13 setembro 2008

...

a
Evolução
não é não pode
ser eternamente eterna
nenhum dia se ilumina para sempre
não há noite que se afunde sem cessar
e o universo todo se expande ao seu auge
a seu extremo máximo de onde deve regressar
mas aos sábios otimistas é muito difícil
entender a mecânica grave e simples:
o humano é caduco e decadente
e já caem os dentes
da humanidade:
Involução
à
...

11 setembro 2008

Venus Anadyomene - Ingres


06 setembro 2008

Poema Farto

estou farto de poeminhas sintéticos
de besteirinhas minimalistas
de piruetazinhas intelectuais
que falando pouco
não dizem nada
que o dizer da poesia
é o sentir
e eu já não sinto nada
em tantos cortes de palavras
que podaram a alma
e caparam o coração

se o Romantismo
libertou-me por dentro
e o Modernismo
me liberou por fora
irei me condenar agora
a uma prisão pós-moderna
esfriar meu sangue
no gelo estéril da mente
arrancar minhas asas
com a faca de cortar poemas?

se o leitor tem preguiça de ler
não é leitor
se não é leitor
não ama a poesia
se não ama a poesia
é melhor que nem leia
não farei piadinhas curtinhas
pra preguiçoso ler

não faço poemas
para serem entendidos
faço para serem sentidos
quem busca entender
não consegue sentir
não escrevo para inteligentes
escrevo para sensíveis
que por serem sensíveis
são mais inteligentes
que os que são só inteligentes:
a humanidade não precisa de inteligência
precisa é de alma

a poesia
dos últimos tempos
dispensará as brincadeiras do intelecto
para gravitar na gravidade
dos últimos tempos
da poesia

01 setembro 2008

Pena de Morte

sem pena
a humanidade arrancou
as penas do planeta
devo agora
ter pena da humanidade...
ensangueviva
decandentriste
violetrágica
enquanto a Terra pena e morre...
romantinsana
erossombria
vampiritísica
o ser humano não vale a pena...
pesadeloso
enfebressento
agouritrófico
pois que se cumpra a pena...
lunanervosa
corvipressaga
fantasmagótica
sem pena.

28 agosto 2008

Poemas do Término e Contos do Fim 31

Já está sendo distribuída nos costumeiros pontos (em Santiago: Locadoras Fox e Classic, Biblioteca Pública, Sebo, Ponto Cópias, Biblioteca da Uri) a edição nº31 de meu zine. Este vem com o conto apocalíptico "Pela Última Vez", além de 6 poemas insensatos. O zine também pode ser encontrado em outras cidades, como Santa Maria/RS, Santo Ângelo/RS, Curitiba/PR, São Gonçalo/RJ, Goiana/PE, entre outras. Também pode ser enviado para qualquer cidade do Brasil e exterior gratuitamente, sendo apenas cobrada a taxa de envio.

25 agosto 2008

Receita Infalível Para Ter Sucesso na Vida

Bem, amigos, quero deixar minha contribuição para o progresso da humanidade, já que poemas e contos não servem para absolutamente nada, escrevo aqui algo bem mais útil. Vamos então a uma receita para se ter sucesso na vida, nada de muito novo, apenas um resumo prático para uso das pessoas em geral.

Dividirei minha receita em três pontos, que considero as condições fundamentais para se ter sucesso na vida, principalmente se a vida for vivida na Brasil, que é o país onde para tudo dá-se um jeito, mas também terá utilidade para as mais diversas regiões do planeta.

Obviamente, a primeira condição para o sucesso na vida é ter dinheiro, muito, de preferência. Bem, nesse caso, eu não preciso dar dica nenhuma, o dinheiro garante o sucesso por si só. Sim, se você possuir bastante grana, o sucesso está garantido, conseguirá qualquer emprego, o amor das mulheres, será respeitado, admirado e outras coisas mais. Claro, talvez essa “admiração” e “respeito” e “amor” sejam somente de fachada, hipocrisia, você sabe como é, as pessoas são interesseiras, mas devemos entender que essa é outra forma dos seres humanos terem seu merecido sucesso na vida , não devemos culpá-los, aliás, tratarei aqui também do puxa-saquismo, a 3ª condição para o sucesso.

Então, tendo dinheiro, fique absolutamente tranqüilo, seu sucesso está garantido. Por mais imbecil, ignorante, destituído de criatividade e imaginação, incompetente, inconfiável, estúpido que você seja, a sociedade olhará para a sua profundidade, quer dizer, para a profundidade do seu bolso, e abrirá suas portas com um sorriso no rosto.

Então, vamos para a 2ª condição. Bem, se você não tem dinheiro, deve possuir algum outro tipo de influência na sociedade. Geralmente a influência está indissociavelmente ligada ao dinheiro, mas há casos que não. Porém, digamos que você não possua nem dinheiro nem influência. Nesse caso, você deve ter um parente ou um amigo que tenha. Essa é a 2ª condição. Esse parente ou amigo vai lhe abrir as portas do sucesso. Apegue-se a ele, fale de seus problemas e ambições, diga que, como parente ou amigo, essa pessoa tem a obrigação moral de ajudar você. Assim é que se entra em empresas (mande um currículo para disfarçar, para dizer que você passou por uma “seleção” de mais de 1000 candidatos), que se entra em instituições públicas (esqueça os concursos, muitas vezes concursos são para enganar os trouxas). É assim que se obtêm as indicações mais diversas, tendo Q.I. Se você não possui o Q.I. antigo, já ultrapassado, o Quociente de Inteligência (que ninguém dá atenção), consiga o seu Q.I. contemporâneo, o Quem Indica, muito mais eficiente.

Então, aproveite o seu parente ou amigo rico e/ou influente, não desperdice essa chance de ser uma pessoa bem sucedida, por mais incapaz e idiota que você seja, o destino está do seu lado. Muitas vezes, quem possui Q.I, ou padrinho, como queiram, até acho esse termo mais doce e carinhoso, não precisa nem trabalhar, é só ir bater o ponto. E pronto!

Mas digamos que por fatalidade você não possua um parente ou amigo influente... Bem, aí as coisas se tornam um pouco mais difíceis para se obter o sucesso, mas não desista mesmo assim, seja otimista, pense positivo, as portas do mundo sempre se abrem para os otimistas. Mas é claro, você dever ir à luta, não espere que as coisas caiam do céu. Então, mãos à obra. O que você está esperando para ir puxar o saco de alguma pessoa rica e/ou influente? Ou está achando que só sendo inteligente, culto, competente, honesto, essas baboseiras todas, você vai conseguir o seu tão almejado sucesso na vida?

Puxar o saco é uma arte, das mais sublimes, eu diria. É preciso saber de quem puxar o saco, como fazê-lo, e em que momento. Tudo deve ser matematicamente planejado, calculado com mente fria, puxar o saco também exige talento e raciocínio lógico. O fingimento, a subserviência e a submissão, a falta de dignidade própria também são necessários. Quando for puxar o saco de alguém, nunca contrarie essa pessoa, ela deve ter sempre razão, mesmo que isso vá contra seus princípios. Aliás, esqueça esse negócio de princípios, ideais, isso é coisa de poetas retrógrados. Faça tudo o que a pessoa lhe mandar, bajule-a dia e noite, quem quer puxar o saco nunca pode dizer “não” ao bajulado. Claro, você pode falar mal dele, desde que seja pelas costas e com a certeza de que ninguém revelará o que você disse. Sabe como é, as pessoas são invejosas, queriam puxar o saco como você, mas não têm talento suficiente.

Ah, e não esqueça: estampe sempre um sorriso no rosto. Boa sorte!

21 agosto 2008

Olhos Femininos

amo esses olhos
tão fundos
tão belos
étereos
tão graves
esses olhos
dessa cor...

amo teus olhos
serenos
imensos
intensos
tristonhos
esses olhos
dessa cor...
dessa coruja.

12 agosto 2008

Réquiem - Poemas ao Fim

Meu 2º livro, agora só de poemas, está concluído e deverá ser lançado dentro dos próximos meses. Os poemas que compõem o livro possuem uma temática em comum, ainda que dentro de um extenso âmbito de significação. Tais poemas abordam os tempos sombrios e catastróficos em que vivemos, uma visão crítica e pessimista de nosso futuro e da ação do homem em nosso planeta. Por outro lado, explora o mundo do sonho e do fantástico, como uma forma de compensação e única saída para uma época de ausência de valores humanos, de ideais, esperanças e de sentido para a vida. O eu-lírico expressa a crise existencial que permeia a humanidade neste início trágico de milênio, porém, ao mesmo tempo, procura situar-se além, distanciado-se dessa mesma crise como um observador indiferente. Os poemas que compõem este livro consistem em uma análise artística, um testemunho e uma fuga do clima de fim iminente que paira sobre a humanidade.

05 agosto 2008

Então é Só Isso?

mas então a humanidade é só isso?
essas cidades- tédio
cheias de bocas abertas?
de ruas duras onde se pisa o chão?
onde se estalam dentes
onde se atulham bolsos
onde se encruzam pernas
pra chegar a lugar nenhum?

mas então ser humano é ser só isso?
é ter o saber que explica tudo
menos o tudo que preciso saber?
é ter o conhecimento que explica a verdade
menos a verdade da qual preciso o conhecimento?

isso que vós sentis
é o máximo que podeis sentir?
é o máximo que podeis fazer
o máximo onde podeis chegar
o máximo que sabeis viver?
isso é tudo?
que decepção...

não foi só isso que vi
quando fitei o horizonte ao longe
quando sonhei pela noite em treva
quando ouvi aquele som de cosmos...

então dirão que esse mundo em morte
é o melhor dos mundos possíveis?
pois eu direi que é miseravelmente pouco
e eu teria razão
se eu não fosse desgraçadamente louco

28 julho 2008

à Inspiração de Poe

em Ti
tudo é alto e fundo
tudo é Céu e tudo é Abismo
vôo de anjo em asa de corvo
e tanto é fundo e tanto é alto
que é sempre oculto
o teu Oculto
de onde foi que arrancaste
a força dos teus escuros
a vida dos teus fantasmas
as garras das tuas visões
as febres da tua loucura
as luzes do teu grotesco
as sombras do teu sublime
os dantes dos teus infernos
as deusas das tuas alturas
os sonhos dos teus horrores?

pois tudo isso Tu arrancaste
dos Olhos dos teus Amores...

10 julho 2008

Tarja Livros

Meu livro Contos do Crepúsculo e do Absurdo está sendo comercializado pela Tarja Livros. A seguir, o link referente ao mesmo: http://www.tarjalivros.com.br/detalheprod.asp?produto=24

Produzir Cada Vez Mais

Às vezes penso em certas bobagens, coisas realmente sem a mínima utilidade e que com toda certeza ninguém mais pensa, afinal, eu sou muito desocupado, e as outras pessoas devem trabalhar para ajudar a humanidade a produzir cada vez mais. E eu penso exatamente nisto: a humanidade deve produzir cada vez mais... Tais coisas me impressionam, eu sou muito impressionável, e devo ter uma mentalidade vergonhosamente atrasada, pois não consigo entender a profundidade dos objetivos humanos.

Por um lado, todos os países, todas as indústrias, todas as empresas, enfim, todos! desejam e buscam produzir cada vez mais; por outro lado, todos afirmam que o planeta está se esgotando e que deve ser preservado a qualquer custo, que não se deve mais desmatar florestas ou poluir os ambientes... Ou muito me engano, o que é bem provável, ou encontra-se nesses fatos uma escancarada contradição: produzir mais e mais e ao mesmo tempo preservar o planeta...

Todos os dias, acompanho pela mídia: “setor automobilístico comemora recorde na produção”; “safra brasileira é a maior da história”; “cresce demanda por combustíveis”; “ONU preocupada com a escassez de alimentos, deve-se plantar mais”... E por aí vai, é tudo e todos aumentando a produção! Busca-se mais petróleo, planta-se mais cana-de-açúcar, precisa-se de mais matéria-prima para as fábricas, de mais água para as lavouras, para as cidades, para as indústrias, de mais ouro, de mais ferro, de mais urânio, de mais papel, de mais madeira, de mais energia... E a população sempre aumentando, e precisando de mais terras, de mais áreas urbanas, de mais prédios, de mais casas, e áreas urbanas é sinônimo de poluição e degradação ambiental, e assim caminha a humanidade... E para cada criança que nasce precisa-se de mais alimentos, e então de mais lavouras, e mais terras, e mais águas. E com mais lavouras são menos florestas, e rios mais secos, e solo mais estéril e contaminado, e eu, enlouquecendo em meio a tantos absurdos, fico me perguntando atônito: onde vamos parar?

De onde vamos tirar tantas matérias-primas para dar o suporte necessário a tanto crescimento, a tanto “evolução”, a tanto “progresso”? Até onde alcança minha inteligência limitada, penso que todos os recursos naturais são retirados de nosso planeta, e nosso planeta não é infinito. E quando os recursos naturais acabarem, o que faremos? Vamos sobreviver em uma terra absolutamente devastada e vazia de tudo? Ou vamos ir para a Lua, ou para Marte? Por favor, sábios de nossa civilização, respondam-me, que eu sou muito ignorante.

A palavra “Progresso” parece sagrada para os homens, é o deus dos últimos séculos. Usando uma expressão de meus avós, “Deus o livre” falar mal do Progresso! É uma blasfêmia imperdoável. Tem-se que progredir, não importa a que custo, ou melhor, importa sim. Se o custo é alto e o lucro baixo... nesse caso o Progresso não vale a pena. Não importa nem mesmo o tipo de Progresso, ou quem sai ganhando com isso, ou até mesmo se o Progresso é verdadeiramente um progresso. O que importa é que a humanidade deve crescer, expandir-se, alastrar-se ao limite máximo possível, ou até não-possível, que a ciência deve criar mais e mais tecnologias para resolver os sérios problemas dos homens. Exemplo de um sério problema: enviar a minha imagem pelo celular para a pessoa com quem estou falando. Isso é um gravíssimo problema que a ciência deve dedicar-se ao extremo para solucionar. Inclusive, já solucionou!

Definitivamente, eu sou alguém de raciocínio muito lento. Ainda não entendi que existe o desenvolvimento sustentado, que é aquele desenvolvimento em que, por exemplo, o agricultor destrói toda a mata e deixa uma ridícula faixinha de árvores na beira dos rios. Ali, certamente, dá para viver toda a abundante fauna de qualquer região, e, por mais que chova, nunca o rio irá assorear. Ou então, desenvolvimento sustentado é quando uma fábrica polui toda uma região e depois doa 0,01% de seus lucros para ajudar a preservar a Mata Atlântica. Consciência ecológica!

Eu sou um retrógrado. Não quero que a humanidade se desenvolva. Pra que mais cidades, mais carros, mais fábricas, mais pessoas? Eu quero que se desenvolva o ser humano, aquilo que está dentro dele. Mas isso deve ser uma bobagem, afinal, ninguém dá bola! Melhorar a alma, seja ela o que for, mortal ou imortal, divina ou não-divina, não é Progresso. Progresso é encher os bolsos. Há outro objetivo em produzir-se cada vez mais?

27 junho 2008

As Almas do Fantástico na História do RS

O conto abaixo é o 2º de uma série de 7 contos que estou compondo sobre acontecimentos fantásticos na história do RS. O 1º conto, O Horror no Campo, fui publicado na edição 30 do zine Poemas do Término e Contos do Fim, que está em circulação. Os contos são fundamentados em fatos reais de nossa história, no entanto, apresentam um desenvolvimento fictício. As histórias, apesar de relacionadas, são independentes entre si.

Os Urubus Demoníacos - História 2ª

No princípio da terceira década do século XIX, o tropeiro espanhol Esteban Velasquez cruzava os ermos pampas do extremo sul do Brasil à procura de um local agradável para seu repouso, após dias de extenuantes peregrinações solitárias, ou quase solitárias, se considerarmos a fiel companhia de seu cavalo.

Esteban encontrou então numa região absolutamente deserta de seres humanos, semi-oculto por duas imensas coxilhas, um pequeno e aprazível lago cercado por um frondoso capão de mata, um local realmente convidativo ao descanso. O tropeiro acercou-se do lago, desceu do cavalo e sentou-se distraidamente sobre a relva verdejante e macia à beira das águas límpidas e tranqüilas. Ali, ele podia observar, do outro lado do lago, as árvores imensas da pequena mata, onde dezenas de pássaros emitiam um alegre canto naquele princípio morno da tarde ensolarada.

As margens do lago não eram, como em outros casos, cercadas por arbustos e plantas que dificultavam a aproximação até as águas, pelo contrário, tão-somente havia um vasto gramado que se estendia até elas. Tanto que de uma das duas grandes bolsas que Esteban carregava sobre o cavalo, ele retirou um copo e o encheu com a água cristalina do lago e saciou sua sede. Após, dirigiu-se à outra margem, chegando à beira da mata, e ali, sob a sombra aconchegante das árvores, decidiu fazer seu almoço de charque com pão.

Tranquilamente o tropeiro comia e aproximou-se das águas para colher mais um copo d’água. E foi nesse instante que sua tranqüilidade alçou vôo para nunca mais voltar... Ao retirar o copo do lago, o que Esteban viu não foi aquela mesma água pura e transparente, mas um líquido avermelhado de coloração verdadeiramente sanguinolenta. Alarmado, o espanhol jogou fora a água vermelha e observou atentamente o interior do lago no intuito de encontrar algum cadáver, fosse de homem ou animal, de onde pudesse se originar o sangue que contaminava o lago. Porém, o que Esteban divisou foi algo que ultrapassava as barreiras do absurdo. As águas antes límpidas e translúcidas eram agora invadidas por um fluxo inesgotável de um líquido que possuía a cor e o cheiro de sangue.

O tropeiro percebeu que o sangue, se é que realmente o era, provinha do centro do lago e rapidamente contaminava toda a sua extensão, não restando sequer uma gota de água pura. Para ser mais exato, o misterioso sangue, cuja fonte era impensavelmente desconhecida e insondável, não apenas contaminou as águas, parecia mais ter tomado conta totalmente delas, era como se tivessem se transformado em líquido sanguíneo. Esteban, atônito e assustado, não conseguia formular nenhuma explicação para o que ocorria e, quando ainda observava o fluxo viscoso de sangue do interior do lago e sentia o seu cheiro nauseante, percebeu que o dia, antes ensolarado, rápida e ameaçadoramente principiou a escurecer-se. Com um vento quente e enfermiço, invadiram os céus da região pesadas nuvens de um lúgubre tom avermelhado. Em questão de minutos, todo o céu foi encoberto por densos e estranhos nimbos carregados por uma sinistra coloração escarlate e sangrenta.

Trovões cavernosos e relâmpagos obscuramente rubros expandiram-se pelos céus de sangue, e tudo indicava que em breve desabaria uma chuva torrencial. Nesse instante, o numeroso bando de pássaros abrigados na mata, que se calara no momento em que as águas do lago principiaram a tornar-se vermelhas, iniciaram a emitir não mais o canto alegre e harmonioso quando da chegada do tropeiro, mas um lamento lúgubre, arrepiante, um cântico de morte que assombrava e deprimia, algo completamente diverso e inadequado para o canto de uma ave.

Porém, esse canto fúnebre prolongava-se e aumentava de intensidade de forma progressiva, enquanto um desespero nervoso massacrava o espanhol, que já não podia acreditar que tais absurdos não passassem de perturbadas alucinações, tamanha era a impressão de realidade deixada por aqueles horrores.

Enquanto os hediondos lamentos das aves prosseguiam, e o lago já transbordava de sangue, as primeiras gotas de chuva caíram grossas e pesadas sobre o campo, sobre a mata e sobre Esteban. Contudo, não eram gotas de água, eram gotas de sangue. Sangue que escorreu pela face do tropeiro, e ele percebeu que era um sangue morno e pôde sentir seu gosto de ferro adocicado, enquanto a chuva sangrenta se derramava em sua boca. E aquele sangue, ao cair sobre o campo, queimava a grama e, ao cair sobre a mata, murchava as folhas das árvores. Ainda assim, os pássaros mantinham seu canto de desespero e profundo mau-agouro.

Porém, outras aves foram atraídas pelo cheiro nauseabundo do sangue... Um gigantesco bando de urubus assomou como uma mancha negra nos horizontes enfebricidos e numa velocidade diabólica atingiu a mata grunhindo e chilreando em um alarido insano e demoníaco. As aves pousaram próximo a Esteban, encharcadas de sangue e adejando triunfantes suas asas enormes na chuva infernal.

Aquele inexplicável espetáculo dantesco parecia não ter fim: a chuva continuava implacável caindo das sobrecarregadas nuvens vermelhas e emurchecendo a vegetação; o lago prosseguia transbordando seu sangue espesso, enquanto nos céus os odiosos trovões e relâmpagos atordoavam sem misericórdia a alma estarrecida de Esteban. Porém, o que mais aniquilava o espírito do tropeiro era a tortura ominosa do canto maligno dos pássaros, que agora parecia ser guiado pela não menos aniquilante gritaria satânica e debochada dos urubus. Foi só então que Esteban percebeu que seu cavalo não estava mais por ali, certamente fugira de tantos horrores.

O espanhol fitava os horizontes assustadoramente rubros e não distinguia nenhum sinal da tempestade de sangue acalmar-se. Não sabia o que fazer ou para onde ir. Decidiu entrar no capão de mata para abrigar-se ao menos parcialmente. Desvairado, rapidamente penetrou na mata, sempre atormentado pela histeria absurda dos urubus. Avançou aos tropeções, até que estacou perplexo ao encontrar enrodilhada à sua frente uma imensa serpente de um vermelho angustiantemente vivo e sanguinolento.

Sem que Esteban pudesse evitar, a serpente cravou as presas na sua perna, perfurando suas calças e inoculando um veneno provavelmente fatal. O tropeiro caiu e sentiu-se desfalecer, sabendo que a morte já o fitava, enquanto o ferimento da picada vertia sangue em infrene profusão. Minutos depois, Esteban jazia inconsciente no meio da mata, que mais parecia um banhado de sangue.

No entanto, passados alguns minutos, o tropeiro acordou. Não, não estava morto. Ele observou o local onde se encontrava, e não havia nenhum vestígio de sangue. Olhou para o ferimento de sua perna, mas não havia ferimento, não havia picada. Também não havia nenhuma serpente. O dia estava ensolarado como no princípio, nenhum sinal de chuva de sangue, nenhuma nuvem maculava o céu azul. Esteban, já à beira da insânia, saiu da mata e dirigiu-se ao lago. Encontrou suas águas puras e cristalinas como quando as viu pela primeira vez. Os pássaros ali permaneciam, porém entoavam seus cantos felizes e harmoniosos em honra a luz do sol. E Esteban não avistou nenhum urubu demoníaco por ali. Mas avistou seu cavalo no mesmo lugar em que o deixara.

Absolutamente confuso e caótico, porém acreditando agora que tudo não passou de uma funesta alucinação, ainda perturbado, Esteban montou em seu cavalo e partiu daquela região bela, mas de uma beleza maldita...

Não se sabe o que realmente ocorreu naquele local do pampa gaúcho, e o tropeiro Esteban Velasquez, buscando o esquecimento, como se isso fosse possível para sua alma profundamente traumatizada, jamais procurou saber. No entanto, o que se sabe é que cinco anos após o terrível acontecimento, teve início no RS a Revolução Farroupilha, responsável por um dos maiores derramamentos de sangue da história brasileira.

E o que também não se sabe é que no ano de 1890, o peão de fazenda Luiz Juvenal Soares relatou a amigos e familiares um canhestro caso assombrosamente semelhante ao ocorrido com o espanhol Esteban. Segundo as palavras do próprio Luiz Soares, o que ele viu consistia em “sangue, eu só via sangue pra tudo quanto é lado, e um bando de corvo pingando sangue que gritavam como uns diabo, parecia até que davam umas risada.” Naturalmente, ninguém deu atenção aos desvarios absurdos do rústico e simplório peão, até porque ele já estava apresentando alguns sinais de perturbação mental e dizia que sonhava com urubus enormes com espantosa freqüência. E ninguém relacionou as visões de Luiz Soares com o fato de, três anos mais tarde, em 1893, os vastos campos rio-grandenses terem sido palco de mais um brutal festim sangrento com a Revolução Federalista.

Conta-se ainda que poucos anos antes da Revolução de 1930, um colono italiano teria tido “visões inenarráveis de derramamentos sangrentos em uma região selvagem do interior gaúcho, o que o levou, horas depois de relatar o fato a sua esposa, a cometer suicídio”, segundo noticiado no rodapé de um jornal da época. Deixara uma breve carta de despedida, onde se lia o seguinte trecho: “não agüento mais sentir as asas desses corvos batendo na minha cabeça e essas risadas de demônios...”

Porém, o que não se sabe é que em novembro de 2007, alguém, que é melhor não identificar, relatou-me algo com ele ocorrido inquietantemente similar ao antigo caso de Esteban Velasquez. Porém, com uma sinistra variação: em lugar de sangue, o que esse alguém vislumbrou foi um repulsivo líquido negro, e o número de urubus demoníacos era maior, absurdamente maior, e seus deboches malignos e estridentes eram piores, bem, bem piores...

23 junho 2008

Sentença

aquele Olho que me olha
nunca deixa de me olhar
um olho negro como um erro
um olho firme como um crime
um olho forte como a morte
como é fundo aquele olhar...
é tão fundo como o nada
é tão sério como o fado
é tão duro quanto a sina...
a que mistérios
me destina?

nunca sorri aquele olho
nunca pisca aquele olho
nunca muda aquele olho
aquele Olho
que me olha
nunca deixa de me olhar
aquele Olho
que me olha
nunca deixa de me olhar
nunca deixa
meu olhar

12 junho 2008

Tristeza, tão-somente

Tristeza
pura e simplesmente
sim, aquela de Cruz e Sousa
velha tristeza nada original
tristeza há muito tempo triste
longa, roxa e fantasmal

tristeza de tudo
tristeza por nada
de tudo que é sublime
por nada desolada
tristeza em quintessências
que flui aos olhos dos séculos
lá dos milênios e eras
até a tristeza do agora
tristeza do Início
e que jamais vai embora

tristeza do ontem e do hoje
e que vai até o Fim
de tudo que se perde e chora
e que sai dos teus olhos
e se expressa por mim
tristeza dos grandes finais
cada vez mais perto de nós
tristeza que cresce e assombra
com sombrios adeuses na voz

tristeza-sentença
do que é e de tudo que virá
de tudo que foi e que morre
tristeza que ao futuro corre
tristeza que não basta
e nunca bastará

05 junho 2008

Vão Vocês...

crer no possível mundo melhor
e ir pelo mundo em celestes sorrisos
e pregar que o mundo melhor é possível
em possíveis ciências celestiais...
os senhores podem ir, mas eu...
eu não agüento mais.

bater pelas portas com mãos de esperança
com faces de luz em vivas canções
e nas ruas erguer as bandeiras
à esperança-portas em que vós entrais
as senhoras podem ir, mas eu...
eu não agüento mais.

e olhar nos olhos com olhos de amor
em rostos felizes de felizes amores
levar a alegria em lindos olhares
olhares de amor a que vós alegrais...
vós todos podeis ir, mas eu...
eu não agüento mais.

ah os vossos sonhos
os sonhos vossos
já sonhei todos
os vossos sonhos
antes de serem vossos
e os sonhos meus
sonham sempre comigo...
mas usar os sonhos
pra sonhar nas ruas
em humanos ideais?
não não...
vão vocês!
que eu não agüento mais.

01 junho 2008

Segredo

nas asas do Fim de tudo que foge
nas vozes tormenta longa distante
nas nuvens que crescem aos gritos de corvos
em tudo que parte em fúria do vento
em tudo que voa em força desastre
em tudo que canta sentenças ao longe
meus velhos olhos que explodem em ciclones
meus olhos doenças com asas pesares
meus corvos olhos no cosmos malditos
lá onde as mortes arrancam com foices
lá onde os carmas orquestram ocultos
lá onde os deuses tempestam universos
é lá onde estou com meu luto segredo

22 maio 2008

Um Beijo e Uma Frase...

Naquela noite fria e longa, tu chegaste. Uma tempestade se formava lá fora. E para aquecer-me com tua lembrança, eu ouvia as paixões terríveis de Brahms. Há muito que eu te esperava. A tempestade apagara a luz, só uma vela iluminava tua face. Como era belo o segredo da tua visita! Vi e senti a luz dos teus olhos cintilando ao entrares no meu quarto. Não sei que espécie de magia estranha envolvia os teus olhares, tão escuros que brilhavam como lagos, tão intensos que falavam-me mistérios. De onde foi que tu vieste?

Tu vestias o negro puro das noites profundas, e junto contigo invadiu o meu quarto o perfume escarlate das rosas invisíveis que enfeitam teu corpo. Senti-me nos paraísos edênicos aos aspirar o teu aroma nos ares repletos da tua presença. A tempestade relampejava lá fora. E à luz de raios eras ainda mais bela. Lentamente, foste te aproximando de mim em tua doce elegância de fêmea. Tu parecias que flutuavas... E eu te fitava como num sonho...

Sentaste ao meu lado na cama, e eu repousei meu olhar no teu rosto. Aqueceu minha alma o calor que teu corpo irradiava, tão junto do meu. Quando teus dedos tocaram em febre minha mão, senti que o sangue correu mais rápido nas veias, aos pulsos de vida de meu coração inflamado. Sorrimos, e desse sorriso nasceu nosso beijo. A tempestade enlouquecia lá fora. E que loucura era teus lábios tocarem os meus. Como o sonho toca os lábios da noite. Os vapores quentes de tua respiração eram um delírio que me entorpecia. Quanto desejo cantava em nossas línguas! Como bebi sedento os vinhos que destilava a tua boca. Embriaguei-me de teus licores doces e férvidos como um alucinógeno. Consumi-me nos teus lábios, na tua língua, nos teus dentes.

E que música sublime ouvi de ti quando beijei o perfume de teu pescoço: foram os teus suspiros, que me estremeceram. Mergulhei em teus suspiros, eram sons de violinos. Teus violinos murmuravam em meus ouvidos. E eu sussurrei no teu espírito. Teus dedos deslizavam por meu rosto. Deixamos nossos átomos um para o outro.

Em um abraço denso e forte como a morte, deitamo-nos na cama. Lá fora, abraçava o mundo a tempestade. Eu te disse coisas que não digo. E tu falaste coisas que não falo. Mas tua voz me elevava como as aves, percorria a minha pele como um rio de água morna e cristalina. E meus dedos percorriam a tua pele como se fossem brisas quentes de verão.

Enquanto nossos cabelos se misturavam, nossas bocas transmitiam o segredo dos nossos corpos. E a tempestade desabava. Lá fora o mundo se findava e o nosso beijo era infinito. Lá fora o mundo de consumia, e nós nos consumíamos num beijo. Como amei tua alma naquele curto instante eterno! Como amei teu corpo naquele eterno instante curto! Eu absorvia os desejos de amor da tua alma e do teu corpo. E os sentia em tempestade! E a tua alma me aquecia... E o teu corpo me incendiava! Tanto, tanto, mas tanto... que... eu me acordei.

Acordei, e tu não estavas no meu quarto. E a tempestade consumia-me lá fora... Consumia-me aqui dentro. Mas astralmente tu ainda pairavas do meu lado. Sentia tuas auras quando respirava aquele ar...

Um Beijo... e uma Frase. Que frase? Esta, de Fernando Pessoa: “E, por fim, tenho sono, porque, não sei por que, acho que o sentido é dormir.” E eu voltei a dormir...

18 maio 2008

Descanso

lentidões roxas
de exaustas marchas fúnebres
luas cheias exauridas
decadentes
irreais
em sono morno de felinos negros
em frio de sóis sobre campos longos
cantos langues
sombriamente celestiais
fundos lagos
de sonhos parados
coaxam sapos
versos em sinais
todos lentos e cansados
como sangues de lábio em asas
como aves e névoa em taças
e venenos infernais
vinhos verdes
rosas fadas
se derramam das estrelas
choram morrem
olhos-noites de tristezas
em réquiens musicais
de amor negro e devastado
de um mundo já esgotado
em verbo e horas lentas
e finais...