25 junho 2018

Tudo já foi Dito

escrevo porque só sei fazer isso.
não sei se digo alguma coisa.
quando digo, se digo, faço inimigos
porque o mundo é formado pelos que não dizem.
ninguém gosta que se diga
dizer exige que antes se pare com tudo:
mas não se pode parar
no mundo em que tempo é dinheiro
em que se viver se reduz ao que se produz
em que o bem se resume a ter mais bens
(lembram do "Foi Deus que me deu"?)
em que ser bom se reduz a ser O bom
em que ser alguém é deixar de ser humano

a humanidade desvive
a humanidades desfaz-se
nosso caminho é o da desumanidade:
por não querermos parar com nada
acabaremos por acabar com tudo.
isso (admito)
talvez seja o único ainda a ser dito

23 junho 2018

Campanha de Camiseta

"seja você mesmo”
diz a sociedade mesma
e diz a mesma coisa a todos
seja você mesmo desde que seja o você mesmo
aceito pelos outros mesmos
que no fundo são sempre os mesmos

“seja você mesmo”
diz o cara moderninho
e diz o cara conservador
zinho
autoajudante e pleonástico
que é tão mesmo em sua mesmice
quanto todo mundo mesmo:
qualquer um que destoe
será julgado condenado preso

e pensa que não é
como todo mundo
ensimesmado em ser igual
aos iguais

que gostam andam agem
pensam sentem dizem fazem
o mesmo
sendo eles a esmo
bem como mandava a camiseta
com os dizeres: "seja você mesmo"
e todos vestiam a mesma

20 junho 2018

Nós, estes nadas

nós, as pessoas
tanto falamos em conhecer a verdade
que a verdade nem fala
ao que nem conhecemos

enquadramos a verdade 
dentro de nossos próprios quadrados
e desconhecemos nossa própria quadra

passamos pelas ruas
a perpassar ignoradas passadas
e nem percebemos
pelo que passamos a dois passos:
nem olhamos ao alto nem ouvimos as aves

das abertas palmas das mãos
largamos sorrisos em palmas
mas não apanhamos nada
nem a dois palmos a frente dos olhos
nem a dois palmos
adentro das almas

e quando vemos 
estamos a sete palmos 
abaixo da terra

17 junho 2018

o que cansa no que se vive

o que cansa no que se vive
é essa mania de ter que viver
de alguma forma determinada
como sendo a fôrma da vida 
já pronta quadrada e pré-fixada

o que cansa é essa coisa
de se ter que fazer alguma coisa
mas só dentro do que já estado
e de que aquilo que se faz
ter de ser considerado
como algo já visto já feito
ou tido como aceito

o que cansa é esse algo
de ter de fazer algo na vida
mas não qualquer algo
mas só submisso à regra
já por outros regrada entendiada definida

o que cansa
é esse ter de cansar-se sem sentido
sem nem entender-se o motivo
sem nem valer-se o trabalho 
a não ser o de ter de cansar-se
até sentir-se morto
para que se diga (da boca pra fora) 
que se está vivo

14 junho 2018

O Tempo é Sempre

o problema do tempo 
é que um dia ele chega
e quando chega
o tempo que passou 
não chegou

o problema do tempo
é que um dia ele passa
e quando acaba
o tempo que acabou
(nem)
se iniciou

o problema do tempo 
é que um dia ele volta
e quando volta
o tempo que se foi
não voltou

o tempo é sempre 
(insuficiente)

12 junho 2018

Eu, que te não disse nada

por que devo dizer alguma coisa
se o que importa é o que se oculta?
já dizia Goethe que "o que sabemos
é inútil": não sabemos nem nossa busca.
o que importa é a palavra que não está lá
é a porta rompida ao não-dito
é o destino dado por quem lê
ao que não foi escrito

o que importa o que (des)espero?
seria triste se eu não fosse maldito.
o verso é um silêncio entre o ingrato e o vasto 
ele percorre uma estrada
em que nunca estarei comigo
uma estrada 
entre o que há
e o que é nada

nem sei do que sinto e do que digo
quem dera tivesse consciência...
por que dizer algo
se o próprio Deus (que é o Verbo) 
é o mistério da ausência?

10 junho 2018

As Tripas da Esperança

esta humanidade faliu não sendo
e o homem não atingiu nem o fracasso
naufragou por entre mar de ouro e de aço
esmagado pelo taco do vento

ainda ouço as lágrimas que te lamento
só álcool e réquiens por onde eu passo
o sonho em sucesso era só cansaço
o riso feliz era de jumento

estes caminhos são os do extermínio
das tripas da esperança no teu rosto
o raio de Saturno em seu domínio

pragas de sapos transbordam os esgotos
e se agiganta um futuro de símios...
mas e quanto às armas? tudo está posto. 

08 junho 2018

De mais Sangue

eu não sou o meu trabalho.
em nome do quê colocamos o trabalho
acima da nossa vida?
eu não sou o que faço para ter dinheiro
eu não sou o que produzo
para a sociedade vazia e falida
eu não me resumo ao horário que cumpro

ainda não me reconheço como máquina
ainda não funciono por mecânica
me olho no espelho e ainda não vejo um robô
não me identifico como sensor eletrônico

sou algo de mais vasto de mais fundo de mais sangue
sou o que vejo o que penso o que sinto
o que busco o que amo o que tinto

não sou o que deixo para a civilização
sou o que deixo para a humanidade:
o que sou é o que vivo como humano
e só sou quando é  o meu ser

06 junho 2018

Três Considerações sobre o Fim da Humanidade

I - o fim da humanidade não será
no estrondo de uma catástrofe
mas no silêncio de um vazio

II – a morte de uma civilização
não é quando morrem todos
os que fazem parte dela.
quando morre uma civilização
todos os que fazem parte dela
estavam mortos antes

III – quando pessoas
puderem decidir quais pessoas vivem quais pessoas morrem
para que a humanidade ainda exista
é porque chegou o momento
em que a humanidade já deixou de existir

03 junho 2018

Sou Péssimo

as pessoas querem ser agradadas acariciadas justificadas
querem autoajudas que lhe digam que suas merdas
não fedem tanto
e que podem seguir cagando ad infinitum 
até transbordar o planeta

as pessoas querem ler coisas belas-doces-bobas-bonitas
daquelas de se pendurar em paredes
ou palavras-vassouras que varram seu próprio horror
para debaixo do tapete imundo da existência

as pessoas querem palavras light diet fitness
que podem ser digeridas-lidas durante os banquetes
e que não pesem nem no estômago nem na consciência
e que não estraguem suas (in)sensibilidades delicadas

as pessoas querem palavras legais-boazinhas
de sorrisinho humilde como mordomo de palácio
que entregam cartinhas flores petiscos
em bandejas de ouro

enfim, as pessoas até gostam 
de escritores-poetas
desde que façam literatura de enfeite...
ok, é tudo mesmo tão lindo!
mas ainda bem que sou péssimo nisso

02 junho 2018

Viver à Margem

viver à margem
no meu vale em que não valho
na beira do que correnteza
intocada pela humana pata 
acorrentada
apática rasa rasteira

viver à margem
melhor o barro do que o esgoto
melhor o sapo do que o rato
melhor o nada do que o produto
melhor a ruína do que o enfeite
melhor a noite do que o que é gente

do que for centro me margem distante
deixe-me no meu avante 
para o meu sem-sentido ideal
longe do que correto do que sensato
do que científico do que social

não há nada nos meios
só há nos extremos
e tudo vale a pena
quando se vive
no que se extrema

31 maio 2018

A um Vitorioso

teu olhar mudo de quem venceu o mundo 
como se nem estivesse
toque surdo de trompa
que quando tocas
se tocam todos
tocados por hipocrisia 
e por pompa

impassível contemplador de horizontes
sobre montes de nuncas e de impossíveis
aos toques de sinos
o tique-taque invisível
dos nossos destinos

as misérias humanas
não te tocam
nem o toque de mãos
ao final da tarde
tu cantas sem fazer alarde
porque teu é todo o futuro
(como o teu vulto
ameaçante e escuro)

Tu
intocável
Urubu

29 maio 2018

A Greve dos Caminhoneiros, Capitalismo e o próximo Presidente

A greve dos caminhoneiros não irá adiantar nada. No máximo vai conseguir baixar o preço do diesel por algum tempo, e só. Por quê? Porque o Brasil é o mais novo paraíso do capitalismo. E vai continuar sendo. Liberdade de preços, mercado autorregulador, ausência de controle estatal na economia (a não ser para salvar empresas) são apenas alguns dos princípios capitalistas básicos. Enquanto o pior do capitalismo, por sua óbvia nocividade, perde terreno em outros países, principalmente nos europeus, ganha força aqui, transfere-se cada vez mais para cá. Encontrou aqui um povo burro, ignorante, que não lê, facilmente domesticável, que baixa a cabeça como os bois pastando, e que se dobra aos golpes do chicote. Mão de obra barata. E, claro, o capitalismo selvagem, como todo predador, reconhece as carnes gordas da sua presa.

Colocar Temer no poder, um pau-mandado e traidor dos mais rasos (a aliança com o PMDB foi um dos piores e mais primários erros do PT) foi o primeiro passo para implementar a plutocracia com toda sua força em nosso país, o governo dos ricos e para os ricos, ou para os capitalistas. Provas? Simples: a aprovação da "reforma" trabalhista", terceirização, sucateamento dos serviços públicos, perdão de dívidas de grandes empresários e latifundiários, flexibilização da preservação ambiental...

Só que Temer é fraco, idiota e não tem carisma nem legitimidade popular. Por isso, o próximo presidente será alguém mais inteligente e carismático, que conseguirá manipular as massas com facilidade, e continuará o governo plutocrático, só que de uma forma um pouco mais sutil, voltado para o lucro sem limites e a qualquer custo dos capitalistas, que já tomaram conta do nosso país. Ah, e não, não será Bolsonaro. Eu disse que será alguém mais inteligente.

27 maio 2018

Quatro Batidas na Porta

seja a justiça desfeita
esteja a justiça torta
por mais que se saiba
ninguém se importa

quer passe por rio podre
quer passe por mata morta
por mais que se mate
ninguém se importa

se não pulsa alma nos olhos
e nem corre sangue na aorta
por mais que se morra
ninguém se importa

ninguém se importa
até que se escute as quatro
batidas na sua porta

25 maio 2018

Opinião Unânime só Minha

desconfio de toda opinião unânime
ou quase unânime: pusilânime
desconfio de tudo que é tido
como já tido
como aceito
do tipo
“isso é o certo, o correto
e não tem jeito.”

desconfio de tudo que é dado
para se ficar do lado
do que é dado
como fato e ato
do que sensato

porque isso me cheira
a acrítico
a midiático
a enfático patético
patriótico patótico
idiótico mecânico
robótico

porque isso me cheira
a coisas enfiadas
pela goela
ou mais adiante
cu acima
com cobertura
de chocolate
e lubrificante

23 maio 2018

Águia Estilhaçada

olho para a humanidade e fico. 
para as pessoas que passam e não. 
vão como se fossem vãos 
em vão pelo que nunca há de ser 
que existem sem ver ou ir 
que não hão de se alcançarem. 

tudo aquilo que se gera e perde. 
águia estilhaçada ao chão. 
imenso do que foi sentido 
em que há sempre um mas ainda mais imenso 
que dessente a tudo. 

emissões de pensamentos que se deixaram. 
galáxias de possibilidades desfragmentadas. 
luz de atrações desmagnetizadas. 
altos desígnios revogados. 
livro escrito nunca iniciado. 
páginas de um vasto universo em branco. 
o latente de um vazio que quase 
mas não. 

sei que fracassei: 
meu poema não foi. 
melhor assim 
a humanidade também 
não atingiu o seu fim.

21 maio 2018

Fazer Parte da Humanidade

fazer parte da humanidade
ser obrigado por lei
a viver de acordo com a lei
a lei que foi acordada por outros
sem que você participasse do acordo

fazer parte da humanidade
ter que trabalhar quando não se quer
quando não se pode
quando não se deve
naquilo que não se quer
para fazer algo que se queira

fazer parte da humanidade
ter que aparentar o normal
parecer como os parecidos
aceitar para ser aceito
e depois se preocupar
se enervar se estressar se matar
para poder viver em paz

fazer parte da humanidade
passar a vida inteira cansado
para poder enfim descansar
deixar de fazer o que se quer
para dizer que tem a vida que se quis
e ter que ser responsável
para assumir a responsabilidade
de que se é infeliz

fazer parte...
meu Deus, quanta miséria!
ainda bem
que se faz Arte

19 maio 2018

Quando Música

I - o bom da música (quando música)
não é que ela pode dizer tudo sem dizer nada
é que ela diz o que se quer
sem ser coisa explícita ou explicada

II - o bom da palavra
é que se eu quero dizer fúria
eu digo fúria
e se eu quiser dizer vida
eu digo nada

III - o bom da ironia
é que ela debocha
mas não traz alegria
é que ela faz graça
mas não é coisa engraçada

17 maio 2018

Sol, vai dormir!

Sol, poupa-te , não te sejas...
para que fazer que acordem
os que não ouvem teus acordes?

mulambentas múmias humanas
marionetes mancas mecânicas
aquelas
no que resta
do que nem são elas
entre poeiras e esteiras
um buraco em meio às telas
dos seus vazios inchados de nadas
aos sorrisos das vidas falhadas
enfeites entre as duas orelhas
intervalos das cabeças
retrocedidas retorcidas retardadas

Sol, para que iluminas?
que luz entrará
pelos porões de ratos
( inúteis fúteis trabalhos)
dos humanos corações?
o coração...
este músculo gorduroso
entre estúpidos pulmões

Sol, pra que acordas essa gente?
aqueles olhares
(restos hospitalares)
de almas que se lepraram
e roeram seus próprios dentes

Sol, basta de clarear
o fundo da nossa decepção
deixa-nos e vai além
para que nascer para todos
se o todos inclusive eu
não somos nada nem ninguém?

14 maio 2018

Tornado

Tornado que retorna eterno à minha torre
se contorce entre o interno teu olhar em torno
e que em (re)volta sopra o que trovoa os nervos
como ciclone-valsa a me voltear em sangue
a tornear infernos como vertigem-corvo
em beethoven-raios do que revolto venta
vendaval tormenta que me tornei de novo
momento denso do que me atormenta o tempo
na trompa do que sinto a respingar de vinho:

e na outra vez que de em revolta vieres torno
à
torre de retorno eterno que me hei Tornado...