14 maio 2012

Conto cujo Final é de Fernando Pessoa*

quem só percebe a parte
percebe a parte como sendo o todo
e não parte do todo
e então parte dessa parte
como se ela fosse o todo do todo

quem percebe somente a parte
percebe a sua parte
e não a parte do outro
e para o outro
a sua parte que é o todo
mas para um
a parte do outro não pode ser parte
pois a sua parte é que é o todo
logo, a outra parte está fora do todo
e então é um erro
a verdade só estaria em sua parte
que é o todo para ele
e não pode haver outro todo
logo, não pode haver verdade em outra parte
e vice-versa

aquele que percebe o todo como todo
de longe
contempla as ligações das partes
e conhece que uma parte é uma parte
e que cada parte tem uma parte do todo
mas como a parte não é todo
não pode apresentar-se como sendo
logo, sempre faltará algo em toda parte
que será completa
quando se alertar do todo que a inclui

mas é inútil falar do todo
para quem só percebe a parte
porque se para ele a parte é que é todo
não pode haver um todo que inclua outra parte
porque para ele outra parte
não é outra parte
é um nada sem nada de verdade

e assim quem só percebe a parte
combate a outra parte
não se alertando que a outra parte
também faz parte do todo
e que traz uma parcela
(e só uma parcela)
da verdade

logo, quem percebe o todo como todo
vê a verdade sendo uma parte em cada parte
e o ponto e a linha
(de um ponto ao outro
e de linha em linha)
que ligam uma parte a outra
e o todo formado entre uma e outra
onde
“Deus é um grande Intervalo, 
Mas entre quê e quê?..."

* Os dois últimos versos (entre aspas) são de Fernando Pessoa




12 maio 2012

Então És Livre?

ainda que tenhas que trabalhar
durante as melhores
as mais claras
as mais belas
horas do dia
és livre
completamente livre...

e que trabalhes
5 meses por ano
apenas para pagar impostos
és livre
imensamente livre...

e que pagando teus impostos
ainda tenhas que pagar
planos de saúde
escolas para os filhos
seguranças para a noite
pedágios nas estradas
e faculdades particulares...
és livre
divinamente livre...

e se um dia
houver uma pane na internet
um colapso na energia elétrica
o esgotamento da água potável
verás como és livre
sublimemente livre...

és livre
para pensar como todos pensam
para sentir o que todos sentem
para ouvir o que todos ouvem
para andar como todos andam
para viver como todos vivem:
na moda.

e por hora
és livre para consumir
e deves consumir sem parar
senão
o que é que os outros
vão pensar?

11 maio 2012

Revista Veja e a Imprensa Comprada

É claro que a imprensa em geral não está divulgando muito, como é o caso da Globo e suas afilhadas, que não estão divulgando nada, pois sempre tiveram conluio com a Veja, mas  fato é que a revista semanal de maior circulação do Brasil exibia reportagens DITADAS por um bicheiro corrupto e corruptor, ladrão do dinheiro público, o famoso Carlinhos Cachoeira.

O caso está sendo divulgado por vários blogs Brasil afora, e a reportagem foi veiculada pelo jornal Correio do Povo de 8 de maio, na página 8. Segundo o jornal, as "informações" do Cachoeira resultaram em, no mínimo, cinco capas da revista Veja. Quando o bicheiro queria, por exemplo, a demissão de funcionários de ministérios que atrapalhavam os seus interesses e o da construtora Delta, ele falava com o diretor da Veja em Brasília, Policarpo Júnior, e "sugeria" certas matérias com determinadas informações. Foi o que aconteceu com o Ministério dos Transportes de Dilma. Parece que a cúpula desse ministério havia se desentendido com Cládio Abreu, diretor da construtora Delta e aliado de Cachoeira. Acompanhem o diálogo abaixo, que está em uma das inúmeras gravações de conversas de Cachoeira feitas pela polícia.  O diálogo se dá entre Cachoeira e Cláudio Abreu, diretor da Delta:

Cláudio: Você chegou a ler a matéria deles hoje, não?
Cachoeira: Não, o que falou? Foi boa?
Cláudio: "Agora, às 15h12min, a Presidente Dilma Rousseff convoca ministro dos Transportes e manda afastar todos os citados na reportagem da Veja..."
Cachoeira: É mesmo? A reportagem saiu e ela mandou afastar todo mundo?
Cláudio: Já mandou afastar todo mundo! Fodeu! Essa matéria fodeu pra cacete! E ele ainda citou a reunião!

Querem ler mais conversas? Procurem no Correio do Povo ou em blogs, há muitos divulgando. 
E assim caminha a imprensa brasileira. Comprada. Dizem que a imprensa é livre. Ótimo. Mas livre para o quê? Livre também para se vender e para veicular notícias do interesse de cafajestes?
A imprensa é livre para mostrar somente um lado das questões, coincidentemente o que lhe interessa? É livre para ocultar certas verdades? Para manipular informações de acordo com os interesses de quem paga mais? E pior, para criar notícias falsas mesclando trechos de verdade?

E em Santiago?  A nossa impressa aqui não se vende? Não serve a interesse de terceiros? Também é livre para se vender? Estou perguntando, é bom questionar.

Balzac escreveu: "Se a impressa não existisse, seria preciso NÃO inventá-la."  É claro que essa frase não é para ser levada ao pé da letra nos dias de hoje. A imprensa é necessária. Talvez um mal necessário. Mas que a frase de Balzac nos deve fazer refletir e nos deixar bastante atentos... Ah, isso deve.

10 maio 2012

Melodia do que Anoitece

melodia do que te ias
(no que era de meio dia)
e agora é companhia
à minha matilha de finais...

quanto mais eu quanto contigo
quantifico-me no que me frio
melodia de rastro e foice
no dia-a-dia em que me arrasto
ao fogo-fátuo do meu não-fosse

(foste
vós que mais não me olhais?)
melodia do que me tarde
(tempestade
de um antes
sem os sinais)
e mais o teu voo se vaga
som que te busca e me perde
rosa esmagada entre o ver-te
rosa que mais entardece
a messe por entre o meu verde...

melodia do que te ocaso
sangue por entre o que vejo
sino flautando ao que beijo
melodia do que te lua
( é ela faltando ao que nua)
corte no opus do olho
látego flagelo e açoite
melodia...
melonoite

08 maio 2012

Amar é o Quê?

quando dizemos
que somos todos irmãos
dizemos o quê?
que dividimos uma mesma essência
um impalpável ponto em comum
entre a nossa substância?
enfim, eu sou o outro
e vice-versa?
e tudo que há em mim
no outro também universa?

sou irmão do tigre
porque somos filho da mesma Terra
e onde corre sangue que é rubro
ou porque o seu sangue
é uma parte do meu em onda espiritual?
se ele morre
escorre
algo do meu vital?

se os homens se dilaceram na guerra
ou se degeneram em miséria
que sonho do meu ser é que se vai?
que olho do meu peito chora e se contrai
se a floresta se esvaece em fumaça?
quando o planeta sofre
que vida ou que sonho
se derrama da minha taça?

sofro porque eu sofro
ou porque o todo sofre?
o sangue derramado lá
sou eu derramado aqui?
o que é isso que goteja das minhas mãos
quando uma cabeça é esmagada?
é lágrima é sangue é mentira
ou é a indiferença do nada?
quando o sol se obscurece no céu
anoitece uma luz no que sou eu?

e isso que digo é para algum fim
ou sou só eu que sinto assim?

07 maio 2012

Johannes Brahms, um Forte

Hoje, 7 de maio de 2012, comemoro os 179 anos daquele que é o meu compositor  favorito, a quem dedico uma profunda devoção, Johannes Brahms. Os meus três compositores preferidos, na ordem, são Brahms, Beethoven e Bach. Os 3B’s, como dizem (não, não me venham com BBB). Não é difícil as pessoas incluírem esses três gênios como os seus compositores preferidos. Difícil é colocar Brahms como o primeiro da lista. Geralmente é Beethoven ou Bach. Às vezes, Mozart, às vezes, Wagner, e por aí vai. Mas eu coloco Brahms. Sei que não sou o único, sei de outros casos, mas poucos, bem poucos, se compararmos com os outros compositores mencionados.

Claro que isso é uma questão de gosto pessoal, obviamente, é algo subjetivo, de identificação particular, não há um critério objetivo que se apresente para afirmar: Brahms é melhor que Beethoven ou Bach. E não digo que Brahms é melhor que eles. E nem desejo realizar comparações. Apenas digo que Brahms é o meu favorito porque sua música reúne uma série de características com as quais me identifico total e profundamente e que não encontro reunidas em nenhum outro compositor. Não há uma só composição de Brahms que eu não aprecie com intensidade. Diria mais, não há um só trecho de Brahms que eu posso dizer: “não gostei dessa parte”. Isso não existe para mim. Obviamente, conheço a fundo toda sua obra. Ao menos, aquelas obras que ele não destruiu. Brahms, um perfeccionista, quando não se dava por satisfeito com um trabalho, destruía-o, queimava-o. Fico imaginando, inconsolável, quanta música de qualidade ele deve ter queimado. Sim, porque mesmo que o próprio Brahms não estivesse satisfeito, estou certo que eu iria apreciar.

Mas o que há em Brahms que eu tanto admiro? Muita coisa, a começar pelo seu perfeito equilíbrio entre mente e coração. Brahms era um romântico, sua música inclui-se na época do Romantismo, porém não se limita a ele. Brahms não era um romântico como qualquer outro. Sua música não se deixa levar por sentimentalismos, por emoções fáceis, por inspirações não lapidadas. Sua obra é intensamente emocional, porém fruto de uma emoção densa, profunda, autêntica, exaustivamente trabalhada, concentrada, pensada, refletida, sem impulsividades, sem precipitações, sem exageros, sem grandiloquências desnecessárias.

Ouvir Brahms exige real concentração, devoção, eu diria. Sua música não é de fácil assimilação, não foi feita para agradar ouvidos, mas para comunicar ao mais profundo de nossa sensibilidade, mente, espírito, como queiram. Sua substância densa, complexa, de cores predominantemente sombrias, geralmente melancólica e emocionalmente pesada não é para momentos de descontração ou de amenidades. Não se encontram na obra de Brahms firulas de exibicionismo técnico ou artificialismos. É arte verdadeiramente vivida. É música séria, severa, firme, segura, assentada sobre bases sólidas, de uma força áspera, às vezes, selvagem, que jamais se rende.

Mas Brahms também sabe ser lírico, apaixonado, amável, terno, suave, luminoso, porém nunca derramado. É trágico, mas jamais melodramático. É vitorioso, sem nunca descambar para felicidades incontidas. Brahms sonha, mas é um sonho cuidadoso, cauteloso, sem expectativas ilusórias. Não há espaço para otimismos de sorrisos fáceis.

Brahms é um forte.

05 maio 2012

Romantismo Pós-Moderno

o romantismo
nunca sai de moda:
gosto de beijar mulheres que morrem...

e acaricio seus cabelos dourados
cintilantes areias dos desertos novos...

perdendo-me em seus olhos claros
sóis de duas bombas atômicas...

aspiro o seu alento morno
ar enfumaçado pairando sobre os trópicos...

enquanto sorvo sua saliva macia
mares ondulantes recobertos de petróleo...

sinto o sangue pulsar em suas veias
e lembro-me  do golfejo lento
do guará esmagado no asfalto...

dei a ela
esta flor, oh, tão triste
flor esta
devastada...

eu te beijo
oh, Humanidade...

04 maio 2012

Palavra que Não...

qual é palavra que é a palavra?
aquela que sem ser precisa
é a necessária?
qual dita devo encontrar
para que se me conceda o ar
de ser dita?
devo encontrar o que não deve
em contra algum vir de encontro?
talvez  o ela existir
seja todo o meu confronto
talvez resulte em palavra mágica
que ao ser dita me desfaça
veneno tragado
em proibido gole de taça
ou talvez seja a exata aquela
que a(s)cende o que há febre na vela

há uma
palavra
perdida em tudo que faço
e por mais que lance o meu laço
acaba o meu escrevo suspenso
caos que se cansa de aceso
aquela palavra que Deus disse
que talvez não (me) existe:

sonhei que estivesse
nas auras de algum átomo
e depois
na almas de uma plêiade

como quem conta estrela
(ah, eu que a busquei tanto)
encerro este poema
sem ter conseguido dizê-la

por enquanto...

03 maio 2012

Consumismo e Futuro Planetário

Comento, em parte, sobre um assunto abordado pelo colunista do jornal Correio do Povo, Juremir Machado da Silva. Não é a primeira vez que o faço. Apesar de geralmente apreciar e concordar com as colunas do Juremir, que sem dúvida é um ótimo escritor, de grande inteligência e capaz de profundas análises sociais, há momentos em que, na ânsia de contrariar o senso comum de que “antigamente era melhor”, exagera, a meu ver, em alguns de seus “otimismos” com relação à sociedade atual. Já realizei um contraponto ao seu otimismo aqui. Volto a tratar do assunto. Embora não seja exatamente o mesmo, a relação é bastante próxima.

Juremir, nas colunas dos dias 30/4 e 1º/5, aborda a questão dos valores atuais da sociedade e do seu individualismo. Afirma o jornalista que os valores não estão tão perdidos ou ausentes assim.  E que em muitos pontos estamos melhores como seres humanos, mencionando a preocupação com os animais, a luta contra o preconceito racial, a ecologia. Afirma também que se por um lado o individualismo tem o seu aspecto de irresponsabilidade, com o culto ao prazer e à satisfação do desejo, há também o individualismo responsável, que atua como um freio ao outro individualismo.

Não discordo totalmente do colunista. É claro que não há somente pontos negativos em nossa sociedade atual, em nada há somente o negativo ou somente o positivo. E concordo também com ele de que vivemos uma época de grandes paradoxos. Sem dúvida que sim. Porém, o que parece que Juremir não percebe ou não quer perceber, a despeito de toda a sua cultura e inteligência e do embasamento em autores consagrados, são as consequências a médio e a longo prazo de tamanho individualismo em nossa civilização. E do que está por trás dele.

Toda essa preocupação atual com problemas sociais e ambientais é real, autêntica, ou é apenas um sintoma de um egoísmo mascarado e do culto à aparência?  Juremir menciona a crescente preocupação com animais. Sim, ela existe. Porém, por outro lado, nunca aniquilamos tantas vidas animais na história da humanidade, seja com a poluição, com o tráfico de animais, com os atropelamentos nas estradas, com a destruição infrene de habitats, com os testes em laboratórios, enfim.  E toda essa preocupação ecológica, no fundo, tem adiantado de quê? Será que isso não passa, em geral, apenas de uma moda, uma forma de se “sentir moderno”, de aparentar preocupação? E ainda que muitos se preocupem, o que realmente fazem? O que podem fazer? É suficiente o que pode ser feito? O que está sendo feito? Produzimos cada vez mais lixo, poluímos cada vez mais, consumimos os recursos naturais de forma ilimitada. Ou como se eles fossem ilimitados. E quem, em seu individualismo, seja responsável ou não, está realmente preocupado em consumir menos e poluir menos? Raríssimos. Quais os verdadeiros sinais de que isso pode vir a ser resolvido nos próximos anos?  Como exatamente reverter o quadro?

E ainda se mencionarmos a luta antirracial, até que ponto ela expressa uma real mudança da sociedade? O preconceito está de fato deixando de existir ou ele está sendo sufocado porque está se tornando “feio” ser preconceituoso perante a sociedade da aparência?  E quanto ao crescente preconceito contra árabes e outros povos (inclusive brasileiros) nos EUA e na Europa?  Claro, dirão que é melhor um preconceito sufocado do que um preconceito ostensivo. É. Porém, em um momento isso pode explodir.

O grande problema da humanidade atual é a falta de sentido para a vida. Nunca a humanidade esteve tão vazia de ideais e de sonhos. Procura-se, então, esse sentido na própria busca incessante do prazer, em atender aos mais diversos desejos e necessidades psicológicas, muitas vezes fabricadas pela própria sociedade. E o objetivo da vida passa a ser a busca em si, e não o resultado dela. É a ditadura do consumo. Se for lançado um modelo novo de celular, de micro, de carro, todos devem obter o seu, a qualquer custo. Se não, o que é que vão dizer? É a ditadura do ser igual a todos. O que os outros fazem, são ou têm, os outros também têm que fazer, ser ou ter, ou serão esquecidos, ridicularizados, deixados de lado. É claro que contra todo esse estado de coisas surgem reações. Mas sempre bastante minoritárias.

Aí se encontra a terrível questão. Como atender a esse objetivo sem ser por um consumismo sem limites?

O que percebo em muitos de nossos intelectuais fãs do ser humano é aquela expectativa de que a humanidade resolverá por si só todos os seus problemas sem a necessidade da ocorrência de “medidas extremas”.  Parece que para eles o planeta é um bem, um patrimônio da humanidade, e que os homens têm absoluto poder e controle sobre ele. O crescimento populacional e, com ele, em uma progressão geométrica, o do consumo, ainda é um gravíssimo problema, fatal, eu diria, para o qual não foi apresentada solução alguma, apenas paliativos, ineficazes, em geral, e ao qual nossos intelectuais, em sua maioria, evitam abordar.

Um dia não haverá possibilidades físicas de nos sustentarmos. As nações ricas somente são ricas graças ao consumismo desenfreado de todos em todas as partes do mundo. Aí estão as multinacionais para provar, que ajudam a enriquecer seus países de origem servindo-se de nosso consumismo que não dá sinais efetivos de que irá regredir.

O otimismo de alguns intelectuais contemporâneos assemelha-se muito, a meu ver, àquele otimismo dos finais do século XIX, quando se acreditava, devido aos impressionantes progressos da ciência, que o século XX seria o da solução de todos os problemas, que não haveria doenças, miséria, guerras, violência, enfim. É uma confiança demasiada na espécie humana.  Quando se trata de se perceber, de se captar as decadências psíquicas das quais sofre a humanidade, muito mais eficiente do que nossos sensos intelectivos são nossos sensos artísticos. É a arte que percebe e identifica e expressa tudo aquilo que não está bem com o ser humano. Porque capta a essência das questões, não por frias análises racionais, mas pela vivência psíquica direta. Alguns gênios o fizeram com inacreditável antecedência, como é o caso de Bosch, de Poe, de Baudelaire. Os artistas são a antena da humanidade.  Em nossos dias, na música clássica, Penderecki expressa um cenário de total pessimismo quanto ao futuro da humanidade. Apenas para deixar um exemplo fora da literatura e da pintura.

Para finalizar, lembro que o universo sempre busca o equilíbrio em todas as coisas. A humanidade faz parte do universo. E, menos ainda, faz parte do planeta. Pertence a ele. E ele não permitirá que o desequilíbrio causado pela humanidade o destrua. Gostaria que a própria humanidade alcançasse este equilíbrio. Porém, não acredito que o faça. Crer que a sociedade evitará que o consumismo prossiga com a destruição planetária até que atinjamos níveis insustentáveis, é, para mim, uma utopia. A humanidade está para a Terra assim como a Terra está para o seu sistema solar. E um planeta não pode destruir o sistema solar ao qual pertence. O planeta se encarregará de restabelecer a ordem, como sempre o fez. E não é necessário acabar com a humanidade para tanto. Apenas colocá-la em seu devido lugar. Alguém dirá que, falando dessa forma, até parece que há alguma espécie de inteligência no planeta. E por que não poderia haver?

Então os meus versos têm sentido e o universo não há-de ter sentido?
Em que geometria é que a parte excede o todo?
Em que biologia é que o volume dos órgãos
Tem mais vida que o corpo?”

Alberto Caeiro (um dos heterônimos de Fernando Pessoa)

(Na imagem, detalhe da asa direita do tríptico "O Jardim das Delícias", de Hieronymus Bosch.)

02 maio 2012

(des) Graça

tempos paradoxais
(em que deves ser feliz
com teus egoísmos
individuais)
e tornou-se engraçado
como de risível
(nos dois sentidos)
há esta humanidade tornado
o seu sem-sentido
num mundo-circo sem graça
(nos três sentidos)

por mais que a Terra seja aniquilada
não falta sequer um motivo
de riso
ou um siso
de piada

pesar de aves massacradas...
pairam sobre ti levianas
as asas das gargalhadas

e aos olhos da desgraça dos tempos
a dor tornou-se sarcasmo
o amor:  deboche
o poema:  ironia
ah... o branco de saliva entre dentes
e o negro entre a água sombria...

sorria!
que este planeta aos estilhaços
tornou-se um palco de palhaços...

30 abril 2012

Nada a (me) Declarar

o que há
no jornal de hoje que leio
( já ido
de mais um dia vazio e feio)
é o nada de amanhã
inútil fato fatídico:
o que é já foi
e o que vem
já nasce sendo passado...
e nada restará do meu lado


tu, humanidade do agora
(já quase um avantesma)
que observo
(como quem vê passar uma lesma)
vais me dizer o quê? 
da filosofia uma oferta?
(cadáveres de boca-aberta)
esperanças de ilusões aladas? 
(ridículos finais de piadas)
ou políticas das altas esferas?
(têm mais a me dizer as cadelas)


lá vaga o teu nada
(-adiantar)
nadando na baba
dos sapos dos sábios...
e o que eu farei
com tanta risada
derramada
dos lábios?


aqui neste planeta exangue
(tu bem o sabes)
o que importa é o Sangue...  

27 abril 2012

Novo Código Florestal: Uma Crítica (Severa) ao Governo Dilma

Vamos aos fatos: o governo Dilma em termos sociais e econômicos (principalmente econômicos) tem sido um relativo bom governo, muito embora ainda deixe bastante a desejar na questão da educação e da saúde. 
Porém, na questão ambiental, está sendo de uma incompetência desastrosa. E isso também é fato. A recente aprovação do Código "Antiflorestal", como bem o intitulou o escritor Juremir Machado da Silva, é uma vergonha e um retrocesso para um país que está à beira da Rio+20 e que tem como seu maior patrimônio territorial as suas águas e as suas florestas.

O governo Dilma tem um perfil desenvolmentista em demasia. Isso eu afirmei que assim seria ainda durante a campanha presidencial de 2010, e que por tal motivo ela não teria meu voto. Seu governo parece querer buscar o desenvolvimento a qualquer preço. E qual será o preço? Até onde chegará um desenvolvimento que não leva em consideração a preservação da base sobre a qual se estabelece? Sem rios e sem matas, que espécie de futuro poderemos esperar? Muito bem, vamos plantar sobre todas as terras. Vamos agradar ao agronegócio, isso traz dinheiro, traz riqueza, tornará o Brasil o maior celeiro mundial. Mas com quais reais benefícios para o nosso povo? E por quanto tempo? Repito: por quanto tempo? O tempo de uma reeleição?

E não venham me dizer que o governo não queria a aprovação do Código da forma como foi aprovado. Ele tem maioria no Congresso. Se tivesse realmente se esforçado para a não aprovação, teria conseguido. Por que não houve a mesma mobilização por parte do governo como quando há em outras questões que envolvem seus interesses diretos? No entanto, fez como Pilatos, lavou as mãos. Agora, dizem que a presidente Dilma irá vetar. Sim, vetar, para depois o Congresso derrubar o veto. E o governo lavar suas mãos novamente.

Em questões ambientais, o governo Dilma tem sido um vergonhoso retrocesso. Eu não aprovava o governo FHC, mas um de seus feitos digno de aplausos foi a ampliação da área de reserva legal. O governo Lula, em outro grande feito, conseguiu, com a magnífica atuação da ex-ministra Marina Silva, reduzir drasticamente o desmatamento na Amazônia. Porém, agora, com Dilma, o que vemos, o fato, é que o desmatamento na Amazônia volta a crescer, a destruição do cerrado está em níveis alarmantes, hidrelétricas sem o devido estudo de impacto ambiental espalham-se pelo Brasil e, para completar, agora o governo não age como deveria para evitar a aprovação de um crime contra nossos recursos naturais, que é no que consiste esse Novo Código Florestal. É fato ou não é?

Basicamente, o que conseguiu a bancada ruralista, foi a liberdade para desmatar mais e o perdão de seus crimes. Isso também é fato. Entre outros absurdos, foram derrubadas as restrições de crédito para produtores que não estiverem em dia com a legislação ambiental. Ou seja, agora, mesmo tendo cometido crimes ambientais, os produtores poderão contar com apoio financeiro. Analogamente, seria o mesmo que quem cometeu crime no trânsito, perder a carteira e poder continuar dirigindo com permissão da lei. Essas são as ideologias da bancada ruralista, que tem como um de seus líderes o nosso bem conhecido deputado Luis Carlos Heinze, que representa o que há de mais reacionário no seu PP, partido com tradição em defender os interesses das elites, em manter os ricos no poder. O que também é fato.

O senador petista Jorge Viana, um dos poucos realmente preocupados com a questão ambiental, afirmou, em entrevista, com relação ao Novo Código Ambiental: "Eles destruíram tudo. É uma anistia geral e irrestrita, é muito pior que a emenda 164. Tirou desde os princípios às salva-guardas e destruiu o Cadastro Ambiental Rural. Não tem solução. O texto da Câmara, simplesmente, tira toda a proteção das águas do Brasil." Isso também é fato.

A vitória do agronegócio, mascarada com aqueles discursos demagógicos e hipócritas de que representa os interesses dos pequenos agricultores, dará início a uma fase de destruição ambiental no Brasil sem precedentes. E então ficará pairando no ar a queixa dos pequenos produtores rurais: "Minha terra não produz mais nada, está dura, não tenho água, está tudo seco. E eu acabado." Esse será o fato.

25 abril 2012

A Arte é que Sabe

o que era
na Arte já havia sido
e o que é
na Arte já foi

a Arte não é da sociedade o reflexo
ela nunca está sendo naquilo que está
não é espelho
mas o outro lado
(trago ainda não tragado)
do que não é lado no agora
é um verbo lançado ao distante
(a Arte será
no então ido embora)
emissário a um o quê? latente
que retorna com invisíveis bandeiras
(entre infinitos e abismos às beiras)
para tornar visto o não-avistado
próximo o que ainda é próximo
e trágico o que ainda lépido

a Arte é a sensação de um todo
que é ainda parte
e ainda não sentida
a vivência em cedo do que será vida
antecipação amental da humanidade
e do que além o homem não...
(símbolo não dito do que verdade)
prenúncio de um além-noite
aurora do que não-dia
(só a Arte é que sacia)

epílogo:
se os dias que nos esperam
fossem luminosos
não haveria Shostakovich
ou Penderecki
ou
...

24 abril 2012

"Em que momento, entre 1960 e 2012, transformamo-nos em idiotas?"

Abaixo, transcrevo o texto que foi publicado no jornal  Correio do Povo de domingo, 22/04, na coluna do jornalista Rogério Mendelski.  O texto não de é autoria do mencionado jornalista, está sendo divulgado na internet de forma anônima. Acompanhem:


"Estamos em 1960. Joãozinho não fica quieto na sala de aula. Interrompe e perturba o ambiente. É mandado à secretaria da escola e fica esperando até o diretor dar-lhe uma advertência com a sugestão de uma suspensão e até expulsão da escola. Joãozinho esconde o ocorrido dos pais com medo de alguns “cascudos” em casa, mas voltou a se comportar e nunca mais perturbou a classe. Vamos para 2012. Joãozinho é mandado para a psicóloga da escola, o diagnóstico fala de hiperatividade com transtornos de ansiedade e déficit de atenção e recomendado a tomar Rivotril. O garoto transforma-se num zumbi e os pais reivindicam uma subvenção por ter um filho incapaz e ainda processam a escola. Voltamos para 1960. Luizinho quebra o farol de um carro, no seu bairro. O pai tira a cinta e lhe aplica um corretivo no traseiro. Luizinho sentiu o poder paterno, nunca mais foi vândalo, cresceu, entrou na universidade e hoje é um profissional de sucesso. Estamos em 2012. O pai de Luizinho é processado por maus tratos e fica proibido de ver o filho. Luizinho volta-se para as drogas, delinqüe e é colocado numa casa de recuperação para adolescentes. Outra volta a 1960. Paulinho cai no pátio da escola e machuca o joelho. A professora encontra o garoto chorando e o abraça para confortá-lo. Rapidamente, Paulinho se sente melhor e continua brincando. Pátio em 2012. A professora é acusada de não cuidar das crianças e Paulinho tem cinco anos de terapia pelo susto, seus pais processam a escola por danos psicológicos e a professora por negligência. A professora renuncia à docência, entra em aguda depressão e se suicida. Retorno a 1960. Qualquer bagunça na aula era motivo de repreensão do professor com advertência aos pais e em casa sabíamos o que nos esperava… Em 2012, bagunça na aula resultava no professor pedindo desculpas por alguma palavra áspera. Mas os pais vão à escola, registram queixa contra o mestre e trocam o notebook do filho para evitar algum trauma futuro. Onde foi que erramos? Em que momento, entre 1960 e 2012, transformamo-nos em idiotas?"


Já escrevi, aqui no blog, sobre a INVOLUÇÃO de nossas crianças. Sim, porque eu não tenho dúvida que não só a mentalidade e a sensibilidade de nossas crianças regrediram e continuam regredindo, mas também a forma como as tratamos. É claro que a violência contra crianças e adolescentes deve ser duramente combatida. Agora, proibir um pai de dar uma palmada no filho? É um absurdo, simplesmente isso. 


Chegamos a uma completa inversão de valores. Hoje são os filhos que batem nos pais. E nos professores. E o conselho tutelar "moderninho", baseado em um Estatuto da Criança e do Adolescente hipócrita e imbecil, que acabou por retirar a necessária autoridade dos pais para a estrutura e organização das famílias, passa a mão na cabecinha de crianças desrespeitosas, estúpidas, violentas, enchendo-as  de direitos e não obrigando a quase nenhum dever. Eu levei muitas palmadas e hoje agradeço a meus pais por todas que levei. 

O texto abaixo é a republicação de um trecho de um texto de minha autoria já publicado aqui no blog:
"As crianças de hoje são muito “espertinhas”, raciocinativas, entendem de computadores, de máquinas, de tecnologias, das coisas práticas da vida, mas nada sabem sobre a vida em si. Nada sabem sobre seu papel no mundo. E não conseguem nem pensar sobre isso. Muito menos sentir. Parece que atrofiaram grande parte de suas inteligências. Não conseguem se sensibilizar com nada. Não falo de sentimentalismos, mas de uma sensibilidade consciente, madura, uma capacidade de captar as grandes questões do mundo, da humanidade, do universo. E de se posicionar dentro delas. As crianças de hoje não fazem mais isso. Não estão nem aí para nada. Isso é ser inteligente? Falta-lhes a inteligência emocional. A inteligência artística. A inteligência intuitiva. A inteligência da sensibilidade. Falta uma inteligência que torne as crianças mais sensíveis, mais conscientes. Falta uma inteligência que faça as crianças perceberem que estão inseridas na humanidade, que possuem responsabilidade para com o planeta e para com seus semelhantes.

Na imagem, o quadro "As Filhas de Catulle Mendes", de Renoir.