17 julho 2016

Aos Vícios ("Todos somos ruins, todos perversos.")

Trechos deste "insultante" poema de Gregório de Matos, o sempre atual Boca do Inferno:
Eu sou aquele que os passados anos
Cantei na minha lira maldizente
Torpezas do Brasil, vícios e enganos.

De que pode servir calar quem cala?
Nunca se há de falar o que se sente
Sempre se há de sentir o que se fala.

Isto faz a discreta fantasia:
Discorre em um e outro desconcerto
Condena o roubo, increpa a hipocrisia.

O néscio, o ignorante, o inexperto
Que não elege o bom, nem mau reprova
Por tudo passa deslumbrado e incerto.

E quando vê talvez na doce trova
Louvado o bem e o mal vituperado
A tudo faz focinho, e nada aprova.

Diz logo prudentaço e repousado:
-Fulano é um satírico, é um louco,
De língua má, de coração danado.

Se souberas falar, também falaras
Também satirizaras, se souberas
E se foras poeta, poetizaras.

A ignorância dos homens destas eras
Sisudos faz ser uns, outros prudentes,
Que a mudez canoniza bestas feras.

Há bons, por não poder ser insolentes,
Outros há comedidos de medrosos,
Não mordem outros não? -por não ter dentes.

Quantos há que os telhados têm vidrosos,
E deixam de atirar sua pedrada,
De sua mesma telha receosos?

Todos somos ruins, todos perversos,
Só nos distingue o vício e a virtude,
De que uns são comensais, outros adversos.

Quem maior a tiver do que eu ter pude,
Esse só me censure, esse me note,
Calem-se os mais, chitom, e haja saúde.


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