22 dezembro 2010

Palavras de Silêncio...

eu nunca digo teu nome
porque ele está em tudo que falo
e ainda mais no que calo
eu nunca calo teu nome
porque ele está em tudo que digo
esteja o ser
ou seja o eu contigo

teu nome é o verbo
de cada reverso
cada palavra
aqui bem ou mal-dita
é teu nome
em outro universo
em três letras de um código
sem sim
a ser fim
no alter-lado da vida

teu nome é um planeta que orbita
ao redor do núcleo de um átomo
e é um elétron que gira
ao redor do sistema de um sol
teu nome é alma e é som
e está só
e é pedra à estrela
e na pedra há uma estrela
seja em aura ou imersa
e vice-versa

o que mais sei
é o que não me disseste
mas sei que não saberei
todas as roupas que vestes
pela madrugada...

e como não Te dizer
se estás em tudo
e nadas cada vez mais
no meu nada?

21 dezembro 2010

Poemas do Término e Contos do Fim 41

A edição 41 do zine literário Poemas do Término e Contos do Fim estará disponível a partir da noite de hoje, dia 21/12.  Inclui a 1ª parte do conto "Agora Vou Lá. Tenho que Degolá-la." e os poemas "O Tornado",  "Poema Suicida", "Soneto aos Últimos Momentos" e "Poema Catastrófico nº3".

O zine 41 está também disponível digitalmente, gratuito, como a versão impressa. Para recebê-lo, basta que o leitor deixe seu e-mail aqui ou mande para reiffer@gmail.com, que então ele será enviado.

Em Santiago, os pontos de distribuição da versão impressa são os seguintes: locadoras Fox, Classic e Stop, biblioteca pública, biblioteca da Uri, Ponto Cópias e Livraria Santiago. Pode ser enviado para qualquer cidade do Brasil ou exterior, mediante o pagamento das despesas de correio.

Além de Santiago, o zine Poemas do Término e Contos do Fim possui distribuição nas seguintes cidades: Santa Cruz do Sul/RS, Santa Maria/RS, Porto Alegre/RS, Santo Ângelo/RS, São Gonçalo/RJ e Goiana/PE.
O trabalho de design da publicação é realizado por Guilhermes Damian.

19 dezembro 2010

Três Rápidas Considerações Meio-Poéticas

I

para toda vontade
existe um senão.
há quem queira seguir uma estrada
sem obedecer a sinalização.

II

o bom da ironia
(e isso não é uma ironia)
é que ela faz graça
sem trazer alegria.

III

percebo que o mundo
está em perfeito equilíbrio:
há um lado áspero
e outro liso...
o planeta me causa choro
a humanidade me causa riso. 

16 dezembro 2010

(Não-)Palavras a Beethoven

240 anos de Beethoven. Hoje. 16 de dezembro de 2010. Aqueles que acompanham o blog sabem que meu compositor favorito é Brahms. O maior herdeiro de Beethoven na música. Os meus 5 compositores prediletos, nesta ordem, são: Brahms, Beethoven, Bach, Wagner e Schubert (em sua última fase). Depois vêm vários outros, como Mahler, Chopin, Bartók, Bruckner, Shostakovich, Tchaikovsky, Händel etc. 

Mas o fato de considerar Brahms o número 1, não significa que eu considere Brahms como o melhor ou mais genial de todos. Brahms é com quem mais me identifico, o compositor que mais escuto, não há um só trecho da obra de Brahms que eu não ame profundamente. Agora, há dois compositores cuja genialidade é inigualável, na minha opinião: Beethoven e Bach. Beethoven foi o responsável pela maior revolução da história da música. A música é uma antes de Beethoven e outra depois dele. Por isso, deixo aos seus 240 anos uma humilde homenagem.

(Não-)Palavras a Beethoven

Tua música é sublime
porque não precisa dizer nada
para o ser...
o Ser é a Tua música.

tens razão:
para que dizer
alguma palavra
se a Verdade não está
em palavra alguma?

a Verdade é um sentido
que nos fala a cada nota
do que Tu não nos falas...

por isto
é que podendo Te dizer tanto
não Te digo nada:
és surdo para este mundo.

mas o que é afinal
que em Tua música há?
há tudo aquilo
que o homem nunca será.

(Na imagem, o quadro "Alegoria do Gênio de Beethoven", de Sigmund Hampel)

15 dezembro 2010

Wikileaks Para Desmascarar Pessoas

Os leitores do blog são pessoas bem informadas, por isso não me darei ao trabalho de explicar o que é wikileaks. Se por acaso alguém não souber, basta procurar no Google.

O que me surpreende, na verdade, não são as revelações que o Wikileaks tem feito de governos e políticos, surpreende-me o fato de as pessoas ainda se surpreenderem com tais revelações. É lógico que os governos, que os países, “pensam merda” de outros governos e outros países. E pensam coisas muito piores, que, segundo o próprio Wikileaks, nem chegaram a ser reveladas. Até porque não se teve acesso a todos os “podres. E pensam merda e fazem merda e depois a escondem. Assim como nós “pensamos merda” de outras pessoas e nunca revelamos, ou revelamos em segredo, assim como nós fazemos merda às escondidas. O que são os países? São o prolongamento de cada um dos habitantes que o compõem.

O Wikileaks é algo como um develador de pensamentos, de consciências. Felizmente, ele só existe para os países e seus governos e empresas. E se existisse um para pessoas? Que iria lá e expusesse o que pensamos e sentimos e fazemos ocultamente? Haha!  Que tragédia, hein? Mas seria algo bastante interessante. Imaginem quantos santinhos do pau-oco seriam desmascarados?  Quanta gente que se crê mui nobre, mui sublime, mui correta não veria seu telhado desabar...?

Nós, humanos, somos maus e egoístas. Eu sou. Eu admito. Eu sou egoísta, eu cobiço, eu tenho vaidades, eu sinto preguiça, eu desprezo, eu minto, eu sou misantropo, chego a ser mal-educado, indiferente, eu fracasso em muitas coisas, eu faço fiascos de vez em quando, bebo pra mais às vezes, fumo, enfim, eu confesso que sou eu. Eu não sou nenhuma flor que se cheire, eu não sirvo de exemplo. Mas eu me conheço. E quando nos conhecemos claramente podemos trabalhar melhor sobre nossos próprios defeitos. Porque percebemos quando os defeitos afloram. Aqueles que se julgam pessoas exemplares deveriam se auto-observar melhor...

Agora, há pessoas que se julgam perfeitas, ou quase isso, e adoram posar como bons moços, como perfeitas donzelas, como sábios impolutos, como mestres semidivinos, enquanto a perversidade fervilha por baixo das aparências. Em alguns casos enganam ou tentam enganar de propósito, noutros, enganam a si mesmos. Há pessoas que acreditam de fato que são absolutamente irrepreensíveis. E ai de quem disser o contrário. Existem pessoas que crêem que são as melhores coisas possíveis, que terão sucesso em tudo aquilo que possam empreender, que conhecem todas as verdades, que vivem dando conselhos e metendo o bedelho em tudo, como se os seus conselhos fossem o próprio Verbo de Deus. Talvez devessem fazê-lo diante do espelho.

É, deveria existir um Wikileaks para pessoas. Seria muito divertido. Eu iria rir de muita gente. Ou não riria, apenas ficaria com um sorriso irônico como o do Al Pacino acima, o meu ator preferido. E muito melhor que as minhas palavras é o poema do Fernando Pessoa abaixo. É o Pessoa desmascarando pessoas.


POEMA EM LINHA RETA
Nunca conheci quem tivesse levado porrada. 

Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo. 
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil, 
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita, 
Indesculpavelmente sujo. 
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho, 
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo, 
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas, 
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante, 
Que tenho sofrido enxovalhos e calado, 
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda; 
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel, 
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes, 
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado 
                                                               [sem pagar, 
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado 
Para fora da possibilidade do soco; 
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas, 
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo. 

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo 
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho, 
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana 
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia; 
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia! 
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam. 
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil? 
Ó principes, meus irmãos, 

Arre, estou farto de semideuses! 
Onde é que há gente no mundo? 

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra? 
Poderão as mulheres não os terem amado, 
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca! 
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído, 
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear? 
Eu, que venho sido vil, literalmente vil, 
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza. 


 Fernando Pessoa

14 dezembro 2010

Não Leiam Este Poema

não leiam este poema.
eu lhes proíbo.
não há nada aqui
que deva ser lido
tudo o que escrevi
há milênios foi fluído
tudo já foi dito
em verso melhor que o meu
nem sei por que eu sou eu...

escrevi uns versos tortos
velhos múmios mortos
que não me servem pra nada
e não adiantam ao leitor:
versos de bobagenzinhas
essas coisinhas
chatinhas
tipo cantos de amor...

por isso eu lhes proíbo:
não leiam este poema
nem sei
por que o fiz...

mesmo assim
ele será lido:
o proibido
é que te faz feliz...

Casa do Poeta de Santiago Completa 2 Anos

Neste dia 17/12, sexta-feira, a Casa do Poeta de Santiago, fundada em 13/12/2008, estará  realizando  a comemoração de seu 2º aniversário. Deixo os meus parabéns à Casa, que tanto tem feito pela cultura em nossa cidade. Abaixo, está o convite para todos os leitores do blog. Confira a programação.

13 dezembro 2010

Marcha do Crepúsculo Perdido

além daquele eternus
sonhava um sol...

a céu que não descia
pairava um mas

aquém do verde negro
loucura ao mar

azul velado à nuvem
cigarro e cruz

um álcool lento a lento
do que mais fiz

um vento em mão há Brahms
e um deus sem luz

fumaça em lança estrela
e espera em som

desejo insana a vida
fracasso e vã

sentir venena a rosa
tristeza o sul

há noite alenta escura
sou só meu fim

amém duele infernus
sonava um sou...


11 dezembro 2010

Poema Catastrófico n°4 – Morrer de Rir*

enquanto
os sinos do natal latejam
eu Rio dos Sinos
na minha propriedade
privada...

eu não passo de um peixe
esgotado...

com a minha boca-aberta
me esqueça
me deixe...

de tanto rir
fiquei sem ar
e o sino a soar
a asma do meu sarcasmo

o mundo
é mesmo um quadro deBosch...
e os homens
são superiores de fato:
enquanto eu só rio
eles merditam
ao ondular dos sinos
pra lá e pra cá:
mar de
mer da
mar de
mer da
mar de
mer da...

* Poema ao novo desastre no Rio dos Sinos, no RS, onde uma quantidade absurda de esgoto jogado em suas águas causou a morte de várias toneladas de peixes, durante a piracema. O volume de esgoto despejado no Rio dos Sinos foi tão imenso que atingiu outros rios, como o Guaíba, em Porto Alegre.

10 dezembro 2010

" é um cachorro louco..."

Desnecessário apresentar este imenso poeta brasileiro, o genial Paulo Leminski. Até porque já o fiz aqui no blog. Vou deixar que ele se apresente em versos. Dois poemas:


O Paulo Leminski

O Paulo Leminski

é um cachorro louco
que deve ser morto
a pau e pedra
a fogo a pique
senão é bem capaz
o filho da puta
de fazer chover
em nosso piquenique


em matéria...

em matéria
de tino
menino
eu tenho dez

quiser
tenho até
um destino
a meus pés

as flores
são mesmo
umas ingratas

a gente as colhe
depois elas morrem
sem mais nem menos
como se entre nós
nunca tivesse
havido vênus

Paulo Leminski

(Na imagem, o quadro "O Almoço na Relva", de Manet.)

Contas de Chicão Rejeitadas. Parlamentar Terá que Devolver R$10.000.

Os blogs santiaguenses irão noticiar que a prestação de contas de campanha do deputado estadual eleito José Francisco Gorski  (Chicão) foi rejeitada pelo Tribunal Regional Eleitoral?

A notícia foi veiculada no jornal "Diário de Santa Maria" desta quinta-feira, dia 9 de dezembro. Segundo o jornal, "o TRE alegou que o parlamentar 'arrecadou recursos de forma indevida, inviabilizando a identificação de sua origem." Chicão terá que devolver R$ 10.000 ao Tesouro Nacional.

Segundo Chicão, os recursos foram doados pelo PP de Santiago diretamente a sua conta. Porém, ainda que tenha sido assim, a legislação eleitoral obriga que a doação seja feita ao diretório estadual do PP e só depois repassada ao candidato. 

É o jeitinho brasileiro...?

08 dezembro 2010

Tu és Deus

Tu, Tempo, és Deus...
Teu é o trono
que nos traga
a que Te trago
e a que me entrego
Teu é o trovão de thor
o troar do martelo
é Teu
ante o torvo do que tememos
és tigre
e treva
Tua é a tuba Tua é a trompa
Tua é a trombeta
na troça treda
da tormenta
Tua é do tormento
a taça trágica
e a traça tétrica
tumularmente arrastadas
às tampas das tumbas...

ave Tempo!
e o pulo preciso do Teu puma
e o peso do punhal no Teu pulso
e os passos do Teu compasso
e a pressa do Teu presságio
e a presa da Tua praga
que ninguém pisa e todos passam
e só Tu apagas...
Tu preparas o pesar
da tempestade
e só ao passar o temporal
é que Tu Tempo
(que o tempo passa...)
trazes entre as torres
o sol
da Verdade.

(na imagem, o quadro "O Triunfo da Morte", de Bruegel)

07 dezembro 2010

Década de 2001 a 2010 é a Mais Quente da História

Segundo um estudo realizado pela agência meteorológica da ONU, o período entre 2001 e 2010 é o mais quente já registrado desde que começaram os registros, em 1850. 

Os dados foram divulgados durante as negociações climáticas em Cancún, no México, e confirmam a tendência de aquecimento global. 2010 já está entre os três anos mais quentes da história dos registros, perdendo apenas para 2005 (o mais quente de todos) e 1998. Porém, a diferença de temperatura média entre os três anos é de apenas 0,02ºC.

O estudos também afirmam que os invernos excepcionalmente frios na Europa não estão afetando a média global, pois há regiões da Terra onde as temperaturas estão em uma elevação muita acima da capacidade redutora dos invernos europeus. É o que ocorre, por exemplo,  nas imensas áreas de desertificação que se alastram incessantemente em todos os cantos do planeta. E se os invernos da Europa têm batido recordes, o mesmo se dá com os verões. Este ano, a Rússia registrou uma mortífera onda de calor, com temperaturas atingindo quase os 40ºC, algo nunca antes visto em território russo.

Quanto ao Brasil, basta que recordemos a seca recorde da Amazônia. Da Amazônia.

E assim caminha a humanidade...

06 dezembro 2010

Soneto à Hora da Morte de Brahms

(Segundo frau Tuxta, Brahms chorou de tristeza à hora da sua morte, o motivo não lhe pôde dizer: “Quando vi que as suas tentativas eram inúteis, vi que grandes lágrimas começaram a cair dos seus olhos e a rolar pelo seu rosto abatido. Fitou-me com tristeza, deixou-se cair e expirou”.)

tensas e trágicas lágrimas tuas
furiando em ondas à força e à peso
ressoo de angústia sangrou-te o desejo
cantos e mares amores e luas...

invernos de febre em lágrimas duas
rompeu um violino o cosmo indefeso
e além dos teus olhos noites eu vejo
e um céu em silêncio às musas já nuas...

um denso pesar voou ao fatal...
o que é isso em ti que insano me abrigo?
que é este sonho que me arma um sinal?

lágrima lenta que lento eu te sigo
morre o sentido degrau a degrau...
deixa-me oh Brahms que eu sinta contigo...

04 dezembro 2010

Miniconto-Poema de Febre

eu sinto o cheiro da tua voz de almas
entre palavras que não mais existem
só digo aquilo que não tem sentido
a ver se toco o meu alado cravo
ali morri como se fosse um lobo
e do sedento eu me acenei teus olhos
estava lá ao nunca mais cantando
por entre abismos de um planeta doente
mas foi no sim que pressenti teu verde
porque a pintura me esqueceu sonhando...

fiz uma história em doze versos-febre:
não tenho culpa se não me entendeste...

03 dezembro 2010

Tua Sombra (no estilo de Cruz e Sousa)

Tua Sombra antiga em voz...
sempre mais aqui entre nós.

teu abraço em beijo e sangue...
traz mais paz que o sol exangue.

és um anjo em meu instinto...
és sombra em tudo que sinto.

sonho com tua tormenta...
som que meu lábio sustenta.

teu silêncio em toda parte...
no frio segredo de amar-te.

ao sopro-hino do teu sino...
tu erguerás o meu destino.

serás febre em  minha lira:
o mais é clara mentira.

(na imagem, o quadro "Lua sobre o Mar", de Dmitriev)

02 dezembro 2010

Os Traficantes Perderam, mas as Drogas Triunfam

A vitória das forças policiais e armadas contra os traficantes no Rio de Janeiro merece toda a nossa consideração, foi um golpe profundo no tráfico de drogas. Porém, o que vai realmente mudar?

Por que existem os traficantes? Primeiro, porque, lá, nas favelas, que expectativas e sonhos eles podem ter? Virar um trabalhador vítima da exploração do capitalismo, recebendo um vergonhoso salário mínimo para esgotar a sua vida em uma quase escravidão? Ser discriminado e odiado por toda a sociedade por ser pobre e/ou por ser negro e/ou por morar numa favela? Suas únicas esperanças são contemplar mauricinhos e patricinhas consumindo tudo o que desejam em suntuosos shopping centers, desfilando em carros de último modelo, sem precisar trabalhar, resplandecendo em aristocráticas aparências físicas e vivendo em palácios pagos com o dinheiro arrancado daqueles que trabalham. Esta é a sociedade do consumo, e todos desejam consumir cada vez mais. Não é assim?

Esses jovens que vivem nas favelas não têm o direito de sonhar e desejar como têm os outros? Todos dirão que sim. Mas ninguém dará oportunidade a eles de concretizar suas expectativas. Então, por que não traficar? Se isso renderá muito dinheiro e poderá satisfazer seus sonhos de consumo... E mais, isso proporcionará a vingança contra a sociedade que só mal faz a esses excluídos. Sim, pegar em armas, vingar-se daqueles que não estão nem aí para os favelados e os odeiam e os ridicularizam. Por que não? Quem irá dar uma lição de ética e de moral a eles? Com que autoridade? Os traficantes são violentos? E a sociedade que os oprime, muito antes de serem traficantes, antes mesmo de nascerem, ainda na barriga da mãe, é o que?

Alguém dirá que nem todos os favelados viram traficantes. É verdade, os outros aceitam a opressão. Por tal ou qual motivo, mas aceitam. Não estou dizendo que se deva combater a opressão traficando drogas, claro que não, mas digo que os favelados não encontram outra maneira de fazê-lo, a não ser entrando no tráfico. Não é lhes oferecida outra oportunidade. É de interesse das elites que os pobres permaneçam sempre pobres.

E por que há tráfico? Porque há quem compre aquilo que é traficado. E há muita gente comprando. E há cada vez mais. A droga triunfa no mundo inteiro. Seu consumo cresce incessantemente a olhos vistos. E enquanto houver quem compre, haverá quem venda. Se não forem os caras do Morro do Alemão, serão outros. O tráfico vai continuar do mesmo jeito. E sempre será forte. E não há tráfico sem violência. Se algo é contra a lei e é combatido com a arma, só é eficiente com a força da arma. E os mesmos que abominam essa violência querem a “coca” nossa de cada dia. E pagam os traficantes de muito bom gosto. E depois pagam com seus impostos a polícia para combatê-los. A humanidade é mesmo uma piada.

E a droga, amigos, a droga é um símbolo dos tempos pós-modernos. Por que se consome drogas? Para a grande maioria dos usuários, é porque não se encontra nenhum sentido na vida. Não é por diversão propriamente dita. É porque a diversão se transformou no único sentido da vida para muita gente. A diversão é uma forma de aliviar as frustrações de uma vida que não leva a lugar algum. E a “diversão” proporcionada pelas drogas talvez seja uma das mais intensas. Usar drogas é, também, estar incluído em um grupo. E se busca esse grupo porque é como se fosse uma fuga do vazio de um mundo egoísta, destituído de valores, onde a família se desintegra, onde não se encontra um ponto de apoio, onde consumir e parecer são os únicos objetivos.  Depois a diversão vira pesadelo. Mas aí...

A humanidade caminha para o caos. E o caos é a terra fértil onde as drogas germinam. Por isso, essa vitória contra o tráfico é uma ilusão. Ele continuará firme e forte. Se não for com os mesmos traficantes, será com outros.

30 novembro 2010

ao Compasso das Gargalhadas

...ao compasso das gargalhadas
dos abutres sobre o sangue
passo a passo dos gargalos
cataratas das garrafas
e o catarro das risadas
dos abutres sobre a terra
garra a garra pela carne
em brasas de santa graça
e a branca alada da garça
assanguinada em faca fraca
do compasso das metralhas
dos deboches alastrados
e os abertos bicos dos abutres
na cantata das gargalhas
e as pernas já trançadas
nas vagas claras do teu riso
os cruéis dentes em vãs asas
como o branco das cascatas
e o sarcástico dos asnos
e o rastejo das serpentes
e o gaguejo dos macacos
e o gorgolejo das galinhas
e o grotesco destes sapos
e o motejo destas cabras
e o manquejo destes diabos
soaram como graves larvas
ou como bruxas engasgadas
de ironias devoradas
e zombarias pelas águas
e gangrenas golfejadas
entre as línguas engraçadas
de lagartos arrastados
em macabras largas danças
com mefistófeles e gárgulas
na valsa destas risadas
dos abutres sobre o sangue
ao compasso das gargalhadas...

29 novembro 2010

Imortal

eu poderia falar da psique das flores
(para que não digam que sou só taciturno)
e daquelas (in)felizes luzes
que tanto me inspiram em seu sim...
mas ainda assim...

eu poderia falar da diurna esperança
(para que não digam que sou só pessimista)
e daquelas (des)graças de amores
que sempre ciclonam aqui em mim...
mas ainda assim...

eu poderia falar das sociais soluções
(para que não digam que sou só misantropo)
e daquelas (in)sensatas análises
que salvem talvez o mundo do fim...

sim
eu poderia falar sobre tudo
talvez com razoável destreza...
mas ainda assim...

não aliviaria em nada
a minha eterna Tristeza.

28 novembro 2010

A Maior Poetisa Brasileira

Cecília Meireles (1901-1964) é com certeza uma das maiores poetisas da língua portuguesa. Entre as brasileiras, na minha humilde opinião, é a maior. A poetisa carioca conseguiu com maestria conjugar o subjetivismo, a melancolia, a espiritualidade e a musicalidade do Simbolismo com a leveza, a simplicidade, a preocupação social e a liberdade formal do Modernismo.

Da sua temática preferida, a transitoriedade do tempo, das coisas, da vida,  surgem poemas de profundos questionamentos existenciais, muitas vezes trazendo-nos a aparente antítese de transmitir a sensação de que sentimentos e ideias melancolicamente pesados foram nos passados através de uma suavidade e ritmo musical quase infantis. O poema abaixo é um deles.



Canção
Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
- depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar.

Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre de meus dedos
colore as areias desertas.

O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio...

Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.

Depois, tudo estará perfeito;
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas. 


Cecília Meireles

(na imagem, o quadro "Naufrágio", de Vernet.)