09 agosto 2012

A Propósito da Seca

a humanidade erra
quando só considera luz
o que sendo
como luminoso

há vezes
as belezas mais profundas
estão na escuridão da mata
e não no campo
aberto em sol

o sublime é o fruto
da tragédia do gênio

dizer-se que um sorriso
é sempre bem-vindo
seduz...
mas para
quem vive na seca
não o sol
mas a tempestade
é que é a luz

07 agosto 2012

O Momento Oportuno

o momento mais oportuno
é aquele momento
que não é oportuno a ninguém:
é assim que se vai mais além

deixar que se espere
até quando já não mais se espera
é a forma mais severa
de se provar que se é grande
surpreender na batalha
quando se pensa
que não há batalha alguma
é já estar na batalha adiante

o silêncio
prolongado ao intolerável
deixa de ser silêncio
e se torna ausência
(sendo então um auge
do que consciência)
e quando for absoluta a ausência
é o instante de falar...
onda imperceptível
que se torna maremoto
desde o invisível do mar

o que não... é o que há.
quando deixar claro
que não é,
então será

06 agosto 2012

Não, pelo Contrário

a palavra
quando bem dita
(e sempre melhor se maldita)
é o que não se espera dela:
a palavra que fala
é a que não está escrita

um pulso do que se passa
de outro lado por outro além
sombra cristalina
do que não se encontra
desde o submerso da atlântida
até as muralhas da china

a minha palavra
que agora te intenta atingir
tingi-te de outro vinho
algo a mais que (dis)tinto
que tu não vês:
a poesia é um invisível assangrado
entre o de mim
e o em vocês

surge do que não se quer
amargo do que não se aceita:
poesia que é tanto mais sublime
quanto mais a vida é imperfeita

a poesia
é um ar que trago
mas não respiro
por isso que errei em tudo
para acertar com  a palavra
como se fosse um tiro

05 agosto 2012

Vote em mim para vereador. Mas... por que mesmo?

Há algo que sempre me chama a atenção em candidatos para vereador. Eles quase nunca dizem, não ao menos de forma clara, o porquê de quererem ser vereadores. No máximo informam algumas de suas características, de suas supostas qualidades, quase sempre clichês, do tipo: competência e dinamismo, trabalho e honestidade, seriedade e compromisso, e por aí vai, aquelas baboseiras que não dizem absolutamente nada, pois todos dizem a mesma coisa, e se todos dizem a mesma coisa, como escolher entre um e outro? Ademais, como saber se a pessoa realmente possui as qualidades que afirma ter?  Mas o que realmente importa, os objetivos do candidato caso seja eleito, as suas propostas, os seus ideais, enfim, o MOTIVO social de ele querer ser vereador, isso são raríssimos os que explicitam de maneira convincente.

Talvez, nem eles mesmos saibam. Ou, talvez, saibam: ganhar um bom salário sem fazer quase nada, ajudar os seus amigos e familiares, obter certa fama e certo prestígio, "aparecer" mesmo,  estar no meio dos "poderosos", ou seja: nada que diga respeito ao povo. 

Aqui em Santiago, há vereadores que não apresentam uma proposta sequer realmente séria, que seja em prol do desenvolvimento efetivo da comunidade e do município. Há os que estão na câmara porque já se acostumaram a ficar lá e querem sempre se reeleger, contando com seus eleitores acomodados e absolutamente acríticos. Há os que estão pela vontade (e pelo dinheiro) do papai. Há os que estão para fazer belos discursos e impressionar os eleitores com seu verbo vazio. Há os que estão porque gostam de política. Ou de politicagem. Gostam das reuniões (ou festas) de partidos, com churrasquinhos, pratinhos de frios, muita conversa fiada, muita risada, muitos tapinhas nas costas... Claro, quem não quer ser vereador para poder ter parte nesses privilégios? Agora, trabalho em benefício do povo... Para quê? O povo não se importa mesmo. E gosta de votar sempre nos mesmos. De preferência, nos ricos. Por que será?

Recordo agora de um caso verídico. Um candidato a vereador em um município da Bahia (não lembro qual munícipio), pelo fato de ser anão, utilizou-se do seguinte slogan: "Votem no anão 'fulano'. Dos males, o menor". Faz sentido. Muito mais do que escrever embaixo da foto do santinho um lugar-comum completamente vazio: "Trabalho e Competência".

Aproveito a ocasião para declarar meu voto para vereador ao amigo Juarez Girelli. Foi o único que me deu uma ideia satisfatória dos seus objetivos na câmara caso venha a ser eleito. Não direi que não haja outros bons candidatos. Acredito que existem. Porém querem ser vereadores para quê? Isso ainda não esclareceram. 

04 agosto 2012

Por que Surgir?

Sol, não te sejas...
para que fazer que acordem
os que não ouvem teus acordes?

as mulambentas múmias humanas
marionetes mancas mecânicas
aquelas
em que lá vão elas
entre poeiras e cadelas
em seus vazios cheios de nadas
aos sorrisos de vidas falhadas
enfeites entre as duas orelhas
que intervalam
as cabeças de retardadas

Sol, para que iluminas?
que luz que entrará
pelos porões de ratos
( inúteis fúteis trabalhos)
dos humanos corações?
o coração...
nada mais que um gorduroso músculo
entre estúpidos pulmões...

Sol, não acordes
toda essa gente...
pois verás aqueles olhares
(simples restos hospitalares)
de almas que se lepraram
e perderam todos os dentes

Sol, basta de clarear
o fundo da nossa decepção
deixa-nos e vai além...
para que nascer para todos
se o homem é mais que ninguém...?

02 agosto 2012

do se Prestar Atenção

aquilo que vês
(seja aqui ou seja ao não)
vês com qual atenção?
tens certeza
que te atentas?
como sabes do teu atento
se nem podes saber
se o que passa
passa lá fora
ou em ti adentro?

o aquilo que julgas
que atentamente olhas
dando de ti teu melhor
é que olha a ti do seu dentro
por um outro olho
que te acerca pelo todo redor

e o que é afinal que adeja
entre o que tua mente pensa
e o que teu coração
deseja?

estar atento
é saber (o) que se pensa e se sente
seja ao momento que for...
quem sabe assim
(e só quem sabe assim)
ainda se encontre
no fundo do poço do que se é
um absurdo chamado amor

31 julho 2012

E ele veio enquanto todos dormiam...

Veio no meio da noite, enquanto todos dormiam. A família, moradora da casa, havia realizado um jantar com os amigos. Fora muito divertido. Aliás, há muito não se divertiam tanto. Ao final, estavam todos bêbados. E assim foram dormir. Alegres e satisfeitos. E no meio da noite ele veio.

            Devia ser por volta das três e meia da madrugada. Quem iria esperar que ele fosse vir justamente naquela noite? Em qualquer noite ele seria inesperado, é claro, ou melhor, seria absolutamente inimaginável que ele viesse em qualquer noite ou em qualquer dia, porém, o fato de ele ter vindo justamente naquela noite foi uma absurda surpresa muito além do terrível.

Porém, seja como for, a verdade é que ele veio. Veio enquanto todos dormiam. Cinco pessoas viviam na casa. O marido, gerente de uma grande empresa, dormia num quarto bastante aconchegante com sua esposa, vereadora. Havia ainda mais três quartos. Cada um ocupado por um filho. O mais velho trabalhava na empresa com seu pai. A filha do meio cursava direito em uma universidade pública. O filho mais moço, ainda adolescente, não participara da janta, pois passara todo tempo no quarto com a bela namorada. Olhavam filmes. Por volta da 1h da madrugada, ele fora a levar para sua casa. E voltara para dormir. Mesmo sendo sábado, o moço teria aula pela manhã, cursava a série final do Ensino Médio.

            E ele veio enquanto todos dormiam. Ele veio enquanto todos sonhavam. Sonhavam com os seus dias seguintes. Com seus planos. Com o que fariam na próxima semana, no próximo mês, no próximo ano. E nunca a vida da família esteve tão próspera, tranquila e promissora. Não obstante, ele veio naquela noite, enquanto ninguém esperava.

            Não que não fossem alertados por outros, conhecidos da família. Foram. Porém, não deram atenção, muito embora tivessem dito que iriam procurar saber mais sobre o assunto.  E foi que, mesmo não sendo esperado em absoluto, ele veio. Assim, de uma hora para outra, sem avisar, obviamente. Então ele veio, enquanto estavam todos desatentos.

            Não poderia haver uma noite mais serena, mais plácida. As estrelas cintilavam apaziguadoras no céu de verão. A família havia dado uma festa. Todos estavam muito bem, apesar da embriaguez. Muito embora os problemas, comuns a toda e qualquer família, eles não chegavam a ser afetados pelos dissabores da vida, não permitiam que os afetassem. “A vida é bela”, diziam, “devemos vivê-la e sermos felizes”. Tal pensamento era como se fosse um lema daquela família.

            Não obstante, ele veio naquela noite mesmo, enquanto todos se riam.

Rapidamente, sobre Beethoven

‎"Seu caráter íntegro e independente suscita contra ele uma hostilidade cega, a estranheza de sua obra, que não pode ser tratada com desprezo, faz com nasça uma mistura de ódio, incompreensão e obscuras invejas." 

Bernard Fauconnier escrevendo sobre BEETHOVEN, em sua biografia sobre o Gênio de Bonn.

29 julho 2012

O artista deve ir aonde o povo está?

por quê?
qual artista?
o que seria um artista?
o que (ou quem) seria o povo?
e onde é que o povo está?
e o que o artista irá fazer
onde o povo está?

como um artista fará
para ir até o povo?
fará o que o povo gosta?
e do que é que o povo gosta?
e para fazer aquilo
de que o povo gosta
o artista será ele mesmo
ou terá que ser
o que o povo quer que ele seja?
e aquilo que o povo
quer que o artista seja
condiz com a consciência
e com a verdade?

quais são os artistas
que vão até o povo?
que tipo de artista
será aquele que foi até o povo?
o artista irá até o povo
dizer o quê?
que povo ouvirá o artista?
e o povo
o que tem a dizer ao artista?

por que é o artista
que deve ir até o povo?
e não o povo
que deve ir até o artista?

o povo é o que é o geral?
o povo é o que é o comum?
então o artista
para ir até o povo
deve fazer uma arte comum?
o artista deve ir ao nível do povo?
qual é o nível do povo?
o artista subirá ou descerá
para ir ao nível do povo?

o artista
(se artista)
nunca deve ir aonde o povo está
porque o onde o povo está
é um lugar muito atrás
daquilo
que um dia será

27 julho 2012

A Máfia é uma Reação Contra os Governos

Hoje em dia é comum chamar-se qualquer organização criminosa ou até mesmo conluios de corruptos no governo de "máfia" ou "mafiosos". No entanto, a Máfia, no seu sentido original, refere-se apenas a uma organização ideológica e criminosa surgida no sul da Itália ainda durante a Idade Média e que foi crescendo com o passar dos anos e obtendo o seu objetivo primordial: a formação de uma instituição que tivesse as suas próprias leis e regras substituindo e desafiando as instituições do Estado e dos governos. O termo "Máfia" tem sua origem na palavra árabe "mafiusu" e pode significar desde "renegado" até "audacioso, corajoso, "aquele que não se submete".

Os italianos do sul sempre foram discriminados na Itália, por serem mais pobres e terem contato com os árabes. Os governos do norte exploravam os sulistas, com altas taxas de impostos e sem o devido retorno social. Abandonados, oprimidos e sem condições de tomar o poder, os sulistas italianos resolveram formar uma organização parcialmente secreta que através do fortalecimento de suas células familiares, da ameaça e da violência calculada pudesse proteger-se e combater os desmandos do governo central.

Portanto, a Máfia  desenvolveu-se como uma oposição aos governos e suas instituições, e suas regras, e suas leis. Não no sentido político, não com o intuito de tomar o governo, mas para ter o seu próprio governo, não obedecendo às determinações legais e institucionais. A Máfia procurou existir de uma maneira semi-oculta, infiltrando-se nas instituições do Estado para manter e ampliar seu poder e obter informações vitais para sua sobrevivência. Para tanto, a Máfia necessitou estabelecer um código de conduta rigoroso e inflexível, cuja transgressão era severamente punida. É  interessante notar que as leis da Máfia sempre foram mais respeitadas pelos seus membros do que as leis do Estado pelos cidadãos. Por que? Porque a punição da Máfia não falhava e a do Estado sim? Também por isso, certamente, mas há outros motivos.

A Máfia italiana (única e verdadeira Máfia, as demais são cópias degeneradas sem a mesma origem e comprometimento ideológico) baseou suas leis e regras nos princípios de união e respeito familiares. A família era o mais importante. O sangue, a honra e a dignidade dos familiares deveriam estar acima de tudo. Qualquer ofensa a isso deveria ser punido. Ninguém, fosse quem fosse, fosse do governo ou da justiça do Estado, tinha o direito de tocar em qualquer membro da família. Tal comportamento, que acarretava uma sensação de segurança pessoal absoluta (coisa que o Estado não oportunizava, e não o faz ainda hoje) permitiu e ensejou uma união entre os membros que muito raramente era quebrada. E, quando o era, a punição sempre vinha, terrível. E para manter a união das familias sempre impenetrável pelos órgãos do governo e das polícias, a Omertá, ou Código de Silêncio, foi estabelecido, sendo a sua violação punida com a morte. Tais características estavam presentes nas três principais máfias italianas: na Camorra, napolitana, na N'dranghetta, calabresa e, principalmente, na Cosa Nostra, siciliana. Para que as Máfias pudessem existir e se sustentar contra o combate dos governos, as práticas criminosas praticadas por elas foram se diversificando, principalmente quando de seu surgimento nos EUA.

A Máfia ítalo-americana, quando de seu surgimento, estabeleceu-se quase que exatamente igual às Máfias italianas, com os mesmos códigos de conduta, criando um submundo que desafiava o governo americano e só obedecia a si própria.  Aproveitando-se da Lei Seca que grassou nos EUA nos anos 30, as Máfias cresceram assustadoramente com o tráfico de bebidas alcoólicas. Afinal, todos queriam beber, não importava o que dizia a lei. A Cosa Nostra americana tornou-se poderosíssima e sempre fiel às suas origens italianas de honra, dignidade e respeito à família. Tanto que com o surgimento do lucrativo tráfico de drogas, as Máfias italianas recusaram por muito tempo praticá-lo, julgando-o vergonhoso e indigno. Mas, com o passar do tempo e com o crescimento da ganância de seus membros, afinal, encontravam-se no coração do mundo capitalista, a Máfia acabou por também traficar cocaína e heroína. O resultado foi a sua desestruturação com a consequente decadência. A Máfia italiana ainda sobrevive nos EUA, mas bem mal das pernas e já sem a grandeza e sem a honra dos seus áureos dias. Na Itália, a Máfia, também degradada, depois de perder muita força, vem novamente ganhando espaço na Sicília. Não adianta, a Máfia está no sangue dos sicilianos. 

Para finalizar, é bom lembrar-se do seguinte: a Máfia italiana surgiu, deu certo e cresceu de maneira assombrosa, basicamente,  por um motivo muito simples: suas leis eram respeitadas e suas promessas eram cumpridas. Se algum membro ou protegido precisava de algo, era certo que ele o teria. E os governos? Quem é que respeita a sua lei? E o que fazem os governantes quando um cidadão precisa do seu auxílio? 

26 julho 2012

Aquecimento Global: Gelo na Groenlândia derrete 97% em Julho

Parece notícia-catástrofe de ficção científica, mas é a realidade. Pelo menos, é que afirma, estarrecida, a própria NASA. A notícia foi veiculada no jornal Correio do Povo de hoje, na página 14, e pode ser conferida aqui. Segundo a NASA, nos meses de verão do hemisfério norte, o normal é que o degelo seja em torno de 40%. O maior degelo já registrado até 2012 ocorreu há 30 anos, de 55%. Muito inferior aos absurdos 97% constatados este ano. Nem mesmo os cientistas da NASA estavam acreditando na medição, suspeitando que houvesse algum erro. Porém parece que é isso mesmo: 97%. E o que mais espanta foi a velocidade do degelo. O índice foi atingido (de 40 para 97%) em apenas 4 dias! Três satélites observaram o derretimento.

Quero ver qual será a desculpa dada agora pelos que não acreditam no Aquecimento Global.

25 julho 2012

Agora sou frio

fazia frio
fora
e dentro de mim...
isso foi há séculos
agora sou frio.

mas há séculos
passei pela floresta
e na floresta
havia um rio
e no rio uma cachoeira
e ao lado da cachoeira
uma grande pedra
e sobre a pedra
caía eternamente
um fio de água
do lado esquerdo do rio...
isso foi há séculos
agora sou frio.

há dias
fui ver a grande pedra
não passava
de um pequeno cascalho
o fio de água
de cair sobre o seu acima
por séculos e séculos seguidos
a consumiu...
isso foi há dias
agora sou frio.

mas quem ali passou
durante os séculos seguidos
não percebeu
que a pedra morria
sob o fio de água de um pequeno rio...

(lá vai,
um abutre,
a minha esperança alada...)

e assim é com tudo que acaba...

mas isso foi há séculos
agora sou frio.

23 julho 2012

Então, eu pergunto...

o que não está aqui
está em que onde?
qual dos lados dos vários lados
é o lado em que estou?

quando alguém observa
que de fato algo é algo
o que há de fato
no que de algo se observa?

a fragrância do perfume que sinto
é fragrância por que e para quem?

por que que o que é
é tido como sendo
se um outro outro
pode ser em seu lugar?

onde é que
quando que
e como que
ficou claro
que está claro alguma coisa?

onde é que está
de onde que é
o que é
e o é para quem
o sentido que há
naquilo que dizem
que há sentido?

e se eu disser
Vida
o que foi isso que eu disse?

21 julho 2012

da Nobreza da Indiferença

dizer o que se deve dizer
sem deixar que o que é dito
perturbe ao o quem disse

basta-me que eu seja
lago profundo de água fecunda
coberto com espessa
capa de gelo
e que eu me mire
no meu próprio gélido espelho

qual pedra qualquer
causará ondas quaisquer
no inabalável da minha superfície?
o que é que me importa
o ser-não-meu dos outros
ou sua alheia crendice?

porque ao-final
aquilo que eu seja aqui
o que importa àquela estrela?
e o que importa a mim
o fato de eu não sê-la?

20 julho 2012

Apenas uma Sugestão

fosse eu o princípio de um
no alto de outro
ao daquilo que nunca
estivesse comigo o nada que te
uma geada que caia por entre
um sopro que venha do que
um longe distante do tanto
um vasto de gelo que tente
...

o aquilo que sinto
(não sendo o meu ser
o ser que é do outro)
sinto apenas comigo

o melhor do que verso
é o que se busca sozinho
no intervalo
entre o meu eu e o quem me lê...
eu não afirmo
sugiro
a que se busque o caminho...

18 julho 2012

Doutores de Eureka (ou de Arake)

A recente demissão, pela URI de Santiago, da amiga e excelente professora do Curso de Letras Terezinha Bombassaro, tendo-se como argumentos o enxugamento de pessoal e a titulação, reflete dois pontos: um deles muito bem abordou o colega blogueiro Froilam Oliveira, que diz respeito à perseguição e à decadência dos cursos de formação de professores. É assim que o Brasil pretende ingressar no 1º mundo. É como eu sempre digo, e muitos não gostam, mas não me canso em repetir: o Brasil foi e continua sendo uma piada.

O outro ponto relaciona-se com a estúpida e hipócrita valorização demasiada dada à titulação de um professor (e entre outros profissionais), como se isso fosse sinônimo de conhecimento, de se saber ministrar devidamente uma aula, de se possuir a verdadeira sabedoria de que um professor necessita para se tornar um bom mestre. No caso da professora Terezinha Bombassaro, que possuía apenas especialização, sem mestrado ou doutorado, o que se percebia é que ela definitivamente não precisava de um. Até poderia fazer, mas apenas por questão de titulação e para acumular mais algumas informações, porque sabedoria como profissional ela possuía, e muito. Estou certo de que essa é a opinião da maioria absoluta dos alunos de Letras que passaram pela professora. Tinha ela (e tem) não só o conhecimento, mas também sabia (e sabe) transmiti-lo e ensejar no estudante o gosto pela Literatura Brasileira, a sua disciplina. E, acima de tudo, a professora Terezinha é um profissional humano, sabendo equilibrar-se no terreno difícil entre a exigência e a compreensão. Resultado: foi demitida.

Por outro lado, conheci os famosos doutores “bitolados”, presos dentro de uma redoma de cristal opaco, que só percebiam um caminho estreito à sua frente e nada mais. Cegos e surdos para os demais aspectos das coisas que não estivessem de acordo com sua visão pré-fabricada da realidade ou da imaginação. Aliás, muitos desses doutores nem imaginação tinham, uma vez que já a haviam esmagado com o seu estúpido “rigor acadêmico”, que os deixou incapazes de ver e de criar o novo. Mentes-bolo perfeitamente assadas dentro da bela forma do academicismo.

Certa vez, tive uma palestra com uma senhora que era doutora em Literatura Romântica Alemã, com doutorado na Alemanha. Era brasileira. Mas mal sabia falar o Português. E não, ela não tinha vivido a maior parte da vida na Alemanha. Vivera apenas uns cinco anos lá. Não sabia porque simplesmente não conseguia dar uma palestra. Não sabia expressar e desenvolver argumentos. Lia o que deveria ser dito naturalmente em uma exposição. Questionei-lhe sobre um aspecto da obra de Goethe, e a doutora enrolou, enrolou e não disse absolutamente nada sobre a minha pergunta. E como ela, há muitos outros “doutores”. É claro que há os doutores altamente respeitáveis, que não se deixaram enquadrar, que não foram tolidos em sua criatividade e pensamento. Mas são poucos, bem poucos.

Disse certo escritor de que agora não recordo o nome que “Um especialista é alguém que sabe tudo sobre nada”.  Nada mais correto. Tanto se preocuparam em saber sobre algo tão mínimo que, ao invés de se aprofundar, afundaram-se em conceitos mortos e teorias estéreis, em rigorezinhos científicos mecânicos, tornando-se os robozinhos do conhecimento. São aqueles que se alguém lhes disser que fez uma nova descoberta, responderão que a descoberta só será válida se alguém a tiver descoberto antes. “Como assim, uma descoberta nova? Isso não existe, meu filho. Quem és tu pra descobrir algo novo? Uma obra de arte original? Ora, pensas que és um gênio, é?”

Os doutores dessa categoria perderam todo o senso holístico, não possuem a capacidade de perceber e compreender o todo, e prendem-se a seus titulozinhos como se fossem atestados de inteligência, sabedoria e autoridade. E ai de quem os contradizer. O curioso é que uma das diretrizes da educação brasileira é justamente a construção do conhecimento em conjunto com o aluno, sabendo-se ver os conhecimentos que os estudantes possuem como também importantes. O professor não pode se julgar o dono da verdade. Porém, quando estamos em um curso superior, o que se vivencia, em muitos casos, é justamente o inverso: professores doutores autoritários e arrogantes, cuja palavra (limitada, curta, “palavra de forma”) é a lei. E, muitas vezes, sabem menos que o aluno. Mesmo. O que não era o caso da professora Terezinha, muito pelo contrário. Até porque, graças a Deus, ela não tinha doutorado.

Que tipo de gente sairá das universidades com doutores dessa espécie? Pensantes por si próprios, críticos, sensíveis e criativos? Acho que não, hein...

17 julho 2012

Concerto com S

de que adiantam
teus coros a quatro vozes
(ou teus choros de quatro modess)
emudecidos pelo vento
(ou endurecidos de cimento)
já tantas vezes
(já tantas fezes)
ou os teus acordes
com cordas
pelos cortes
do pescoço?
concordas?

as notas do teu piano
(de que caem teclas ano a ano)
o Tempo
nem mais nota

à tua partitura
já não cabe nenhum inserto...

Humanidade
(uma flauta na tempestade):
tu não tens concerto

15 julho 2012

Miséria

sendo música que é sem ter que ser
assim me espero no que nada sou
vejo os campos tão amplos dos profundos
lagos meus que nunca foram benditos
porque ao âmago sempre inútil seco
aqueles verdes vagos passam e levam-me
raio de dita tornado tornado
a olho amigo para o céu que oceana
todos os sorrisos são como pássaros
fêmina passagem em culpa precisa:
tudo é triste abaixo dO que não é
e em quatorze versos não disse nada
não disse porque estou rouco e tampouco...

e tudo é tão feio tão vão tão pouco

(Revisão do poema publicado em 1º de fevereiro de 2011.)

12 julho 2012

Não Sirvo

vós me perguntastes
em algum (de nenhum) tom
entre o fútil e o vago
(como se perguntar
respondesse a algo)
o para quê?
serviria um poeta

respondi
(como se nem estivesse aqui)
que poeta
(se poeta)
não serve pra nada
e não serve a ninguém

poeta
(seja nada ou seja triste)
é o que ainda resiste
em ser-se

a função do poeta
é ser o ser em si
num mundo
onde todos são como todos
e ninguém é ninguém

sou-me
(ainda que um além)...

mas jamais
ser-vos