13 fevereiro 2011

"Há Algo de Podre..." (Final)

Lá onde deixei minha espera, sobem as nuvens dos mortos, oscilam por alguns momentos, parecem dançar entre si e com as outras fumaças do céu, do espaço, do invisível, para, finalmente, formarem uma capa de névoa esverdeada e purulenta sob a infinitude impassível da noite. E um sangue começa a gotejar sobre meus cabelos, sobre minha pele, sobre todo o chão diante de mim. Bebo daquele sangue vinagroso para saciar minha sede insaciável. Minha sede e o sangue que a sacia evaporam-se lentamente. O calor é absurdo como todos os absurdos.

            “Ó Lua, Lua triste, amargurada!” onde estás agora que não mais te vejo? Caminho como quem se destina à forca. Mereceria se o fosse. Sou culpado e admito. Mas talvez a névoa que me cerca e cerca a todos não deixa que minha culpa seja percebida. Porém, há outros com mais culpa do que eu comendo belas mariposas sob as árvores ressecadas. 

Direciono meus olhos para todas as casas por onde passo e vejo que delas saem, enlouquecidos, caóticos, vorazes, e num fedor alucinante, bandos e mais bandos de ratos e baratas infeccionados. Suas inflamações evaporam sob aquele calor e espalham-se lugubremente pelo ar carregado de podridões e enfermidades. Os ratos e as baratas saem pelas portas, pelas janelas, pelos telhados, observados atentamente por abutres exaustos no alto das torres carcomidas pelas chuvas ácidas. E o fedor daquelas casas fez-me vomitar o sangue que bebera.

E os abutres arrotam incessantemente, seus abdomens estão medonhamente dilatados. E a névoa dos seus hálitos envolve os olhos de umas bonitas meninas esqueléticas que vejo passar.  Deve haver algum problema, devem sofrer de alguma grave moléstia, pois não conseguem fechar a boca, aquelas mulheres... Sinto agora o mau-cheiro do sangue coagulado de corações extirpados. As pessoas mesmas fazem isso com si próprias às vezes, é algo bastante comum em nossos dias.

Tenho saudade do tempo que as florestas queimavam. Agora não há o que ser queimado. Como seria belo fitar novamente aquelas magníficas ondas e colunas negras de fumaça ascendendo a um céu ainda azul. Mas há os que queimam flores. Rosas, camélias, tulipas, gerânios, violetas, lírios, agora as mulheres carcomidas as queimam sorrindo. É o único perfume possível de ser sentido, a névoa da queima das flores. Lamento que sejam tão passageiras... As flores passam tão rápido. E partem mais rápidas ainda em suas nebulosas de saudade e amor extinto, lá vão elas, cinzentas para os ouvidos dos anjos.

Devo agora descansar um pouco. Sento-me na escadaria de um bar. O fedor é insuportável. Mas já estou acostumado. Sim, agora me resigno ao auge. A fétida névoa miasmática nessas horas finais da noite sempre envolve tudo. Torna-se densa, úmida, pesada, quase pegajosa. Parece que a névoa é exalada até mesmo pelas luzes doentias da cidade agonizando em seu sono suarento. Creio que também sinto sono. E febre.

Enquanto todo o sentimento da humanidade apodrece ao meu redor, a névoa formada pelo sentimento putrefacto compõe, lentamente, a imagem do teu rosto diante dos meus olhos fechados...

(Na imagem, o quadro "Os Comedores de Batatas", de Van Gogh.) 


11 fevereiro 2011

“Há Algo de Podre...” (Parte 1)

Como a música que um dia desceu das esferas inatingíveis, o desastre absoluto da era pós-tudo agora cai sobre mim. A fumaça do meu cigarro forma um halo de santidade ao meu redor. Quatro loucas sem olhos acendem incensos a três passos da minha miséria. Contemplo, resignado há muito, a névoa do cigarro e dos incensos subirem aos céus. Aqueles incensos exalavam um odor nausebundo.

Um vapor sai agora de um orifício no centro do meu peito. E ferve esse vapor, deixando minha carne sanguinolenta. Com ardência nos olhos, consigo debilmente distinguir ao longe a fumaça negra das indústrias partirem como redemoinhos endemoniados para o espaço. Sinto o mau-cheiro com o qual não consigo me adaptar, mesmo após séculos.
 
É necessário que o desenvolvimento nunca cesse. Embora eu sempre tivesse como um de meus lemas nunca dizer nunca. Um rio que diviso a minha esquerda proporciona-me um autêntico show. De suas águas espumantes vapores evanescentes brilham pela escuridão espessa. São névoas roxas, esverdeadas, amareladas, escarlates, algumas vezes prateadas, que bailam como fantasmas acima de suas águas nervosas, tensas, formadas por um visco negro de líquidos seminais, de toda espécie de vísceras liquefeitas, de gangrenas, de corrimentos vaginais, de soros sanguíneos, que unidos naquele horror apodrecem espargindo pela desgraça das atmosferas um mau-cheiro fatal.

A alguma distância de meu desespero há um banhado, ou um pântano, se preferirem. Uma névoa esverdeada se evola aos céus, florescente, bela, intensamente bela, lembra uma aparição fantástica. Mas o seu fedor é insuportável, miasmático. Aproximei-me, mesmo sabendo que vomitaria. Ainda que esteja sem comer nada há dias. Não confio nos alimentos que me dão na escola. Há semanas a escola está envolta em uma névoa fétida. Não sei por que ainda nos educam. Ou melhor, tentam nos educar. Não há nenhum sentido nisso.

Nada mais faz sentido.

Estou agora ao lado do pântano. Cadáveres até onde a vista pode alcançar. De animais e de humanos. Principalmente crianças e velhos. As crianças haviam se suicidado. Os velhos foram trazidos dos asilos e ali jogados. Ainda vivos, mas muito doentes. Não havia motivos para cuidar deles. Perda de tempo, de dinheiro e de diversão. Vomitei. Um líquido seco esbranquiçado. Evaporou-se rapidamente na forma de uma fumaça pestilenta. Os cadáveres apodrecem de forma espetacular. Aquela névoa dos miasmas de sua putrefação é uma das coisas mais lindas que vejo há anos. A névoa imunda, mas bela, parte dos órgãos corrompidos dos cadáveres, como bafos de vermes, ascendem aos céus ameaçadoramente nublados, enevoados como os olhos da morte, e ali formam um espetáculo de cores e vapores sensacional. 

Lágrimas correm agora de meus olhos ao contemplar a beleza do dantesco. Suporto todas aquelas pestilências de um fedor cósmico para ver o nunca visto. Que me resta? Quem me resta?

Amanhã, a parte final
(Na imagem, o quadro "Inferno", de Hieronymus Bosch)

10 fevereiro 2011

Três Rápidas Considerações Meio-Poéticas 5

I
o esquecimento
é da humanidade
o maior mal:
a quem esquece
tudo parece igual

II
agora
qualquer revolução
não tem mais sentido:
é fácil fazer-se revolto
quando já se está vendido

III
dizer-se que um sorriso
é sempre bem-vindo
seduz...
mas para quem vive na seca
a tempestade é que é a luz

08 fevereiro 2011

Um Absurdo

cavar todos os dias
com uma pá
sem descanso
cavar a cada instante
como se fosse adiante
cavar com o pé
o que não é
até  achar diamante
a toda hora
como se fosse embora
cavar pelo pó
com um resto de bota
sem ter espora

cavar cova tão imensa
que seja cratera
e chegue ao outro lado
e à outra era
e arrancar petróleo e ouro
quanto mais cansado
com fôlego de touro
e rubis e esmeraldas
e trazer à luz
envolvidos em grinaldas

e enfim jogar tudo aos porcos
pelos chiqueiros tortos
e partir
sem ter o nome na lista

e como um vulto
que pelo longe some
sublimemente
morrer de fome

(eis a missão do artista)

06 fevereiro 2011

Os Pássaros e um Significado Funesto

Nos últimos anos, tem aumentado de forma significativa o número de pássaros no centro de Santiago. Os santiaguenses perceberam?  São pássaros que na minha infância e adolescência eu nunca vira, ou vira raramente, no centro da cidade. Eu os via apenas no interior do município ou em periferias já no limite urbano. São, por exemplo, bandos de periquitos, de pelinchos, de gralhas, entre outros.

Parece belo, parece bom, não é? Mas desgraçadamente isso é trágico. Tais pássaros típicos de zonas rurais invadindo a zona urbana trazem um significado funesto: o de que estão perdendo o seu habitat. Reflete, logicamente, a destruição de suas matas, a proliferação caótica das lavouras, o desaparecimento progressivo das fontes d'água, a ação dos caçadores. Expulsas de seu meio, as aves estão fugindo da morte, lutando para sobreviver em locais onde ainda podem encontrar alimentos e se refugiar da caça predatória, pois ninguém (ou quase ninguém) caça no centro de uma cidade.

Fala-se muito nos refugiados humanos das alterações climáticas e ambientais, mas ninguém (ou quase ninguém) pensa nos outros refugiados, os animais, tão vítimas (não, são muito mais vítimas) quanto os homens. Mas assim é. Desde que antigos filósofos e cientistas preconizaram e ensinaram à humanidade que a natureza deve ser dominada a todo custo, que "seus segredos devem ser obtidos sob tortura", que ela deve servir submissa aos interesses egóicos do homem, como uma escrava, desde esse dia temos transformado nosso planeta em um inferno. 

Mas a rebelião das forças naturais (que sempre serão indomáveis) que se assoma assustadora a cada dia que passa colocará um ponto final na vã e imbecil prepotência humana...

05 fevereiro 2011

em Minha Amada de Amada

parar de pensar
e não dizer nada com nada
nenhuma alguma a ser entendida
ou entediada

sono o vasto do campo
em minha amada de amada
o campo é o campo
e não se precisa explicá-lo
sente-se mais a dor
do que o significado do calo

por isso é que não me calo
quando ao nada me resta há falar
o que vale é que ao vale a cavalo
e além do que penso
(por isso é que não me canso)
o universo é mais denso
quanto te perco meu senso
entre o incenso e o luar
(a isso é que vago te danço)

versar é no Nada cavá-lo
não quero de verbos modernos
desses de deletar
quero o que se grave e antiga
em todas as eras
e tu que me esperas
nos parassempres do ar...

amar é sempre ter ido:
ser poeta é não fazer sentido

04 fevereiro 2011

Falecimento e Luto

Meu avô, Adão Reiffer, mais conhecido na cidade como "Gringo", faleceu ontem, dia 3/02, às 14h, aos 80 anos de idade, vitimado por graves complicações causadas pela diabete. Era natural de Jaguari, mas passou quase toda sua vida em Santiago.

Sempre admirei meu avô pelo seu inesgotável ânimo para o trabalho e pela sua incrível capacidade de resolver os problemas da vida prática, qualidade esta que não posso a mim atribuir. O "Gringo" era funcionário público, taxista e mecânico nas horas de folga. Realizou, por longo tempo, as três atividades simultaneamente.  Foi também um dos primeiros aviadores de Santiago, sendo sócio-fundador de nosso aeroclube. Por vários anos, foi seu diretor de patrimônio.

Boêmio durante toda sua juventude, e até um pouco depois dela, chegou a ser conhecido, principalmente nos anos 50 e 60, como um dos "reis" da noite santiaguense. E, o que é mais importante, possuía um grande coração sempre disposto a ajudar. A ele deixo meus eternos agradecimentos. O sepultamento será hoje, às 11h. Que esteja agora em paz.
"Requiem aeternam dona eis, Domine, et lux perpetua luceat eis".

03 fevereiro 2011

Aos Deslumbrados

há que se ter cuidado
com a sede de vida
pois o que está na sede da alma
tem sede maior ainda
sede cauteloso:
não se pode saciar ambas
pelas cordas bambas
como quem come um pêssego
e solta o caroço
pelo poço..

nem tudo é eu posso:
às vezes fica tarde
e noutras – tempestade
e pode (m)olhar sol ou chuva
sobre o jardim...

nem tudo é tão simples assim:
é belo colher a tulipa
e derramar suas pétalas
e se fitar a verde trilha
como se tudo fosse
só maravilha...
mas a vida não é só soprar
e fazer espuma:
por trás do arbusto de flores
se oculta o silêncio
do bote do puma...


01 fevereiro 2011

Miséria

como música que é sem ter que ser
assim me espero no que nada sou
vejo os campos tão amplos dos profundos
lagos meus que nunca foram benditos
porque ao âmago sempre inútil seco
aqueles verdes vagos passam e levam-me
raio de dita tornado tornado
olho amigo para o céu que oceana
todos os sorrisos são como pássaros
fêmina passagem em culpa inevita
tudo é triste abaixo dO que não é
e em quatorze versos não disse nada
não disse porque estou rouco e mais louco
e tudo é tão feio tão vão tão pouco...

30 janeiro 2011

A Palavra vale mais do que o Ato

vou deixar que tu vás
que vás tu palavra
vasta
tu que vales mais
do que o ato
porque sem ti
o ato não seria
porque só o Verbo é que alto
e vasto
o Verbo é que deixa o rasto
o Verbo é que fez o “Faça-se!”
a palavra é que foi o princípio
derramado
do divino cálice

a palavra vale mais do que o ato
porque quem age antes pensa
e quem pensa antes sente
e só a palavra torna isso possível
e presente

quem absorve a palavra
o ato pressente
é ela
que do sonho à mente
e da mente ao fato
torna a vontade
no que existe:
o som é o Verbo
cristalizado
e só ele persiste

e só restará um som desolado
e uma palavra de fúria
quando o Faça-se
for proferido ao inverso

por isso deixo que tu vás
palavra
como aquela
(a ela)
do meu verso

29 janeiro 2011

K626 - Uma Tentativa de Salvar a Humanidade

Anteontem, 27/01/2011, Wolfgang Amadeus Mozart completaria 255 anos. Ma o gênio austríaco viveu pouco: faleceu com 35 anos de idade. Viveu pouco e compôs muito. Para ser exato, compôs 626 obras. K626 refere-se à sua última e maior obra: o Réquiem

Mozart, por ser um compositor do período classicista (aliás, o ponto mais alto do Classicismo musical), onde a razão predominava sobre a emoção, evitava, na maioria de suas obras, uma manifestação muito intensa do sentimento, evitava o "pathos", o sentimento trágico (que seria a marca do movimento posterior, o Romantismo). Porém, em várias de suas composições isso não acontece. Mozart, conhecido por expressar a beleza e o colorido da vida, da natureza,  e uma felicidade angelical, celeste, divina, na maior parte de suas obras, também escreveu páginas de uma profunda dramaticidade, onde a tragédia nos toca intensamente, atingindo o âmago da alma. E essas obras trágicas, sombrias, estão entre as melhores do gênio classicista, tanto que Mozart é considerado, devido a tais composições, como um anunciador do Romantismo.  

Há muito sentimento, uma emoção densa, inquietante, em obras como a sinfonia 40, os concertos para piano 20 e 24, a ópera Don Giovanni, alguns quintetos, quartetos, sonatas para piano, para violino e piano, a Missa K427, entre outras. Agora, nenhuma delas é tão trágica, tão perturbadora e tão comovente como o seu inefável Réquiem.

Trata-se de uma das obras máximas da música universal, o maior dos réquiens, capaz de emocionar até alguém com o coração empedernido. Impossível não se assombrar diante de uma composição de uma magnitude sobrenatural que se assoma em uma apocalíptica majestade. 

Mas o que é um réquiem? É uma missa fúnebre, a representação máxima da cerimônia de despedida. Uma missa para a alma dos mortos. Vejam só que caso curioso, ou talvez uma ironia do destino: Mozart, famoso por suas notas luminosas e cheias de vida, tem como sua maior obra justamente uma obra que trata da morte.  E vejam que curioso também isto: o Réquiem é sua última obra. Mozart morreu antes de finalizá-la. E Mozart não o compôs de livre e espontânea vontade. Alguém poderia pensar: Mozart sabia que iria morrer e quis compor sua própria missa fúnebre. Não, o Réquiem foi um encomenda do Conde Walsegg para a morte de sua esposa. Mas sem saber, talvez apenas pressentindo, Mozart compôs um Réquiem para si mesmo.

Há a lenda de que o emissário do conde que foi até Mozart encomendar a obra seria a própria morte. Isso ocorreu cinco meses antes de seu falecimento. Durante esse período, Mozart não completou o Réquiem. O que é um absurdo para o gênio, que escrevia impressionantemente rápido. Tanto é que nos legou 626 obras em apenas 35 anos de existência. Escrevia óperas inteiras em apenas 15 dias, como no caso de A Clemência de Tito. Porém, depois de 5 meses, Mozart não havia completado o Réquiem. Certamente, ele pressentia que quando finalizasse essa obra, morreria. Não terminou, morreu antes. O que Mozart não conseguiu completar, principalmente os números do Sanctus, do Benedictus e do Agnus Dei (no total, o Réquiem contém 14 números), foi terminado pelo seu discípulo Franz Süssmayr, que não logrou, obviamente, atingir o mesmo nível sobrehumano dos números escritos somente por Mozart.

O Réquiem de Mozart é um profundo mistério, em todos os sentidos. No primeiro número, o Introitus, entramos em um mundo de dor e sofrimento, prenunciado pela respiração ofegante de alguém que agoniza, sentimento transmitido pelos instrumentos de sopro do início. No assombroso Kyrienão sabemos se ali há desespero ou confiança. No Dies Iraeestá a fúria devastadora do Apocalipse, parecemos entrar em um furacão que se debate entre um coro de anjos nem um pouco amistosos. No Tuba Mirum, soa uma terrível trombeta sentenciosa. No Rex Tremendae, somos invadidos por uma angústia em seu último grau. Uma calma divina, porém sombria e impregnada de súplica, tranquiliza-nos no Recordare. Mas o horror retorna impiedoso no Confutatis, que finaliza em um ar sepulcral arrepiante. Em seguida vem a tristeza que nos dilacera do Lacrimosa, onde o Amen final se ergue sobre a humanidade de forma espantosa e desafiadora. O Domine Jesu Christe é de um tumulto onde luzes e sombras rivalizam sem cessar. E no Hostias, após um momento de indescritível sublimidade celestial, que não chega, no entanto, a nos trazer paz, ressurge o trecho Quam olim Abrahae, de um clima de ameaça e de desespero avassalador. Os três números seguintes não foram terminados por Mozart. O último número, o Communio, é, musicalmente, apenas a repetição do final do Introitus unido ao Kyrie.

Com seu Réquiem, Mozart deixa-nos seu testamento definitivo. E uma tentativa de salvar a humanidade. 

27 janeiro 2011

da Realidade

o trono real
sempre passa
quem é rei hoje
amanhã some
e não passa de um nome
passado
pela pressa da traça:
a realidade
é só fumaça...

a minha real-idade
ninguém olha
ninguém sabe
talvez seja
a da folha
talvez seja
a do tigre
dente-de-sabre

o real está onde?
é o dia ou a noite?
o que se pensa ou o que se sente?
ou é aquilo
que se esconde?

talvez o real
seja o símbolo
ou um sinal...
por isso
o que me dizem sê-lo
não vale um selo
de 1 real

26 janeiro 2011

Ainda Sobre o Hospital (e-mail enviado ao jornalista Júlio Prates)

Caro Júlio:

Agradeço as palavras a mim dirigidas.  Estou no meu direito e no  meu dever de criticar e denunciar uma negligência da qual a vítima foi meu avô, é o mínimo que posso fazer por ele depois de tudo o que ele fez por mim.   Havia um médico responsável no caso do meu avô. O HCS tem a obrigação de saber quem é, pois meu avó paga, há anos, o plano de saúde, eu não necessito citar seu nome. Mas esse médico responsável não estava lá. E pior, estava incomunicável. E só foi aparecer na manhã do dia seguinte, ou seja, quase 24h depois da internação. Disseram no HCS que como o médico responsável era tal, não podia haver a troca de médico, até que o responsável viesse ver meu avô. 

Diga-me se essa burocracia absurda, vergonhosa e cruel é algo que se faça com um ser humano? Com um cliente do hospital? Não se faz isso nem com quem vai comer uma pizza. Quem vai comer uma pizza, pode esperar quase 24h para que ela venha? E se não há garçom, não tem o direito de pedir outro? Os clientes não têm direitos? Isso não se faz com quem espera por uma pizza, mas se faz com quem espera por sua própria vida?  E isso é culpa do hospital, independente da culpa do médico. E se meu avô viesse a falecer durante esse período? É um caso isolado? Olha, sinceramente, tenho fortes dúvidas quanto a isso... Mas ainda que seja, é uma negligência imperdoável. E, em nome do meu avô, eu não perdoo.

25 janeiro 2011

A Incompetência e a Vergonha do Hospital de "Caridade" de Santiago e Alguns Médicos Mercenários

Meu avô, que está com 80 anos de idade, foi internado no Hospital de Caridade (não entendo o porquê de "Caridade" nesse hospital, deve ser piada de humor negro) hoje, logo após o meio-dia. Meu avô sofre de diabetes, há alguns anos teve uma isquemia cerebral. Foi internado agora com um quadro que parece ser de insuficiência respiratória. Pois desde o instante em que foi internado até as 22h, nenhum, eu disse NENHUM, médico dignou-se a atendê-lo. Isso, olhem só o absurdo, que meu avô paga o plano de sáude do hospital!!!

E mesmo se não pagasse o plano, meu avô sempre foi um homem honesto, digno e honrado que sempre pagou seus impostos em dia. Deveria ser atendido sem pagar nenhum plano especial. Mas paga, e mesmo pagando, nenhum médico vai vê-lo. Disseram que há um médico responsável, não citarei nomes, e que esse médico "responsável" encontra-se em seu campo cuidando de seus gados. O médico é pago para cuidar das pessoas e vai pro seu campinho cuidar dos seus gados??? Que tipo de brincadeira de mau-gosto é essa? Esse é o nosso Hospital de Caridade que ganha prêmios, que é badalado em alguns jornais e blogs? 

Quantos pacientes já viveram ou ainda vão viver situação semelhante, ou pior, em nosso hospital? É necessário vivenciar algumas realidades para ver como as coisas são. É claro que há médicos de verdade, que honram o seu trabalho (e que trabalham),  mas há também médicos mercenários, que estão na profissão para lucrar com a desgraça dos outros. Não só não atendem com a devida competência e responsabilidade a seus pacientes, mas cobram os olhos da cara, por exemplo, por uma consulta particular de 5 minutos. E os planos de saúde então? Pior ainda. Esse do Hospital de Caridade (entendi agora: caridade vem de caro) é uma vergonha, um lixo. Aí está o nosso grande Hospital. Perto dele, a Morte parece ser mais amistosa.

24 janeiro 2011

(H)à Noite















em cada noite
há um segredo
de olhar e de medo
não-igual
ao da noite anterior
em cada noite
há uma espera maior
no mistério
do que ainda é cedo
em cada noite
há um termo
sem termo
que pode ser término
ou início
e lá o céu
pode ser céu
ou precipício
e a estrela
pode sê-La
ou ser só
estrela
distante
que em cada noite
há um fatal
e um adiante

cada noite
pode ser a primeira
de uma nova vida
que pode ser vivida
ou sonhada
que pode ser na Terra
ou no Nada...

(Na imagem, o quadro "Pescadores ao Mar", de William Turner)

23 janeiro 2011

"Ao Leitor" - A Poesia Maldita e Impiedosa de Baudelaire

A poesia de Baudelaire é como um soco no estomâgo. O maior gênio da poesia francesa, na minha opinião, juntamente com Victor Hugo, Charles Baudelaire (1821-1867) está mais atual do que nunca. Em um época onde a decadência psíquica da humanidade avança no mesmo ritmo das conquistas tecnológicas (e isso podemos comprovar desde lá na China até aqui em Santiago), a poesia baudelairiana,  que desvenda o mais profundo do interior humano, serve-nos como um terrível espelho.

Baudelaire, fortemente influenciado por Allan Poe, foi não só o iniciador do Simbolismo na literatura universal, mas também o precursor de toda poesia moderna, juntamente com Walt Whitman. Realizou uma profunda e densa fusão em sua obra do sublime com o grotesco. Inaugurou um novo uso da linguagem. Foi um dos primeiros artistas a ser qualificado de "maldito", tanto pela sua obra, que dizia aquilo que os outros não queriam ouvir, como pela sua vida, marcada por grandes dificuldades, desde financeiras até de saúde, e pela total incompreensão do público da época, que via sua obra como exageradamente sombria e imoral. Baudelaire faleceu precocemente sem conhecer o sucesso que viria de forma arrebatadora nas décadas seguintes.

O poema "Ao Leitor" é o que abre sua obra-prima "As Flores do Mal", livro que foi censurado e acusado de ultrajar a moral pública. Sintam o soco baudelairiano:

Ao Leitor

A tolice, o pecado, o logro, a mesquinhez
Habitam nosso corpo e o espírito viciam,
E adoráveis remorsos sempre nos saciam,
Como o mendigo exibe a sua sordidez.

Fiéis ao pecado, a contrição nos amordaça;
Impomos alto preço à infâmia confessada,
E alegres retornamos à lodosa estrada,
Na ilusão de que o pranto as nódoas nos desfaça.

Na almofada do mal é Satã Trismegisto
Quem docemente nosso espírito consola,
E o metal puro da vontade estão se evoca
Por obra deste sábio que age sem ser visto.

É o diabo que nos move e até nos manuseia!
Em tudo que repugna, uma jóia encontramos;
Dia após dia, para o Inferno caminhamos,
Sem medo algum, dentro da treva que nauseia.

Assim como um voraz devasso beija e suga
O seio murcho que lhe oferta uma vadia,
Furtamos ao acaso uma carícia esguia
Para espremê-la qual laranja que se enruga.

Espesso, a fervilhar, qual um milhão de helmintos,
Em nosso crânio um povo de demônios cresce,
E, ao respirarmos, aos pulmões a morte desce,
Rio invisível, com lamentos indistintos.

Se o veneno, a paixão, o estupro, a punhalada
Não bordaram ainda com desenhos finos
A trama vã de nossos míseros destinos,
É que nossa alma arriscou pouco ou quase nada.

Em meio às hienas, às serpentes, aos chacais,
Aos símios, escorpiões, abutres e panteras,
Aos monstros ululantes e às viscosas feras,
No lodaçal de nossos vício ancestrais,

Um há mais feio, mais iníquo, mais imundo!
Sem grandes gestos ou sequer lançar um grito,
Da Terra, por prazer, faria um só detrito
E num bocejo imenso engoliria o mundo;

É o Tédio! - O olhar esquivo à mínima emoção,
Com patíbulos sonha, ao cachimbo agarrado.
Tu o conheces, leitor, ao monstro delicado
- Hipócrita leitor, meu igual, meu irmão.

Charles Baudelaire

21 janeiro 2011

Três Rápidas Considerações Meio-Poéticas IV

I

o coração
deve ser como um pano
que está sempre em valde:
absorver tudo
para depois torcer
dentro de um balde

II

chorar
é saber que se sabe
ou cedo
ou tarde

III

poeta
é quem nunca te desistes
e com um só arrependimento:
o de não ter escrito
ainda mais tristes

20 janeiro 2011

Tratado Completo Unificado de Poesia e Filosofia

quando necessito ouvir...

vou à beira dos banhados
escutar o coaxar dos sapos
e o matraquear dos patos
abaixo de tempestades...

é o que faço
quando necessito ouvir verdades

19 janeiro 2011

Sobre a Casa do Poeta de Santiago

Sinto-me na obrigação de comentar um pouco sobre a Casa do Poeta de Santiago, tendo em vista a discussão que está ocorrendo sobre a mesma em nosso universo blogueiro. Pouca coisa, de forma simples, sem frescuras.

Eu não participei do evento recente da Casa do Poeta por um motivo extremamente simples: eu não gosto desses eventos. Admito, reconheço sua importância, mas não gosto, é algo extremamente pessoal. Prefiro participar dos cafezinhos. Pelo mesmo motivo não participei da Feira do Livro. Mas o evento da Casa do Poeta foi um sucesso e eu parabenizo aos que o tornaram possível. A Casa existe, eu ajudei a fundá-la, e não me arrependo. Apesar de andar um pouco afastado da mesma, por inúmeros motivos, que são pessoais, sei o quanto ela é importante para o nosso município, o quanto já fez e o quanto ainda fará. Tenho amigos lá que admiro e respeito, e se tivesse lá inimigos, eu respeitaria a Casa da mesma forma, e entenderia a importância de seu papel.

Poderia discordar da Casa e poderia me manifestar contra, como faz o poeta Froilam, ele está no seu direito.  Qualquer pessoa pode se manifestar contra ou a favor dela. Eu julgo que devo ser a favor da Casa. Outros julgam que devem ser contra. Não vejo nenhum problema nisso. Cada qual tem suas opiniões. E ninguém é proprietário da verdade. Aqui em Santiago há pessoas que não gostam de mim, não gostam do que escrevo, e isso pouco me importa. E se falassem mal de mim dentro da Casa do Poeta, eu iria entender assim: isso é a literatura. Se estamos na chuva é para se molhar. Por que partir para brigas inúteis?

Se um dia eu tiver inimigos lá dentro, paciência. Cada um cumpre o seu papel. Eu escrevo. Ponto final. Não gosto da literatura de Paulo Coelho, mas ele tem uma excelente frase: "Os escritores escrevem, os leitores leem e os críticos criticam". Eu, quando julgo que devo criticar algo, eu o faço. E todos têm esse direito. Assim como todos têm o direito de escrever o que quiserem. Se bom ou ruim, só o tempo irá dizer.

Todos temos erros e acertos. A Casa tem seus erros e acertos. Eu tenho meus erros e acertos. Da mesma forma é com cada membro da Casa e com cada crítico da Casa. Deveríamos aprender a conviver com nossas imperfeições e nossos erros.

Se eu escrever um  poema ou um conto, estarei sujeito a críticas e a elogios. Aceitarei ambos, o que não significa que eu concorde com a crítica ou com o elogio. Se a Casa do Poeta realizar um evento, estará sujeita a críticas e a elogios. E aqueles que criticam ou elogiam estarão, por sua vez, sujeitos a críticas e a elogios por terem criticado ou elogiado. Assim é. Cada um deve arcar com as consequências de suas ações, SERENAMENTE, sejam elas boas ou ruins. Nada é feito impunemente. O que não significa que não deva ser feito. Pelo contrário: o pior castigo vem para os que nada fazem. Devemos sempre seguir os ditames da nossa consciência. Essa é a única lei.


18 janeiro 2011

FARSA: Palavra-Chave do Governo Yeda

Que os governos, os políticos em geral, vivem de mentiras, não é novidade para ninguém. Agora, no governo Yeda essa "verdade" raiou o absurdo. A nossa ex-governadora e sua equipe desenvolveram um trabalho de marketing de fazer passar gato por lebre. Sempre apoiado, do começo ao fim, diga-se de passagem, pelo PP, tão querido aqui em Santiago.

Como disse o Juremir Machado da Silva, em sua coluna no jornal Correio do Povo, já há alguns meses, "marketing é enganação". Aí está a governo Yeda para provar. A começar pelo educação. Foi uma enxurrada de propaganda alardeando conquistas e melhorias e comprometimento com os professores e alunos felizes e contentes e escolas aparelhadas até os dentes, enfim, era tudo uma maravilha. Teve quem acreditasse. Aqui em Santiago, até jornal acreditou. Mas o que se viu foi a educação sendo desmantelada, cortes de verbas, guerra contra os professores, arrocho salarial, desrespeito ao plano de carreira, salas de aula lotadas, autoritarismo, enfim, o diabo. Teve quem acreditasse.

Quem andasse pelas estradas do RS afora veria mais placas do que obras. Chegava a ter placa de propaganda atribuindo uma obra ao governo do Estado onde não tinha obra alguma que pudesse ser vista. Devia ser uma obra em alguma outra dimensão.

E agora, o novo governo desmascarou a farsa do tão propalado Déficit Zero, a maior propaganda do governo Yeda. Era déficit zero pra cá, déficit zero pra lá, tudo era pelo déficit zero. Os professores, por exemplo, deveriam passar fome para que existisse o déficit zero. A única coisa que não poderia ser sacrificada em prol do déficit zero era a casinha da governadora. E os caixas dois. E os desvios do Detran. Porém, parece que o déficit zero corresponde a um déficit de R$ 170 milhões para março. Sou ruim em matemática. Não consigo entender. Quer dizer que zero é igual a 170 milhões? Essa fórmula genial nem Einstein elaboraria.

Segundo o novo Secretário da Fazenda, Odir Tonollier, o governo Tarso herdou R$ 1 bilhão de restos a pagar, sendo que o déficit do caixa único atinge atualmente R$ 4,6 bilhões. O secretário também afirma que os R$ 3,6 bilhões que foram "deixados como herança" do governo Yeda para o governo Tarso são, na verdade, originários de depósitos judiciais e não se apresentam como verba disponível para investimentos imediatos.

Ou seja, mais uma vez, o novo governo começa sua gestão sem dinheiro algum. E pior, devendo. Não haverá aumento salarial para os servidores (para os servidores apenas, pois os nossos queridos deputados, que obviamente ganhavam uma merreca,  já aumentaram, merecidamente, seus próprios salários) e os investimentos serão mínimos. E a ladainha continua... "Agnus Dei, qui tollis peccata mundi, miserere nobis."