Estava a Mãe Natureza
chorando junto das cruzes
das quais seus Filhos pendiam.
Via suas almas gementes
imponderáveis e aniquiladas
traspassadas por motosserras.
Oh! Que triste e aflita
estava a bendita Mãe
dos filhos universais!
Devastada de dor,
chora vendo
o desastre dos seus Filhos.
Quem poderia conter as seivas
da Grande Mãe
já tombada junto dos seus Filhos?
Quem poderia não se entristecer
ao contemplar a Mãe Natura
vendo os animais no tormento
flagelados pela humanidade?
Oh Mãe, fonte de vida,
faz-me sentir todo o seu fim
para que eu me acabe contigo.
Mãe pura, derrama
profundamente no meu coração
o sangue dos teus Filhos massacrados,
eu também sou culpado,
quero compartilhar deste sangue.
Faz com que eu chore
e padeça com Eles
até o fim da minha existência.
Quero estar ao teu lado
chorando junto de ti.
Faz com que me firam as suas feridas,
que eu também ajudei a causá-las,
faz com que sofra os horrores do progresso
pelo amor dos teus Filhos.
E quando o corpo da Terra morra
faz com que a sua alma alcance
a glória do seu retorno.
Amém.
*(Escrevi este poema baseando-me no Stabat Mater de Pergolesi. Amanhã comentarei sobre esta obra do compositor italiano.)
14 abril 2010
13 abril 2010
Deputado Aldo Rebelo Quer Desmatar Ainda Mais...
Parabéns, deputado Aldo Rebelo. É de homens ousados como o senhor que o planeta precisa, para morrer o mais rápido possível.
Plantar pra vender para os ricos, é claro, não para matar a fome do povo. Como o diria o Chico Anísio com seu deputado: "Pobre tem que morrer!" Eu concordo. Ainda bem que veio um deslizamento no Rio e matou um monte de pobres.
http://www.greenpeace.org.br/codigo/envie_msg.php
É só entrar e assinar.
Eu e o deputado Aldo Rebelo, que é meu amigo, não agradecemos. Mas o planeta agradece.
Venho deixar aqui o meu apoio ao seu justíssimo, digníssimo, excelentíssimo projeto de alteração do Código Florestal, que vai anistiar nossos queridos desmatadores e deixar menos rígidas as leis de proteção de nossas florestas (claro, lei tem que ser flexível, frouxa, que é para se adequar aos interesses dos homens que pensam grande, pensam à frente, aqueles que já pensam em desmatar muito mais). Está certo. Mato pra quê? Só pra esconder macacos, gatos pintados e raposas? Tem é que acabar com tudo pra plantar, plantar mais e mais. Isso é desenvolvimento!
Plantar pra vender para os ricos, é claro, não para matar a fome do povo. Como o diria o Chico Anísio com seu deputado: "Pobre tem que morrer!" Eu concordo. Ainda bem que veio um deslizamento no Rio e matou um monte de pobres.
Que ninguém nos escute, excelentíssimo deputado (porque têm uns ecologistas chatos de plantão que ficam pegando no seu pé), mas o senhor está muito certo em querer avançar Amazônia adentro, desmatando e plantando e criando gado! O senhor é um desbravador, um herói de nossas terras! Tem a coragem de acabar com aquela floresta inútil para encher o mundo de soja e enriquecer o bolso dos ruralistas.
Eu sempre pensei que tem que se desenvolver a qualquer custo, destruir tudo em nome do progresso.
Mas se você, amigo leitor, não pensa assim, assine aqui a petição para impedir que a bancada da motossera ligue o motor de sua ganância:
http://www.greenpeace.org.br/codigo/envie_msg.php
É só entrar e assinar.
Eu e o deputado Aldo Rebelo, que é meu amigo, não agradecemos. Mas o planeta agradece.
11 abril 2010
Ameaça
ao sentenciar silente do Ocaso
um vivo silvo de sino
sai pela selva sangrada
como sonata solene e soturna
como sublime aviso seráfico:
o som do sol que se esvai...
é o selo sombrio e sagrado
segredo que se arrasta em sussurros
a morte sutil que se assoma
na saliva universal e simbólica...
silêncio... sente que soa em teu sonho
o sibilar o silvar o assovio
e sinal de sangue e de sono
do ameaçar triunfal da Serpente...
é melhor que tu a escutes...
um vivo silvo de sino
sai pela selva sangrada
como sonata solene e soturna
como sublime aviso seráfico:
o som do sol que se esvai...
é o selo sombrio e sagrado
segredo que se arrasta em sussurros
a morte sutil que se assoma
na saliva universal e simbólica...
silêncio... sente que soa em teu sonho
o sibilar o silvar o assovio
e sinal de sangue e de sono
do ameaçar triunfal da Serpente...
é melhor que tu a escutes...
09 abril 2010
Fernando Pessoa e Seus Passos Da Cruz XIII
Continuo postando os sonetos de Passos da Cruz de Fernando Pessoa, conforme explicado na seguinte postagem: http://artedofim.blogspot.com/2009/12/fernando-pessoa-o-predestinado-passos.html . Na próxima semana, o 14º, e último, passo. Na imagem, o quadro " "Ascensão ao Sagrado" de Hieronymus Bosch.
Passos da Cruz - Soneto XIII
Emissário de um Rei desconhecido,
Eu cumpro informes instruções de além,
E as bruscas frases que aos meus lábios vêm
Soam-me a um outro e anômalo sentido...
Inconscientemente me divido
Entre mim e a missão que o meu ser tem,
E a glória do meu Rei dá-me desdém
Por este humano povo entre quem lido...
Não sei se existe o Rei que me mandou.
Minha missão será eu a esquecer,
Meu orgulho o deserto em que em mim estou...
Mas há ! Eu sinto-me altas tradições
De antes de tempo e espaço e vida e ser...
Já viram Deus as minhas sensações...
Eu cumpro informes instruções de além,
E as bruscas frases que aos meus lábios vêm
Soam-me a um outro e anômalo sentido...
Inconscientemente me divido
Entre mim e a missão que o meu ser tem,
E a glória do meu Rei dá-me desdém
Por este humano povo entre quem lido...
Não sei se existe o Rei que me mandou.
Minha missão será eu a esquecer,
Meu orgulho o deserto em que em mim estou...
Mas há ! Eu sinto-me altas tradições
De antes de tempo e espaço e vida e ser...
Já viram Deus as minhas sensações...
08 abril 2010
Símbolo
sinto desejos de me ir
mas não me sigo:
tudo pesa sobre mim
tenho desejos de me rir
mas não consigo:
tudo é grave ao meu clarim
meu coração que nada em vales
é o tudo do todo que trago
um trago de vinho vago e amargo
meu coração que nada vale...
meu coração cravei nesta espada
esta espada cravei na montanha
a montanha cravei pelo nada
como símbolo oniricamente acabado
de tudo aquilo que acaba...
vêm-me desejos de dormir
mas só comigo:
tudo nada no (en)Fim
(Receba gratuitamente o zine literário Poemas do Término e Contos do Fim em sua versão digital. Basta deixar aqui o seu email, ou enviá-lo para reiffer@gmail.com. Obrigado.)
mas não me sigo:
tudo pesa sobre mim
tenho desejos de me rir
mas não consigo:
tudo é grave ao meu clarim
meu coração que nada em vales
é o tudo do todo que trago
um trago de vinho vago e amargo
meu coração que nada vale...
meu coração cravei nesta espada
esta espada cravei na montanha
a montanha cravei pelo nada
como símbolo oniricamente acabado
de tudo aquilo que acaba...
vêm-me desejos de dormir
mas só comigo:
tudo nada no (en)Fim
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07 abril 2010
Versos Poluídos
a água do teu lábio
agora já é saliva
a saliva de uma lepra
a saliva do teu lábio
agora já é uma lágrima
e essa lágrima tu sorves
a lágrima do teu lábio
agora já é um sangue
o sangue que te nutre
o sangue do teu lábio
agora já é veneno
o veneno que te vive
o veneno do teu lábio
é a água que tu bebes
e estes versos que vomito
são à água do planeta...
agora já é saliva
a saliva de uma lepra
a saliva do teu lábio
agora já é uma lágrima
e essa lágrima tu sorves
a lágrima do teu lábio
agora já é um sangue
o sangue que te nutre
o sangue do teu lábio
agora já é veneno
o veneno que te vive
o veneno do teu lábio
é a água que tu bebes
e estes versos que vomito
são à água do planeta...
06 abril 2010
A 4ª Sinfonia, de Brahms
Johannes Brahms compôs apenas 4 sinfonias. Mas todas elas absolutamente magistrais e estão no ápice da música sinfônica romântica. Brahms foi um exímio sinfonista. Dos maiores. Não é à toa que sua 1ª sinfonia foi considerada como sendo a 10ª de Beethoven. E todos sabem que Beethoven foi o maior de todos os sinfonistas.
Porém, entre as 4 sinfonias de Brahms, a última, a 4ª, Opus 98, é a minha preferida. Na minha opinião, é a mais madura, a mais bem acabada e a que melhor expressa a profunda alma de Brahms. É para mim uma das sinfonias mais trágicas e melancólicas já criadas. Os acordes iniciais de seu primeiro movimento já carregam o ar de uma densidade emocional escura e apaixonada. É uma música pesada, tensa, sem, no entanto, perder por um instante sequer o seu obstinado lirismo, a sua poesia introspectiva.
Este movimento desenvolve-se com absoluta perfeição, para desaguar em uma verdadeira catástrofe sonora, em um clímax furioso, marcial, devastador, que nos deixa a impressão de que o teto vai desabar sobre nossas cabeças.
O segundo movimento, dominado por um sentimento de outono, de inverno, é, ao mesmo tempo, lírico e solene, melodioso e taciturno, terno e misterioso. Passando pela vivacidade ensolarada e enérgica do 3º movimento, atingimos o 4º, onde a dilaceração emocional atinge o extremo, em notas carregadas de força e de tragédia. O breve instante de sol do movimento anterior dá lugar às sentenciosas sombras do final da sinfonia, onde se percebe uma forte influência de Bach. O 4º movimento afirma de forma indubitável o caráter sombrio e pessimista da obra, mas também ergue-se imenso, imponente, majestoso, como uma montanha castigada entre a tempestade. É uma definitiva obra de crepúsculo, o sol se põe ao final da sinfonia em um horizonte avermelhado...
Certa vez, escrevi um pequeno poema após ouvir a 4ª sinfonia. Eu o incluí em meu livro lançado recentemente, Poemas do Fim e do Princípio. Certamente, o poema não está à altura da obra de Brahms, mas creio que diz algo sobre ela. Aqui está ele:
Sinfonia nº 4
pelo outono do inverno de amar
atemporal tempestade
na sede que sedia meu sonho
a tormenta atormenta de sede
vós temporais sede
a sede de minh’alma acabada
a última de Brahms
que brames na última
tempes-tarde demais
não me a(l)mas
como não cometas
do céu caídos
em fim-nados
que vir já há-de
em mar-revolta
revolto
resignado
morrer de sede
na Tempestade
pelo outono do inverno de amar
atemporal tempestade
na sede que sedia meu sonho
a tormenta atormenta de sede
vós temporais sede
a sede de minh’alma acabada
a última de Brahms
que brames na última
tempes-tarde demais
não me a(l)mas
como não cometas
do céu caídos
em fim-nados
que vir já há-de
em mar-revolta
revolto
resignado
morrer de sede
na Tempestade
04 abril 2010
Adeus aos Gorilas (e Outras Notícias Tristes)
Talvez isso pouco importe aos leitores. Talvez não importe quase nada. Tudo bem, talvez não importe coisa nenhuma. Mas vou dar a notícia mesmo assim. Eu, como sou alguém trágico em demasia, dou atenção a tais futilidades.
Bem, os gorilas, aqueles macacos gigantes e que criaram fama nos filmes do Tarzan, estão a um passo do fim definitivo na natureza. É, estão quase extintos. Dentro de menos de 10 anos, dizem os biológos, essa gente chata, não haverá mais nenhum na natureza, só poderão ser vistos em zoológicos.
Os gorilas vivem (por enquanto) nas selvas equatorias da África Central. O que acontece lá? Só horrores e barbaridades. Primeiramente, as guerras civis e limpezas étnicas obrigaram multidões a se refugiarem nas selvas para não serem mortos. E lá, essa gente não tem ajuda nenhuma. Não sei por que os países ricos que tanto gostavam de explorar a África, como a França, a Inglaterra, a Bélgica, a Alemanha, Portugal, não ajudam esse pessoal agora. Que ingratidão... E os EUA, por que não se metem lá também? Eu não entendo.
Pois a gente que foge para a selva, não tem ajuda nenhuma, mas tem fome. Caçam os gorilas. E mesmo que não caçassem, o desmatamento para vender madeira para os ricos está acabando com as reservas dos simpáticos macacos. E mesmo que não houvesse madeireiras, há as companhias de mineração, que querem, é claro, o ouro nosso de cada dia. E já poluíram sabem quantos rios lá na África Central? 250. Isso, poluíram com mercúrio e outros venenos 250 rios. 250 rios... Eu, que sou melodramático, tenho vontade de chorar. Assim, não há gorila que aguente. Nem gorila, nem qualquer outro bicho.
Os governos de lá até que pagam uns pobres guardas esfomeados e heróicos (heróicos mesmo, viu, Pedro Bial, seu imbecil...) pra vigiar as reservas, mas os mineradores e madeireiros já mataram nos últimos anos mais de 150 guardas. Alguém teria coragem de ir pra lá vigiar os gorilas? Eu, que sou muito cínico, confesso: eu não.
De modo, que não há esperanças pra esses bichos, amigos leitores. Os gorilas, assim do jeito que está, logo deixarão de existir. Grande coisa, né? Olhem que talvez seja... Esperem pra ver....
Bem, eu ainda teria mais notícias tristes, por exemplo: sobre os corais da Austrália, sobre os ursos do Ártico, sobre os orangotangos da Indonésia, sobre os diabos da Tasmânia, sobre os guepardos do Quênia, sobre os elefantes da Índia, sobre os lobos do Canadá, sobre os tigres da Rússia, sobre os guarás do Brasil... mas... deixa pra lá, eu sou triste demais mesmo...
E assim caminha a humanidade...
03 abril 2010
Agora é Tarde...
morreste
e já não sabes
que não és o que foste
e talvez nem foste
aquilo que em ti te morreste
deixaste acabar-te os olhares
e quando olhaste ao acima
já te estavas abaixo
do palmo a palmo do sonho enterrado
morreste
e por morreres pensas que vives
temendo tudo que é alto
te contentaste em varrer o teu pó
deixaste escorrer os teus astros
desbotaste todas tuas noites
naufragaste pelos teus castelos
e defecaste sobre teus lagos
e tudo isso enquanto sorrias
por entre as certezas suínas
que enlamearam o céu da tua boca
enquanto degustava o açúcar...
fitaste a arte
com os olhos fechados...
morreste
e agora já é tarde:
teu sol já não bate
e teu peito não arde.
e já não sabes
que não és o que foste
e talvez nem foste
aquilo que em ti te morreste
deixaste acabar-te os olhares
e quando olhaste ao acima
já te estavas abaixo
do palmo a palmo do sonho enterrado
morreste
e por morreres pensas que vives
temendo tudo que é alto
te contentaste em varrer o teu pó
deixaste escorrer os teus astros
desbotaste todas tuas noites
naufragaste pelos teus castelos
e defecaste sobre teus lagos
e tudo isso enquanto sorrias
por entre as certezas suínas
que enlamearam o céu da tua boca
enquanto degustava o açúcar...
fitaste a arte
com os olhos fechados...
morreste
e agora já é tarde:
teu sol já não bate
e teu peito não arde.
02 abril 2010
Um Cavalo que me Espia
Certa noite, dormia tranquilo em minha cama, quando acordei de súbito. Acordou-me a respiração ofegante de um cavalo me espiando pela porta do quarto. Ainda lembro de seus olhos profundos e esbugalhados, negros, mas de um negro esverdeado que causava anômalos calafrios. Calafrios estes que não me eram desagradáveis, mas apenas estranhos. O cavalo fitava-me intensamente, como se quisesse dizer algo, mas não emitia nem um som além do de sua respiração. Em seguida, abriu-se com uma forte lufada de vento a janela de meu quarto. A fria aragem noturna penetrou em forma de uma névoa esbranquiçada...
Não entendia por que aquele cavalo permanecia ali imóvel, olhando-me de forma tão insistente, apenas movimentando a cauda e as patas, vez que outra. Tinha certeza absoluta que estava acordado, toda hipótese de que tudo fosse um sonho foi totalmente descartada. O que sei é que de maneira canhestra aqueles olhares espectrais em meio à névoa levavam-me a pensar e a sentir coisas completamente absurdas, sem o mínimo sentido.
Pensei, em um momento, em uma música que eu havia composto, música sublime, da mais alta inspiração, que nos transmitia sensações inefáveis... Mas ninguém gostou dela. Aliás, ninguém queria escutá-la, diziam que era perda de tempo, que a música era longa demais, de difícil audição... Ninguém a escutou, ninguém a sentiu. É que a música falava de coisas tristes, falava da morte, e ninguém quer saber da morte. Porém, há um detalhe crucial nesta música que fiz: eu nunca a fiz. O cavalo que me fazia pensar que havia feito. E era como se fosse verdade. Talvez fosse verdade.
Agora o cavalo movimentou seus olhos. São maiores do que pensei. Alguma alma se movimentou por trás daqueles olhares fantasmagóricos. Ele os dirigiu para algum canto de meu quarto. Havia algo ali que eu não podia distinguir. Pela janela escancarada pude contemplar a angústia da lua cheia. Estava maior do que o normal. A névoa pálida permanecia entrando, cada vez mais densa. Foi só nesse instante que pude divisar algo sobre o cavalo, um vulto, um ser movimentava-se em seu dorso. Mas era como se ele não estivesse ali, e creio, todavia, que estava desde o início, muito embora eu houvesse visto vazio o dorso marrom do cavalo. Repito, o dorso estava vazio, eu tinha tanta certeza...
Mas agora eu ali vislumbro uma mulher vestida de verde, extremamente bela, cabelos longos e verdes, olhos verdes, pele levemente esverdeada, lábios verdes, sustentando em suas mãos uma taça contendo um líquido verde. Ela e o cavalo me olham fixamente. Ela vai dizer algo... Vou fechar a janela...
(Pode não parecer, mas este conto encerra-se aqui.)
Não entendia por que aquele cavalo permanecia ali imóvel, olhando-me de forma tão insistente, apenas movimentando a cauda e as patas, vez que outra. Tinha certeza absoluta que estava acordado, toda hipótese de que tudo fosse um sonho foi totalmente descartada. O que sei é que de maneira canhestra aqueles olhares espectrais em meio à névoa levavam-me a pensar e a sentir coisas completamente absurdas, sem o mínimo sentido.
Pensei, em um momento, em uma música que eu havia composto, música sublime, da mais alta inspiração, que nos transmitia sensações inefáveis... Mas ninguém gostou dela. Aliás, ninguém queria escutá-la, diziam que era perda de tempo, que a música era longa demais, de difícil audição... Ninguém a escutou, ninguém a sentiu. É que a música falava de coisas tristes, falava da morte, e ninguém quer saber da morte. Porém, há um detalhe crucial nesta música que fiz: eu nunca a fiz. O cavalo que me fazia pensar que havia feito. E era como se fosse verdade. Talvez fosse verdade.
Agora o cavalo movimentou seus olhos. São maiores do que pensei. Alguma alma se movimentou por trás daqueles olhares fantasmagóricos. Ele os dirigiu para algum canto de meu quarto. Havia algo ali que eu não podia distinguir. Pela janela escancarada pude contemplar a angústia da lua cheia. Estava maior do que o normal. A névoa pálida permanecia entrando, cada vez mais densa. Foi só nesse instante que pude divisar algo sobre o cavalo, um vulto, um ser movimentava-se em seu dorso. Mas era como se ele não estivesse ali, e creio, todavia, que estava desde o início, muito embora eu houvesse visto vazio o dorso marrom do cavalo. Repito, o dorso estava vazio, eu tinha tanta certeza...
Mas agora eu ali vislumbro uma mulher vestida de verde, extremamente bela, cabelos longos e verdes, olhos verdes, pele levemente esverdeada, lábios verdes, sustentando em suas mãos uma taça contendo um líquido verde. Ela e o cavalo me olham fixamente. Ela vai dizer algo... Vou fechar a janela...
(Pode não parecer, mas este conto encerra-se aqui.)
Poema Publicado em Zero Hora
Meu poema "Lembrança" foi publicado na edição de ontem do jornal Zero Hora, no Almanaque Gaúcho. Agradeço ao almanaque pela publicação. No entanto, infelizmente, faltou o último verso, o qual é importantíssimo para a total compreensão do poema. Aqui está o link de meu blog com o poema completo: http://artedofim.blogspot.com/2010/03/lembranca.html
A última estrofe do poema, com o último verso, seria esta:
"se cada vez mais
me aprofundo na sombra
é pra fincar tua bandeira
nos abismos em que hás de brilhar
inclusive
dentro de mim"
01 abril 2010
Fernando Pessoa e Seus Passos da Cruz XII
Continuo postando os sonetos de Passos da Cruz de Fernando Pessoa, conforme explicado na seguinte postagem: http://artedofim.blogspot.com/2009/12/fernando-pessoa-o-predestinado-passos.html . Na próxima semana, o 13º passo. Na imagem, o quadro "Jovem Camponesa com Um Bastão", de Camille Pissarro.
Passos da Cruz - Soneto XII
Ela ia, tranquila pastorinha,
Pela estrada da minha imperfeição.
Segui-a, como um gesto de perdão,
O seu rebanho, a saudade minha...
"Em longes terras hás de ser rainha
Um dia lhe disseram, mas em vão...
Seu vulto perde-se na escuridão...
Só sua sombra ante meus pés caminha...
Deus te dê lírios em vez desta hora,
E em terras longe do que eu hoje sinto
Serás, rainha não, mas só pastora _
Só sempre a mesma pastorinha a ir,
E eu serei teu regresso, esse indistinto
Abismo entre o meu sonho e o meu porvir...
Passos da Cruz - Soneto XII
Ela ia, tranquila pastorinha,
Pela estrada da minha imperfeição.
Segui-a, como um gesto de perdão,
O seu rebanho, a saudade minha...
"Em longes terras hás de ser rainha
Um dia lhe disseram, mas em vão...
Seu vulto perde-se na escuridão...
Só sua sombra ante meus pés caminha...
Deus te dê lírios em vez desta hora,
E em terras longe do que eu hoje sinto
Serás, rainha não, mas só pastora _
Só sempre a mesma pastorinha a ir,
E eu serei teu regresso, esse indistinto
Abismo entre o meu sonho e o meu porvir...
(Receba gratuitamente o zine Poemas do Término e Contos do Fim em sua versão digital. Para receber a edição 38, basta deixar aqui seu e-mail)
31 março 2010
"O Brasil Não é Um País Sério"
"Le Brésil n’est pas um pays sérieux"(O Brasil não é um país sério). Foi o ex-presidente da França, Charles de Gaulle, que afirmou tal verdade, nos anos 60. Sim, desgraçadamente, é uma verdade. Eu poderia dar mil e um motivos para isso. E estou certo que o leitor conheceria todos eles. Mas vou deixar apenas um exemplo, um vergonhoso exemplo.
Acessando um site de notícias, a excepcional manchete que me saltou aos olhos, com destaque, dizia algo de uma importância extrema... Dizia que a aluna que foi à aula com uma minissaia que permitia ver suas calcinhas (lembram dela?) vai agora lançar uma grife de vestidos "provocantes", aproveitando-se da polêmica e de todo o destaque dado pela mídia ao caso, com o objetivo de ganhar muito dinheiro.
Não lembro o nome da moça, e faço questão de não lembrar, nem vou me dar ao trabalho de procurar no google. Muito menos gostaria de estar falando sobre isso. Mas isso prova o que afirmou De Gaulle: O Brasil não é um país sério. Não é, não pode ser. Se fosse sério, não aconteceria aqui de uma moça que vai com uma minissaia à aula virar manchete nacional. E pior, ficando famosa com tamanho absurdo, aproveitando-se de todo seu destaque, lançar uma grife e, provavelmente, enriquecer por um dia ter mostrado as calcinhas na faculdade.
Aqui, enriquece-se por mostrar as calcinhas. Ou enriquece-se por ficar alguns meses trancado em uma casa de luxo transando e falando imbecilidades. E pior: enriquece-se, fica-se famoso, torna-se manchete em todos os jornais e vira-se herói ou heroína nacional. Não, o Brasil não é um país sério.
Agora, os verdadeiros heróis brasileiros, aqueles que produzem nas artes, nas ciências, na cultura em geral, na educação, os que defendem nosso meio-ambiente com unhas e dentes, esses não viram manchetes, não têm "ibope", não enriquecem, não ficam famosos, não são reconhecidos como aquilo que autenticamente são: heróis. E depois querem que eu não concordem com o de Gaulle? Querem que afirme uma patriotada idiota: sim, o Brasil é sério sim... Gostaria de dizer isso, mas os fatos me impedem. O povo me impede. Povo idiota, país idiota.
E, para completar, naquele site onde a manchete principal era sobre a grife "provocante" da moça que mostrou as calcinhas, lá, num canto, bem pequeno, dizia algo sem importância: "Brasil ainda é o país que mais desmata no mundo". Sim, isso não tem importância nenhuma, em um país que não é sério. O Brasil é uma piada.
29 março 2010
Destino...
animais-irmãos que vos extinguis
a que oculto
o mistério vos leva...?
o que vos leva
a que mistério é oculto?...
quando vos fordes
ocultai convosco
o que me mistério
quando partirdes
deixai que parta o que deixo
o que se parte em meu peito
carregai ao longe
o longe que pulsou no que sinto
não deixeis comigo
meu pulso que sangrou pela terra
o derramar do meu verso
pela morte que erra
escondei o que me esperanço
nos confins a que vos destinais...
quero esquecer-me de mim
em vossos eternos jamais...
mas guardai em vossas almas
a minha arte dos tardes
guardai-a
para quando voltardes...
a que oculto
o mistério vos leva...?
o que vos leva
a que mistério é oculto?...
quando vos fordes
ocultai convosco
o que me mistério
quando partirdes
deixai que parta o que deixo
o que se parte em meu peito
carregai ao longe
o longe que pulsou no que sinto
não deixeis comigo
meu pulso que sangrou pela terra
o derramar do meu verso
pela morte que erra
escondei o que me esperanço
nos confins a que vos destinais...
quero esquecer-me de mim
em vossos eternos jamais...
mas guardai em vossas almas
a minha arte dos tardes
guardai-a
para quando voltardes...
28 março 2010
As Almas do Fantástico na História do RS – História 6ª: O Último (Final)
- Eu sei que vou morrer. Não preciso da tua ajuda. Eu sou o último. E quando eu morrer, morrerá comigo o meu povo. O meu povo era o mais bravo desta terra que tu agora pisas. O meu povo era o dono desta terra. E o meu sangue, que se mistura a ela agora, faz parte dela e a ela voltará. Vocês, que agora pisam na terra que era nossa, são uns covardes. Não souberam lutar como verdadeiros guerreiros, vieram aos milhares para massacrar meu povo com armas de covardes. Mas nós resistimos até a última gota de sangue, e a última gota será a minha.
- Sim, mas isso faz muito tempo, eu nem era nascido, nem meus avós o eram. Eu não tenho nada a ver com isso, sinto muito pelo teu povo, mas só o que posso fazer agora é te ajudar...
- Eu desprezo a tua ajuda. Vocês queriam nos fazer de escravos, mas não conseguiram, nós resistimos até o último homem, e o último homem sou eu. Queriam nos pacificar, nos domesticar, nos impedir de correr livres e soberanos pelos campos. Pelos campos que eram nossos. Mas nós, nós não permitimos. Nós preferimos a morte a ser domados pela covardia e pela desonra do teu povo. Queriam nos impor os seus costumes, seus hábitos, suas crenças, mas não conseguiram. Vocês são fracos. Tão fracos que fomos nós que empurramos a vocês o que nós somos, ou éramos.
- Sinceramente, eu não estou te entendendo...
- O teu povo não conseguiu fazer com que nós vivêssemos como vocês queriam. Nós resistimos, lutamos até a morte, como os guerreiros terríveis que somos, matamos muitos dos de vocês, vendemos muito caro o nosso fim, mas jamais fomos domados. Somos da guerra, da luta, somos livres como o vento, fortes como o sangue. Mas vocês, vocês agora querem ser como nós... Até os nossos costumes vocês pegaram pra vocês, querem nos imitar. O churrasco que vocês comem, fomos nós que inventamos, a carne assada com fogo de chão em espeto de pau. O mate, o mate é nosso! A erva-mate faz parte do nosso sangue. E essas boleadeiras que vocês usam? E o xiripá? E o pala? Tudo nosso, tudo foi imitado do meu povo. Vocês quiseram nos impor os costumes de vocês... Haha! Mas, no final, foram vocês que se dobraram aos nossos. Porque nós nunca nos dobramos, nunca nos curvamos!
- Sim, devo confessar que tu tens razão... Muitos dos costumes dos gaúchos foram herança de alguns grupos indígenas do pampa. Mas... me diga quem és tu? De onde vens, qual tua tribo? Jamais soube que tivesse índios por aqui...
- E olha agora para estes campos, estas matas, estes rios estes animais... Eles estão todos morrendo, vocês, povo de covardes, estão os matando. O meu povo amava tudo isso. Eu falava com os animais, sim, eu os compreendia, e eles me compreendiam. E foi por conversar com os animais que nos tornamos grandes cavaleiros, os melhores destes campos. Eu conversava com as plantas, com as árvores, tratava-as com amor, como se fossem gente, e elas me curavam das minhas doenças. Eu falava com as águas, com os ares, com a terra, eu sabia que eles também tinham alma, eu falava com a alma deles. E assim eles nos ajudavam, e assim meu povo vivia, em paz com a natureza e com seus filhos.
Mas o teu povo de covardes, o teu povo sem respeito, sem honra, sem alma, não vê alma na natureza, só vê nela coisas a serem usadas, a serem destruídas. O teu povo está espalhando a morte por estes campos, matas e rios. E quem espalha morte vai colher morte. E é o que virá pra vocês. Vocês pensam que a natureza e seus filhos ficarão quietos pra sempre, que eles não irão se erguer para impor a sua força de justiça... Mas eles virão, eles se erguerão com fúria e colocarão tudo novamente em seu devido lugar. Então eu terei pena de vocês... Não, não terei pena nenhuma, o teu povo terá o que merece. Eu sinto no ar, sinto o cheiro da guerra que a natureza prepara aos poucos...
- Sim, mas...
- Ah, tu queres saber quem eu sou... Eu sou o último. O último dos Minuanos, os índios mais bravos, os mais guerreiros, os mais indomáveis que já pisaram estes campos. Aqueles que foram covardemente massacrados por vocês com suas armas de fogo e com muitos mais homens do que nós. Mas o meu sangue, o nosso sangue está vivo, e vivo ele volta a esta terra de que faz parte e fará parte da guerra que virá, fará parte da nossa vingança...
E após alguns opressivos segundos, o índio faleceu, esvaído em sangue. Tentei, então, aproximar-me de seu cadáver para examinar alguns sinais estranhos desenhados em seus braços, mas nesse instante... me acordei. Sim, estive desacordado por todo esse tempo, completamente inconsciente, que creio que não foi muito longo, pois ainda raiava o sol.
Acredito que por efeito de alguma substância tóxica do espinho perdi a consciência por alguns minutos. Então, o índio e toda a sua conversa não passaram de alucinação? Sonhei? Tive uma visão? Seja como for, tudo me pareceu pungentemente real. Tão real quanto o meu sangue que ainda estava sobre as pedras da margem do rio, o meu sangue, em que há o sangue dos índios do pampa...
(Obs.: as 7 histórias que compõem esta série estão relacionadas entre si, mas são independentes, ou seja, uma não é a sequência da outra. Todas as histórias são baseadas em fatos reais e misteriosos da história do RS, mas seu desenvolvimento é fictício. A 7ª história ainda não foi finalizada.)
- Sim, mas isso faz muito tempo, eu nem era nascido, nem meus avós o eram. Eu não tenho nada a ver com isso, sinto muito pelo teu povo, mas só o que posso fazer agora é te ajudar...
- Eu desprezo a tua ajuda. Vocês queriam nos fazer de escravos, mas não conseguiram, nós resistimos até o último homem, e o último homem sou eu. Queriam nos pacificar, nos domesticar, nos impedir de correr livres e soberanos pelos campos. Pelos campos que eram nossos. Mas nós, nós não permitimos. Nós preferimos a morte a ser domados pela covardia e pela desonra do teu povo. Queriam nos impor os seus costumes, seus hábitos, suas crenças, mas não conseguiram. Vocês são fracos. Tão fracos que fomos nós que empurramos a vocês o que nós somos, ou éramos.
- Sinceramente, eu não estou te entendendo...
- O teu povo não conseguiu fazer com que nós vivêssemos como vocês queriam. Nós resistimos, lutamos até a morte, como os guerreiros terríveis que somos, matamos muitos dos de vocês, vendemos muito caro o nosso fim, mas jamais fomos domados. Somos da guerra, da luta, somos livres como o vento, fortes como o sangue. Mas vocês, vocês agora querem ser como nós... Até os nossos costumes vocês pegaram pra vocês, querem nos imitar. O churrasco que vocês comem, fomos nós que inventamos, a carne assada com fogo de chão em espeto de pau. O mate, o mate é nosso! A erva-mate faz parte do nosso sangue. E essas boleadeiras que vocês usam? E o xiripá? E o pala? Tudo nosso, tudo foi imitado do meu povo. Vocês quiseram nos impor os costumes de vocês... Haha! Mas, no final, foram vocês que se dobraram aos nossos. Porque nós nunca nos dobramos, nunca nos curvamos!
- Sim, devo confessar que tu tens razão... Muitos dos costumes dos gaúchos foram herança de alguns grupos indígenas do pampa. Mas... me diga quem és tu? De onde vens, qual tua tribo? Jamais soube que tivesse índios por aqui...
- E olha agora para estes campos, estas matas, estes rios estes animais... Eles estão todos morrendo, vocês, povo de covardes, estão os matando. O meu povo amava tudo isso. Eu falava com os animais, sim, eu os compreendia, e eles me compreendiam. E foi por conversar com os animais que nos tornamos grandes cavaleiros, os melhores destes campos. Eu conversava com as plantas, com as árvores, tratava-as com amor, como se fossem gente, e elas me curavam das minhas doenças. Eu falava com as águas, com os ares, com a terra, eu sabia que eles também tinham alma, eu falava com a alma deles. E assim eles nos ajudavam, e assim meu povo vivia, em paz com a natureza e com seus filhos.
Mas o teu povo de covardes, o teu povo sem respeito, sem honra, sem alma, não vê alma na natureza, só vê nela coisas a serem usadas, a serem destruídas. O teu povo está espalhando a morte por estes campos, matas e rios. E quem espalha morte vai colher morte. E é o que virá pra vocês. Vocês pensam que a natureza e seus filhos ficarão quietos pra sempre, que eles não irão se erguer para impor a sua força de justiça... Mas eles virão, eles se erguerão com fúria e colocarão tudo novamente em seu devido lugar. Então eu terei pena de vocês... Não, não terei pena nenhuma, o teu povo terá o que merece. Eu sinto no ar, sinto o cheiro da guerra que a natureza prepara aos poucos...
- Sim, mas...
- Ah, tu queres saber quem eu sou... Eu sou o último. O último dos Minuanos, os índios mais bravos, os mais guerreiros, os mais indomáveis que já pisaram estes campos. Aqueles que foram covardemente massacrados por vocês com suas armas de fogo e com muitos mais homens do que nós. Mas o meu sangue, o nosso sangue está vivo, e vivo ele volta a esta terra de que faz parte e fará parte da guerra que virá, fará parte da nossa vingança...
E após alguns opressivos segundos, o índio faleceu, esvaído em sangue. Tentei, então, aproximar-me de seu cadáver para examinar alguns sinais estranhos desenhados em seus braços, mas nesse instante... me acordei. Sim, estive desacordado por todo esse tempo, completamente inconsciente, que creio que não foi muito longo, pois ainda raiava o sol.
Acredito que por efeito de alguma substância tóxica do espinho perdi a consciência por alguns minutos. Então, o índio e toda a sua conversa não passaram de alucinação? Sonhei? Tive uma visão? Seja como for, tudo me pareceu pungentemente real. Tão real quanto o meu sangue que ainda estava sobre as pedras da margem do rio, o meu sangue, em que há o sangue dos índios do pampa...
(Obs.: as 7 histórias que compõem esta série estão relacionadas entre si, mas são independentes, ou seja, uma não é a sequência da outra. Todas as histórias são baseadas em fatos reais e misteriosos da história do RS, mas seu desenvolvimento é fictício. A 7ª história ainda não foi finalizada.)
27 março 2010
As Almas do Fantástico na História do RS – História 6ª: O Último
O crepúsculo caía lento. Mas parecia mais denso, mais dramático, mais carregado que o normal. Atravessando aquele imenso campo ancestral que parecia infinito, inexplicavelmente fui invadido por uma estranha tensão. Deveria chegar à fazenda antes que anoitecesse completamente. Apressei o passo.
Uma gigantesca mata surgiu diante de meus olhos cansados, quando atingi o alto da coxilha. Um lindo espetáculo se descortinou, um bosque de um verde puro e intenso, com imensas árvores frondosas, algumas delas paradisiacamente floridas. Porém, a tensão, o insondável nervosismo que me afligiu sem que eu encontrasse uma explicação plausível para ele não se arrefeceu, pelo contrário, ele se intensificava mais e mais.
Deveria atravessar a mata e, mas adiante, o riacho que nela se ocultava, para atingir o outro lado e, finalmente, chegar ao campo que me levaria à fazenda. O sol ainda brilhava, mas não poderia perder tempo. Caminhei rápido em direção à mata e penetrei em sua beleza deslumbrante e misteriosa, sentindo que o pulsar de meu coração tornava-se mais célere. Minha inquietação era sobremaneira anômala. Anômala porque não era a inquietação natural, compreensível, de quem entra em uma mata fechada sem saber exatamente o que ali poderá encontrar, correndo o risco de entrar em contato com serpentes e outros animais perigosos. Minha inquietação relacionava-se com algo que me parecia bem mais ameaçador e enigmático, que eu não saberia dizer a mim mesmo o que poderia ser. Sentia apenas uma sombria intuição, um pressentimento angustiante, como se alguma coisa de anormal, de sobre-humano, estivesse para acontecer.
Todavia, eu não tinha outra saída, a não ser entrar e atravessar toda a mata. Obviamente, ao fazê-lo, minha cautela era enorme. A rapidez com que caminhava pelo campo deu lugar a um avanço muito lento por entre a vegetação fechada do bosque. Conforme penetrava na mata de árvores imensas e regada de arbustos, trepadeiras e plantas rasteiras, meus receios e angústias inflamavam-se.
Cada local em que pisava era por mim observado com extrema atenção. Dirigia meus olhares para todos os lados, para o alto das árvores, para seus galhos, na terrível expectativa de avistar algum perigo em potencial. Porém, atingi o riacho sem nada divisar de ameaçador, vi tão somente alguns animais inofensivos.
Atravessei o belo e pequeno rio em um trecho onde ele era bastante raso. Poderia ter aproveitado melhor aquelas agradáveis e límpidas águas, no entanto, minha tensão não me permitiu. Nervoso, já na outra margem do rio, ainda com muita cuidado, ia entrando novamente na mata, quando senti dolorosamente que algo espetou meu antebraço esquerdo. Havia cravado um enorme espinho que se aprofundou em minha pele. O espinho era de um alto arbusto de uma espécie para mim desconhecida. Retirei-o de meu braço, e o sangue escorreu abundantemente. Senti então uma febre no local e uma leve tontura, e imediatamente imaginei que poderia haver no espinho alguma substância tóxica. Como a tontura não passava, sentei-me na margem do rio, sobre algumas pedras, não poderia prosseguir naquele estado.
Creio que alguns minutos após sentar-me, ainda levemente tonto, principiei a ouvir um som estranho advindo da outra margem. Voltei-me para ela e lá e contemplei um homem sentado nas pedras que apresentava um grave ferimento no peito, o qual sangrava abundantemente. O homem era, sem dúvida, um indígena, um típico índio, aliás, que eu nem sequer suspeitava que pudesse existir por aqueles campos, não obstante eles terem sido habitados por povos indígenas pampianos há séculos.
O índio era jovem, não devia ter mais que 25 anos de idade.Vestia somente uma calça de estilo bastante antigo. Da cintura para cima, o índio estava nu, e os seus pés, descalços. Possuía uma aparência aguerrida e robusta, um rosto de traços fortes e duros e um corpo aparentemente bastante possante. Porém, demonstrava uma profunda extenuação, quase uma agonia. O lado direito do seu peito trazia um considerável buraco, o qual, tudo indicava, fora feito a bala.
O seu sangue jorrava incessante, derramava-se por todo seu corpo e misturava-se às pedras, à areia e à água do rio. Sua respiração começava a ser estertorante. Levantei de onde eu estava e tentei, ainda que com muito receio, aproximar-me para ajudá-lo:
- Não, não te aproximas. Se vieres perto de mim, te mato! Pra isso ainda tenho forças.
A voz do índio, apesar de fraca e quase soluçante, era expelida com uma intensa determinação, a qual assustava, pois se combinava com um olhar firme, fulminante, enfebrecido. Seu sotaque soava bastante estranho, porém compreensível. Detive-me e retorqui:
- Mas assim como estás, vais morrer. Precisas de ajuda.
Uma gigantesca mata surgiu diante de meus olhos cansados, quando atingi o alto da coxilha. Um lindo espetáculo se descortinou, um bosque de um verde puro e intenso, com imensas árvores frondosas, algumas delas paradisiacamente floridas. Porém, a tensão, o insondável nervosismo que me afligiu sem que eu encontrasse uma explicação plausível para ele não se arrefeceu, pelo contrário, ele se intensificava mais e mais.
Deveria atravessar a mata e, mas adiante, o riacho que nela se ocultava, para atingir o outro lado e, finalmente, chegar ao campo que me levaria à fazenda. O sol ainda brilhava, mas não poderia perder tempo. Caminhei rápido em direção à mata e penetrei em sua beleza deslumbrante e misteriosa, sentindo que o pulsar de meu coração tornava-se mais célere. Minha inquietação era sobremaneira anômala. Anômala porque não era a inquietação natural, compreensível, de quem entra em uma mata fechada sem saber exatamente o que ali poderá encontrar, correndo o risco de entrar em contato com serpentes e outros animais perigosos. Minha inquietação relacionava-se com algo que me parecia bem mais ameaçador e enigmático, que eu não saberia dizer a mim mesmo o que poderia ser. Sentia apenas uma sombria intuição, um pressentimento angustiante, como se alguma coisa de anormal, de sobre-humano, estivesse para acontecer.
Todavia, eu não tinha outra saída, a não ser entrar e atravessar toda a mata. Obviamente, ao fazê-lo, minha cautela era enorme. A rapidez com que caminhava pelo campo deu lugar a um avanço muito lento por entre a vegetação fechada do bosque. Conforme penetrava na mata de árvores imensas e regada de arbustos, trepadeiras e plantas rasteiras, meus receios e angústias inflamavam-se.
Cada local em que pisava era por mim observado com extrema atenção. Dirigia meus olhares para todos os lados, para o alto das árvores, para seus galhos, na terrível expectativa de avistar algum perigo em potencial. Porém, atingi o riacho sem nada divisar de ameaçador, vi tão somente alguns animais inofensivos.
Atravessei o belo e pequeno rio em um trecho onde ele era bastante raso. Poderia ter aproveitado melhor aquelas agradáveis e límpidas águas, no entanto, minha tensão não me permitiu. Nervoso, já na outra margem do rio, ainda com muita cuidado, ia entrando novamente na mata, quando senti dolorosamente que algo espetou meu antebraço esquerdo. Havia cravado um enorme espinho que se aprofundou em minha pele. O espinho era de um alto arbusto de uma espécie para mim desconhecida. Retirei-o de meu braço, e o sangue escorreu abundantemente. Senti então uma febre no local e uma leve tontura, e imediatamente imaginei que poderia haver no espinho alguma substância tóxica. Como a tontura não passava, sentei-me na margem do rio, sobre algumas pedras, não poderia prosseguir naquele estado.
Creio que alguns minutos após sentar-me, ainda levemente tonto, principiei a ouvir um som estranho advindo da outra margem. Voltei-me para ela e lá e contemplei um homem sentado nas pedras que apresentava um grave ferimento no peito, o qual sangrava abundantemente. O homem era, sem dúvida, um indígena, um típico índio, aliás, que eu nem sequer suspeitava que pudesse existir por aqueles campos, não obstante eles terem sido habitados por povos indígenas pampianos há séculos.
O índio era jovem, não devia ter mais que 25 anos de idade.Vestia somente uma calça de estilo bastante antigo. Da cintura para cima, o índio estava nu, e os seus pés, descalços. Possuía uma aparência aguerrida e robusta, um rosto de traços fortes e duros e um corpo aparentemente bastante possante. Porém, demonstrava uma profunda extenuação, quase uma agonia. O lado direito do seu peito trazia um considerável buraco, o qual, tudo indicava, fora feito a bala.
O seu sangue jorrava incessante, derramava-se por todo seu corpo e misturava-se às pedras, à areia e à água do rio. Sua respiração começava a ser estertorante. Levantei de onde eu estava e tentei, ainda que com muito receio, aproximar-me para ajudá-lo:
- Não, não te aproximas. Se vieres perto de mim, te mato! Pra isso ainda tenho forças.
A voz do índio, apesar de fraca e quase soluçante, era expelida com uma intensa determinação, a qual assustava, pois se combinava com um olhar firme, fulminante, enfebrecido. Seu sotaque soava bastante estranho, porém compreensível. Detive-me e retorqui:
- Mas assim como estás, vais morrer. Precisas de ajuda.
(Amanhã, o final - Na imagem, o quadro "Moema", de Victor Meirelles)
26 março 2010
Lembrança
luz que adeja sobre meu sonho
não pensas que eu te esqueci:
sei do teu canto vasto pelos finais
sei que te acimas, sei que te imensas
ouço teus dedos, cheiro teus olhos
não pensas que te descri
dos mares em que te oceanas
do sempre em que tu te eternas
do todo em que te infinitas...
por ti
eu caí das verdades
mergulhei no que erra
abismei-me no Fim
se cada vez mais
me aprofundo na sombra
é pra fincar tua bandeira
nos abismos em que hás de brilhar
inclusive
dentro de mim
não pensas que eu te esqueci:
sei do teu canto vasto pelos finais
sei que te acimas, sei que te imensas
ouço teus dedos, cheiro teus olhos
não pensas que te descri
dos mares em que te oceanas
do sempre em que tu te eternas
do todo em que te infinitas...
por ti
eu caí das verdades
mergulhei no que erra
abismei-me no Fim
se cada vez mais
me aprofundo na sombra
é pra fincar tua bandeira
nos abismos em que hás de brilhar
inclusive
dentro de mim
25 março 2010
Petição para a Nestlé
Amigo leitor, peça à Nestlé para que pare de comprar óleo de palma de florestas devastadas. Assine a petição:
http://www.greenpeace.org.br/kitkat
E assista ao vídeo no mesmo link.
Obrigado.
http://www.greenpeace.org.br/kitkat
E assista ao vídeo no mesmo link.
Obrigado.
Nestlé Devastando Florestas Tropicais
Que a Nestlé é uma das maiores empresas alimentícias do mundo todos sabem. Porém, poucos são os que sabem que ela está envolvida na destruição de florestas tropicais na Ásia, particularmente nas da Indonésia. Por que será que a grande mídia não divulga tal fato no Brasil? Grandes são as manifestações na Europa para que a Nestlé pare de comprar óleo de palma de plantações que se proliferam conforme as florestas tropicias do Sudeste Asiático são devastadas.
Sim, é exatamente isso que acontece. As florestas da Indonésia e do outros países estão sendo varridas do mapa para a plantação de palmas que produzem óleo para chocolates, do qual a Nestlé é a maior compradora. Ou seja, estamos comendo chocolate à custa do massacre de uma das maiores, mais ricas e mais importantes florestas tropicais do mundo.
Até o ano passado, este mesmo óleo era comprado pela Unilever para a fabricação do sabonete Dove. A pressão foi tão grande sobre a empresa na Europa que ela anunciou no final do ano passado que rompeu com os plantadores de palma da Indonésia. Mas a Nestlé continua.
A Nestlé, que tem como seu símbolo um ninho com pássaros... Que ironia... Quantos milhões de ninhos e pássaros será que a Nestlé já ajudou a destruir pelas florestas do mundo afora? Seria cômico, se não fosse trágico.
Todos falam na preservação da Amazônia. Mas só a Amazônia? E as outras florestas? As outras podem ser destruídas? Ainda temos 80% da Amazônia. Deveríamos ter quase 100%. Mas das florestas tropicais da Indonésia, de uma exuberância tão imensa quanto a amazônica, restam apenas 50%. É uma das florestas de maior biodiversidade do planeta, sua biodiversidade animal é ainda maior que a da Amazônia. É o onde vive, por exemplo, o orangotango, cada vez mais ameaçado de extinção, para que os seres humanos tomem banho com sabonetes de luxo e comam chocolates mais cremosos.
Até o ano passado, este mesmo óleo era comprado pela Unilever para a fabricação do sabonete Dove. A pressão foi tão grande sobre a empresa na Europa que ela anunciou no final do ano passado que rompeu com os plantadores de palma da Indonésia. Mas a Nestlé continua.
A Nestlé, que tem como seu símbolo um ninho com pássaros... Que ironia... Quantos milhões de ninhos e pássaros será que a Nestlé já ajudou a destruir pelas florestas do mundo afora? Seria cômico, se não fosse trágico.
Todos falam na preservação da Amazônia. Mas só a Amazônia? E as outras florestas? As outras podem ser destruídas? Ainda temos 80% da Amazônia. Deveríamos ter quase 100%. Mas das florestas tropicais da Indonésia, de uma exuberância tão imensa quanto a amazônica, restam apenas 50%. É uma das florestas de maior biodiversidade do planeta, sua biodiversidade animal é ainda maior que a da Amazônia. É o onde vive, por exemplo, o orangotango, cada vez mais ameaçado de extinção, para que os seres humanos tomem banho com sabonetes de luxo e comam chocolates mais cremosos.
De minha parte, não comprarei mas produtos Nestlé, não até que tenha certeza que a multinacional não esteja mais comprando óleo de áreas de florestas devastadas. Se é que é possível ter tal certeza... E seria demais pedir aos leitores que também não consumam mais produtos Nestlé? É, talvez seja...
Até quando o homem se empenhará ao máximo para tornar a Terra um inferno? Até o dia em que a natureza dizer basta. E ela já pronuncia o "b"... A salvação do planeta é o fim da humanidade...
(Na imagem, o contraste nítido entre a floresta intocada e a área destruída devido à plantação de palmeiras para a produção de óleo na Indonésia.)
(Na imagem, o contraste nítido entre a floresta intocada e a área destruída devido à plantação de palmeiras para a produção de óleo na Indonésia.)
24 março 2010
Algumas Fotos do Lançamento de Meu Livro Poemas do Fim e do Princípio
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