadeiro fim...

sou o fumo espiritual que beija meus não-versos
os meus in-versos é o que mais pulsa no meu peito
e quanto mais o peito vivo pulsa
mais a vida escorre
e não há outro jeito...

o melhor de mim é o meu porre
do vinho que preparei nos vasos da melancolia
do meu sistema sanguíneo...
preparei com os sonhos que fermentaram
nas bactérias sedentas do meu coração
pois sou aquilo que não tiveste noção...

e nem mesmo eu tive
não sei de mim mais que o poema sabe de si
sou um mau poema que não foi feito
ou foi feito com palavra que era só música
e que nem eu mesmo nunca ouvi:
o melhor que faço é o que escuto
e que digo que não estou aqui
em absoluto.

29 setembro 2010

Por que Voto em Marina e em Tarso?

Os motivos são extremamente simples. A minha maior preocupação com o Brasil, de forma geral (a maior, não a única, é claro), é com a questão ambiental. É algo absolutamente óbvio, mas o que espanta, assombra, deixa-me atônito, é que as pessoas, até mesmo intelectuais, parecem não se dar conta disto: prosseguindo os atuais níveis de consumo e degradação ambiental em breve não haverá mais recursos naturais. E assim, não haverá desenvolvimento de nenhum tipo. Nem vida.

E dos candidatos para presidente que aí estão a Marina é a que ME PARECE mais preocupada e comprometida com a questão ambiental. A Dilma possui um perfil tecnicista e desenvolvimentista demais para mim. E o Serra, bom, o Serra é o imbecil candidato dos ricos. Em um eventual segundo turno entre Dilma e Serra, irei de Dilma. O governo Lula foi um bom governo, de modo geral, é verdade. Porém, todo esse desenvolvimento que aí está, em grande parte é uma ilusão. Em grande parte, não é um desenvolvimento sustentável, foi e está sendo efetuado às custas de mais degradação, de mais exploração indevida de nossa natureza, sem uma verdadeira preocupação ambiental.


E voto em Tarso porque no RS minha maior preocupação é com a educação, e o Tarso ME PARECE o mais preocupado e comprometido com a questão educacional. A YEDA FOI O MAIOR DESASTRE NA EDUCAÇÃO GAÚCHA DA HISTÓRIA, e o Fogaça, bem, o Fogaça é só papo, só conversa fiada. Foi senador por 16 anos!!! e não fez nada.

Se alguém discorda de mim, o blog está aqui aberto para toda e qualquer manifestação, sem nenhum tipo de censura ou de seleção de opiniões.

Poemas do Término e Contos do Fim 40

A edição 40 do zine literário Poemas do Término e Contos do Fim já foi lançada e encontra-se disponível. Inclui a parte final do conto "As Duas Mulheres" e os poemas "O Melhor é o que Não se Espera", "Destino" e "Concordas?".

O zine 40 está também disponível digitalmente, gratuito, como a versão impressa. Para recebê-lo, basta que o leitor deixe seu e-mail aqui ou mande para reiffer@gmail.com, que então ele será enviado.

Em Santiago, os pontos de distribuição da versão impressa são os seguintes: locadoras Fox, Classic e Stop, biblioteca pública, biblioteca da Uri, Ponto Cópias e Livraria Santiago. Pode ser enviado para qualquer cidade do Brasil ou exterior, mediante o pagamento das despesas de correio.

Além de Santiago, o zine Poemas do Término e Contos do Fim possui distribuição fixa nas seguintes cidades: Santa Cruz do Sul/RS, Santa Maria/RS, Porto Alegre/RS, Santo Ângelo/RS, São Gonçalo/RJ e Goiana/PE.
O trabalho de design da publicação é realizado por Guilhermes Damian.

28 setembro 2010

Eu passo do ponto. E pronto.

Em 2009, eu e meu amigo músico Marcus Vinícius Manzoni realizamos um trabalho em parceria, cujo resultado foi a letra "O Ponto". Serve como letra e como poema. Agora, o Marcus musicou a letra, e o fez com grande qualidade, um trabalho realmente digno de admiração. Tanto a parte instrumental quanto a vocal estão muito bem compostas e executadas. Quem quiser conferir a música, aqui está:

http://palcomp3.com/marcusmanzoni/

O poema/letra está abaixo:

O Ponto

até certo ponto
me atiro da ponte
até certa ponte
eu passo do ponto
uma ponte no passo
a um passo da ponte
me atiro com um tiro
se passo do tiro
me volto ao meu ponto
passo ponto e ponte
mas e eu estou onde
que nunca me encontro
e nunca estou pronto?

na ponta da noite
me aponto no escuro
ponteando socorro
batendo no muro
no ponto do erro
na margem da ponte
eterno horizonte
eu bato no peito
eu penso se corro
e nunca me encontro
e nunca estou pronto?
eu passo do ponto
e pronto.

26 setembro 2010

Palavras de Paz

não se pode ludibriar um poeta
com os símbolos das palavras
porque só ele conhece a todos:
poeta é o que sabe os significados perdidos...
quem tem olho que vê o fundo do escuro
não se engana com o brilho fácil das luzes
quem tem íris que capta o negro da noite
não se engana com o sonho fácil das cores...

acima das plumas brancas da esperança
paira a sábia asa-sangue do abutre
e a firme garra impiedosa do gavião...

os melhores vinhos trazem as trevas da morte
e os piores raios brilham como as luzes do dia...

e há tanta paz no olho do furacão...

25 setembro 2010

Romantismo Pós-Moderno

quem disse
que o romantismo saiu de moda?
eu mesmo estou aqui
beijando uma mulher que morre...

acariciando seus cabelos dourados
como as areias dos desertos novos...

perdendo-me em seus olhos claros
como luzes de duas bombas atômicas...

aspirando o seu alento morno
como o ar enfumaçado lá dos trópicos...

sorvendo sua saliva macia
como os mares flutuantes de petróleo...

sentindo o sangue pulsar em suas veias
como o golfejo do guará esmagado no asfalto...

dei a ela
esta flor, a mais triste
a flor-esta
devastada...

beijo uma mulher que morre
cujo nome é Humanidade...

24 setembro 2010

Venda o Seu Voto!

Sabem, estive pensando... Os eleitores deveriam vender seu voto. Sim, é uma forma de valorizá-lo. A melhor forma. Afinal, por que não vender o voto? Se o voto é meu, se é um direito que tenho, deveria fazer dele o que eu quisesse. Estive pensando e acho que sou um burro em não vendê-lo. Por que devo dar de graça meu voto? Para depois o cara que for eleito ir lá  enriquecer às minhas custas? 

Além do mais, há muitos que vendem suas casas para colocar propagandas de candidatos, alugam automóveis para saírem nas ruas enchendo o saco com suas musiquinhas ridículas. Vendem seus serviços para fazer campanha. Vendem espaços em seus jornais, vendem seus blogs, vendem suas opiniões, enfim, vendem tudo. Por que não vender o voto?

E para ser sincero, raros são os homens que não têm um preço. A maioria é comprada por dinheiro. E aí vai depender de cada um. Uns são caros, outros baratos. Alguns se vendem por uma simples caixa de cerveja. Outros por um carro último tipo. Outros por uma fortuna. Mas se vendem. 

Há ainda os que se vendem por fama, por status social, para aparecer mesmo! Há os que se vendem por puro puxa-saquismo,  por simples elogios. Há os que se vendem por favores, por promessas. Há até os que se vendem  para se sentirem mais confortáveis. Enfim, todos tem seu preço. Ou não? Tu tens o teu, leitor?

Então, por que não vender o voto? Agora, não pensem que estou dizendo para vender com sinceridade. Claro que não. Bom, primeiro de tudo, temos que procurar vender somente para aqueles que é sabido que têm muito dinheiro. E nunca podemos aceitar a primeira  oferta. Não, temos que sempre pedir o dobro do ofertado. Quanto mais arrancarmos desses cafajestes, melhor. Ainda que eles não queiram pagar o dobro, vão pagar com certeza um pouco mais do que inicialmente ofereceram. E, por último, e mais importante: devemos ser como os políticos. Mentirosos e traiçoeiros. Vendam o voto, mas nunca, jamais! votem em quem comprou seu voto. É óbvio que esses imbecis não merecem ser eleitos. 

21 setembro 2010

Mais Um Trecho de Um Instante de Sono (Sono Sanguíneo)

como o líquido negro do café
que escorre dos vales da minha urgência
sonho que um vinho vive em meu passo à beira...
sou daqueles que passam às margens do tenso
no passar em seus três sentidos
e sempre um símbolo de humanidade morta
despenca-me tumularmente furiando
a cada lágrima que em teus cílios convulsiona-me
um sei que se apaga no morrer-do-sol
durmo como dorme a lua febre
envelhecida pelo fumo de um cigarro
só não dorme o que vulcanicamente pulsa
na pele sonâmbula do sentimento
em finais derramamentos de violinos ocasos
ao Fim da História...
durmo após o mundo
no pânico do ansiamente em charme
para acordar nos roxos abraços
dos sangues do que deve abraçar-me...

20 setembro 2010

(arco) Íris

gavião azul
em limoeiro escuro:
flor lilás.
os meus versos brancos
vêm de castanhos olhos
para o sol voltados:
revoltadas flechas...

astro-rei
de violeta ultra
vindo em fachos roxos...
o meu inverno verde
doura os lábios rosas
do começo ao fim
no vermelho ocaso.

um gavião azul
no vermelho ocaso.

17 setembro 2010

“A política e o crime são a mesma coisa.” (FINAL)

O político fala:

Como não posso desabafar com ninguém, nem mesmo com minha família, que não sabe de nada, nem com meus correligionários, para quem eu pareceria ser um fraco, vou aliviar essa pressão que está me consumindo escrevendo algumas linhas. Dizem que escrever é uma ótima forma de descarregar tensões.

Nem sei por onde começar, o que sei é que devo dar um jeito naqueles miseráveis, filhos-da-puta, que não param mais de sugar o meu dinheiro, que é meu por direito, afinal, eu fui eleito, fui eu que o povo escolheu para cuidar de seus problemas, de seus anseios, e não eles, aqueles ladrões, desgraçados! Ah, como fui tão burro, logo eu, que sempre me julguei tão esperto, o mais esperto de todos, fui aquele dia cair na conversa daquela miserável. Mas como ela era bonita... e gostosa, meu Deus! Como eu iria resistir? Também sou humano, não sou um deus, não tinha como não cair naquela conversa doce e macia, naquele olhar ao mesmo tempo sedutor e desamparado, parecia ser tão puro... o qual percebi que há vários dias procurava os meus em nossas reuniões do partido.

Então ela veio, dizendo que estava apaixonada por mim, que queria ao menos ser minha amante, pois sabia que seria impossível ser minha esposa, afinal, amo minha esposa. Como, meu Deus! Como não me apaixonar também? Como não acreditar em suas palavras que pareciam ser tão sinceras, tão profundas, tão intensas... Não, eu não tive culpa, fui uma vítima. Apaixonei-me, e no afã cego da paixão, e para mostrar a ela como eu era um homem esperto, poderoso, muito rico, contei tudo, tudo! Eu contei tudo a ela! Que idiota! Como não desconfiei que poderia ser uma armadilha daqueles desgraçados, ladrões, porcos chantagistas! Agora eles sabem de tudo, têm provas, tudo gravado por aquela prostituta, aquela cadela vadia, que ainda roubou meus documentos. Eu devia ter lembrado daquela frase que li certa vez, não lembro onde: “O sexo é a pedra de tropeço.” Sim, é isso mesmo, tropecei nele, e caí. Maldito amor! O amor é mesmo uma piada. Mas agora não adianta ficar me lamentando, terei que fazer algo, mas o quê? Eles não param de me sugar, sabem o quanto sou rico e o quanto estou comprometido. À polícia não posso ir... Mas posso ir até eles e matá-los! Não, eu até poderia pagar alguém para matar alguns, mas jamais todos, e as provas continuariam com eles. Tenho que jogar como eles jogam, conseguir alguém que se infiltre naquela maldita organização e resgate as provas para mim... Sim, sim, acho que essa é a saída, farei isso! Ah, mas ela, aquela puta! Ela eu tenho que matar!

Meu Deus, como é difícil ser político neste país! Dei meu sangue por esse povo ingrato e agora sou vergonhosamente roubado, de um dinheiro que é meu, MEU! Sim, tudo bem que ele não faz parte de meu salário de deputado, mas o salário é muito baixo, ridículo, para todos os problemas e preocupações que tenho que passar. Nada mais justo do que pegar uma partezinha desse montão de verbas que aí esta, e de que todos pegam um pouco para si. Sim, sim, todos pegam, todos sabem disso, e qualquer um que for eleito e vir para cá, vai fazer o mesmo, vai pegar uma parte para si, por muito honesto que se ache. E eu acho isso perfeitamente justo, porque a verdade é que somos muito mal pagos, deveríamos receber muito mais, temos obrigação de ser ricos perante a sociedade, somos um espelho no qual o povo se reflete. Só o que fiz foi corrigir pelas minhas próprias mãos algo visivelmente errado. Mereço esse dinheiro que peguei do povo, porque trabalho pelo povo. Eu que tenho que decidir quanto devo ganhar, não os outros, o poder é meu, eu o mereci, fui escolhido.

Isso não é desonestidade, é uma questão de justiça, ainda que não esteja na lei. A lei também erra. Eu sou um homem honesto, honrado, digno da confiança que o povo depositou em mim. Cumpro minhas obrigações, apresentei e apresento inúmeros projetos para o bem de meu país, sou um pai de família respeitado. Só eu sei o que sofro na pele por ser político, todas as acusações falsas, as piadinhas que tenho que aguentar, todo o trabalho de ir até o povo, aos pobres, às favelas, e ter que estar sempre sorrindo e de bom-humor, apertando a mão, correndo o risco de pegar doenças, porque essa é a realidade. E essa gente é uma gente traiçoeira. Diz que vai votar em nós, mas depois não vota. Agora eu, eu tenho que falar sempre a verdade e ser sempre simpático! Ah, vão à merda! Então, se eu pego um dinheiro pra mais, é para fazer justiça a mim mesmo, para recompensar todos esses males por que tenho que passar como homem público. E quem não faria? Quem não pegaria uma justa recompensa para si?

Mas agora, agora surgiram esses vagabundos, que não querem trabalhar, e ficam roubando o dinheiro de quem trabalha, miseráveis! E ainda se utilizam de vagabundas sedutoras, fazendo com que eu, além de trair minha amada esposa, conte, como um patinho, meus segredos para aquela vaca, aproveitando-se do meu coração apaixonado e bondoso. Às vezes fico pensando que talvez eu devesse ouvir meu pai, quando dizia: “filho, seja um grande político, mas um político honesto, nunca vá roubar o dinheiro do povo.” Bem, o pai era um ingênuo, um romântico, eu sou um homem prático. O pai não entendia nada de política, não sabia que pegar algumas verbinhas não é roubar, mas ser justo consigo mesmo. Mas se eu tivesse ouvido o pai, agora não teria que dar a metade do meu dinheiro para aqueles ladrões. Talvez ser “honesto” fosse mais lucrativo...

16 setembro 2010

"A política e o crime são a mesma coisa." (Continuação)

Muitas vezes me perguntei, tomado por crises de escrúpulos, se não deveria entregar todos esses cafajestes à imprensa, ao julgamento da opinião pública. Pensei sobremaneira nessa possibilidade quando pude comprovar definitivamente que os políticos são muito mais desonestos do que inicialmente imaginava. Sim. Dissera no princípio deste relato que esperava lucrar com minha organização criminosa o suficiente para ter um bom nível de vida. No entanto, os lucros foram imensamente superiores aos imaginados. Hoje sou um homem rico. E vários outros membros importantes da organização também o são. É que o número de políticos sujeitos às nossas extorsões era bem superior ao que inicialmente esperávamos.

No início, eu ficava atônito ao verificar que aqueles homens públicos, de aparência tão respeitável, muitas vezes ilibados pais de família, cujos discursos seriam capazes de nos fazer chorar por irradiarem tanto amor pelo povo e pela sua terra, com tão comovente sinceridade, com tão elevada disposição, com tão inflamadas frases, que duvidar de tais homens, de seus incontestáveis argumentos, de suas emoções à flor da pele, de suas intenções angelicais, de seus sorrisos puros e ingênuos, de seus motivos fulgurantes de justiça consistiria em um tremendo sacrilégio. Eram os homens mais dignos e honrados da humanidade, sempre dispostos a dar o sangue pelo bem comum, enfim, seres sublimes!

Mas que belos atores, haha! Sim, não passam de ótimos atores. Quanto fingimento, quanta hipocrisia! Aquele mesmo político, amigo, que tu colocarias a mão no fogo por ele, é tão criminoso quanto eu. Não, é mais.

Por isso, como disse, senti em vários momentos o desejo de entregá-los e vê-los na cadeia. Mas o que digo? Na cadeia? Político na cadeia em nosso país? Só se for um político honesto. Por isso que não há nenhum preso, haha! Então, se eu os entregasse, o que aconteceria? No máximo seus crimes seriam divulgados por alguns jornais, às vezes com bem pouco destaque, seriam processados (ou talvez nem isso) e não cumpririam um só dia na cadeia. E o povo, ora, o povo é formado por imbecis, e em alguns meses já teria esquecido todas as cafajestadas de seus amados políticos, seus dignos representantes, haha, que piada! Logo, logo, estariam votando nos mesmos canalhas que eu denunciara. Não é assim?

Então, considerei melhor não delatá-los, mas extorqui-los, extorqui-los cada vez mais, de forma mais impiedosa. E o dinheiro obtido com nosso crime, não é apenas para nos enriquecer. Também ajudamos um número incontável de pessoas pobres, de doentes e aposentados miseráveis, de jovens e crianças esquecidas, realizamos doações a entidades que atuam no campo social e ambiental. Afinal, o dinheiro é deles. E assim também obtemos o reconhecimento e a gratidão de um sem-número de indivíduos. E um dia poderemos vir a precisar de seus favores... É ostensível que para lavar o nosso dinheiro, abrimos várias empresas filantrópicas.

Claro que houve e há políticos que não se sujeitam de início às nossas chantagens e exigências. Dizem não temer nossas delações, que sempre dariam a volta por cima, enfim, essas baboseiras de político metido a macho. Mas a coragem sempre se desvanece com uma pistola automática enfiada na boca, com algumas unhas arrancadas, ou com uma sutil menção à beleza e tranquilidade da vida em família... Como seria triste perder a esposa, ou um filho, uma filha... Bem, creio que nossa organização sabe ser devidamente convincente.

Mas tais casos são raros. E agora, quase impossíveis. Digo “agora”, porque com a Lei da Ficha Limpa, nenhum político que queira continuar nos governos para poder exercer a sua sagrada rapinagem dos cofres públicos se arriscaria a ter um processo nas costas que impeça sua (re)eleição. De modo que mais do que nunca estamos com a faca e o queijo nas mãos...

Amanhã, o final.

15 setembro 2010

“A política e o crime são a mesma coisa.”

O criminoso fala:

Inicio este meu relato com essa frase de Mario Puzo porque estou certo de que ela é uma indubitável verdade. Quando fundei minha organização criminosa, esperava lucrar o suficiente para manter um razoável nível de vida, sem necessidade de ser empregado de ninguém, sem ter que me sujeitar a oito horas de um desgastante e frustrante trabalho diário que me recompensaria tão somente com alguns trocados medíocres. É mentira que o trabalho dignifica. O trabalho degrada o homem. Por tais motivos parti para o crime. Mas não queria, entretanto, ser um criminoso que agisse contra os inocentes, ou contra os pobres. Pelo contrário, queria lucrar às custas de gente ainda mais criminosa do que eu. Foi então que pensei nos políticos...

Sim, isso mesmo, comprovei, após amplas e exaustivas investigações secretas, aquilo que todos já sabem, mas não querem falar, mas que não têm provas: que os políticos não só constituem uma fonte inesgotável de dinheiro, como também de culpas, crimes e corrupções. Pronto, estava decidido, eu ganharia meu dinheiro sujo extorquindo o dinheiro sujo dos ladrões do povo.

Reuni amigos de confiança, explanei meus planos e intenções, e não foi difícil convencê-los de formarmos uma organização criminosa especializada em descobrir todos os podres dos políticos, os seus desvios de verbas, os caixas-dois, sonegação fiscal, participações em licitações de fachada, lavagens de dinheiro, peculato, apropriação indébita, propinas, nepotismo, evasão de divisas, tráfico de influência, formação de quadrilha, enfim... o rol, todos sabem, é imenso.

O nosso procedimento é relativamente simples. Uma vez descobertos todos esses “mau-cheirosos segredos”, entramos, com a maior das cautelas e com a máxima discrição, em contato com o político “desvelado” e oferecemos nosso preço para que algumas informações indesejáveis não caiam no conhecimento da imprensa, da justiça, da opinião pública. É claro que nossas propostas são quase que invariavelmente aceitas. Quem iria recusá-las? O que podem fazer? Ir à polícia? Ora, a polícia está conosco. Nos dois sentidos.

E mais claro ainda é que tomamos todas as devidas precauções para não sermos assassinados. Não somos ingênuos. Aprendemos a viver sob tensão, sob o constante perigo de morte. E, devo dizer, é algo que nos traz um infinito prazer. Vemos em tal perigo a emoção maior em estar vivo. Enfim, gostamos do que fazemos. A vida é um jogo, viver é saber jogar. E nós somos jogadores. E, até agora, nenhum de nós foi assassinado. Apenas dois foram baleados. Mas sabemos nos defender muito bem. Um de nossos membros ferido equivale a um político corrupto morto. Aprendemos que é assim que funciona.

Infiltrarmo-nos nas instituições, nos partidos, nos governos, para obtermos seus segredos pode até parecer difícil para o leigo, porém, afirmo que não é tanto assim. Subornar funcionários públicos, políticos menores mas conhecedores dos bastidores, acessar dados pretensamente sigilosos, todos esses procedimentos não são tão complicados quanto parecem à primeira vista. Obviamente, a grande maioria das pessoas pode ser comprada. É só uma questão de estabelecer o preço adequado. E, além do mais, é claro que temos entre nosso pessoal alguns dos melhores hackers, e entrar em sistemas sigilosos não é algo fora de série...

Principiamos nossa organização de forma bastante modesta. Éramos apenas em cinco pessoas. Amigos de absoluta confiança. Compramos uma pistola, foi a nossa primeira arma das muitas e várias que viríamos a possuir. E então, filhamo-nos a determinado partido político, um dos maiores do país. Quanto a escolher um partido, ficamos bastante em dúvida, pois em quase todos há muitos corruptos e desonestos. Mas creio que escolhemos muito bem. E as nossas vítimas caíram em nosso jogo. Em pouco tempo obtivemos informações altamente comprometedoras de políticos considerados importantes. Entrar em contato direto com eles e chantageá-los não foi difícil. Inicialmente, as somas de dinheiro exigidas para nosso silêncio foram relativamente pequenas. Esse dinheiro foi investido na compra de mais armas, em subornos, em automóveis, em computadores... Aos poucos, fomos aumentando o número efetivo de nossos homens, sempre através de exigentes provas. Não pode ser qualquer um a ter o direito de entrar em nossa organização. Devemos ter uma confiança total na pessoa. Ou a confiança máxima possível, pois a confiança total nos negócios talvez não exista. É claro que a quebra do código de silêncio é punida com a morte. Felizmente, isso ainda não ocorreu.

Amanhã, a continuação. (na imagem, o quadro "A Reprodução Proibida", de Magritte)

13 setembro 2010

Nada a (me) Declarar

para que ler os teus jornais de hoje
se no outro fatídico dia
as notícias já irão ser outras
e logo tudo estará passado?
e não ficará nada mais a meu lado...

tu, humanidade,
o que é que tens a me dizer?
tuas filosofias são cadáveres de boca-aberta
tuas esperanças são finais de piadas
e tuas políticas o princípio delas...
têm mais a me dizer as cadelas.

lá vão os teus intelectuais babando
sobre o nada-adiantar do nada de suas babas
as suas teorias que a tudo explicam
a não-ser o que se precisa saber...
aqui neste planeta exangue
(tu bem o sabes)
o que importa é o Sangue...

12 setembro 2010

Morta

à esta humanidade tudo é inútil:
a ela não se diz verdades
nem fundas filosofias...
ela é burra como uma porta.

aos humanos não se fala de flores
ou de altos aromas sublimes...
eles são podres como uma porca.

e não se canta os amores
nem em idiomas celestes...
a alma não lhes importa.

e mais inútil ainda
é ser agora um poeta:
a poesia no homem está morta.

11 setembro 2010

O Grande "Boca do Inferno" é Sempre Atual

A prova de que a humanidade não muda (ou talvez mude para pior), está na poesia rebelde, indomável, impiedosa, de Gregório de Matos, que há 3 séculos "botou a boca" em nossa sociedade corrompida. Era corrompida, continua corrompida. E quantas podridões teria agora o maldito Boca do Inferno para vomitar sobre a cara dessa sociedade brasileira? Em qualquer cidade que ele pisasse agora, inclusive na nossa querida Santiago, poderia estampar a fúria e a indignação de seus versos com absoluta propriedade. Então, pergunto-vos, como ter esperança no homem?

Deixo abaixo o poema "Epílogos" do mestre Gregório. Tomei a liberdade de excluir algumas estrofes para que a leitura da obra ficasse mais dinâmica, pois o poema é extenso para os padrões atuais, ainda mais para um blog. Acompanha o poema um detalhe de "O Jardim das Delícias" - "Inferno", de Hieronymus Bosch.

Epílogos

Que falta nesta cidade?................Verdade
Que mais por sua desonra?...........Honra
Falta mais que se lhe ponha..........Vergonha.

O demo a viver se exponha,
Por mais que a fama a exalta,
numa cidade, onde falta
Verdade, Honra, Vergonha.

Quem a pôs neste sacrócio?..........Negócio
Quem causa tal perdição?.............Ambição
E o maior desta loucura?...............Usura.

Notável desventura
de um povo néscio, e sandeu,
que não sabe, que o perdeu
Negócio, Ambição, Usura.

Quem faz os círios mesquinhos?...Meirinhos
Quem faz as farinhas tardas?.........Guardas
Quem as tem nos aposentos?.........Sargentos.

Os círios lá vêm aos centos,
e a terra fica esfaimando,
porque os vão atravessando
Meirinhos, Guardas, Sargentos.

E que justiça a resguarda?.............Bastarda
É grátis distribuída?......................Vendida
Que tem, que a todos assusta?.......Injusta.

Valha-nos Deus, o que custa,
o que El-Rei nos dá de graça,
que anda a justiça na praça
Bastarda, Vendida, Injusta.

E nos frades há manqueiras?.........Freiras
Em que ocupam os serões?............Sermões
Não se ocupam em disputas?.........Putas.

Com palavras dissolutas
me concluís na verdade,
que as lidas todas de um Frade
são Freiras, Sermões, e Putas.

O açúcar já se acabou?..................Baixou
E o dinheiro se extinguiu?.............Subiu
Logo já convalesceu?.....................Morreu.

À Bahia aconteceu
o que a um doente acontece,
cai na cama, o mal lhe cresce,
Baixou, Subiu, e Morreu.

A Câmara não acode?...................Não pode
Pois não tem todo o poder?...........Não quer
É que o governo a convence?........Não vence.

Que haverá que tal pense,
que uma Câmara tão nobre
por ver-se mísera e pobre
Não pode, não quer, não vence.

Gregório de Matos

09 setembro 2010

Agora que a Humanidade Morre...

agora que a humanidade morre
(digam o que quiserem,
mas a humanidade morre...)
que a humanidade morre,
não há mais porque
buscar o que é mortal...

por isso busco nos teus olhos
os sóis que possam brilhar atrás deles
(que os sóis são quase imortais...)
e nas lágrimas que talvez derrames
irei buscar as mais potentes dores
(que as dores não se findam jamais...)
e em tua boca de que o verbo lanças
encontrarei talvez a música
(que as notas são artes mais divinais...)
e no que pulsa em teu peito e veias
buscarei tudo o que for ânsias
(que as ânsias é que mandam sinais...)
e no que dorme no que for teu sono
alcançarei teu pesadelo e sonho
(que os sonhos é que são eternais...)
e no que viver em teu corpo em chama
me queimarei no que for tua alma
(que só a alma significa algo mais...)

07 setembro 2010

Versos Escritos em Desalento, de Yeats

William Butler Yeats, indubitavelmente um dos maiores nomes da poesia no século XX, nasceu em 13 de junho de 1865 (vale lembrar que Fernando Pessoa, outro gênio da poesia deste mesmo século XX, também nasceu em um 13 de junho), em Dublin, capital da Irlanda. Foi poeta e autor teatral, e diferentemente de Pessoa, conquistou, em 1923, o prêmio Nobel de Literatura. É considerado o maior poeta moderno irlandês. Abaixo, um de seus místicos e melancólicos poemas, inspirados pela mitologia celta, que tanto o fascinava.

Versos Escritos em Desalento

Quando é que eu vi pela última vez
Os olhos verdes redondos e os corpos longos vacilantes
Dos leopardos vacilantes da lua?
Todas as bruxas selvagens, aquelas senhoras muito nobres,
Por todas as suas vassouras e as suas lágrimas,
Suas lágrimas de raiva, fugiram.
Os santos centauros das colinas desapareceram;
Não tenho nada para além do amargado sol;
Banida mãe lua heroica e desaparecida,
E agora que cheguei aos cinquenta anos
Tenho que aguentar o tímido sol.

W.B.Yeats

06 setembro 2010

(des) Graça

é engraçado
como a humanidade tornou-se risível
(nos dois sentidos)
neste mundo-circo sem graça
(nos três sentidos)

quanto mais a terra é aniquilada
mais há razões para piada
quanto mais o grave é preciso
mais há motivos de riso
sobre o pesar das aves massacradas
revoa a leviandade das gargalhadas

aos olhos da desgraça dos tempos
a dor tornou-se um sarcasmo
o amor, um deboche
a poesia, uma ironia...

é mais esbranquiçada a risada
quanto mais a situação é sombria...

este planeta aos estilhaços
tornou-se um palco de palhaços...

04 setembro 2010

Concordas?

de nada adiantam
os teus coros a quatro vozes
levados pelo vento
já tantas vezes...
ou os teus acordes
com cordas
no pescoço
ou as notas do teu piano
que o Tempo
nem mais nota...
o que surge errado não encontra acerto:
não adianta, Humanidade,
tu não tens concerto.

03 setembro 2010

Gota a Gota ( um horrível poema pós-moderno)

gota a gota
derramarei um poema pós-moderno
legítimo:
começo
espremendo o líquido verde
das minhas esperanças
gota a gota
sobre o sangue de um graxaim
que gota a gota
escorreu pelo asfalto fervente
até ser absorvido pela terra seca
que gota a gota
espargiu seu pó
sobre os meus olhos pingando lágrimas
gota a gota
não de tristeza ou de sensibilidade
porque isso há muito morrera
mas porque sobre mim caía
uma chuva ácida
gota a gota
e caía também sobre o cedro morto
de que há muito
extirparam sua seiva
gota a gota
e as cinzas de suas antigas folhas
agora fumaça pelo ar
caiam como fuligem sobre meus olhos
gota a gota
mas ainda pude olhar para os meus pés
atolados num rio
que transbordava fezes
gota a gota
e ao lado havia um cadáver
de um homem com as mãos abertas
caindo moedas
gota a gota...

02 setembro 2010

O Labirinto, de Jorge Luis Borges ( que merecia o Nobel...)

Borges é para mim o maior escritor da América Latina. Talvez não o maior poeta (embora esteja entre os maiores, certamente), mas na prosa é insuperável. Melhor, na minha opinião, que Gabriel García Márquez, e merecia mais que este um Nobel. Só que o Nobel, como a maior parte das premiações artístiscas, é uma piada. Sim, prêmios literários o que expressam? O gosto de alguns. Não venham me falar de imparcialidade, de conhecimento dos críticos, essas baboseiras todas. Arte é subjetividade. E ponto final. Ninguém tem a capacidade objetiva de determinar o que é melhor ou que é pior na arte, quando, é claro, trata-se de autores de níveis semelhantes. Poderia mencionar inúmeros exemplos aqui do que digo. Basta dizer, no entanto, que Fernando Pessoa perdeu um concurso com seu genial "Mensagem" para um padre literariamente medíocre que hoje ninguém sabe quem é.

Talvez seja até melhor que Borges não tenha ganhado o Nobel. Isso fala ainda mais alto  em favor de sua genialidade, tanto como prosador como poeta. E como poeta, deixo aqui um de seus enigmáticos poemas, incluído no livro "Elogio da Sombra" de 1969. (Na imagem que acompanha o poema, "O Sonho do Pastor", de Füssli)

O Labirinto

Nem Zeus  desataria essas redes
de pedra que me cercam. Olvidado
dos homens que antes fui, sigo o odiado
caminho de monótonas paredes
que é meu destino. Retas galerias
encurvando-se em círculos secretos
com o passar dos anos. Parapeitos
que se racharam na usura dos dias.
Já decifrei no pó esbranquiçado
rastros que temo. Tenho percebido
no ar das côncavas tardes um rugido
ou o eco de um rugido desolado.
Sei que na sombra há Outro, cuja sorte
é exaurir as solidões sem fim
que este Hades fiam e desfiam,
sugar meu sangue e devorar minha morte.
Nós dois nos procuramos. Quem me dera
fosse este o dia último da espera.

Jorge Luis Borges

Inauguração da Sede da Casa do Poeta de Santiago - Convite

01 setembro 2010

Quando a Água faz Falta...

Dizer que só se valoriza algo quando se perde, seria um lugar-comum. Mas é o que vivenciamos hoje no Brasil. A seca brutal, catastrófica, que vem dizimando florestas, cerrados, lavouras, criações, que vem transformando rios e lagos em desertos, que vem entupindo os céus de todo o Brasil com uma fumaça venenosa (o Brasil, um país tropical, equatorial em grande parte, conhecido pela sua água abundante!) faz agora com que pensemos que a água, a imprescindível água, pode acabar mais rápido do que imaginamos, e quem sem ela a humanidade, obviamente, está acabada. As pessoas pensam nisso. Mas depois, a seca passa, e voltam todos a maltratar a água como sempre fizeram, como estamos acostumados a fazer, como fomos condicionados, ensinados a agir.

Bem, tendo em vista esse momento dramático em nosso país, creio ser oportuno republicar aqui dois poemas meus que tratam do mau uso da água. O primeiro postado foi escrito em 2005. O outro, no ínicio deste ano. Na imagem, um lago quase totalmente seco no estado do Amazonas. No Amazonas, um dos mais úmidos lugares do mundo...

Águas do Fim

águas em marcha
fúnebre
águas de março
seco
águas alvas
brancas
águas claras
de espuma: de ter gente
águas belas?
águas plásticas
chuvas ácidas
gotas trágicas

água da vida?
água da morte
dá medo
dá peste
e morre

a humanidade
e a água:
perdida
acabada.
e o que tu fazes?
fezes,
sem mágica...
e que água que resta?
a Lágrima.

Versos Poluídos

a água do teu lábio
agora já é saliva
a saliva de uma lepra
a saliva do teu lábio
agora já é uma lágrima
e essa lágrima tu sorves
a lágrima do teu lábio
agora já é um sangue
o sangue que te nutre
o sangue do teu lábio
agora já é veneno
o veneno que te vives
o veneno do teu lábio
é a água que tu bebes
e estes versos que vomito
são à água do planeta...

30 agosto 2010

Aceito...

aceito o meu destino
com todas as pedras jogadas da Torre
no meio do meu caminho...

mais que a pedra de Drummond
é a pedra que soa como um sino
há um “Louco Alphonsus, Louco Alphonsus!”
no trilo do meu destino...

aceito mas não me inclino
deixo que o vidro se quebre
em seu cristal hialino
mas não junto os cacos do seu som...

mais que a pedra de Drummond
há um mantra-sino
no meio do meu des(a)tino.

28 agosto 2010

Soneto ao Tempo

deixa que passe o que de mim se corre
verás então que cada vez mais rápido
cada vez mais o que se bebe ao trágico
é todo um sonho em correnteza em porre...

deixa que esguiche e que de mim se jorre
tudo que sinto ao cada vez mais ávido
verás então que é cada vez mais válido
este meu Fim que a outro Fim socorre...

verás ao não como ocultei meu lago
com som de pulso este meu sim pressago
inundará tudo o que em ti derrama...

o teu dormir eu sempre sou que trago:
quando se dorme o sangue queima em chama
quando se morre o rio de Deus se inflama...

27 agosto 2010

“Eu Estava Lá...” (poema-conto)

então, Ele fitou-me nos olhos e disse:

“eu estava lá
quando em símbolo
Adão e Eva foram expulsos do Paraíso
eu estava lá
simbolicamente
sendo a última gota
alastrada pelo final da cruz
do Cristo crucificado
eu gotejei com o sangue
da marcial espada romana
na forma do punhal
no rubro da força de César
eu estava lá
pairando sobre os cadáveres
de um terço da Europa
devastada pela Peste Negra
entre as sombras medievas
e sonhei nos delírios de Bosch
enquanto absurdos se derramavam
de sua visão apocalíptica
e estava na alma de Shakespeare
adejando ao final de suas tragédias
e deixei minha marca
na lâmina afiada da guilhotina francesa
e na neve russa
que aniquilou o exército de Napoleão
como também fiz ressoar meu canto
no último quarteto
que compôs Beethoven ensurdecido
estive em forma líquida
no delirium tremens de Poe
fui às duas grossas lágrimas
que derramou Brahms em seu leito de morte
e eu estava lá mais tarde
nas balas mortíferas da Máfia
e lancei-me em fúria
pelas metralhadoras dos alemães
durante o sangue da Segunda Guerra
espargido pelos buracos na carne dos soldados
eu voei segundos antes
das bombas atômicas sobre o Japão
eu estava lá
chegando ao coração das mães
que perderam seus filhos
no verde-fogo do Vietnã
e larguei ao vento os derradeiros gritos
dos animais mergulhados nos mares da extinção
e irradiei meus suspiros
pelo céu que encobria enfumaçado
o tombar das gigantes florestas
eu estava lá
e agora estou aqui
fitando fundo e firme e forte
os olhos encovados de toda humanidade...”

Ele então me disse todas essas coisas
e depois disse seu nome
e seu nome era Adeus...

25 agosto 2010

A Destruição é a Essência do Desenvolvimento

É claro que não deveria. Mas é. No Brasil é, e não só no Brasil, mas em quase todo o mundo. Eu não preciso dizer que de norte a sul o Brasil arde em chamas. Está todos os dias nos noticiários.

Seca nesta época do ano é normal. O que não é normal é a umidade relativa do ar estar abaixo de 15% na Amazônia! A Amazônia, uma região equatorial, que aprendemos na escola que é úmida todo o ano. Isso nunca tinha sido visto. O que não é normal é uma das maiores reservas de cerrado do Brasil, o Parque Nacional das Emas, ter sido devastada pelo fogo em 70%. 70%! Vai precisar de 200 anos para se recuperar. Só isso. E não foi só essa reserva a ser quase totalmente destruída. O que não é normal é ter caído chuva ácida até em Porto Alegre, devido aos gases das queimadas concentrados nas atmosferas.

E as queimadas apocalípticas não foram só aqui. Há poucos dias, EUA, Rússia, Espanha, Portugal também tiveram enormes áreas aniquiladas pelo fogo, incluindo vilas e pequenas cidades. E depois há alguns intelectuais brilhantes que afirmam que não há aquecimento global, em sua ânsia consciente ou inconsciente de dar respaldo para que o homem continue explorando e consumindo o planeta.

O número de focos de queimadas em território brasileiro aumentou em quase 100% com relação a 2009. Por que tantos focos? Além do clima excepcionalmente seco, há uma outra explicação, dada pelo coordenador do Monitoramento de Queimadas do Inpe, Alberto Setzer. Ele afirma o seguinte:

"O aumento expressivo dos focos de queimadas de um ano para o outro também se deve à dinâmica do setor agropecuário e ao período eleitoral. O momento econômico favorável à expansão dos rebanhos e das áreas agrícolas leva ao aumento do uso de fogo pelos produtores rurais, para abrir pastagem e limpar a terra para o cultivo. Com a estiagem e a vegetação seca, o risco de perder o controle da queimada é quase inevitável. Já o período eleitoral influenciaria na fiscalização."

Vejam bem, amigos, "o momento econômico favorável à expansão dos rebanhos e das áreas agrícolas leva ao aumento do uso de fogo pelos produtores rurais..." É assim, lamentavelmente, que ocorre o "desenvolvimento". E agora, a bancada ruralista quer facilitar ainda mais esse sublime desenvolvimento, degradando o próprio Código Florestal. Já não chega tudo o que já foi destruído. Há que se destruir mais. Só estarão satisfeitos quando não houver uma só árvore em pé.

Mas não adianta. Só se pensa em "desenvolvimento" a qualquer custo. Quase todos pensam assim.  Inclusive 90% dos políticos e dos candidatos a cargos públicos. E não me venham dizer que não é bem assim, que muitos se preocupam, e blá blá blá. Mentira. Só fingem que se preocupam. Porque é moda. No fundo não estão nem aí. E essas queimadas absurdas são a prova. Uma das provas. Porque há muitas outras. Diante dos fatos, não há argumentos.
Nada mais a declarar.

24 agosto 2010

Relação Oculta

quando ouço aquela sonata de Schubert
um cavalo vem bater na minha porta:
sinto que estou me insanecendo...

tenho que estranhar o peso
dos olhares dos sapos
enquanto escrevo poemas (que) não-sãos.
antes eu fosse aquele conto de Poe nunca-lido
ou um silêncio desolado de flauta na mata na tarde

tão tarde...

aquele detalhe de um quadro de Bosch
não me sai mais do meu pesadelo
e do meu sonho como sol cada vez mais ao norte
um vento que nunca foi visto
ou grande ave que plana em correntes
antes fosse...
carta com selos vermelhos
quem foi que me deste há final?

...planeta por trás dos espaços
e a ponta de um dedo em meu dedo
que não leu meu sinal...

22 agosto 2010

e ainda Além...

não se pode buscar a inspiração
porque quem a busca não a encontra
que não se encontra o que já foi encontrado.
e o encontrado é o poeta:
a inspiração é que o busca
e não o contrário
como quer o desejo...
poeta é aquele
que a luz da inspiração o ofusca
a todo instante
é o que suporta nos ombros
da poesia o peso
carregada adiante...

a poesia não me pertence
nem a ninguém:
ela está lá em todo infindo
e ainda Além...

por isso
para poetizar horizontes abrindo
ou a cortina sentença do Fim
é mister finalizar-me
e horizontar-me em mim...

21 agosto 2010

... da Arte

os cintilares venuscêntricos das flores
extirpados pelas foices das queimadas
foram magos fulgurar no intocável
da tua aura:

nem tudo foi despido...

as sinfonias enigmáticas das aves
amordaçadas pela censura das lavouras
foram altas concertar no indizível
da tua voz:

nem tudo foi ferido...

os infinitos astrocósmicos dos céus
enfumaçados pelos vapores do progresso
foram claros refletir pelo intangível
dos teus olhos:

nem tudo é esquecido...

os sentimentos arquetípicos dos seres
estrangulados pelo vazio dos nossos tempos
foram vivos sublimar pelo inefável
da tua alma:

nem tudo está perdido...

20 agosto 2010

Minha Desgraça, de Álvares de Azevedo

Álvares de Azevedo foi o mais precoce dos grandes poetas brasleiros. Toda sua obra, extremamente radical e diferenciada para os padrões brasileiros da época, foi criada durante sua adolescência. Como todos sabem, Álvares faleceu antes de completar 21 anos.

Todos relacionam esse nosso trágico poeta ao Ultrarromantismo, por motivos claros, obviamente. Porém, a prova da genialidade de Álvares está no fato, também bastante claro para mim, de que o poeta foi não só além do Ultrarromantismo, como do próprio Romantismo, atingindo as raias do Realismo e do Simbolismo. Para testemunhar o "realismo" de Álvares de Azevedo, deixo o desolado e irônico poema abaixo. Acompanha o poema, a gravura "O Sono da Razão", de Goya.

Minha Desgraça

Minha desgraça, não, não é ser poeta,
Nem na terra de amor não ter um eco,
E meu Anjo de Deus, o meu planeta,
Tratar-me como se trata um boneco…

Não é andar de cotovelos rotos,
Ter duro como pedra o travesseiro…
Eu sei… O mundo é um lodaçal perdido,
Cujo sol (quem mo dera!) é o dinheiro…

Minha desgraça, ó cândida donzela!
O que faz que o meu peito assim blasfema,
É ter para escrever todo um poema,
E não ter um vintém para uma vela!

Álvares de Azevedo

19 agosto 2010

América Tingida de Sangue

O INTER, o meu time, sagrou-se BICAMPEÃO DA AMÉRICA! Faço então uma pequena homenagem, publicando aqui um poema que está em meu livro "Poemas do Fim e do Princípio". O poema abaixo foi composto em 2006 e não foi escrito especificamente para o Inter. Mas serve para ele também, sem dúvida.

Deus Vermelho

Deus Marte!
capa vermelha
ígneas chamas
força sanguínea
punho de flama
espada vulcânica
febre de vinho
espinho de rosa
dente no sangue
corte profundo
peito inflamado
veia fervente
pulso cardíaco
glória de Roma
lenço encarnado
fêmea menstruada
garra da guerra
Eros e amor
fogo-fúria de Hercólubus
Deus Morte!

18 agosto 2010

Para que Dizer Algo?

deixai-me não dizer nada:
por que devo dizer alguma coisa
se o melhor que digo é o que não digo?
o que importa é o que se oculta no meu verso
é a palavra que não está lá
o que importa é a porta
que o verso abre ao não-dito
o que importa é o destino
dado por quem lê
ao que não foi escrito

o verso é enigma que se resolve em si
ele mesmo é que se escreve
nas cadências do impossível:
de independentes hieroglifos
o verso se torna mais brando
ou mais terrível...

por isso não digo nada:
deixo o verso dizer por mim
ou por si
o verso é um silêncio que canta sozinho
só ele percorre a estrada
e o que há
entre o olhar e o caminho...

para caminhar no que sinto

por um labirinto...
então escrevo além da minha consciência:
por que dizer algo
se o próprio Deus
é o mistério da ausência?

17 agosto 2010

O Meu Voto...

Algo que considero fundamental em um candidato político é sua real preocupação com as questões ambientais. De nada adianta o "desenvolvimento", se ele não levar em conta, antes de tudo, que sem ambiente não haverá nenhum tipo de desenvolvimento, nenhum melhoramento social, nenhuma forma de progresso. Há três pontos vitais que um político deve, ou deveria, procurar realizar durante seu mandato: preservação ambiental efetiva, distribuição de renda e educação. A partir disso, tudo o resto é natural consequência. Fora isso, é conversa fiada.

E outra coisa que deve estar sempre na mente de um político: ele não passa de um empregado do povo. E ao povo deve todas as satisfações.

Bem, a seguir, como será a efetivação do meu voto:

Presidente: Marina Silva
Governador: Tarso Genro
Senador: Paulo Paim
Deputado Federal: legenda do PV
Deputado Estadual: legenda do PV

15 agosto 2010

Leve...

leve contigo
mesmo o que não tenho
o que não pude
o que não vou
o além de mim te deixo
em delírios transcendentais
leve contigo o meu mais
e o meu sou

leve contigo o meu limite
o que não será no meu destino
tudo aquilo que nunca me trará um sim
leve contigo o meu acima
e o meu fim

leve contigo
o que não poderei falar-te
o que não chego e o que fracasso
leve contigo a minha arte

leve contigo
até o que minha alma não escreve
o que não pude deixar livre pelos ares
leve contigo os meus pesares
no teu voo leve...

13 agosto 2010

Amen

“a Alma está morta.
fomos nós que a matamos.”
por isso o mundo vai de vento em popa:
vento de tempestade
em popa que ao mar se parte...

agora
viver é naufragar
cair como pedra vaga no vazio da água
baldes de ossos atirados nos poços
gelos de sangues abismados nos tanques
lágrima-riso cimentada em granizo...

não chora, humanidade, não chora
quem está morto não chora...
há que ser dura como a terra seca
na hora em que fores embora:
assim seja
de nada vale
a miséria da minha tristeza...

que nada mais em nós vibre
há que ser frio
como a fervente saliva do lobo
e como o fogo
do olho do tigre...