09 janeiro 2018

Eu Não sei Dançar

não tenho  nenhum talento  para ir mostrar que tenho algum talento
não consigo me relacionar com as pessoas 
para dizer que faço alguma coisa
ou mendigar admiração
não tenho o dom das relações públicas
não tenho a habilidade de entrar em contato para me divulgar
sou um orgulhoso fechado antipático: detesto pedir favores
não consigo exibir sorrisos e ser legal
para que as pessoas gostem de mim
não tenho o jogo de cintura nem a flexibilidade
para me inserir nos meios sócio-culturais
jamais faria alguma concessão para ser aceito
não consigo me enfiar no meio de onde estão os outros
não sei sair do que sou e não ser eu.

eu só escrevo. e deu.

07 janeiro 2018

A Quinta Sinfonia de Beethoven

nas quatro notas iniciais
da 5º Sinfonia de Beethoven
(o famoso "tan tan tan taaannnn")
há uma verdade
e essa verdade é única e intransferível
de cada um que a sinta.
há uma verdade em toda outra grande música
ou mesmo em uma música nem tão grande
e há verdade no "Fausto" de Goethe
e há verdade na "Mona Lisa" de Da Vinci
verdades que não se impõem
mas que nos falam direto ao coração
sem necessitar do labirinto da mente

a verdade que há nas artes
é a mais verdadeira das verdades
porque permite ao homem ser verdadeiro
e não forçado a aceitar verdades
e nem obrigado a transmitir verdades

a verdade que há nas artes
é a que está no ser de cada ser

06 janeiro 2018

Soneto a Schubert

surgiste dos solares das auroras
já pronto para ocasos iminentes
anoiteceu em tudo o que tu sentes
e cavalos galopam tuas horas

um sonho de mais vida te devora
que é o oposto de sublime ir em frente
há um alto nos avisos que pressentes
segredos que ameaçam ao ir embora

que deus que morre em teu gênio profético?
quem é que escuta teus sopros fatais?
que traz de oculto teu cântico hermético?

as fúnebres marchas são teus sinais...
quem me dera um catastrófico épico
para entender-te os anúncios finais

(No vídeo, o 2ª movimento da Sonata para Piano nº20 de Schubert, com Alfred Brendel ao piano.)

03 janeiro 2018

Trombeta

a céu que não descia
pairava um mas
aquém do verde negro
loucura em vão
um álcool lento a lento
do que mais fiz
um vento em som de adeus
do que não vou
caída aquela estrela
quando me vi
desejo insana a vida
fracasso e luz
sangrar venena a rosa
tristeza o sim
a noite sinto em ser
o que não sou

01 janeiro 2018

Novos-Anos

nos Anos-Novos as pessoas falam em mudanças
mas durante os Novos-Anos
fazem o que estão certas
que devem fazer:
não há mudança
se não se põe em dúvida o que se faz.
sempre achamos
que devemos fazer as mesmas coisas
e que somos o que fazemos
e que cumprimos nossos deveres
e os deveres são sempre os mesmos
e cumpridos sempre da mesma forma

mudança seria
admitir que não mudaremos 
que cometeremos os mesmos erros
que continuaremos hipócritas 
e que cultivaremos as aparências

ninguém nunca se questiona nada
e no fim das contas
o banquete de virada
sempre termina em marmelada

29 dezembro 2017

Imagem Criada Após uma Melodia de Brahms

imagem que vejo o que tu não foste 
em teu não-ser é que estou: 
a felicidade é o que imagino 
no que não posso ver em ti 
sou-me no reflexo de mim 
que reflexiono em tua ausência: 
tu só podes ser 
se te sinto na minha consciência  

imagem que vejo o que te projeto 
o meu sonho é o real que tu não és 
 eu que sinto o teu além-sentir 
e tu vives por sentires em mim 
e tu sonhas quando vivo em ti 
sou rio quando povoo a tua ausência 
tu só podes ser 
se eu te sou a tua essência 

imagem que vejo o que desejo 
há outro mundo em ti que não habitas: 
sou eu que astro o teu éter 
eu que violino o teu canto 
uma lágrima ao que em ti silência 
imagem do meu alto 
a minha alma 
compensa a tua ausência

27 dezembro 2017

Frio

fazia geada fora
e dentro de mim...
isso foi há séculos
agora sou frio.

mas há séculos
passei pela floresta
e na floresta havia um rio
e no rio uma cachoeira
e ao lado uma grande pedra
e sobre a pedra caía ao eterno
um tênue fio de água
do lado esquerdo do rio...
isso foi há séculos
agora sou frio.

há dias
fui ver a grande pedra
não passava de um pequeno cascalho
o tênue fio de água
ao cair por séculos e séculos
a consumiu...
isso foi há dias
agora sou frio.

mas quem ali passou
durante esses séculos
não percebeu que a pedra 
aos poucos agonizava
sob a água sem nenhum compromisso...

o Fim é isso.

24 dezembro 2017

Mensagem de Natal 2017

as pessoas querem de mensagem de natal
qualquer texto banal que fale de amor felicidade esperança 
um amontoado pré-determinado mecânico automático robótico de palavras positivas
votos vazios vazados de (in)verdades vagas
algo que fale em paz perdão jesus
a ser esquecido antes de ser lido
pretensas espiritualidades a serem estouradas com champanhes foguetes e peidos pós-ceia...

hoje quando acordei um sabiá cantava na janela
e eu prestei atenção no seu canto:
essa foi a minha mensagem de natal
e não poderia haver melhor

21 dezembro 2017

Eu vi que havia Sangue

tateei na treva do vinho
o Prenúncio
e vi que havia Sangue em minha Espera
colerizavam nos meus olhos
horizontes de hemoglobinas
e lia em Goethe e em Blake 
os sintomas rubros de uma fera 

a culpa fulva 
(eu disse fulva) 
lacrimejou nos cortes do meu fígado 
e vi que havia Sangue em minha Esfera 
um sabiá golfejou tuberculoses 
entre cantos dos cortes do meu Fígaro 
sendo réquiens de Mozart pelas eras 

degolei os vendavais 
no auge da menstruação 
e vi que havia Sangue em minha Ópera 
semeei suas trompas pela terra 
com a enxada das estrofes 
furiando aquele incêndio com uma vela 

pesadelei que sapos e cavalos 
urinavam líquidos escarlates 
e vi que havia Sangue em minha Véspera 
pelas águas amarelas 
ceifei das tulipas a mais bela 
entre pulsos pulsares e vinagres 
entre tragos sentidos e planetas 
entre cosmos à espera 
e abutres foiceando pelos ares 
eu vi que havia Sangue em minha Estrela

19 dezembro 2017

O Problema do Brasil*

o problema é que se acostumaram
a andar com a espinha vergada
sob o corte do chicote
sob o laço da vergasta
(a mando de vara)
que erguer a cara 
virou desaforo
a toda uma cultura da opressão

o problema é que se acostumaram
a sempre dizer sim
a quem manda com bafos de patrão
sob pena
de falta de decoro
de falta de respeito
e de insubordinação

o problema é que se acostumaram
a ter olhares baixos
aniquilados pelo chão
pescoços tortos
colunas curvadas
toda uma vida de submissão

sobre os arrebentados ombros
todo o peso das gordas manadas
toda a baba das infindas mamadas
toda uma história de servidão

sobre os arruinados escombros
de restos de (des)humanos
todo um povo brasileiro
encilhado à obediência
ao servilismo
ao cativeiro
500 anos de escravidão!

*Poema publicado originalmente em 14 de dezembro de 2016.

17 dezembro 2017

Capitalismo, Egocentrismo, Machismo

1- CAPITALISMO CIVILIZADO:
capitalismo selvagem é uma definição equivocada.
ele não tem nada de selvagem.
os animais não acumulam coisas para si ad infinitum.
capitalismo é o espelho da civilização.
é a cara do ser humano.
é nosso egoísmo nossa perversidade nossa decadência
escrachados.
o capitalismo é civilizado.

2- EGOCENTRISMO HUMANITÁRIO:
diz-se que o planeta
tem cerca de 7 bilhões de habitantes.
7 bilhões de humanos.
e os animais habitam outro planeta?

3- MACHISMO INSTITUCIONALIZADO:
quando se diz
em termos históricos:
o homem conquistou isso
o homem descobriu aquilo
o homem inventou tal coisa
é como se a mulher não tivesse feito nada.

14 dezembro 2017

Para Sophie

todos os computadores notebooks celulares 
todos os aviões foguetes helicópteros 
todos as naves satélites estações 
todos os porsches ferraris bmws
todos os microscópios autômatos robôs
e todas as quinquilharias tecnológicas
com que esta civilização vazia
possa ainda atulhar o mundo
tudo isso
não passa de absolutamente nada
e jamais alcançará a trilionésima parte
da vida que pulsa no olhar da minha gata

11 dezembro 2017

Destino

a minha parte do que é
é a que estará depois do que já não estiver:
tenho a última máxima extrema
como o canto de um cavalo
que se levantasse ensanguentado
nos horizontes de outro planeta

o meu objetivo será alcançado
quando se tiver tornado vento
e se transtornado em tornado de pó

e nas (re)voltas e retornos do tempo
entre os pedaços do meu pleno fracasso...

do ser: um raio romperá
o limiar da consciência
do cosmos: uma garra
rasgará o destino do espaço

09 dezembro 2017

Eu Confesso

confesso que não presto
que não estou no que me esperam
que não sou pelo que é certo:
não sou homem de bem
sou homem de mal

confesso que não faço
confesso que nem tento
essa coisa de progresso
de construir carreira sólida
de me assegurar para a velhice
de me ser reconhecido
e coisas e tal

confesso minha angústia
admito que ainda sinto
que não tornei-me “descolado”
que não fingi felicidade
ou mentiras de alto-astral

mas confesso que me finjo
que me bebo escracho e minto
a suportar o insuportável
da convivência entre gentes
e a necessidade social

e confesso que escrevo:
escrever é isso
e ponto final

06 dezembro 2017

Dignidade

começa a ser um grande homem
quem não reconhece como grande
os que se acham grandes

só os fortes
não ficam do lado dos mais fortes:
a força está
em não se dobrar à força
há poder
em quem não se curva ao poder

de modo
que não convém a um poeta
estar do lado dos ricos

04 dezembro 2017

Aos Otimistas

I - os otimistas
dizem que a vida
assim como é vista
nem é tão pouca
e que a humanidade
apesar do que há-de
não é tão louca
para sair dos seus trilhos

mas é a isso que me refiro:
o meu pessimismo está no fato
de que acham que essa vida é tanto
que me encho de espanto
e que a humanidade
não sairá desses trilhos
que a levam ao abismo

II - o meu pessimismo 
não é um desejo de Fim:
é um desejo de Novo
algo semelhante-análogo
ao que o planeta viu
lá nos tempos áureos
após o fim dos dinossauros

02 dezembro 2017

Sobre o Sangue

construí meu verso sobre o sangue
era tudo que me restava
derramado duro pela terra aberta
coagulado seco pelo pó da enxada
que deserticamente escorre

construí meu verso sobre o sangue
era uma força que me obrigava
de água morta derramada escura
sangue visco-negro pela areia
que poluidamente escorre

construí meu verso sobre o sangue
era um destino que me amaldiçoava
de seiva-lágrima em derramada queda
verde sangue de imensidão tombada
que devastadamente escorre

construí meu verso sobre o sangue
era todo um cosmos que me massacrava
do guará atropelado ao horizonte
sangue vivo-lago derramado das estradas
que extintamente escorre

construí meu verso sobre o sangue
era o meu sangue o que continuava...

30 novembro 2017

Adagietto para Brahms

a vós que sois
a voz de sóis 
e a vós que a sós
das sombras sons
que assombros são 
e assombrações

27 novembro 2017

Não-Mensagem

quando digo o que digo
não há alguma coisa dita
não me procure razões
naquilo que nem me soube
não me procure lições
naquilo que nem me sonha 
ainda que se diga coisa alguma
tudo do que é humano
permanecerá sendo o que nunca foi
pela miséria de coisa nenhuma

que este verso não seja nada
uma realidade fora além inexistente
distante de tudo o que é
(como se fosse...)
nem dito para
nem feito por
(seja lá o que for)
por que aqui alguma verdade
alguma filosofia alguma fé 
no que nem é?

não procure aqui uma mensagem
não queira saber se estou certo
há tanto outro tanto
eu mesmo sou outra imagem
do que nunca nem me vi
então que isso não passe
de um canto sem letra
ou de um cansaço que se lança
pelo lago alado do ar
pelo lado amargo da dança

deixa este verso bem longe
de tudo que se aproxima 
da vida
isso é só um aumento da dosagem
um longe rubro no horizonte 
não passa de passagem
ao lá do que me esconde
e deixo aqui minha alma
abismada
mas erguida

25 novembro 2017

do Gênio

sempre é pior do que dizem
sempre há mais do que é dito:
a humanidade tem por princípio e precipício 
não saber
ou não deixar que se saiba

governo empresas trabalho
são apenas controle:
controlar é decidir
o que se pode saber

o que é o povo
além de ignorância agradada?
para que o povo não saiba
o que não pode
às vezes 
se passa a mão na sua cabeça
e dá-se um leitinho quente
para que ele durma e sonhe 
enquanto range os dentes

o que é o gênio
além de develador de verdades
seja em letra em nota em cor?

gênio é saber que há mais
onde não se suspeita de nada
e extrair desse nada 
o que há de mais
ser gênio
não é ser grande 
na humanidade:
é NÃO ser a humanidade