09 fevereiro 2015

Outro Maldito: Lautréamont - "Eu, sozinho, contra a humanidade"


De vez em quando, comento alguma coisa e apresento algum trecho de uma obra daqueles autores malditos da literatura. Poe, Baudelaire, Rimbaud, Blake,  Fernando Pessoa (que tem seu lado maldito), Augusto dos Anjos, entre outros, já passaram por aqui. Hoje é a vez de Isidore Ducasse, ou Conde de Lautréamont, como ficou conhecido, autor de uma obra terrível, que prima pela lógica do absurdo, e mostra de forma impiedosa a verdadeira face da humanidade:  Os Cantos de Maldoror, uma das mais extremas obras da literatura universal.

Lautréamont nasceu em Montevidéu, no Uruguai, em 1846, mas em 1859 foi para a França estudar, onde morreu em 1870 com apenas 24 anos de idade. Tanto sua vida como sua morte ainda permanecem sob um manto de dúvida e mistério. No seu atestado de óbito consta que não há informações sobre sua morte. Foi um gênio precoce. Na França, escreveu quase toda sua obra, e, entre 1868 e 1869, Os Cantos de Maldoror, que só chegaram ao conhecimento do público em 1874, 4 anos após sua morte.



A obra, inclassificável, escrita num misto de narrativa e de poesia em prosa, tendendo para esta última, chocou a sociedade europeia da época pelas suas doses altíssimas de imaginação e absurdo e por, ao mesmo tempo, dentro de um ambiente de uma selvagem literatura fantástica, desnudar de forma cruel a realidade do negro (e mascarado) interior humano. Outros literatos ao conhecerem sua obra  tomaram-se de um completo entusiasmo, vendo em Lautréamont um gênio "acima das possibilidades humanas", um autêntico precursor do Surrealismo. Já outros, incomodados com a verdade e com os extremos de sua obra, diziam que Isidore Ducasse era apenas um desastre, um fracasso humano total. O que você acha? Alguns trechos de "Os Cantos de Maldoror":

"Tempestades irmãs dos furacões, céus azulados cuja beleza não aceito, mar, hipócrita imagem do meu coração, terra de seio misterioso, habitantes das esferas, universo inteiro, Deus que o criou com esplendor, a ti te invoco: mostra-me um homem bom... Mas nesse caso, que tua graça multiplique meu vigor natural, pois ante o espetáculo de um monstro tal, posso morrer de assombro..."


"Pois bem, que assim seja! Que minha guerra contra o homem se eternize, já que cada um de nós reconhece no outro sua própria degradação... já que somos ambos inimigos mortais. Quer deva eu conseguir uma vitória desastrosa ou sucumbir, o combate será belo; eu, sozinho contra a humanidade".


"Ó ser humano! Eis-te agora, nu como um verme, diante do meu gládio de diamante! Abandona teu método; passou o tempo de te fingires orgulhoso; lanço sobre ti minha oração, em atitude prosternada. Alguém observa os mínimos movimentos de tua vida criminosa; estás envolvido pelas malhas sutis da tua perspicácia encarniçada. Não confies nele quando vira as rédeas, pois te encara; não confies nele quando fecha os olhos, pois ainda te encara."

Para encerrar:


"Eu, como os cães, sinto a necessidade do infinito...Não posso, não posso satisfazer essa necessidade! Sou filho do homem e da mulher, ao que me dizem. Isso me espanta...acreditava ser mais! De resto, que me importa de onde venho? Se dependesse da minha vontade, teria preferido ser antes o filho da fêmea do tubarão, cuja fome é amiga das tempestades, e do tigre, cuja crueldade é reconhecida: eu não seria tão mau”.



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