11 fevereiro 2017

Felicidade não se busca

felicidade não se busca
porque não pode ser buscado
um ponto que não está em um ponto
a ser alcançado

quem alcança o ponto almejado
logo vê o outro ponto mais adiante
e naquele ponto visto e não-chegado
mora a felicidade imaginada
e delirante

quem feliz se julga
é só um largo gole de vinho que traga
segura uma vela de chama fugaz
que a primeira ventania 
(e todo mundo sabe)
apaga

a felicidade
é como para o colecionador
o ato de encontrar
um raro selo:
só dura o momento do ato

só pode ser feliz
quem sabe que não pode sê-lo
de fato

09 fevereiro 2017

Dedicatória à Noite

entre o haver da noite
o que há por trás dos entes
do ventre da mata
que a manhã
desentranha e mata?

é isso talvez que me alta:
ver que o que há
(sendo ou não comigo)
vai em frente
numa cósmica noite
mais longa mais funda mais vasta

há o sempre haver da noite
e os seres que no atrás da mata
não existem entre os que não entreveem

trago no meu ser
como quem traga
grandes goles de álcool-éter
essa desestranhada estrada
que assim como eu:
é culpada!
em sempre haver a Noite...

07 fevereiro 2017

a vida esmaga a Vida

pé por pé
no dia a dia
e passo a passo
de pouco em pouco
a vida esmaga a Vida
que não é vivida
só consumida

de sol a sol
de hora em hora
o que é de alma 
se joga fora
e de grão em grão
de ovo em ovo
o homem choca
o homem chora
a encher o papo
a encher o bolso
a encher o saco
a encher o vácuo
do seu olho por olho
que o tempo traga

o homem
de queda em queda
dente por dente
pós-decadente
aos lusco-fuscos
não mais que cuscos
e quando se vê
é fogo-fátuo
menos que fósforo
que avança ao dedo
deixando só...
da cinza à cinza
do pó ao pó

05 fevereiro 2017

da Tormenta

o homem
(que já não tem reforma)
para hipocrisiar sua miséria
e na tentativa malinformada
de impedir que as forças se formem
formou toda forma
de (de)formações:

desde patéticas técnicas inarmônicas
até mecânicas máquinas estúpidas
só para nos acomodarem no nada
de nossas disformes fôrmas vazias

e pensamos entender
aquilo que se forma
com nossas fórmulas cálculos cossenos
a foder-nos

mas não podemos impedir 
que se forme a Tormenta

04 fevereiro 2017

Três Considerações sobre o Olhar

I - quando se Olha
(se quem olha tem olhar)
se fala
que há um além
da fala

II - já disseram
(Maupassant)
que a alma
está no olhar...
acrescento
que é a alma
quem olha:
quem não a tem
não vê
III - o Olhar
é o palco possível
do impossível

02 fevereiro 2017

Aumento da Desigualdade no mundo, Projeto para permitir a caça de Animais Silvestres... São os Idiotas no poder

Disse Nelson Rodrigues que "os idiotas vão tomar conta do mundo, não pela qualidade, mas pela quantidade". É o que está acontecendo. E não se pode entender por idiota somente os "burros" e os que "não pensam", ou os que não percebem as coisas ao seu redor. Também são idiotas, talvez até mais, os inconscientes, os egoístas, os dominados pelo ganância do dinheiro, os desprovidos de sensibilidade e de compaixão pela vida... Todos esses, que são muitos, demais, dominaram a humanidade,  e estão a levando ao abismo. Desgraçadamente, não há lugar para otimismos.

Há pouco tempo, em uma discussão política no Facebook, disseram-me que eu estava errado em afirmar que a desigualdade social estava aumentando no mundo; sustentavam o contrário. Bem, infelizmente, costumo ter razão em meus pessimismos. Há cerca de um ano, 50% da riqueza do mundo estava na mão de 80 pessoas. Hoje, esses mesmos 50% estão nas mãos de 62 trilionários. Quem duvidar, é só pesquisar na internet. Para onde iremos com tamanho absurdo de concentração de riquezas, que cresce a cada ano? Já disse: para o abismo.

E aqui no Brasil (por sinal, um dos países mais desiguais do mundo), um senhor que não merece meu respeito, o seu Valdir Colatto, deputado federal pelo lamentável partido do PMDB, representante do que há de mais estúpido dentro do agronegócio, não bastando todos os crimes cometidos contra nossa fauna todos os dias, como tráfico, atropelamentos nas estradas, comércio de peles, destruição do habitat, etc etc etc, inventou um projeto criminoso para liberar no país a caça de animais silvestres, sendo um dos motivos para abater um animal o fato de ele representar um SUPOSTO risco para proprietários de terras e seus rebanhos. Já imaginaram o que isso significará na prática? Que para abater um animal silvestre, uma onça, por exemplo, basta o assassino alegar que o bicho ameaçava uma das suas vacas. Fácil, não? Além do mais, o projeto do seu Valdir quer reduzir as já pequenas penas e multas por crimes ambientais, entre outros absurdos.

É, Nelson Rodrigues: tu tinhas razão. 


31 janeiro 2017

Sobre Planeta e Extinção

I - para o planeta
(em sua condição atual)
a vida de um tigre
representa uma importância muito maior
do que a vida de um ser humano

II
- a humanidade ainda acredita
que não será extinta 
pelas catástrofes planetárias
porque está no topo:
mas as catástrofes planetárias
(e isso nos ensina a história)
são justamente para derrubar
o que está no topo

III
- "como é acima é abaixo":
é claro que há 
uma sabedoria planetária\universal
ou haveria algum sentido
não haver sabedoria no planeta
mas ela ser encontrada de vez em quando
nos vermes que o habitam? 

29 janeiro 2017

Três Maldições

I - a diferença
entre o apenas intelectual
e o sábio
é que para o apenas intelectual
não há diferença

II - o problema
de ser ser humano
e se reconhecer como sendo
é que não se consegue mais acreditar
no ser ser humano

III - para as leis científicas
entre a humanidade
não existem zumbis

para as leis poéticas
entre a humanidade
só existem zumbis

28 janeiro 2017

Contra a postagem do Nova Pauta sobre os Protestos contra Sartori


Ontem, li o seguinte comentário ridículo, no mínimo, no site Nova Pauta, lá da minha cidade natal, Santiago, referente à visita de Sartori à cidade:



Sartori, ao ver as faixas de protestos, chegou e foi direto cumprimentar os manifestantes num gesto de cordialidade e de reconhecimento ao ato, "mas pro que foi": Muitos, além de não estenderem as mãos, ainda se viraram de costas e depois seguiram proferindo palavras de calão. Com isso, Sartori não falou, nem esquentou banco e rumou para Bossoroca onde foi inaugurar um trecho de asfalto na 168. Obs. O que devemos esperar dos outros quando os educadores cometem tal atitude com o chefe do Estado?

Primeiro: alguém acredita na sinceridade desse ato de "reconhecimento" e "cordialidade", como afirma o Nova Pauta? Óbvio que se trata de apenas mais um fingimento político. Segundo: em qual tipo de protesto sério, os manifestantes vão "bem faceiros" apertar a mão da pessoa contra a qual estão protestando? Só um idiota faria isso. Virar as costas é o mínimo que se espera. Ah, e o Nova Pauta ficou muito chocado com os palavrões, que ele chama de "palavras de calão"? Bem, essa é a típica hipocrisia brasileira. Todos os brasileiros usam palavrões, uns mais, outros menos, quase todos os dias, nas mais diversas situações, aliás, não só os brasileiros, o mundo inteiro. Os palavrões já foram incorporados à linguagem pós-moderna, fazem parte de nossa sociedade, estão na literatura, tanto na prosa quanto na poesia, estão no cinema, no teatro, enfim, palavrões são sim uma forma de protesto. E, terceiro, como mesmo o governo Sartori vem tratando os funcionários públicos? Acho que não é com respeito...


E respondendo ao Nova Pauta, o que devemos esperar dos educadores? Devemos esperar dos educadores, e de outros profissionais, que não sejam hipócritas "educadinhos", muito menos lacaios submissos dos poderosos, nem puxa-sacos subservientes, conformados, servis e rasteiros, que ajudem a formar estudantes críticos e conscientes, e que se manifestem com veemência e indignação na luta por seus direitos. E da imprensa de Santiago, o que devemos esperar?

26 janeiro 2017

Poemete para um Golpista

gabinete
palacete
com tapete
com sorvete
camionete

bracelete
de falsete
miquelete*
sem valete:
cafajeste

em banquete
no toalete
garçonete
omelete:
alcaguete*

governete
peidorrete
sem topete:

Marionete!

(*Miquelete: antigo bandido da Espanha.  *Alcaguete: homem que intermedeia encontros com prostitutas.)

24 janeiro 2017

Fuga

um verso
vazio
de nada
de adaga
ao longe
ao largo
ao vago
se sangra
a adágio
de água
que pedra
nenhuma
perturba
e afaga
nem nada
(a)tinge
no lago
sereno
de selva
tranquilo
de sopro
distante
que nada
infringe
se sábio
se silvo
serpente
se sonho
se esquece
se fogo
se ascende
e enfim
não disse
nem algo
nem vale
nem verso
nem nada

22 janeiro 2017

Você não tem o direito de viver

você não tem direito a viver
tem direito a pagar:
seus pais pagam pelo hospital
quando você nasce
depois pagam por comida
roupa casa água luz
brinquedos livros lazer
remédios estudos transporte 
seja por imposto seja por escolha
(se eles puderem escolher)

então se paga por  mais estudo
e depois que se pagar para um trabalho
você pagará a partir desse trabalho
pela vida que começará a pagar:
é a sua vez de pagar
por aquilo que seus pais pagavam por você
(se é que você tinha pais para pagar)

você poderá começando
a pagar para morar
e você pagará para morar
mesmo que o lugar seja seu
depois você vai querer pagar por um carro
e você pagará para poder sair com o carro
e onde quer que você vá
para poder ter alguma graça onde você foi
terá que pagar por alguma coisa
para estar lá
enfim, você terá que pagar para sair
você terá que pagar para estar
pagar para fazer
pagar para ter
pagar para poder
talvez até para amar...

e você sabe que tudo pelo que pagar
uma boa parte você não pagará só o preço
mas pagará também a parte roubada
que fica pelos caminhos do mundo:
você pagará pela injustiça

e você também sabe que pagará para ficar velho
e, ao fim das contas, pagará para  morrer...

só pelo Ser que não:
o Ser não tem preço

20 janeiro 2017

Atualização dos Três Poderes Nacionais

Com os atuais governantes do Brasil, percebe-se uma leve alteração nas funções dos Três Poderes governamentais. Vamos às definições rápidas e atualizadas dos Três Poderes da Grande Nação Brasileira:

Poder Executivo: tem por função governar  contra o povo em todos os aspectos e administrar com mão de ferro os interesses diversos das grandes empresas nacionais e estrangeiras.

Poder Legislativo: são os representantes legítimos das grandes empresas nacionais e estrangeiras em todos seus campos de atuação, desde a construção civil até o agronegócio, passando pelas igrejas neopentecostais. Tem por função a criação e/ou modificação das leis, sempre com o objetivo de beneficiar as grandes empresas e os negócios que representam.

Poder Judiciário: atualmente, está reduzido a ser formado pelos lacaios e lambe-botas do Poder Executivo e das grandes empresas nacionais e estrangeiras. Não é necessário maiores explicações.  

Para executar tão fundamentais e difíceis funções, é ostensível que todos os membros dos três poderes são muito bem pagos, inclusive de forma "extra", e não só, é claro, em dinheiro.

18 janeiro 2017

da Tua Escolha

tu podes dar à ave
um ave!
ou um tiro.
ver no seu ser
o Absoluto todo
ou absolutamente nada:
só carne a ser massacrada

há na moeda
uma coroa
e uma cara
e há a escolha
se escreverás
de um lado
ou de outro
da folha

só não podes julgar
que
escolhido um lado
o outro deixa
de ter estado

16 janeiro 2017

Pouca Coisa

à história
restam poucas páginas
à ciência
restam poucas mágicas
à palavra
restam poucas sílabas
aos senhores
resta pouca lógica
ao dinheiro
restam poucas fábricas
ao futuro
restam poucas dúvidas
às catástrofes
resta muita música
aos homens
restam muitas lápides
à humanidade
restam poucas décadas

14 janeiro 2017

Resistência

sendo poeta trabalho
na desafirmação do trabalho:
crio inutilárias
retrogradarias
impraticidades...

todas essas algumas coisas
que não servem para coisa alguma

o que fariam os homens de bens
com esse uni-versos in versos
de desprodutos?

o problema
é que um poema
é um resto de resistência
e mais ninguém resiste

mas não há outro jeito:
o que importa
é que meu papel 
está no papel:
o poema está feito
e existe

12 janeiro 2017

Três Considerações sobre o Fim da Humanidade

I - o fim da humanidade
não será
no estrondo de uma catástrofe
mas no silêncio de uma ignorância

II – a morte de uma civilização
não é quando morrem todos
os que fazem parte dela
quando morre uma civilização
todos os que fazem parte dela
estavam mortos antes

III – quando pessoas
puderem decidir quem vive quem morre
para que a humanidade ainda exista
é porque chegou o momento
em que a humanidade deixou de existir

10 janeiro 2017

o que mata não é a morte

o que mata não é a morte.
o que mata é a vida
que não é vivida

o que mata não é o choque do trem.
o que mata é o passo do trilho
do qual nunca se sai

o que mata não é o erro.
o que mata é o certo
que sempre se faz igual

o que mata não é a dor.
o que mata é o ter que ser feliz
para se mostrar que se é

o que mata não é a vida.
o que mata é o que se acha que se precisa
para se viver

07 janeiro 2017

sábios que co-acham

eles sabem
o que outros 
souberam por eles
e acham
que são sábios
e co-acham
sobre tudo

sobretudo
coaxam
sem sotaque

embaixo
do sovaque
carregam eterna mente
suas (in)descobertas de eureca
e filosofias de araque

coçando o saco
e o imaginário cavanhaque
mantém a (im)potência
da sua dita dura
e o próprio umbigo
empinado em destaque
de com
e im
postura
de ataque
basbaque

lá vão eles
de matraque
badulaque
e fraque

não viveram
mas sabem tudo da vida
de almanaque

05 janeiro 2017

Benedetti e a Farsa do "Grande Homem" (do dinheiro)

No seu romance "Gracias por el fuego", publicado em 1965, Mario Benedetti (1920-2009), um dos maiores escritores uruguaios, e um dos maiores da América Latina, apresenta-nos, em seu personagem Edmundo Budiño, o arquétipo do magnata arrogante, hipócrita, egocêntrico, ganancioso e explorador confundido com um "grande homem". 

Trata-de de figurinha bastante conhecida entre nós, brasileiros: aquele ricaço, grande empresário predatório, cafajeste sem escrúpulos, opressor dos trabalhadores, que não mede nem meios nem consequências para obter mais lucros e mais poder, inclusive, é claro, sendo corrupto e corruptor, mas que construiu uma imagem de grande cidadão, de exemplo para a sociedade, muito bem inserido nos meios políticos, respeitado e admirado como um dos maiores homens do Uruguai. 


Em um trecho do livro, seu filho, Ramón Budiño, que sente ódio e desprezo pela grande hipocrisia que é a vida de seu pai, e planeja matá-lo, imagina a imensa farsa que publicaria o jornal de Edmundo no caso de sua morte por assassinato. E eu imagino, no caso de ocorrer o mesmo no Brasil com filhos-da-puta da laia de Edmundo Budiño, que há muitos, o que publicariam nossos jornais... A mesma coisa, logicamente. A seguir, o trecho de "Gracias por el fuego":


"Quando nada fazia prever um desenlace fatal, faleceu ontem o doutor Edmundo Budiño, nosso diretor, vítima de uma síncope cardíaca. Logo que transpirou a surpreendente notícia, uma onda de consternação ganhou nossa cidade. Ninguém podia acreditar que Edmundo Budiño, alma parens de todo o bem, de todo nobre que a nação construiu em cinco décadas de avassalador processo democrático; ninguém poderia acreditar que esse infatigável guia das causas justas, que esse pontífice da caridade, que esse grande coração uruguaio tivesse deixado de bater. E havia razão para essa incredulidade popular, porque o coração enorme, generoso, esplêndido de Edmundo Budiño, continuará batendo, não só em nossas páginas, que sempre invocarão a magistral tutela de sua inspiração política e moral, mas também no povo, que através dos anos constituiu a preocupação mais profunda e mais sincera do grande homem."


"Gracias por el fuego" é um daqueles livros extremamente indicados para ser lido neste momento pelo qual passa a nação brasileira.