07 maio 2012

Johannes Brahms, um Forte

Hoje, 7 de maio de 2012, comemoro os 179 anos daquele que é o meu compositor  favorito, a quem dedico uma profunda devoção, Johannes Brahms. Os meus três compositores preferidos, na ordem, são Brahms, Beethoven e Bach. Os 3B’s, como dizem (não, não me venham com BBB). Não é difícil as pessoas incluírem esses três gênios como os seus compositores preferidos. Difícil é colocar Brahms como o primeiro da lista. Geralmente é Beethoven ou Bach. Às vezes, Mozart, às vezes, Wagner, e por aí vai. Mas eu coloco Brahms. Sei que não sou o único, sei de outros casos, mas poucos, bem poucos, se compararmos com os outros compositores mencionados.

Claro que isso é uma questão de gosto pessoal, obviamente, é algo subjetivo, de identificação particular, não há um critério objetivo que se apresente para afirmar: Brahms é melhor que Beethoven ou Bach. E não digo que Brahms é melhor que eles. E nem desejo realizar comparações. Apenas digo que Brahms é o meu favorito porque sua música reúne uma série de características com as quais me identifico total e profundamente e que não encontro reunidas em nenhum outro compositor. Não há uma só composição de Brahms que eu não aprecie com intensidade. Diria mais, não há um só trecho de Brahms que eu posso dizer: “não gostei dessa parte”. Isso não existe para mim. Obviamente, conheço a fundo toda sua obra. Ao menos, aquelas obras que ele não destruiu. Brahms, um perfeccionista, quando não se dava por satisfeito com um trabalho, destruía-o, queimava-o. Fico imaginando, inconsolável, quanta música de qualidade ele deve ter queimado. Sim, porque mesmo que o próprio Brahms não estivesse satisfeito, estou certo que eu iria apreciar.

Mas o que há em Brahms que eu tanto admiro? Muita coisa, a começar pelo seu perfeito equilíbrio entre mente e coração. Brahms era um romântico, sua música inclui-se na época do Romantismo, porém não se limita a ele. Brahms não era um romântico como qualquer outro. Sua música não se deixa levar por sentimentalismos, por emoções fáceis, por inspirações não lapidadas. Sua obra é intensamente emocional, porém fruto de uma emoção densa, profunda, autêntica, exaustivamente trabalhada, concentrada, pensada, refletida, sem impulsividades, sem precipitações, sem exageros, sem grandiloquências desnecessárias.

Ouvir Brahms exige real concentração, devoção, eu diria. Sua música não é de fácil assimilação, não foi feita para agradar ouvidos, mas para comunicar ao mais profundo de nossa sensibilidade, mente, espírito, como queiram. Sua substância densa, complexa, de cores predominantemente sombrias, geralmente melancólica e emocionalmente pesada não é para momentos de descontração ou de amenidades. Não se encontram na obra de Brahms firulas de exibicionismo técnico ou artificialismos. É arte verdadeiramente vivida. É música séria, severa, firme, segura, assentada sobre bases sólidas, de uma força áspera, às vezes, selvagem, que jamais se rende.

Mas Brahms também sabe ser lírico, apaixonado, amável, terno, suave, luminoso, porém nunca derramado. É trágico, mas jamais melodramático. É vitorioso, sem nunca descambar para felicidades incontidas. Brahms sonha, mas é um sonho cuidadoso, cauteloso, sem expectativas ilusórias. Não há espaço para otimismos de sorrisos fáceis.

Brahms é um forte.

05 maio 2012

Romantismo Pós-Moderno

o romantismo
nunca sai de moda:
gosto de beijar mulheres que morrem...

e acaricio seus cabelos dourados
cintilantes areias dos desertos novos...

perdendo-me em seus olhos claros
sóis de duas bombas atômicas...

aspiro o seu alento morno
ar enfumaçado pairando sobre os trópicos...

enquanto sorvo sua saliva macia
mares ondulantes recobertos de petróleo...

sinto o sangue pulsar em suas veias
e lembro-me  do golfejo lento
do guará esmagado no asfalto...

dei a ela
esta flor, oh, tão triste
flor esta
devastada...

eu te beijo
oh, Humanidade...

04 maio 2012

Palavra que Não...

qual é palavra que é a palavra?
aquela que sem ser precisa
é a necessária?
qual dita devo encontrar
para que se me conceda o ar
de ser dita?
devo encontrar o que não deve
em contra algum vir de encontro?
talvez  o ela existir
seja todo o meu confronto
talvez resulte em palavra mágica
que ao ser dita me desfaça
veneno tragado
em proibido gole de taça
ou talvez seja a exata aquela
que a(s)cende o que há febre na vela

há uma
palavra
perdida em tudo que faço
e por mais que lance o meu laço
acaba o meu escrevo suspenso
caos que se cansa de aceso
aquela palavra que Deus disse
que talvez não (me) existe:

sonhei que estivesse
nas auras de algum átomo
e depois
na almas de uma plêiade

como quem conta estrela
(ah, eu que a busquei tanto)
encerro este poema
sem ter conseguido dizê-la

por enquanto...

03 maio 2012

Consumismo e Futuro Planetário

Comento, em parte, sobre um assunto abordado pelo colunista do jornal Correio do Povo, Juremir Machado da Silva. Não é a primeira vez que o faço. Apesar de geralmente apreciar e concordar com as colunas do Juremir, que sem dúvida é um ótimo escritor, de grande inteligência e capaz de profundas análises sociais, há momentos em que, na ânsia de contrariar o senso comum de que “antigamente era melhor”, exagera, a meu ver, em alguns de seus “otimismos” com relação à sociedade atual. Já realizei um contraponto ao seu otimismo aqui. Volto a tratar do assunto. Embora não seja exatamente o mesmo, a relação é bastante próxima.

Juremir, nas colunas dos dias 30/4 e 1º/5, aborda a questão dos valores atuais da sociedade e do seu individualismo. Afirma o jornalista que os valores não estão tão perdidos ou ausentes assim.  E que em muitos pontos estamos melhores como seres humanos, mencionando a preocupação com os animais, a luta contra o preconceito racial, a ecologia. Afirma também que se por um lado o individualismo tem o seu aspecto de irresponsabilidade, com o culto ao prazer e à satisfação do desejo, há também o individualismo responsável, que atua como um freio ao outro individualismo.

Não discordo totalmente do colunista. É claro que não há somente pontos negativos em nossa sociedade atual, em nada há somente o negativo ou somente o positivo. E concordo também com ele de que vivemos uma época de grandes paradoxos. Sem dúvida que sim. Porém, o que parece que Juremir não percebe ou não quer perceber, a despeito de toda a sua cultura e inteligência e do embasamento em autores consagrados, são as consequências a médio e a longo prazo de tamanho individualismo em nossa civilização. E do que está por trás dele.

Toda essa preocupação atual com problemas sociais e ambientais é real, autêntica, ou é apenas um sintoma de um egoísmo mascarado e do culto à aparência?  Juremir menciona a crescente preocupação com animais. Sim, ela existe. Porém, por outro lado, nunca aniquilamos tantas vidas animais na história da humanidade, seja com a poluição, com o tráfico de animais, com os atropelamentos nas estradas, com a destruição infrene de habitats, com os testes em laboratórios, enfim.  E toda essa preocupação ecológica, no fundo, tem adiantado de quê? Será que isso não passa, em geral, apenas de uma moda, uma forma de se “sentir moderno”, de aparentar preocupação? E ainda que muitos se preocupem, o que realmente fazem? O que podem fazer? É suficiente o que pode ser feito? O que está sendo feito? Produzimos cada vez mais lixo, poluímos cada vez mais, consumimos os recursos naturais de forma ilimitada. Ou como se eles fossem ilimitados. E quem, em seu individualismo, seja responsável ou não, está realmente preocupado em consumir menos e poluir menos? Raríssimos. Quais os verdadeiros sinais de que isso pode vir a ser resolvido nos próximos anos?  Como exatamente reverter o quadro?

E ainda se mencionarmos a luta antirracial, até que ponto ela expressa uma real mudança da sociedade? O preconceito está de fato deixando de existir ou ele está sendo sufocado porque está se tornando “feio” ser preconceituoso perante a sociedade da aparência?  E quanto ao crescente preconceito contra árabes e outros povos (inclusive brasileiros) nos EUA e na Europa?  Claro, dirão que é melhor um preconceito sufocado do que um preconceito ostensivo. É. Porém, em um momento isso pode explodir.

O grande problema da humanidade atual é a falta de sentido para a vida. Nunca a humanidade esteve tão vazia de ideais e de sonhos. Procura-se, então, esse sentido na própria busca incessante do prazer, em atender aos mais diversos desejos e necessidades psicológicas, muitas vezes fabricadas pela própria sociedade. E o objetivo da vida passa a ser a busca em si, e não o resultado dela. É a ditadura do consumo. Se for lançado um modelo novo de celular, de micro, de carro, todos devem obter o seu, a qualquer custo. Se não, o que é que vão dizer? É a ditadura do ser igual a todos. O que os outros fazem, são ou têm, os outros também têm que fazer, ser ou ter, ou serão esquecidos, ridicularizados, deixados de lado. É claro que contra todo esse estado de coisas surgem reações. Mas sempre bastante minoritárias.

Aí se encontra a terrível questão. Como atender a esse objetivo sem ser por um consumismo sem limites?

O que percebo em muitos de nossos intelectuais fãs do ser humano é aquela expectativa de que a humanidade resolverá por si só todos os seus problemas sem a necessidade da ocorrência de “medidas extremas”.  Parece que para eles o planeta é um bem, um patrimônio da humanidade, e que os homens têm absoluto poder e controle sobre ele. O crescimento populacional e, com ele, em uma progressão geométrica, o do consumo, ainda é um gravíssimo problema, fatal, eu diria, para o qual não foi apresentada solução alguma, apenas paliativos, ineficazes, em geral, e ao qual nossos intelectuais, em sua maioria, evitam abordar.

Um dia não haverá possibilidades físicas de nos sustentarmos. As nações ricas somente são ricas graças ao consumismo desenfreado de todos em todas as partes do mundo. Aí estão as multinacionais para provar, que ajudam a enriquecer seus países de origem servindo-se de nosso consumismo que não dá sinais efetivos de que irá regredir.

O otimismo de alguns intelectuais contemporâneos assemelha-se muito, a meu ver, àquele otimismo dos finais do século XIX, quando se acreditava, devido aos impressionantes progressos da ciência, que o século XX seria o da solução de todos os problemas, que não haveria doenças, miséria, guerras, violência, enfim. É uma confiança demasiada na espécie humana.  Quando se trata de se perceber, de se captar as decadências psíquicas das quais sofre a humanidade, muito mais eficiente do que nossos sensos intelectivos são nossos sensos artísticos. É a arte que percebe e identifica e expressa tudo aquilo que não está bem com o ser humano. Porque capta a essência das questões, não por frias análises racionais, mas pela vivência psíquica direta. Alguns gênios o fizeram com inacreditável antecedência, como é o caso de Bosch, de Poe, de Baudelaire. Os artistas são a antena da humanidade.  Em nossos dias, na música clássica, Penderecki expressa um cenário de total pessimismo quanto ao futuro da humanidade. Apenas para deixar um exemplo fora da literatura e da pintura.

Para finalizar, lembro que o universo sempre busca o equilíbrio em todas as coisas. A humanidade faz parte do universo. E, menos ainda, faz parte do planeta. Pertence a ele. E ele não permitirá que o desequilíbrio causado pela humanidade o destrua. Gostaria que a própria humanidade alcançasse este equilíbrio. Porém, não acredito que o faça. Crer que a sociedade evitará que o consumismo prossiga com a destruição planetária até que atinjamos níveis insustentáveis, é, para mim, uma utopia. A humanidade está para a Terra assim como a Terra está para o seu sistema solar. E um planeta não pode destruir o sistema solar ao qual pertence. O planeta se encarregará de restabelecer a ordem, como sempre o fez. E não é necessário acabar com a humanidade para tanto. Apenas colocá-la em seu devido lugar. Alguém dirá que, falando dessa forma, até parece que há alguma espécie de inteligência no planeta. E por que não poderia haver?

Então os meus versos têm sentido e o universo não há-de ter sentido?
Em que geometria é que a parte excede o todo?
Em que biologia é que o volume dos órgãos
Tem mais vida que o corpo?”

Alberto Caeiro (um dos heterônimos de Fernando Pessoa)

(Na imagem, detalhe da asa direita do tríptico "O Jardim das Delícias", de Hieronymus Bosch.)

02 maio 2012

(des) Graça

tempos paradoxais
(em que deves ser feliz
com teus egoísmos
individuais)
e tornou-se engraçado
como de risível
(nos dois sentidos)
há esta humanidade tornado
o seu sem-sentido
num mundo-circo sem graça
(nos três sentidos)

por mais que a Terra seja aniquilada
não falta sequer um motivo
de riso
ou um siso
de piada

pesar de aves massacradas...
pairam sobre ti levianas
as asas das gargalhadas

e aos olhos da desgraça dos tempos
a dor tornou-se sarcasmo
o amor:  deboche
o poema:  ironia
ah... o branco de saliva entre dentes
e o negro entre a água sombria...

sorria!
que este planeta aos estilhaços
tornou-se um palco de palhaços...

30 abril 2012

Nada a (me) Declarar

o que há
no jornal de hoje que leio
( já ido
de mais um dia vazio e feio)
é o nada de amanhã
inútil fato fatídico:
o que é já foi
e o que vem
já nasce sendo passado...
e nada restará do meu lado


tu, humanidade do agora
(já quase um avantesma)
que observo
(como quem vê passar uma lesma)
vais me dizer o quê? 
da filosofia uma oferta?
(cadáveres de boca-aberta)
esperanças de ilusões aladas? 
(ridículos finais de piadas)
ou políticas das altas esferas?
(têm mais a me dizer as cadelas)


lá vaga o teu nada
(-adiantar)
nadando na baba
dos sapos dos sábios...
e o que eu farei
com tanta risada
derramada
dos lábios?


aqui neste planeta exangue
(tu bem o sabes)
o que importa é o Sangue...  

27 abril 2012

Novo Código Florestal: Uma Crítica (Severa) ao Governo Dilma

Vamos aos fatos: o governo Dilma em termos sociais e econômicos (principalmente econômicos) tem sido um relativo bom governo, muito embora ainda deixe bastante a desejar na questão da educação e da saúde. 
Porém, na questão ambiental, está sendo de uma incompetência desastrosa. E isso também é fato. A recente aprovação do Código "Antiflorestal", como bem o intitulou o escritor Juremir Machado da Silva, é uma vergonha e um retrocesso para um país que está à beira da Rio+20 e que tem como seu maior patrimônio territorial as suas águas e as suas florestas.

O governo Dilma tem um perfil desenvolmentista em demasia. Isso eu afirmei que assim seria ainda durante a campanha presidencial de 2010, e que por tal motivo ela não teria meu voto. Seu governo parece querer buscar o desenvolvimento a qualquer preço. E qual será o preço? Até onde chegará um desenvolvimento que não leva em consideração a preservação da base sobre a qual se estabelece? Sem rios e sem matas, que espécie de futuro poderemos esperar? Muito bem, vamos plantar sobre todas as terras. Vamos agradar ao agronegócio, isso traz dinheiro, traz riqueza, tornará o Brasil o maior celeiro mundial. Mas com quais reais benefícios para o nosso povo? E por quanto tempo? Repito: por quanto tempo? O tempo de uma reeleição?

E não venham me dizer que o governo não queria a aprovação do Código da forma como foi aprovado. Ele tem maioria no Congresso. Se tivesse realmente se esforçado para a não aprovação, teria conseguido. Por que não houve a mesma mobilização por parte do governo como quando há em outras questões que envolvem seus interesses diretos? No entanto, fez como Pilatos, lavou as mãos. Agora, dizem que a presidente Dilma irá vetar. Sim, vetar, para depois o Congresso derrubar o veto. E o governo lavar suas mãos novamente.

Em questões ambientais, o governo Dilma tem sido um vergonhoso retrocesso. Eu não aprovava o governo FHC, mas um de seus feitos digno de aplausos foi a ampliação da área de reserva legal. O governo Lula, em outro grande feito, conseguiu, com a magnífica atuação da ex-ministra Marina Silva, reduzir drasticamente o desmatamento na Amazônia. Porém, agora, com Dilma, o que vemos, o fato, é que o desmatamento na Amazônia volta a crescer, a destruição do cerrado está em níveis alarmantes, hidrelétricas sem o devido estudo de impacto ambiental espalham-se pelo Brasil e, para completar, agora o governo não age como deveria para evitar a aprovação de um crime contra nossos recursos naturais, que é no que consiste esse Novo Código Florestal. É fato ou não é?

Basicamente, o que conseguiu a bancada ruralista, foi a liberdade para desmatar mais e o perdão de seus crimes. Isso também é fato. Entre outros absurdos, foram derrubadas as restrições de crédito para produtores que não estiverem em dia com a legislação ambiental. Ou seja, agora, mesmo tendo cometido crimes ambientais, os produtores poderão contar com apoio financeiro. Analogamente, seria o mesmo que quem cometeu crime no trânsito, perder a carteira e poder continuar dirigindo com permissão da lei. Essas são as ideologias da bancada ruralista, que tem como um de seus líderes o nosso bem conhecido deputado Luis Carlos Heinze, que representa o que há de mais reacionário no seu PP, partido com tradição em defender os interesses das elites, em manter os ricos no poder. O que também é fato.

O senador petista Jorge Viana, um dos poucos realmente preocupados com a questão ambiental, afirmou, em entrevista, com relação ao Novo Código Ambiental: "Eles destruíram tudo. É uma anistia geral e irrestrita, é muito pior que a emenda 164. Tirou desde os princípios às salva-guardas e destruiu o Cadastro Ambiental Rural. Não tem solução. O texto da Câmara, simplesmente, tira toda a proteção das águas do Brasil." Isso também é fato.

A vitória do agronegócio, mascarada com aqueles discursos demagógicos e hipócritas de que representa os interesses dos pequenos agricultores, dará início a uma fase de destruição ambiental no Brasil sem precedentes. E então ficará pairando no ar a queixa dos pequenos produtores rurais: "Minha terra não produz mais nada, está dura, não tenho água, está tudo seco. E eu acabado." Esse será o fato.

25 abril 2012

A Arte é que Sabe

o que era
na Arte já havia sido
e o que é
na Arte já foi

a Arte não é da sociedade o reflexo
ela nunca está sendo naquilo que está
não é espelho
mas o outro lado
(trago ainda não tragado)
do que não é lado no agora
é um verbo lançado ao distante
(a Arte será
no então ido embora)
emissário a um o quê? latente
que retorna com invisíveis bandeiras
(entre infinitos e abismos às beiras)
para tornar visto o não-avistado
próximo o que ainda é próximo
e trágico o que ainda lépido

a Arte é a sensação de um todo
que é ainda parte
e ainda não sentida
a vivência em cedo do que será vida
antecipação amental da humanidade
e do que além o homem não...
(símbolo não dito do que verdade)
prenúncio de um além-noite
aurora do que não-dia
(só a Arte é que sacia)

epílogo:
se os dias que nos esperam
fossem luminosos
não haveria Shostakovich
ou Penderecki
ou
...

24 abril 2012

"Em que momento, entre 1960 e 2012, transformamo-nos em idiotas?"

Abaixo, transcrevo o texto que foi publicado no jornal  Correio do Povo de domingo, 22/04, na coluna do jornalista Rogério Mendelski.  O texto não de é autoria do mencionado jornalista, está sendo divulgado na internet de forma anônima. Acompanhem:


"Estamos em 1960. Joãozinho não fica quieto na sala de aula. Interrompe e perturba o ambiente. É mandado à secretaria da escola e fica esperando até o diretor dar-lhe uma advertência com a sugestão de uma suspensão e até expulsão da escola. Joãozinho esconde o ocorrido dos pais com medo de alguns “cascudos” em casa, mas voltou a se comportar e nunca mais perturbou a classe. Vamos para 2012. Joãozinho é mandado para a psicóloga da escola, o diagnóstico fala de hiperatividade com transtornos de ansiedade e déficit de atenção e recomendado a tomar Rivotril. O garoto transforma-se num zumbi e os pais reivindicam uma subvenção por ter um filho incapaz e ainda processam a escola. Voltamos para 1960. Luizinho quebra o farol de um carro, no seu bairro. O pai tira a cinta e lhe aplica um corretivo no traseiro. Luizinho sentiu o poder paterno, nunca mais foi vândalo, cresceu, entrou na universidade e hoje é um profissional de sucesso. Estamos em 2012. O pai de Luizinho é processado por maus tratos e fica proibido de ver o filho. Luizinho volta-se para as drogas, delinqüe e é colocado numa casa de recuperação para adolescentes. Outra volta a 1960. Paulinho cai no pátio da escola e machuca o joelho. A professora encontra o garoto chorando e o abraça para confortá-lo. Rapidamente, Paulinho se sente melhor e continua brincando. Pátio em 2012. A professora é acusada de não cuidar das crianças e Paulinho tem cinco anos de terapia pelo susto, seus pais processam a escola por danos psicológicos e a professora por negligência. A professora renuncia à docência, entra em aguda depressão e se suicida. Retorno a 1960. Qualquer bagunça na aula era motivo de repreensão do professor com advertência aos pais e em casa sabíamos o que nos esperava… Em 2012, bagunça na aula resultava no professor pedindo desculpas por alguma palavra áspera. Mas os pais vão à escola, registram queixa contra o mestre e trocam o notebook do filho para evitar algum trauma futuro. Onde foi que erramos? Em que momento, entre 1960 e 2012, transformamo-nos em idiotas?"


Já escrevi, aqui no blog, sobre a INVOLUÇÃO de nossas crianças. Sim, porque eu não tenho dúvida que não só a mentalidade e a sensibilidade de nossas crianças regrediram e continuam regredindo, mas também a forma como as tratamos. É claro que a violência contra crianças e adolescentes deve ser duramente combatida. Agora, proibir um pai de dar uma palmada no filho? É um absurdo, simplesmente isso. 


Chegamos a uma completa inversão de valores. Hoje são os filhos que batem nos pais. E nos professores. E o conselho tutelar "moderninho", baseado em um Estatuto da Criança e do Adolescente hipócrita e imbecil, que acabou por retirar a necessária autoridade dos pais para a estrutura e organização das famílias, passa a mão na cabecinha de crianças desrespeitosas, estúpidas, violentas, enchendo-as  de direitos e não obrigando a quase nenhum dever. Eu levei muitas palmadas e hoje agradeço a meus pais por todas que levei. 

O texto abaixo é a republicação de um trecho de um texto de minha autoria já publicado aqui no blog:
"As crianças de hoje são muito “espertinhas”, raciocinativas, entendem de computadores, de máquinas, de tecnologias, das coisas práticas da vida, mas nada sabem sobre a vida em si. Nada sabem sobre seu papel no mundo. E não conseguem nem pensar sobre isso. Muito menos sentir. Parece que atrofiaram grande parte de suas inteligências. Não conseguem se sensibilizar com nada. Não falo de sentimentalismos, mas de uma sensibilidade consciente, madura, uma capacidade de captar as grandes questões do mundo, da humanidade, do universo. E de se posicionar dentro delas. As crianças de hoje não fazem mais isso. Não estão nem aí para nada. Isso é ser inteligente? Falta-lhes a inteligência emocional. A inteligência artística. A inteligência intuitiva. A inteligência da sensibilidade. Falta uma inteligência que torne as crianças mais sensíveis, mais conscientes. Falta uma inteligência que faça as crianças perceberem que estão inseridas na humanidade, que possuem responsabilidade para com o planeta e para com seus semelhantes.

Na imagem, o quadro "As Filhas de Catulle Mendes", de Renoir.

22 abril 2012

Um Último Capítulo (ao Dia Mundial da Terra)

o tremendo
homem
ascendido de otimismo

após
(em seu poder)
ter aterrado todas as terras
desaguado em todas as águas
arrematado todas as matas
acampado em todos os campos
amontoado em todos os montes
(a não mais poder)
a pós

acendido de otimismo
(diante de mim me rendo)
agora está ali
abismado à beira do abismo
o homem
tremendo...

21 abril 2012

da Verdade em Zero Hora

O jornal Zero Hora de hoje publicou o meu poema abaixo, na seção do Almanaque Gaúcho. Aproveito para republicar o poema aqui no blog. Alguns dirão que estou fazendo autopromoção. É óbvio que estou. Modificando um pouco aquele chavão do Chico Anysio: "Faço. E quem não faz?"  Tanto é que os políticos eleitos são os que mais se autopromovem. Não é?

da Verdade

aquilo que é dito
é dito apenas para si mesmo
e para quem é como o si mesmo
porque já o era assim
antes daquilo que foi dito

ninguém quer ser con(vencido)
e menos ainda
quem já é convencido


cada um tem sua própria verdade
e só se convence daquilo
que convence sua própria verdade

quem sabe
sabe apenas para quem sabe

então
por que é que digo?
para que a minha verdade
seja ainda mais comigo

20 abril 2012

Aviso

o fóton de luz
não fala porque vela
e flui por entre o vale

e é lá por onde
o meu soprar se esconde

o verbo versa
porque se vaga em vento
e ruma-se em rumores

e é lá que sino
o meu sinal destino

o sopro sobe
porque se (h)ouve além
e designa o de cima

e é lá que escuro
o meu dizer sussurro

atenta ao que te (a)tenta
que onde não estou em meus olhares
meus versos olham-te em todos os lugares...

19 abril 2012

Para o Dia do Índio, Os Doentes, de Augusto dos Anjos

Para o Dia do Índio, comemorado hoje (mesmo não havendo o que comemorar), nada melhor que um trecho terrível do poema "Os Doentes", do grande Augusto dos Anjos:

Os Doentes (Trecho)
E o índio, por fim, adstrito à étnica escória,
Recebeu, tendo o horror no rosto impresso,
Esse achincalhamento do progresso
Que o anulava na critica da História!
Como quem analisa uma apostema,
De repente, acordando na desgraça,
Viu toda a podridão de sua raça...
Na tumba de Iracema!...
Ah! Tudo, como um lúgubre ciclone,
Exercia sobre ela ação funesta
Desde o desbravamento da floresta
À ultrajante invenção do telefone.
E sentia-se pior que um vagabundo
Microcéfalo vil que a espécie encerra,
Desterrado na sua própria terra,
Diminuído na crônica do mundo!
A hereditariedade dessa pecha
Seguiria seus filhos. Dora em diante
Seu povo tombaria agonizante
Na luta da espingarda contra a flecha!
Veio-lhe então, como à fêmea vêm antojos,
Uma desesperada ânsia improfícua
De estrangular aquela gente iníqua
Que progredia sobre os seus despojos!
Mas, diante à xantocróide raça loura,
Jazem, caladas, todas as inúbias,
E agora, sem difíceis nuanças dúbias,
Com uma clarividência aterradora,
Em vez da prisca tribo e indiana tropa
A gente deste século, espantada,
Vê somente a caveira abandonada
De uma raça esmagada pela Europa!
Augusto dos Anjos

Tribunal de Contas, Santiago e Puxa-Saquismo

Parece que a sessão do Tribunal de Contas em Santiago foi uma puxação de saco de dar gosto.   Mas um Tribunal de Contas pode aceitar puxa-saquismo? Ele não deve julgar imparcialmente?  Bem, mas o Brasil é um caso de literatura fantástica, aqui os maiores absurdos são possíveis. Kafka deveria ter vivido no Brasil. Quero só ver o que dirão os nossos jornais.


E como disse Rubem Braga: "Política é a arte de namorar homem". É uma coisa linda de se ver esse namoro apaixonado. E eu fico contente que alguns dos participantes da reunião tenham lido e aprendido com meu texto Tenha Sucesso Puxando o Saco. Quem ainda não leu, não sabe o que está perdendo: 
http://artedofim.blogspot.com.br/2012/04/tenha-sucesso-puxando-o-saco.html