Um Corte Fundo na Artéria Aorta

eles destroem tudo o que há 
de belo na vida:
florestas campos rios e mares 
tudo o que voa e canta 
tudo o que nada pula corre ou anda 
e vibra pelo planeta
envenenam água terra e ar
massacram a inocência 
dos olhares dos animais
cagam para o belo ou expressivo ou profundo
que há nas artes
todos os dias asfixiam nossa capacidade de amar
de viver de sonhar
aniquilam nossa saúde física e mental
nos jogam no vazio de uma vida sem sentido
e mesmo assim todos os dias

querem nos enfiar goela abaixo
com um sorriso babento na cara
a hipocrisia
de "ver o lado belo da vida".
a vida atual é um corte fundo
em nossa artéria aorta.
esta civilização vai acabar
e por um motivo absurdamente simples:
ninguém se importa.

mas por incrível que pareça
minha alma metralhada
não está morta

porque quanto mais sangue 

minha alma verte

mais alta ela se ergue.

Versos Diretos n° 77, 78 e 79

n°77: não é verdade que o Universo 
não liga para nós:
ele se diverte nos debochando.

n°78: inspirações são como oportunidades:
são apenas breve sinais 
que não dependem só de nós 
e se deixamos passar
elas não voltam mais.

n°79: Sobre o Fim do Mundo:
não, o mundo não vai acabar . 
o mundo continua.
o que vai acabar é o SEU mundo.

A Vez da Morte

nosso mundo é uma tarde que se finda
tudo anoitece tudo se desfaz
nada mais quer ser.

nunca ninguém aceitou o fim
é preciso ter vivido muitos fins
para se entender a inevitabilidade do fim.
mas ele não chega só de fora
também chega de dentro
(talvez ainda mais).

ninguém mais quer viver grandes coisas:
nem grandes sonhos
nem grandes ideais
nem grandes artes
nem grandes amores
agora tudo se resume ao pequeno:
ter emprego dinheiro lazer

e tudo isso é ocaso
é a morte do que um dia foi grande
a vez da morte chegou
e meu poema morre aqui.

Ela me Domina

a minha inspiração
me vem e eu a aceito
me ajoelho e beijo sua mão.
ela me domina de forma total e completa
sou apenas um serviçal
um apaixonado ou um pateta
(me chamem do que quiser) 
alguém que só faz o que ela quer.
minha inspiração 
está acima do bem e do mal:
quando dela escuto o sinal
me desnudo e ela vem
como uma bela bruxa nua
que pelas atmosferas fundas e tensas
sobre meu corpo entregue flutua.
eu não escolho a minha inspiração.
se ela for contra a moral 
ou bons costumes
foda-se.
em nada me importa.
ela bate e suspira
e eu ansioso e excitado
abro a minha porta.

Verso Direto n°76

há almas tão belas repletas 
ou tão intensas sendo o fogo
ou tão fundas sendo o mar
ou tão densas tão secretas 
que só as mãos dos poetas
as alcançam tocar 

Quatro Considerações sobre o Sentimento

I - quando fores te perguntar
para onde, diabos! está indo a humanidade

te pergunta antes 
para onde, diabos! foi o Sentimento.

II - se não romantizares a nada
esvaziarás a tudo.

III - as impressões dos dedos 
identificam o corpo.
as impressões dos olhos 
identificam a alma.

 
IV - ser frio
não é não sentir.
é saber não deixar transparecer
as profundidades do que se sente. 

Versos Diretos n°73, 74 e 75

n°73: o amor só acontece

quando se entra 

em contato com o sangue.
porque o amor é um pacto 
feito nas entranhas 

de sangue em fogo do corpo 
até tocar 

as veias cortadas da alma.

n°74: já que a moda
é o "normalize"
normalize o morrer cedo. 
quem foi que disse 
que sabe que provou 
que depois da morte
não é melhor?

temos pena de quem morreu cedo
mas quem morreu cedo 
talvez tenha pena de quem continuou.

n°75: existem basicamente
duas atitudes opostas
 a se tomar diante da vida:
uma é o "Puta merda!"
a outra é o "Foda-se!" 

Nada além de uma Mosca

nosso fim não será glorioso.
da nossa parte
não haverá nem som
nem fúria:
não seremos atacados
não haverá grandes batalhas
contra supostos inimigos alienígenas.
ou mirabolantes planos
para desviar possíveis asteroides
em rota de colisão.
nem seremos as vítimas de robôs 
voltados contra o criador.

nosso fim 

não terá nada de grandioso:
seremos apenas um parasita
arrancado pelo hospedeiro
e queimados como quem queima 
uma mosca com um isqueiro.

Uma Consideração sobre o Vinho

 o vinho quando me bebe 
derrama um olhar vermelho
pelo lado oposto 
daquele outro gosto
tão conhecido 
que teria o teu olhar posto 
no sangue escorrido
pelo meu espelho 

Infelizmente

faça isso faça aquilo 
para ser feliz.
como se todo mundo fosse igual 
e houvesse um manual 
para se ser feliz.
só que feliz feliz 
no fundo ninguém é:
ou só fingem
ou estão certos que são
até o dia inesperado 
em que não. 

Dos Desígnios Divinos

ser artista é a maior
das maldições:
Deus te tira tudo
pra que só te reste criar
criar até ser a imagem dEle:
um Criador
que muito amou 
e a tudo perdeu.

Versos Diretos n°71 e 72

n°71: de nada adianta chorar
diante do Diabo.

n°72: não participo
de concursos literários.
minha poesia só nasce
da pureza e da autenticidade 
do meu sofrimento.
nenhum ser humano

(nem um)

é alto o suficiente 
para julgar 

as funduras da minha dor.

Infelicidades são como Felinos

quando a Infelicidade vier
não lute contra ela
porque você irá perder.
Infelicidades são como felinos:
vêm quando querem
em silêncio e imprevisíveis
nunca erram o bote
são indiferentes a ordens ou apelos
trazem consigo 

a mais necessária  lição
e vão quando querem.
deixe que ela venha
e deixe que ela vá.

Versos Diretos nº69 e 70

nº 69: morrer em inglês: to die
em espanhol: morir
em francês: mourir
em italiano: morire
em alemão: sterben
em holandês: sterven
em russo: umeret
não adianta
nenhuma morte é tão forte
quanto MORRER
em português.

nº70: o poeta escreve poesia 
porque a poesia fala de sua vida
de forma simbólica
e cada um entende

de acordo como está seu dia
se o poeta contasse sua vida 

ao pé da letra
ninguém acreditaria

Versos Diretos nº66, 67 e 68

nº 66: a Morte é dar reset

nº 67: a vida é olhar para o horizonte 

e querer chegar até ele

e quando se chega 

ver que o horizonte onde se chegou 

nada mais é

que outro lugar que tem outro horizonte 

a ser olhado e a ser chegado.

nº 68: podemos enganar a tudo e a todos

menos ao nosso coração.

quem conhece os corações

não pode ser enganado.

Pôr do Sangue

ao sangrarem o sol diante dos meus pêsames
Deus me aquecia entre o dia dos teus olhos

todas as luas se afogavam do meu pranto
mas voavam pelas veias os lábios dos teus sonhos

vinha por meu sangue o vinho das tuas pernas
e furiava por abutres a febre de outros cosmos

tudo escapava pelas frestas dos meus dedos
mas tuas estrelas me acenavam dentre os mortos

mas a maldição dos anjos despencava pelos beijos
e Deus me esquecia entre a noite dos meus olhos.

A Noite também cai nos Céus

o sol era um olhar de mágoas
que se afundava nos parassempres

Deus era um mar de longes
que se ausentava nos justoagoras

o amor era um esperar de aves
que se matavam de vinhossangues

a alma era um morrer de olhos 
que se findava no nadaadianta

o céu era uma noite eterna 
que me encobria de Nuncamais.

Ausência

 o sol massacrante 

nos lembrará a ausência das árvores 
a garganta ressecada
nos lembrará a ausência da água
o mundo sem inocência 
nos lembrará a ausência dos bichos 
a vida sem graça 
nos lembrará a ausência das artes

os olhares vazios
nos lembrarão a ausência do amor

o que se precisa fingir

nos lembrará a ausência do ser

a vida acabada 
nos lembrará a ausência da vida.

Três Grandes Histórias

I - História da Arte

AMor-te

II - História da Humanidade 

era o Paraíso

mas quiseram o paraíso

e virou o Inferno

III - História da Vida Humana

vir

não saber para que veio

nem para onde ir

ir

Distância

sempre busquei que minha poesia
fosse pura como o olhar da Morte.
aquele olhar que a si se basta 
que se pertence a si mesmo 
e não se entrega não se dobra não se vende.
quis minha poesia pura
como as tormentas
que não dependem da humanidade.
que minha poesia falasse por si
sem temer a reação dos outros 
sem querer prêmios honrarias 
nem sorrisos nem aplausos.
quis minha poesia pura
longe dos falsos agrados das mídias
a léguas das homenagens dos governos 
a anos-luz das esmolas das empresas.
quis minha poesia pura
como o sangue dos animais extintos
pura como a noite a solidão
pura como o olhar do Fim
que fosse apenas do meu Ser
e talvez o único de bom

que viesse de mim.