25 fevereiro 2019

De Mal a Pior

sempre é pior do que dizem
sempre há mais do que é dito:
a humanidade tem por princípio e precipício
não saber ou não deixar que se saiba

governo empresas trabalho
e todo diabo mais que o parta
são apenas controle:
controlar é decidir o que se pode saber

o que é o povo além de ignorância agradada?
para que o povo não saiba o que não pode
se passa a mão na sua cabeça
e dá-se um leitinho quente
para que ele durma e sonhe
porque só o sonho é sua vida real

até que um dia surge um gênio:
gênio é saber que há mais
onde não se suspeita de nada
e extrair desse nada
o que há de mais

ser gênio
não é ser grande na humanidade:
é NÃO ser a humanidade

mas estamos tão mal
que ou nem gênios surgem mais
ou nem mais ouvimos gênios

22 fevereiro 2019

O Mistério é uma Música

a música é um mistério
(mas só quando sendo música)
e como tal não se escuta
podê-lo ou sabê-lo

sem princípio ou precipício

está a sete notas acima na escala
ou sete palmos abaixo na terra
ou qualquer além que seja mais 
verbo não-verbalizado
sem (des)entendimentos
equivocados:
é o que se é
para cada ser que o seja

à música

não há necessidade de selo
ela não se carta
não se mensagem:
quem ouve é que deve sê-la
e só a si cabe o vale
quer seja um algo ou um vago

ainda que a música

diga dizeres
não se pode dizer
que foi sendo como dito.
o que vale é o que som
infinital e arquetípico
absoluto
desanalítico

desde o canto do galo

o corte do violino
ao ritmo do galope do cavalo
é um elevado alto
escrito de não-dizer
que é mister misteriá-lo
e vivê-lo

20 fevereiro 2019

Quem que é Importante?

as pessoas se importam
com que elas importem
como se houvesse importância
em ser-se importante
e como se alguém que o é
em verdade o fosse

ser importante
implica em quem dá 
a importância:
quem é importante
é importante para quem?

vermes, por exemplo
dão importância a vermes
não a águias
aliás as águias
os vermes nem as veem
e nem sabem que existem

18 fevereiro 2019

É só de Pão que vive o Homem

se tu não tiver pão
tu nunca irá parar pra pensar
porque o pão é o que importa primeiro.
então eles te tiram o pão
pra que tu só pense em pão
e não se importe com mais nada.
depois eles te dão o pão de volta
pra que tu sinta que pão é só o que importa
e te aquiete no teu canto.

mas quando teu corpo já tenha pão
tua alma precisará de vida
e vida é muito mais difícil:
e eles não querem que tu viva
só que tu sobreviva:
sobreviver é ter um emprego um patrão
para quem tu dá a tua vida
o teu corpo e a tua alma
em troca de pão
e de malemal um teto
mas na verdade tu é a teta
com que eles se mantêm ricos e gordos

eles te dirão que teu emprego é tudo
que nem há arte nem há alma 
nem há alto nem há música
e que te importa a vida que há no mundo???
que só o dinheiro (que tu não tem)
é o teu senhor
que só o dinheiro (que tu nunca terá)
é o teu amor

e então tu vive de pão
em um quadrado com teto
em uma peça de blusa:
quando morrer já estará morto
e nem terá olhado ao alto
e nem terá de teu o chão

17 fevereiro 2019

17 de Fevereiro: Dia Mundial dos Gatos


Republico o poema a seguir, publicado originalmente em 27 de março de 2017.

Gatos são Terríveis

I - cachorros são fáceis
gatos são difíceis

mesmo que não ame um cachorro
toda pessoa sabe
por que um cachorro merece ser amado

mas só sabe por que um gato merece ser amado
quem ama um gato

II – não posso reconhecer como um ser superior
o homem que considera os animais como seres inferiores
por eles não serem homens

III – saia para a noite
e contemple um lugar 
sem um gato
depois
contemple o mesmo lugar 
com um gato:
tudo se tornará mais profundo

14 fevereiro 2019

Hipogrifo

viverá a minha voz ou meu verso 
no zumbido de alguma mosca
no zunido de algum mosquito
a azucrinar ouvidos  
não-existentes 
naquele quase silêncio 
dos malditos 
que é ainda mais que um grito
um além no quando 
que nem poderá ser dito 

ficará o meu nada 
no ruflar das asas 
de alguma barata 
no rangir escroto 
de algum gafanhoto 
no irritante estribilho 
do triunfo do grilo 

e será o meu verso no que me resto 
vitorioso como os artrópodes 
naqueles dias de vazio 
naqueles densos de mistério 
em que o planeta estará repleto 
de insetos 
e sobre o mundo 
de moribundos
no caos circunscrito
cairá o sopro das asas
do retorno
de um hipogrifo

12 fevereiro 2019

Praia Nublada no Inverno

não gosto de praia.
ou do que dizem ser praia:
tem gente nela.
nada contra quem gosta
e aceito a opinião oposta
mas tanto sol e sorrisos 
me desgastam.
prefiro o escondido da sanga
entre o perdido do mato
aqueles capões brabos
bugios roucos
peraus de cobras
e mosquitos da febre amarela

e estou falando sério:
meu gosto é de antigo
me neblino no mistério:
sou daqueles que não.
me sinto bem entre gritos de sapo
e berros de gavião.

não gosto de praia?
não é bem assim:
não gosto da ideia por trás dela.
se ainda fosse aquelas praias de tormentas
daqueles mares das pinturas de Turner:
há menos verdade no que se diz vida
do que naquela tela.

10 fevereiro 2019

Eu é que não presto

só uma pena de pato
no prato:
aquilo que sobrou do fiasco
e o emprego? no prego
e no poder? as pragas
tudo o que há de pútrido
pregando
nas pregas do povo

e pobre do próximo
se o próximo for pobre
pior se o próximo for preto
só lhe sobra o que for podre
se antes não for preso
mas "ame o próximo
como a si mesmo"

mas e a pátria?
que pátria?
a pátria é o patrão
o filho da puta
que tem pressa
de saciar suas (em)presas
com o sangue do planeta

mas isso é ser honesto.
eu é que não presto.

08 fevereiro 2019

Com Lucro e Sem Vida*

enquanto houver lucro 
não haverá vida
nem de quem paga
nem de quem perde
nem de quem lucra

enquanto houver lucro
só haverá o suco
do que é vivo sugado
enquanto houver lucro
não haverá o justo:
só seres e homens
a serem esmagados

enquanto houver lucro
não haverá paz
só haverá pás a cavar covas
só haverá a sede
insaciável
de quem quer mais
só haverá a sede
insaciada
de quem
não pode
e não tem nada

enquanto houver lucro
o homem será invólucro
de um monstro
o homem será a máscara
de um mundo sem nada
movido à máquina
ao trágico
e à morte

e é assim:
enquanto houver lucro
haverá o fim

(Poema reelaborado, escrito e publicado originalmente em 2015)

06 fevereiro 2019

Contabilizem as Lágrimas no Paraopeba

o Rio Paraopeba está morto. 
Como diria Cruz e Sousa: "Morto. Muito morto. Morto."
mas a Vale privatizada por FHC lucrou. 
quem é que lucra? quem é que paga?
E muito. Muito lucro. Muito. Contabilizem seu lucro.
a mineração lucrou. contabilizem seu lucro.
a mineração quer se expandir e elegeu um "presidente". 
contabilizem de quanto foi essa ajuda.
depois contabilizem o número de mortos.
contabilizem o número dos que vão morrer.
contabilizem o número de famílias aniquiladas.
contabilizem os milhares de peixes mortos.
contabilizem as milhares de aves mortas.
de mamíferos. de répteis. de anfíbios.
mortos. contabilizem.
contabilizem os quilômetros e quilômetros de Morte
que ainda virão rio abaixo.
contabilizem os outros rios que serão atingidos.
e riachos e córregos e sangas. contabilizem.
e mais poluição e mais mortes e mais dores e mais horrores.
vão contabilizando. contabilizem.
é só o que eles sabem fazer: contabilizar.
é só o que os milionários que estão no governo sabem fazer:
contabilizar.
contabilizar para tirar dos pobres e dar para os ricos.
para tirar da vida e dar para o lucro.
então não nos resta mais nada.
só contabilizar.
contabilizem.

05 fevereiro 2019

do Nosso Tempo

I - a lei quer que você faça
uma posição de "Sentido!"
quando merda nenhuma mais
faz sentido

II – a vida de hoje perdeu tanto o sentido
que isso nem foi sentido

III – ainda há um sentido para esta civilização:
o caminho no sentido do abismo

IV – já eu, ressentido, tento encontrar meu sentido:
todos os meus sentidos
(sentidos pelas artes)
sentem que o fim se aproxima:
sinto muito.

03 fevereiro 2019

Simbolista

quero apagar mas apagar de um modo
que quando acorde já não seja eu todo:

todas aquelas coisas sossegadas
que do que esperam só recebem nadas

que sabem que ter é beber espuma
como quem olha para o céu e fuma

sentadas pelas beiras das estradas
essas coisas de tudo tão cansadas

a ver quem passa se matar nas curvas
e quem chega não encontrar nenhuma

a se aguardar num sol já quase posto
que não se acabem os invernos de agosto

que as noites vindas já não tenham fim
que sempre fosse sempre fosse assim

e que se achasse em sangue o amor já morto
ao soprar de asas de um voar de corvo

todas aquelas coisas sossegadas
que já viram Deus e só são fantasmas

que desceram para tomar um vinho
e quando viram vinha o Fim sozinho

02 fevereiro 2019

Carniça

“confia nos homens 
e em sua justiça...” 

dizia-me um mísero 
pagando seu dízimo 
em meio à imundícia

dizia-me um “justo” 
pingando seu cuspo 
em meio à cobiça

dizia-me um “santo” 
babando seu canto 
em meio à malícia

“espera dos homens 
só sua carniça...”

dizia-me um Corvo 
na carne de um morto 
fazendo justiça

31 janeiro 2019

O Deprimente Primeiro Mês de Bolsonaro

107 mulheres assassinadas por homens EM 2019, ou seja, em um mês. 99 mortos e 259 desaparecidos num desastre causado por uma mineradora PRIVATIZADA, enquanto o "presidente" defende a EXPANSÃO da mineração e da privatização. 
O ministro do Meio Ambiente foi CONDENADO por favorecer uma mineradora. O "presidente" foi eleito com o apoio de mineradoras, grandes empresas sonegadoras e ruralistas sedentos de agrotóxicos e devedores do governo. Dezenas de agrotóxicos altamente venenosos foram liberados por Bolsonaro.

Essas grandes empresas patrocinaram uma enxurrada de mentiras (fake news) e ameaçaram funcionários para votarem no Jair Messias. Com menos de um mês de governo, o "presidente" tem sua família atolada até o nariz por denúncias de corrupção. 

O ministério desse "presidente" é formado por corruptos, investigados ou já condenados, por loucas ( a Damares, quem é que coloca um ser sem nenhum fundamento desses em qualquer cargo? Só o Bolsonaro), ignorantes e racistas, e é uma cagada ou gafe atrás da outra.

O "presidente" tá mais perdido que o Bolsonaro na presidência: não sabe o que faz, só fala merda e mais volta atrás do que faz alguma coisa. E quando faz, só favorece aos ricos e aos já privilegiados. Nenhuma, NENHUMA medida, até agora, que favoreça os pobres e trabalhadores. Ruralistas invadindo e devastando reservas ambientais, e a caça de animais silvestres correndo solta (pior que antes).

E, agora, madeireiros invadem reservas indígenas para matar índios aos gritos de "Agora é Bolsonaro!". De fato, agora é Bolsonaro. E vocês estão vendo no que está dando. E é só o começo.

28 janeiro 2019

Ah, O Progresso

Poema escrito e publicado originalmente em 24 de janeiro de 2018.

"há quem passe pelo bosque
e só veja lenha para a fogueira” (Tolstói)

há quem sente na grama dos campos
e só veja escavações para minérios
(ah, o progresso)

há quem observe uma cascata de águas
e só veja inundações para hidrelétricas
(ah, mais progresso)

há quem mire no olhar do tigre
como um inimigo a ser massacrado
e substituído o mistério que vem da vida
pelo lucro que vem da máquina
(tanto progresso)

há quem olhe para o céu
e só veja seca ou chuva
para a lavoura de soja
(quanto progresso)

arrebentar planeta e humanidade
para encher os cofres de um punhado
dos homens que fazem
dos homens de bem
(quanto cansaço)

amém

27 janeiro 2019

Dia de Ira (ao Réquiem de Mozart)













Hoje, 263 anos de Wolfgang Amadeus Mozart. Republico o poema a seguir:


Dies irae, dies illa
solvet saeclum in favilla

I - carta enviada ao destino
sem selo
vida esvaziada de humanos
sem sê-lo

II - algo estrago de raio e fogo
se gatilha no olho e no logus
relâmpago do tigre

III - homem com sede de fome
que há muito morreu de sua sede
e se perdeu de seu nome

IV - algo sangue no oculto do sol
se vermelha entre buracos de estrelas
sendo aves de outros planetas
ou graves de surdos sonetos

V - corvoos por todos os pânicos
carvões por todos os prados
cor vãs por todos os pratos
rãs-águas por todos os túmulos

se réquiam os destinos
por cartas marcadas
com o número 626
de Mozart

24 janeiro 2019

Poesia Pós-Vida

a minha poesia engasgada e asfixiada 
por um pedaço de plástico na goela
a minha poesia com as tripas de fora
e a cabeça esmagada numa rodovia
a minha poesia com a cabeça arrancada
e sendo mostrada em vídeos na internet
a minha poesia respirando agrotóxico
atolada na areia de um rio assoreado
do lado do sem fim de uma lavoura de soja
a minha poesia abatida a tiros
junto com seus quatro filhotes
a minha poesia com uma pata atorada
e a outra presa numa armadilha
a minha poesia espalhando rios de sangue
com a barriga aberta sobre uma praia
a minha poesia tombada por uma motosserra
e virando cinzas no meio do mato esvaído
a minha poesia transformada em esgoto
e em lixões sem fim a céu aberto
a minha poesia sem ar e sem penas
agonizando num pedaço de cano
para ser vendida para ricos
a minha poesia morta e com os pedaços arrancados
para servir de amuletos a milionários chineses
a minha poesia transformada em deserto
a minha poesia perdendo minha alma



21 janeiro 2019

Se Você Estiver no Rio Grande do Sul

a Mão da Morte está presente
para onde quer que se olhe:
eu poderia dar alguns exemplos
onde tocam os milhares de dedos
da mão infinita da morte

se você estiver no Ártico
você verá a mão da morte
no derretimento de titânicas geleiras
toneladas e toneladas de monumentos desmoronados

se você estiver na África
você verá a mão da morte
no massacre brutal de elefantes
milhares e milhares de gigantes assassinados

se você estiver no Sudeste Asiático
você verá a mão da morte
na devastação de exuberantes florestas tropicais
quilômetros e quilômetros de imensidões tombadas

se você estiver no Oceano Pacífico
você verá a mão da morte
em turbilhões e turbilhões de mares entupidos
de lixo e plástico
universos e universos de vida aquática
asfixiados por nossa quinquilharia

se você estiver na China
você verá a mão da morte
no peso dos ares cinzentos de poluição
céus e mais céus irrespiráveis de horror

se você estiver no Rio Grande do Sul
você verá a mão da morte
nos hectares e mais hectares de lavouras de soja
atulhados de venenos
campos e mais campos
que já não são mais campos nem matas nem nada
só a desolação sem vida de um deserto verde
de dinheiro

19 janeiro 2019

Presidente Bozoasno

um palhaço bagaço 
cagaço e arrego 
entre piadas e babacas
cagadas cloacas 
mamatas nas tetas 
patriota? 
um pateta 
entre patotas 
de patos 
um milico pinico 
hipócrita cômico 
de circo pocilga de charco 
um fraco um asco um asno 
um burro um tosco um bozo
um Fiasco.

17 janeiro 2019

Da Formação de Tempestades

sei que algo acontece.
o fundamental é o que está latente
aquilo que não mas que será à frente
que se move como sopro e tigre
que passa como nunca passado
e que se ergue em olho bem do teu lado

qual sábio é que garante
que um vento que se veste inofensivo
lá em processos desvistados
não se tornará tornado furacão?

há um outro nos envolve
em insondável onde:
há um ato que é fato
e há outro que se esconde

tudo traz um além-motivo
ainda que a ele (rindo)
não nos motivemos:
mas ele sempre sorri
acima do nosso riso