22 abril 2010

Sobre a Subjetividade na Arte: eliminável ou não?


Em uma comunidade de música erudita no orkut, mais precisamente a "Eu Acredito em Bach", surgiu um debate sobre se é possível julgar uma obra de arte eliminando-se a subjetividade do julgador. Alguns participantes afirmam que sim. Eu acredito que não. É uma questão bastante polêmica. Deixei minha opinião sobre o assunto na comunidade. Creio que seria interessante transcrevê-la aqui no blog, para que os amigos leitores também se posicionem. Abaixo, está a transcrição de minha postagem na comunidade. E você leitor, o que pensas?

"Com todo respeito, eu vou discordar de você quanto a ser possível eliminar o subjetivismo da análise artística. Não, a meu ver isso não é possível. Quanto ao puramente técnico pode ser, mas todos sabemos que a arte não é puramente técnica. Ele vai muito além disso. A arte não é algo racional, lógica, mental, muito pelo contrário, ela fala aos sentimentos, à alma. Logo, ela é subjetiva por natureza, a sua essência é subjetiva. Se fosse possível eliminar o subjetivismo, não haveria erros nas análises críticas. E quantos erros os críticos cometeram e cometem em todas as artes?

Quantos críticos julgaram que a música de Beethoven era exagerada, equivocada, sem futuro? E de Brahms? Não disseram que ele era um retrógrado? E não quiseram "corrigir" as sinfonias de Bruckner? Isso para ficar somente na música? Eu poderia citar vários exemplos de outras artes. Por quê? Porque quiseram julgar eliminando os subjetivismos. Mas a arte se expressa muito além de parâmetros técnicos, objetivos, positivos, exatos. Ela fala ao inconsciente coletivo que somente se pode entender a fundo subjetivamente. Algumas artes são mais subjetivas que outras, e alguns períodos artísticos valorizam mais a subjetividade. Mas ela sempre está presente. Bach mesmo foi considerado ultrapassado. Certamente, os que assim o julgaram tinham "parâmetros" racionais para tal afirmação. Porém, sua arte provou que ela tinha muita mais força interior para sobreviver ao tempo. Seu valor não era só técnico. Se assim fosse, haveria poucas diferenças entre Bach e Tellemann. Ambos possuem uma técnica perfeita.

Mas quem é mais genial? Bach ou Tellemann? Então, ao meu ver, isso é porque há mais alma na música de Bach, ele capta melhor o inconsciente coletivo que Tellemann, e isso não é mensurável. Há algo na arte que não é racionalizável, mensurável, nem mesmo plenamente definível. Por isso ela é arte e não ciência. Esse é o seu mistério. Ela também é técnica, mas vai muito além disso. Os concursos artísticos estão cheios de equívocos e de decisões contraditórias. Fernando Pessoa perdeu um concurso com sua genial obra "Mensagem" para um padre hoje absolutamente desconhecido. Porém, certamente, os julgadores do concurso estavam certos de que tinham parâmetros para julgar os textos.

Apenas mais um ponto. Na literatura, o barroco e o romantismo estão muito próximos, são considerados estilos similares, assim como, mais tarde, o simbolismo. Similares no sentido de que primam pelo subjetivismo, pela emoção colocada acima da razão, pela crença no sobrenatural (seja cristão ou não), pela ideia de que a arte deve ser colocada em um patamar de ligação do homem com o mistério, de que o artista tem uma missão divina, de que a arte liberta, eleva e está acima das regras da sociedade, pois vem da alma e do mistério do universo, logo seguiria outras regras. Tais características são plenamente românticas. E elas também não estão em Bach? Ao meu ver, estão."

21 abril 2010

O Poema Cósmico

o problema de onde está a Verdade
é que ela nunca está.
o que é verdadeiro
só o é por símbolo...

mas à humanidade
é tudo ao pé da letra
e a verdade que fala por vínculo
afunda em sua alma
como uma pedra
e assim a humanidade caminha
com o pé na lama...

o universo
se envia por metáforas
em um Cósmico Poema
(e um poema
nós sentimos...)

por tais motivos
no dia há luz
por tais razões
é que a noite é sombria...
mas os homens não entendem
simbologia...

19 abril 2010

A Marcha da Morte (Parte Final)


Prossegui na minha mórbida e masoquista observação, e uma série macabra e absurda de metamorfoses foi se realizando, e todas aquelas faces, muito diferentes uma das outras, era eu mesmo, eu as compreendi como personificações diabólicas do horror que de forma ostensiva ou latente sobrevive e procria em minha adoentada psique... E assim é com todos os meus irmãos “humanos”, que provavelmente ignoram a maior parte de todo esse nosso conflitante e perverso lado negro, causa indubitável de todo sofrimento e destruição. E agora se constituíam em mim como nefastas densificações moleculares e ectoplasmáticas, obtendo poder de assumir minha aparência externa, embora eu não estivesse totalmente inconsciente, pois percebia e compreendia o ocorrido.

Não obstante, permanecessem as metamorfoses faciais, eu consegui manter-me relativamente calmo e, através da serena reflexão, questionava-me sobre o que seria a loucura, ou a psicose... E vi, como um relâmpago de intuição, que a esquizofrenia, por exemplo, era muito semelhante ao que eu passava, mas em um âmbito exclusivamente interno. Ou seja, eram aqueles seres demoníacos que, em um determinado instante, fortalecidos por diversas circunstâncias, alimentados pala energia anímica humana, obtêm o poder de dominar a mente do homem que parasitam, até que assumem a personalidade característica de algum ou de alguns diabos internos, e então dizemos: é um esquizofrênico!

No entanto, em um determinado momento, senti que as trágicas transformações pareciam ter finalmente cessado. Dirigi-me outra vez ao espelho e comprovei que, de fato, voltara ao meu estado normal, apresentando de novo minha face física comum. Todavia, era atormentado por vulcânicas oscilações e inquietações em meu espírito, algo que me impulsionava a abrir a porta da casa e, desvairadamente, entrar correndo no bosque que tinha seu início nos fundos do meu pátio.

Alguma coisa se movia, em termos energéticos ou espirituais, no meu universo interior, era uma força e uma vontade que se apresentavam como dotadas de consciência, isto é, como sendo um intuito legitimamente meu, uma revolta profunda e sincera contra a totalidade daquele exército de bestas que infestavam minha torturada psique. Eu me sentia volitivamente poderoso e desloquei-me sem destino por entre o denso e enigmático ambiente da floresta, carregado de dramáticos incensos noturnos, das espessas sombras do mistério sentencioso... de fluídicos vapores espectrais oriundos da Alma do Cosmos... que secretamente falavam-me à intuição exacerbada.

Foi nesse preciso instante, onde soavam mudos todos os sobrenaturais alarmes, que uma inefável melodia cantada por celestial voz feminina principiou a invadir toda a atmosfera do bosque... Era uma voz profundamente comovida, acompanhada por divina orquestra, cantando belíssimos poemas que eu nunca conhecera... A música e a poesia tomaram completamente todos meus pensamentos e sentimentos, em um inefável domínio sobre meu mundo psíquico, agora perfeitamente consciente e harmonioso, sem nenhuma espécie de conflito íntimo, que sei que adivinha de meu ser profundo, do âmago que não consigo conceituar.

Então, consecutivamente, senti uma espécie de estranho alívio orgânico-psíquico-espiritual, como se um terrível peso estivesse me abandonando. Olhei para trás e avistei um imenso rastro de um líquido negro e viscoso que, só então, verifiquei que manava dos meus poros epidérmicos. A negra viscosidade fluía copiosamente através de mim e, à medida que saía de meu corpo e espírito, percebi que aos poucos eu ia flutuando, ascendendo, à proporção que me sentia mais e mais leve, melífluo, alimentado sobre-humanamente pela indizível música e pela indefinível poesia...

E assim fui... já se extinguia o líquido, as últimas gotas asquerosas pingavam de minha pele, até que se estancou definitivamente, e eu mergulhei nas notas e nos versos daquela feminina voz angelical, mergulhei e me diluí, tornei-me uno e indissociável daquelas artes magníficas, eu era elas, elas constituíam meu ser, e desapareci, aniquilando minha existência na dissolução pelo mistério infinito.

(Na imagem, o quadro "São Jorge Lutando Contra o Dragão" de Raphael Sanzio)

18 abril 2010

A Marcha da Morte


(Este conto foi publicado originalmente em meu livro Contos do Crepúsculo e do Absurdo, lançado em dezembro de 2006.)


Tenso e angustiado, não conseguia dormir. Desisti, portanto, de tentar adormecer e resolvi realizar uma observação do que se passava em meu mundo interior, sem dúvida, intensamente caótico. Aos poucos, fui penetrando mais e mais nas sombras de minha psique, naquele umbral tenebroso e insolitamente desconhecido... Sim, desconhecido, pois nosso mundo psicológico, nossa psique ou nossa alma, como queiram os leitores, é zona de absoluto mistério... Digo que o homem, tão orgulhoso de seu “conhecimento” que, mesmo em termos exteriores, não é mais do que uma gota no oceano, nada sabe sobre si próprio... Nada sabe sobre o que realmente pensa, sobre o que realmente sente. Isso eu afirmo totalmente destituído de qualquer receio, pois naquela noite profunda, eu principiei meu terrível autoconhecimento e, consequentemente, conheci todo o diabólico funcionamento geral da psicologia humana...

Tudo era estranho e nebulosamente sobrenatural naquele universo dantesco em que mergulhava... eu submergia no mim-mesmo, no meu eu de horror e caos. Agora posso declarar, sem medo, que o ser humano já não me pode enganar com sua dúbia “sinceridade”, de minha boca poderão ouvir a recorrente frase: “eu os conheço muito bem e não confio no homem meu semelhante”; ou poderia, ainda me utilizar dos versos de Baudelaire: “ó falso, hipócrita leitor, meu igual, meu irmão”. Eu submergia em minha psique e em poucos segundos percebi o tagarelar e a gritaria insana de uma infinidade de entes, algo como seres perversos, em eterna, estéril e fatigante disputa por uma supremacia momentânea de minhas emoções e pensamentos. Nitidamente, eu “ouvia” berros, relinchos, grunhidos, frases absurdas e desconexas, que provinham ora de um lado, ora de outro, apresentando-se sob diversas e assustadoras vozes, ou estridentes, ou cavernosas, ou satanicamente infantis, ou de velhos decrépitos, ou de monstros mitológicos, ou de bruxas sádicas, ou de pseudoanjos, ou de supostas fadas celestiais...

E todas aquelas vozes eram eu e, ao mesmo tempo, não eram, algumas eu conhecia, outras me eram absolutamente ignotas, personificando miseravelmente o universo de meus desejos, de minhas lembranças, de minhas saudades, de meus remorsos, minhas cobiças, minhas maldades, minhas vaidades, meus erros, minhas supostas grandiosidades e ações superiores... E então iniciei a perceber os rostos hediondos de todas as repulsivas hostes satânicas que interiormente dominavam e constituem o ego de todo e qualquer ser humano que sobrevive na degenerescência crepuscular deste planeta em morte...

O medonho desfile de rostos demoníacos parecia não ter fim, e todas as sensações, sentimentos e ideias próprias de cada personificação interior iam me assediando, na mente e no coração, conquanto paradoxalmente eu me questionava: quem sou eu? Como posso considerar-me um ser individual, de uma só unidade psicológica, se um batalhão de entidades contraditórias são as formadoras de minha vida interior? Como posso supor e afirmar perante toda a falsa e corrompida sociedade, todos iguais a mim, ou talvez ainda piores, que sou um individuo único e de constante e confiável comportamento, sem em um momento aprecio com ternura e noutro odeio com todas as forças a mesma pessoa? Se em um instante sinto-me alegre e confiante, em luminoso bem-estar, e noutro caio em negros abismos, considerando-me o mais infeliz e desgraçados dos homens?


Como posso julgar-me alguém uno, se meus pensamentos e sentimentos nunca permanecem os mesmos por muito tempo? Se sou aquele que faço o que não quero e o que quero, não faço, impelido por forças irrevogáveis? E mais ainda: se nem ao menos consigo manter minha atenção em um único ponto por consecutivos minutos, pois inconscientemente sou invadido, contra a minha vontade, de forma implacável e inexorável, sem que eu tenha o mínimo controle sobre mim mesmo, por uma infinidade indomável de lembranças irrelacionáveis, de idéias desconexas e absurdas, de perturbadoras emoções integralmente discordantes dos propósitos a que intento sofrivelmente dirigir minha débil atenção. Algo que leitor algum poderá negar, e os desafio a tanto. Esse é o homem, essa é “a eterna contradição humana”, nas palavras de Machado de Assis.

Passados alguns instantes dessa abominável constatação, estando eu ainda semi-conscientemente submergido em meu inferno particular, algo de absolutamente terrível e inusitado começou a ocorrer comigo. Tive a brutal sensação de que aquelas entidades satânicas de minha psique, comuns a toda humanidade inconsciente, intentavam agora, não satisfeitas em possuir o controle de minhas emoções e ideias, assumir também meu aspecto físico, ou seja, a minha fisionomia. Levantei-me em pânico e dirigi-me a um espelho... Aterrado, tive a traumática visão de alguém que não era eu... um bicho, uma coisa de aspecto odioso e repelente, que insanamente assumira minhas feições! Tentando tranquilizar-me, busquei observar com maior atenção aquilo que agora constituía monstruosamente o que então fora meu rosto, quando, para minha maior estupefação, o rosto modificou-se por completo, em uma assombrosa transformação...


Amanhã, o final.


(Na imagem, o quadro "Perseus e Andrômeda" de Pierre Mignard)

Fernando Pessoa e Seus Passos da Cruz XIV (e Último)

Continuo postando os sonetos de Passos da Cruz de Fernando Pessoa, conforme explicado na seguinte postagem: http://artedofim.blogspot.com/2009/12/fernando-pessoa-o-predestinado-passos.html . Este é o passo XIV e, portanto, o último. Na imagem, o quadro " Cristo de São João da Cruz" de Salvador Dalí.

Passos da Cruz - Soneto XIV

Como uma voz de fonte que cessasse
(E uns para os outros nossos vãos olhares
Se admiraram), p'ra além dos meus palmares
De sonho, a voz que do meu tédio nasce

Parou... Apareceu já sem disfarce
De música longínqua, asas nos ares,
O mistério silente como os mares,
Quando morreu o vento e a calma pasce...

A paisagem longínqua só existe
Para haver nela um silêncio em descida
P'ra o mistério, silêncio a que a hora assiste...

E, perto ou longe, grande lago mudo,
O mundo, o informe mundo onde há a vida...
E Deus, a Grande Ogiva ao fim de tudo...

16 abril 2010

Poema Sem Graça

adeus
graça
aos gracejos estúpidos
do homem ingrato

a pena que tenho do homem
afunda como o branco da pena da garça
no negro do óleo que escorre
sem graça nenhuma

vai-te em graça
como símbolo gracioso
de tudo aquilo que morre:
a Deus
garça

e o que resta
à humanidade (in)graçada?
a des...
graça.

Cafezinho Poético Itinerante

O Cafezinho Poético da Casa do Poeta de Santiago passará agora a ser itinerante. Neste sábado, dia 17/04, ele ocorrerá no Rotaract Club "Terra dos Poetas" - Clube União Santiaguense, às 17h. O cafezinho poético é sempre aberto ao público, e todos estão convidados. Contamos com sua presença.

15 abril 2010

O Sublime Pergolesi Faleceu aos 26 Anos...


O poema que compus e está postado abaixo com o título de "Stabat Mater" constitui algo como uma adaptação para os tempos atuais do texto de um hino cristão de origem medieval, mais precisamente do século IX, cujo nome é o mesmo: Stabat Mater. O Stabat Mater (Estava a Mãe), expresso em latim, trata do profundo sofrimento da Virgem Maria diante da crucifixação de seu filho, Jesus Cristo, e é um texto de extrema tristeza.

Inúmeros compositores, principalmente no Barroco e no Classicismo, musicaram o texto cristão. Existem centenas de Stabat Mater. Porém, 5 entre eles se sobressaem: o de Pergolesi (considerado o maior), o de Vivaldi, o de Haydn, o de Rossini e o de Verdi. Alguns musicólogos ainda incluem o de Emmanuelle D'Astorga entre os mais importantes.

Mas realmente o de Pergolesi é o mais emocionante, o mais divino, o mais melancólico. Giovanni Battista Pergolesi nasceu em 3 de janeiro de 1710, na Itália. Portanto, este ano comemoramos os seus 300 anos. E eu me penitencio agora por não ter lembrado da data em janeiro. Mas ainda há tempo de deixar minha homenagem.

Pergolesi viveu bem pouco. Morreu de tuberculose aos 26 anos. Não lhe foi permitido, portanto, tempo para deixar uma obra extensa. Mas o que deixou é de uma qualidade absolutamente impressionante, e ficamos entristecidos ao imaginar o que ele poderia ter ainda nos legado caso não falecesse tão jovem. Ele, sendo um compositor barroco, já mostrava indícios de um classicismo que ainda nem havia surgido. Morreu com ele a promessa de um imenso gênio. Mas cada um com o mistério de seu destino... Como diria Álvares de Azevedo, que também faleceu muito precocemente: "Ó morte, a que mistério me destinas..."

E absolutamente genial é o seu Stabat Mater, cujas últimas notas foram escritas um dia antes de sua morte. Trata-se de uma composição absolutamente sublime. Sublime e profundamente triste. Triste e sobrenaturalmente trágica. São páginas de um grave dilaceramento, de estranha e misteriosa poesia. Não está em seu Stabat Mater somente a dor da Virgem diante de seu Filho morto. Está ali a dor de sua prória morte, e talvez a dor da sua mãe vendo a morte de seu filho. E muito mais que isso. Está ali a Dor Universal, como diria Cruz e Sousa...

Por mais duro que seja o coração de um homem, considero quase impossível não se emocionar com a dolorosa celestialidade das notas do Stabat Mater de Pergolesi. Impossivel não sentir e pensar no que há de mais triste e mais puro, no que há de mais sagrado para nós, independente da crença de cada um. Com seu Stabat Mater, Pergolesi morreu como um anjo...

Abaixo, o texto, traduzido do latim, do

Stabat Mater

Estava a mãe dolorosa
chorando junto à cruz
da qual seu filho pendia.

Sua alma soluçante
inconsolável e angustiada
era atravessada por um punhal.

Ó, quão triste e aflita
estava a bendita mãe
do Filho Unigênito!

Transpassada de dor,
chorava, vendo
o tormento do seu Filho.

Quem poderia não se entristecer
Ao contemplar a Mãe de Cristo
sofrendo tanto suplício?
Quem poderia conter as lágrimas
vendo a mãe de Cristo
dolorida junto ao seu Filho?
Pelos pecados do seu povo
Ela viu Jesus no tormento,
Flagelado por seus súditos.
Viu seu doce Filho
morrendo desolado
ao entregar seu espírito.

Ó mãe, fonte de amor,
faz com que eu sinta toda a sua dor
para que eu chore contigo.

Faz com que meu coração arda
no amor a Cristo Senhor
para que possa consolar-te.

Mãe Santa, marca profundamente
no meu coração
as chagas do teu Filho crucificado.
Por mim, teu Filho coberto de chagas
quis sofrer seus tormentos,
quero compartilhá-los.

Faz com que eu chore
e que suporte com Ele a sua cruz
enquanto dure a minha existência.
Quero estar em pé
ao teu lado, junto à cruz
chorando junto a ti.

Virgem de virgens notável,
não sejas rigorosa comigo,
deixam-me chorar junto a ti.

Faz com que eu compartilhe a morte de Cristo,
que participe da Sua paixão
e que rememore suas chagas
Faz como que me firam suas feridas,
que sofra o padecimento da cruz
pelo amor do teu Filho.

Inflamado e elevado pelas chamas
seja defendido por ti, ó Virgem,
no dia do juízo final.
Faz com que eu seja custodiado pela cruz,
fortalecido pela morte de Cristo
e confortado pela graça.

Quando o corpo morrer,
faz com que minha alma alcance
a glória do paraíso.

Amém.

14 abril 2010

Stabat Mater *

Estava a Mãe Natureza
chorando junto das cruzes
das quais seus Filhos pendiam.

Via suas almas gementes
imponderáveis e aniquiladas
traspassadas por motosserras.

Oh! Que triste e aflita
estava a bendita Mãe
dos filhos universais!

Devastada de dor,
chora vendo
o desastre dos seus Filhos.

Quem poderia conter as seivas
da Grande Mãe
já tombada junto dos seus Filhos?
Quem poderia não se entristecer
ao contemplar a Mãe Natura
vendo os animais no tormento
flagelados pela humanidade?

Oh Mãe, fonte de vida,
faz-me sentir todo o seu fim
para que eu me acabe contigo.

Mãe pura, derrama
profundamente no meu coração
o sangue dos teus Filhos massacrados,
eu também sou culpado,
quero compartilhar deste sangue.
Faz com que eu chore
e padeça com Eles
até o fim da minha existência.
Quero estar ao teu lado
chorando junto de ti.

Faz com que me firam as suas feridas,
que eu também ajudei a causá-las,
faz com que sofra os horrores do progresso
pelo amor dos teus Filhos.

E quando o corpo da Terra morra
faz com que a sua alma alcance
a glória do seu retorno.

Amém.

*(Escrevi este poema baseando-me no Stabat Mater de Pergolesi. Amanhã comentarei sobre esta obra do compositor italiano.)

13 abril 2010

Deputado Aldo Rebelo Quer Desmatar Ainda Mais...

Parabéns, deputado Aldo Rebelo. É de homens ousados como o senhor que o planeta precisa, para morrer o mais rápido possível.

Venho deixar aqui o meu apoio ao seu justíssimo, digníssimo, excelentíssimo projeto de alteração do Código Florestal, que vai anistiar nossos queridos desmatadores e deixar menos rígidas as leis de proteção de nossas florestas (claro, lei tem que ser flexível, frouxa, que é para se adequar aos interesses dos homens que pensam grande, pensam à frente, aqueles que já pensam em desmatar muito mais). Está certo. Mato pra quê? Só pra esconder macacos, gatos pintados e raposas? Tem é que acabar com tudo pra plantar, plantar mais e mais. Isso é desenvolvimento!

Plantar pra vender para os ricos, é claro, não para matar a fome do povo. Como o diria o Chico Anísio com seu deputado: "Pobre tem que morrer!" Eu concordo. Ainda bem que veio um deslizamento no Rio e matou um monte de pobres.

Que ninguém nos escute, excelentíssimo deputado (porque têm uns ecologistas chatos de plantão que ficam pegando no seu pé), mas o senhor está muito certo em querer avançar Amazônia adentro, desmatando e plantando e criando gado! O senhor é um desbravador, um herói de nossas terras! Tem a coragem de acabar com aquela floresta inútil para encher o mundo de soja e enriquecer o bolso dos ruralistas.

Eu sempre pensei que tem que se desenvolver a qualquer custo, destruir tudo em nome do progresso.

Mas se você, amigo leitor, não pensa assim, assine aqui a petição para impedir que a bancada da motossera ligue o motor de sua ganância:

http://www.greenpeace.org.br/codigo/envie_msg.php

É só entrar e assinar.

Eu e o deputado Aldo Rebelo, que é meu amigo, não agradecemos. Mas o planeta agradece.

11 abril 2010

Ameaça

ao sentenciar silente do Ocaso
um vivo silvo de sino
sai pela selva sangrada
como sonata solene e soturna
como sublime aviso seráfico:
o som do sol que se esvai...

é o selo sombrio e sagrado
segredo que se arrasta em sussurros
a morte sutil que se assoma
na saliva universal e simbólica...

silêncio... sente que soa em teu sonho
o sibilar o silvar o assovio
e sinal de sangue e de sono
do ameaçar triunfal da Serpente...

é melhor que tu a escutes...

09 abril 2010

Fernando Pessoa e Seus Passos Da Cruz XIII


Continuo postando os sonetos de Passos da Cruz de Fernando Pessoa, conforme explicado na seguinte postagem: http://artedofim.blogspot.com/2009/12/fernando-pessoa-o-predestinado-passos.html . Na próxima semana, o 14º, e último, passo. Na imagem, o quadro " "Ascensão ao Sagrado" de Hieronymus Bosch.

Passos da Cruz - Soneto XIII

Emissário de um Rei desconhecido,
Eu cumpro informes instruções de além,
E as bruscas frases que aos meus lábios vêm
Soam-me a um outro e anômalo sentido...

Inconscientemente me divido
Entre mim e a missão que o meu ser tem,
E a glória do meu Rei dá-me desdém
Por este humano povo entre quem lido...

Não sei se existe o Rei que me mandou.
Minha missão será eu a esquecer,
Meu orgulho o deserto em que em mim estou...

Mas há ! Eu sinto-me altas tradições
De antes de tempo e espaço e vida e ser...
Já viram Deus as minhas sensações...

08 abril 2010

Símbolo

sinto desejos de me ir
mas não me sigo:
tudo pesa sobre mim

tenho desejos de me rir
mas não consigo:
tudo é grave ao meu clarim

meu coração que nada em vales
é o tudo do todo que trago
um trago de vinho vago e amargo

meu coração que nada vale...

meu coração cravei nesta espada
esta espada cravei na montanha
a montanha cravei pelo nada
como símbolo oniricamente acabado
de tudo aquilo que acaba...

vêm-me desejos de dormir
mas só comigo:
tudo nada no (en)Fim

(Receba gratuitamente o zine literário Poemas do Término e Contos do Fim em sua versão digital. Basta deixar aqui o seu email, ou enviá-lo para reiffer@gmail.com. Obrigado.)

07 abril 2010

Versos Poluídos

a água do teu lábio
agora já é saliva
a saliva de uma lepra
a saliva do teu lábio
agora já é uma lágrima
e essa lágrima tu sorves
a lágrima do teu lábio
agora já é um sangue
o sangue que te nutre
o sangue do teu lábio
agora já é veneno
o veneno que te vive
o veneno do teu lábio
é a água que tu bebes
e estes versos que vomito
são à água do planeta...

06 abril 2010

A 4ª Sinfonia, de Brahms


Johannes Brahms compôs apenas 4 sinfonias. Mas todas elas absolutamente magistrais e estão no ápice da música sinfônica romântica. Brahms foi um exímio sinfonista. Dos maiores. Não é à toa que sua 1ª sinfonia foi considerada como sendo a 10ª de Beethoven. E todos sabem que Beethoven foi o maior de todos os sinfonistas.

Porém, entre as 4 sinfonias de Brahms, a última, a 4ª, Opus 98, é a minha preferida. Na minha opinião, é a mais madura, a mais bem acabada e a que melhor expressa a profunda alma de Brahms. É para mim uma das sinfonias mais trágicas e melancólicas já criadas. Os acordes iniciais de seu primeiro movimento já carregam o ar de uma densidade emocional escura e apaixonada. É uma música pesada, tensa, sem, no entanto, perder por um instante sequer o seu obstinado lirismo, a sua poesia introspectiva.

Este movimento desenvolve-se com absoluta perfeição, para desaguar em uma verdadeira catástrofe sonora, em um clímax furioso, marcial, devastador, que nos deixa a impressão de que o teto vai desabar sobre nossas cabeças.

O segundo movimento, dominado por um sentimento de outono, de inverno, é, ao mesmo tempo, lírico e solene, melodioso e taciturno, terno e misterioso. Passando pela vivacidade ensolarada e enérgica do 3º movimento, atingimos o 4º, onde a dilaceração emocional atinge o extremo, em notas carregadas de força e de tragédia. O breve instante de sol do movimento anterior dá lugar às sentenciosas sombras do final da sinfonia, onde se percebe uma forte influência de Bach. O 4º movimento afirma de forma indubitável o caráter sombrio e pessimista da obra, mas também ergue-se imenso, imponente, majestoso, como uma montanha castigada entre a tempestade. É uma definitiva obra de crepúsculo, o sol se põe ao final da sinfonia em um horizonte avermelhado...

Certa vez, escrevi um pequeno poema após ouvir a 4ª sinfonia. Eu o incluí em meu livro lançado recentemente, Poemas do Fim e do Princípio. Certamente, o poema não está à altura da obra de Brahms, mas creio que diz algo sobre ela. Aqui está ele:

Sinfonia nº 4

pelo outono do inverno de amar
atemporal tempestade
na sede que sedia meu sonho
a tormenta atormenta de sede

vós temporais sede
a sede de minh’alma acabada
a última de Brahms
que brames na última
tempes-tarde demais
não me a(l)mas
como não cometas
do céu caídos
em fim-nados
que vir já há-de
em mar-revolta
revolto
resignado
morrer de sede
na Tempestade

04 abril 2010

Adeus aos Gorilas (e Outras Notícias Tristes)


Talvez isso pouco importe aos leitores. Talvez não importe quase nada. Tudo bem, talvez não importe coisa nenhuma. Mas vou dar a notícia mesmo assim. Eu, como sou alguém trágico em demasia, dou atenção a tais futilidades.

Bem, os gorilas, aqueles macacos gigantes e que criaram fama nos filmes do Tarzan, estão a um passo do fim definitivo na natureza. É, estão quase extintos. Dentro de menos de 10 anos, dizem os biológos, essa gente chata, não haverá mais nenhum na natureza, só poderão ser vistos em zoológicos.

Os gorilas vivem (por enquanto) nas selvas equatorias da África Central. O que acontece lá? Só horrores e barbaridades. Primeiramente, as guerras civis e limpezas étnicas obrigaram multidões a se refugiarem nas selvas para não serem mortos. E lá, essa gente não tem ajuda nenhuma. Não sei por que os países ricos que tanto gostavam de explorar a África, como a França, a Inglaterra, a Bélgica, a Alemanha, Portugal, não ajudam esse pessoal agora. Que ingratidão... E os EUA, por que não se metem lá também? Eu não entendo.

Pois a gente que foge para a selva, não tem ajuda nenhuma, mas tem fome. Caçam os gorilas. E mesmo que não caçassem, o desmatamento para vender madeira para os ricos está acabando com as reservas dos simpáticos macacos. E mesmo que não houvesse madeireiras, há as companhias de mineração, que querem, é claro, o ouro nosso de cada dia. E já poluíram sabem quantos rios lá na África Central? 250. Isso, poluíram com mercúrio e outros venenos 250 rios. 250 rios... Eu, que sou melodramático, tenho vontade de chorar. Assim, não há gorila que aguente. Nem gorila, nem qualquer outro bicho.

Os governos de lá até que pagam uns pobres guardas esfomeados e heróicos (heróicos mesmo, viu, Pedro Bial, seu imbecil...) pra vigiar as reservas, mas os mineradores e madeireiros já mataram nos últimos anos mais de 150 guardas. Alguém teria coragem de ir pra lá vigiar os gorilas? Eu, que sou muito cínico, confesso: eu não.

De modo, que não há esperanças pra esses bichos, amigos leitores. Os gorilas, assim do jeito que está, logo deixarão de existir. Grande coisa, né? Olhem que talvez seja... Esperem pra ver....

Bem, eu ainda teria mais notícias tristes, por exemplo: sobre os corais da Austrália, sobre os ursos do Ártico, sobre os orangotangos da Indonésia, sobre os diabos da Tasmânia, sobre os guepardos do Quênia, sobre os elefantes da Índia, sobre os lobos do Canadá, sobre os tigres da Rússia, sobre os guarás do Brasil... mas... deixa pra lá, eu sou triste demais mesmo...

E assim caminha a humanidade...

03 abril 2010

Agora é Tarde...

morreste
e já não sabes
que não és o que foste
e talvez nem foste
aquilo que em ti te morreste
deixaste acabar-te os olhares
e quando olhaste ao acima
já te estavas abaixo
do palmo a palmo do sonho enterrado

morreste
e por morreres pensas que vives
temendo tudo que é alto
te contentaste em varrer o teu pó
deixaste escorrer os teus astros
desbotaste todas tuas noites
naufragaste pelos teus castelos
e defecaste sobre teus lagos

e tudo isso enquanto sorrias
por entre as certezas suínas
que enlamearam o céu da tua boca
enquanto degustava o açúcar...

fitaste a arte
com os olhos fechados...

morreste
e agora já é tarde:
teu sol já não bate
e teu peito não arde.

02 abril 2010

Um Cavalo que me Espia

Certa noite, dormia tranquilo em minha cama, quando acordei de súbito. Acordou-me a respiração ofegante de um cavalo me espiando pela porta do quarto. Ainda lembro de seus olhos profundos e esbugalhados, negros, mas de um negro esverdeado que causava anômalos calafrios. Calafrios estes que não me eram desagradáveis, mas apenas estranhos. O cavalo fitava-me intensamente, como se quisesse dizer algo, mas não emitia nem um som além do de sua respiração. Em seguida, abriu-se com uma forte lufada de vento a janela de meu quarto. A fria aragem noturna penetrou em forma de uma névoa esbranquiçada...

Não entendia por que aquele cavalo permanecia ali imóvel, olhando-me de forma tão insistente, apenas movimentando a cauda e as patas, vez que outra. Tinha certeza absoluta que estava acordado, toda hipótese de que tudo fosse um sonho foi totalmente descartada. O que sei é que de maneira canhestra aqueles olhares espectrais em meio à névoa levavam-me a pensar e a sentir coisas completamente absurdas, sem o mínimo sentido.

Pensei, em um momento, em uma música que eu havia composto, música sublime, da mais alta inspiração, que nos transmitia sensações inefáveis... Mas ninguém gostou dela. Aliás, ninguém queria escutá-la, diziam que era perda de tempo, que a música era longa demais, de difícil audição... Ninguém a escutou, ninguém a sentiu. É que a música falava de coisas tristes, falava da morte, e ninguém quer saber da morte. Porém, há um detalhe crucial nesta música que fiz: eu nunca a fiz. O cavalo que me fazia pensar que havia feito. E era como se fosse verdade. Talvez fosse verdade.

Agora o cavalo movimentou seus olhos. São maiores do que pensei. Alguma alma se movimentou por trás daqueles olhares fantasmagóricos. Ele os dirigiu para algum canto de meu quarto. Havia algo ali que eu não podia distinguir. Pela janela escancarada pude contemplar a angústia da lua cheia. Estava maior do que o normal. A névoa pálida permanecia entrando, cada vez mais densa. Foi só nesse instante que pude divisar algo sobre o cavalo, um vulto, um ser movimentava-se em seu dorso. Mas era como se ele não estivesse ali, e creio, todavia, que estava desde o início, muito embora eu houvesse visto vazio o dorso marrom do cavalo. Repito, o dorso estava vazio, eu tinha tanta certeza...

Mas agora eu ali vislumbro uma mulher vestida de verde, extremamente bela, cabelos longos e verdes, olhos verdes, pele levemente esverdeada, lábios verdes, sustentando em suas mãos uma taça contendo um líquido verde. Ela e o cavalo me olham fixamente. Ela vai dizer algo... Vou fechar a janela...

(Pode não parecer, mas este conto encerra-se aqui.)

Poema Publicado em Zero Hora


Meu poema "Lembrança" foi publicado na edição de ontem do jornal Zero Hora, no Almanaque Gaúcho. Agradeço ao almanaque pela publicação. No entanto, infelizmente, faltou o último verso, o qual é importantíssimo para a total compreensão do poema. Aqui está o link de meu blog com o poema completo: http://artedofim.blogspot.com/2010/03/lembranca.html

A última estrofe do poema, com o último verso, seria esta:

"se cada vez mais
me aprofundo na sombra
é pra fincar tua bandeira
nos abismos em que hás de brilhar
inclusive
dentro de mim"

01 abril 2010

Fernando Pessoa e Seus Passos da Cruz XII


Continuo postando os sonetos de Passos da Cruz de Fernando Pessoa, conforme explicado na seguinte postagem: http://artedofim.blogspot.com/2009/12/fernando-pessoa-o-predestinado-passos.html . Na próxima semana, o 13º passo. Na imagem, o quadro "Jovem Camponesa com Um Bastão", de Camille Pissarro.

Passos da Cruz - Soneto XII

Ela ia, tranquila pastorinha,
Pela estrada da minha imperfeição.
Segui-a, como um gesto de perdão,
O seu rebanho, a saudade minha...

"Em longes terras hás de ser rainha
Um dia lhe disseram, mas em vão...
Seu vulto perde-se na escuridão...
Só sua sombra ante meus pés caminha...

Deus te dê lírios em vez desta hora,
E em terras longe do que eu hoje sinto
Serás, rainha não, mas só pastora _

Só sempre a mesma pastorinha a ir,
E eu serei teu regresso, esse indistinto
Abismo entre o meu sonho e o meu porvir...


(Receba gratuitamente o zine Poemas do Término e Contos do Fim em sua versão digital. Para receber a edição 38, basta deixar aqui seu e-mail)