15 março 2010

Fernando Pessoa e Seus Passos da Cruz X


Continuo postando os sonetos de Passos da Cruz de Fernando Pessoa, conforme explicado na seguinte postagem: http://artedofim.blogspot.com/2009/12/fernando-pessoa-o-predestinado-passos.html . Na próxima semana, o 11º passo. Na imagem que acompanha o poema, o quadro "Campo de Trigo Sob o Céu Nublado" de Van Gogh.


Passos da Cruz - Soneto X

Aconteceu-me do alto do infinito
Esta vida. Através de nevoeiros,
Do meu próprio ermo ser fumos primeiros,
Vim ganhando, e através estranhos ritos

De sombra e luz ocasional, e gritos
Vagos ao longe, e assomos passageiros
De saudade incógnita, luzeiros
De divino, este ser fosco e proscrito…

Caiu chuva em passados que fui eu.
Houve planícies de céu baixo e neve
Nalguma coisa de alma do que é meu.

Narrei-me à sombra e não me achei sentido.
Hoje sei-me o deserto onde Deus teve
Outrora a sua capital de olvido…

13 março 2010

Confissão

confesso-me que não-ser:
não fui-me.
admito que bebi demais
bebi a própria sede de beber
e assim explodiu-me o vinho
e quando a sede me confessava imensa
me foi negada a água
e quando a água se admitia a mim
me foi secada a boca

confesso-me que me fim:
não fiz-te.
pedir o vinho é vir vinagre
que Deus dá água
a quem não tem sede
e vida a quem não tem sangue
que o sangue é a alma
e admito que me sangrei
porque minha alma era demais
e quanto mais sangrava meu ser
mais sangue se sede em mim

confesso-me que não sou-te:
não... nada.
admito a sede
admito o vinho
admito o sangue.
foi-me o sonho sa(n)grado...

Eu me declaro culpado.

12 março 2010

Quando?

quando à manhã de céu azul
cruzará aquela ave sombria,
se eu trago uma vela no escuro?
eu escrevo com o que procuro...

se eu pudesse sonhar, dormiria.

quando incensarão pela tarde
as tulipas que eu te colhia,
se eu trago uma espada no braço?
eu escrevo com o que não abraço...

se eu te pudesse mirar, pintaria.

quando aos fluidos deste ocaso
encherei esta taça vazia,
se eu trago uma brasa na testa?
eu escrevo com o que me resta...

se eu te pudesse falar, cantaria.

quando virão na minha noite
sonatas da morte do dia,
se um beijo nos lábios sustenho?
eu escrevo com o que não tenho...

se eu te pudesse viver, morreria.

E-mail enviado ao amigo Júlio Prates, sobre o anonimato na blogosfera

Prezado Júlio:

Obviamente, não tenho, nem de longe, o conhecimento e a experiência que tu deves ter nas áreas do Direito e do Jornalismo. Não tenho e não pretendo ter, visto que não é o meu chão. Busco me aprofundar nas áreas de meu ofício, de minha vocação. Portanto, não possuo o embasamento necessário para debater contigo tais assuntos. E nem pretendo debater, eu apenas deixei a minha visão sobre a função de um blog. Creio que uma de suas funções é permitir esse debate de ideias, essa interatividade, e a permissão aos comentários acredito ser algo fundamental nesse sentido. Quando disse que julgo o ato de impedir os comentários como algo antidemocrático, não quis dizer que tu estás sendo deliberadamente antidemocrático, não foi uma acusação, essa é apenas a impressão que um blog onde não é possível comentar me transmite. Mas entre impressão e realidade, pode haver uma grande diferença. Certamente, tu tens teus motivos para torná-lo assim, não compete a mim julgar.

Os blogs que conheço todos eles permitem os comentários. Alguns permitem comentários anônimos, outros não, mas permitem comentários. O teu blog é o único que conheço onde eles não são permitidos, certamente deve haver outros, mas desconheço. Não te condeno por isso, quem sou eu para fazê-lo? Cada um sabe de seus motivos, e creio que os teus são perfeitamente justos e compreensíveis. Sem dúvida, entre o meu e o teu blog há uma grande diferença de temáticas, e os assuntos que abordas, o objetivo de teu blog, são bem mais suscetíveis a ataques e a reações pessoais do que meu. Por isso, talvez, no teu caso, impedir os comentários tenha sido a decisão mais acertada, mas, sinceramente, não sei até que ponto. Já o meu blog não tem intenções jornalísticas ou políticas. É um blog direcionado à arte, mas, como a arte é muito ampla, permito-me discorrer, vez que outra, de forma crítica sobre os assuntos que a amplitude da arte me proporciona, como os ligados a questões culturais, que, por sua vez, estão relacionados com assuntos políticos. E a interatividade do leitor através dos comentários faz parte de tudo isso, parece-me algo da própria essência do blog, algo natural, não vejo por que impedi-la, no meu caso.

Até porque, impedir o anonimato na internet, ou na sociedade em geral, é impossível. Se a lei diz que o anonimato é vedado, ela está sendo contraditória. Aliás, a lei é muito contraditória e nem sempre está correta. O anonimato sempre existiu e sempre vai existir, é uma forma de expressão do ser humano. Pode-se enviar um e-mail anônimo. Uma carta anônima. Existe a denúncia anônima amparada por lei. Uma pessoa honesta pode muito bem vir a ser investigada por uma denúncia anônima caluniosa. O voto é anônimo.Se não fosse, seria correto? É correto o voto anônimo dos deputados? Eu não acho, mas a lei permite. Por quê? Quantos poetas e escritores escreveram sob pseudônimos que durante muito tempo mantiveram-se secretos? Isso é crime? O crime é o que diz a lei ou o crime é o que diz nosso bom senso? Nem sempre a lei é sensata. Muito pelo contrário, a lei protege, muitas vezes, certos interesses de poucos. É claro que tu deves saber disso melhor do que eu. Eu, particularmente, não gosto do anonimato. Mas entre não gostar e julgá-lo como um crime, são outros quinhentos. O anonimato pode ser usado para o crime, mas em si, ele não é um crime. Assim como a internet não é um crime, o orkut não é um crime, mas podem ser usados para o crime. Não importa o que diga a lei. A minha consciência diz a mim que o anonimato não é um crime. Assim como ela me diz que não é crime um pobre roubar um pão por fome. Mas a lei diz que é. O voto, para mim, não precisaria ser anônimo. Eu faria questão de dizer a todos em quem votei. Mas por que o voto anônimo não é crime? Não é para proteger o indivíduo? Pois é isso, o anonimato é uma forma de proteção. E pode ser também uma forma de crime. Assim como a lei, também, pode ser criminosa. Contra o anonimato ofensivo ou calunioso, é perfeitamente justo que a lei haja. Mas não se pode julgar todo anonimato como um crime porque alguns o utilizam para isso. Essa é a minha visão, contra a qual qualquer um pode se manifestar e argumentar.

Estou ciente que devo me responsabilizar pelos comentários que estão em meu blog. Assim como me responsabilizo pelo que escrevo. Eu, como artista, sou a favor da expressão absolutamente livre do ser humano. Mas claro que aquele que se expressa deve estar ciente das consequências dessa expressão. Disse certo escritor que agora não me recordo: "Ninguém escreve impunemente". O escritor deve aceitar aqueles que se posicionam contra ele, seja aberta ou anonimamente. Isso faz parte. Obrigado, Júlio, pela oportunidade deste diálogo.

11 março 2010

Hieronymus Bosch - O Profeta


A capa de meu livro “Poemas do Fim e do Princípio”, a ser lançado no próximo dia 20, apresentará uma pintura de Hieronymus Bosch, “A Tentação de Santo Antônio”. Bosch é um dos mais geniais pintores de todos os tempos. É justo que eu fale um pouco desse mestre de quem sou um grande admirador.

Não se sabe bem ao certo a data de nascimento de Bosch, porém acredita-se que foi por volta de 1450, em Hertogenbosch, na Holanda. Seu sobrenome, Bosch, vem do nome de sua cidade. Mas não falarei de sua vida, a qual é envolta em indecifráveis mistérios, assim como suas obras. Mas falarei um pouco destas últimas.

Os quadros de Bosch apresentam três temáticas básicas: crítica social grotesca, inspiração ocultista/mística e devaneios fantásticos. Tais temáticas podem estar todas englobadas em uma mesma obra, ou serem tratadas separadamente. E foi na exploração desses temas que Bosch atingiu um alcance de visão artística raras vezes presenciado. Podemos ver em seus quadros uma visão pessimista, caótica e absurda da humanidade, demonstrando um profundo conhecimento da alma humana, de suas sombras, de seus medos, de suas fraquezas, de seus defeitos e desejos, de suas obsessões, de suas insanidades, do seu destino, dos enigmas de seu inconsciente coletivo.

Suas visões povoadas de monstros aberradores, de demônios semi-humanos, de homens e mulheres perversos e/ou enlouquecidos, submergidos em um universo de sombras e caos são intensamente simbólicas. Podemos perceber alusões altamente enigmáticas ao ocultismo (do qual era profundo conhecedor), críticas ao catolicismo, na forma de padres sendo retratados como diabos, tarados sexuais, seres humanos corruptos e decadentes, transformados em animais, ou animais transformados em seres humanos, toda uma multidão de seres depravados, medíocres, imbecilizados, totalmente bestializados, jogados em infernos de tormentos que causaram a si mesmos. Bosch pintou a miséria humana, o homem mergulhado em sua mediocridade, enquanto o mistério do cosmo o cercava, dominava-o, influenciando-o secretamente e rindo de sua ignorância. Tal análise impiedosa da humanidade ergue-se como algo universal, válido para todas as épocas e todos os lugares. E muito mais agora, em que vemos uma humanidade cada vez mais idiotizada e mecânica, desprovida de sensibilidade e alheia às questões de maior transcendência. Os homens tornam-se os monstros de Bosch, e o mundo agonizante dos homens torna-se os infernos tão horripilantemente expressos em suas pinturas.

E essa arte apocalíptica e visionária serviu de inspiração para, 400 anos depois, alguns artistas criarem o surrealismo e o expressionismo. Tais artistas consideravam Bosch como o seu mestre e precursor. Ou seja, Bosch antecipou-se na arte em 400 anos. Vejam bem, meus amigos, antecipou-se em 400 anos! De onde foi que obteve tanta imaginação? O misterioso e introspectivo Hieronymus Bosch, que teve inúmeros de seus quadros de transcendência e transfiguração queimados pelos católicos por julgarem que eram pinturas demoníacas, conseguiu adentrar no mais oculto da alma humana e expressar, lá na Idade Média, o que hoje vivenciamos no século XXI.

(na imagem, o quadro “Inferno”, o qual é o lado esquerdo do tríptico “O Jardim das Delícias”, de Hieronymus Bosch - clique sobre a imagem, para vê-la ampliada)

09 março 2010

O Poema Mais Puro

eu queria fazer o poema mais puro
como as sublimes águas
que celestam musicais
como os perfumes lagos
que profundam nos florais
e soprar verso luz
a tudo de claro que existe...

mas pensei em desistir
ao perceber que o verso meu
seria sempre triste...

mas também há pureza na melancolia
como os sublimes olhos
que lacrimam pelos rios
como os concertos anjos
que sentençam por sombrios
e soprar verso alma
ao que se voa pelo amor...

mas pensei em desistir
ao perceber que o verso meu
teria sempre dor...

mas também há pureza pelo sofrimento
como o sublime mártir
que se noite na verdade
como o transcendo gênio
que na arte sempre há-de
e soprar verso cruz
ao que se eleva em sacrifício...

mas pensei e... e desisti
ao perceber que o verso meu
teria sempre eu.

08 março 2010

Homenagem à Mulher


Hoje, Dia Internacional da Mulher, devo deixar a elas minha humilde homenagem. Deixo, então, o soneto de minha autoria abaixo, que está em meu livro "Poemas do Fim e do Princípio". Que cada um tire sua própria conclusão.

Soneto a Ela

E paira alta grandeza sobre as nuvens
e pesa mau destino sobre os homens.
Em negro mundo os anos se consomem
e mais clara em tua alma tu nos surges...

Caem raios das horas que refulges,
como sonhos de morte que em mim somem
como fins teus ocultos que há em Beethoven
como sombra em ti fêmea viva em luzes...

Tua voz nas tormentas que há nos céus,
teu olhar cataclísmico nos vela
nos sinais do Infinito dos teus véus...

E por ser Una, arcanamente bela,
alguém dirá talvez que vós sois Deus,
mas canto que vós sois no Eterno Ela...

(na imagem, o quadro "Flor ao vento" de Waterhouse)

Os Bugios Resistem


Passei este fim de semana na fazenda de meu tio, na região do rio Itacurubi. Estive lá harmonizando-me na imensidão dos campos, na profundidade das matas, na magia das águas, na pureza dos ares. De modo que retornei revitalizado.

Fora isso, o que também me deixou muito feliz foi constatar que os bugios estão lá, ainda, apesar da febre amarela que assolou o RS ano passado. Talvez agora não haja tantos bugios como havia até o verão de 2009. Mas ainda há várias famílias por lá. Apesar de não poder fotografá-los desta vez, como o fiz ano passado, fiquei satisfeito em ouvir os seus roncos magníficos, que já é um símbolo de nossas terras

Agora pergunto: os gaúchos que "amam sua terra" vão acabar com mais esse símbolo? Sim, por que os bugios no RS não morreram só de febre amarela. Muitos deles foram mortos envenenados por agrotóxicos (e ainda o são) e outros foram assasinados por perversos ignorantes que não sabem que o bugio não transmite a febre amarela ao homem, é o mosquito que transmite. Os bugios também são vítimas dos mosquitos. E ainda servem como um espécie de "termômetro" para sabermos se os mosquitos de determinda região estão contaminados ou não com o vírus da febre amarela. Quando um bugio morre pela doença, está dado o alrme. Se não há bugios, o alarme só será dado quando humanos adoecerem.

E mais uma coisa: o haemagogus, mosquito selvagem transmissor da febre amarela, não gosta de picar próximo ao solo, pois acha o ambiente muito úmido e escuro, o haemagogus prefere picar nas copas das árvores, onde é mais claro e seco. Por isso, os macacos são suas principais vítimas, lembrando que esse mosquito se alimenta predominantemente do sangue dos primitas. Porém, quando não há macacos, o haemagogus vê-se obrigado a descer ao chão para se alimentar. E então, pica o homem. Por isso, matar os bugios, ou qualquer outro macaco, além de ser uma maldade imperdoável, é de uma ignorância vergonhosa.

Na foto, uma família de bugios. O observador atento poderá constatar que ali há 5 bugios. Pai, mãe e 3 filhotes.

06 março 2010

Nem Tu És o que És

verás que o ser de tudo que é
não é aquilo que demonstra ser,
o ser das coisas
não é o que elas são...

vê mais fundo
no alto fundo que não se olha
e verás que por trás do todo
há um outro outro além de tudo...

o que se mostra
não é o que está ali,
ninguém vê o que olha:
o que está ali
não pode ser tido como estado...

o que sabes não é o que conheces,
o tudo que pensas saber
é aquilo que há em ti
mas não em teu ser,
o que há em teu ser
talvez agora esteja longe
e esse longe talvez seja o real...

há sempre outro verso
em tudo que é reverso:
verás que quanto mais com a luz
universares pelo escuro
mais começo e fim
verás em faces a existirem...

nem tu és o que és:
teu eu não é teu ser,
talvez teu eu agora seja noutro abismo,
como um sismo,
talvez teu ser então te chame mais acima,
noutra rima...

05 março 2010

Fernando Pessoa e seus Passos da Cruz IX


Continuo postando os sonetos de Passos da Cruz de Fernando Pessoa, conforme explicado na seguinte postagem: http://artedofim.blogspot.com/2009/12/fernando-pessoa-o-predestinado-passos.html . Na próxima semana, o 10º passo. Na imagem que acompanha o poema, o quadro "O Naufrágio" de William Turner.

Passos da Cruz - Soneto IX

Meu coração é um pórtico partido
Dando excessivamente sobre o mar.
Vejo em minha alma as velas vãs passar
E cada vela passa num sentido.

Um soslaio de sombras e ruído
Na transparente solidão do ar
Evoca estrelas sobre a noite estar
Em afastados céus o pórtico ido…

E em palmares de Antilhas entrevistas
Através de, com mãos eis apartados
Os sonhos, cortinados de ametistas,

Imperfeito o sabor de compensando
O grande espaço entre os troféus alçados
Ao centro do triunfo em ruído e bando…

04 março 2010

Poema Amargo



...nada
é o tudo que o Todo nos dá
quando a garganta é ao máximo erguida
e a esperança é ao extremo elevada

por mais que tua vida
esteja já arquitetada
verás como o sonho se torna caduco
e como a grave promessa da sorte
conta em deboche
sua sarcástica piada...

como a lua pela noite encarnada
a desilusão será sempre a amante
do sol frágil que te ilumina na estrada...

e terás, por fim, que fazeres uma sopa
com as letras já duras e secas
da felicidade
imagi...
nada...

03 março 2010

Giovani Pasini Lança "A Espiral e O Caracol"


Nesta sexta, o amigo e escritor Giovani Pasini lançará mais um livro, "A Espiral e o Caracol". Trata-se de uma obra onde são abordadas algumas das questões que sempre inquietaram a humanidade (e certamente continuarão a inquietar) como a existência ou não de Deus, o sentido da vida, as conclusões a que podemos chegar através de nossas próprias experiências existenciais, entre outras.

É um livro de questionamentos religiosos e filosóficos, onde o autor discorre sobre vários pensadores, em uma linguagem relativamente simples e acessível ao leitor leigo, sem, todavia, deixar de ser profunda. Vale a pena conhecê-lo.


01 março 2010

200 Anos de Chopin


Hoje o mundo comemora os 200 anos de nascimento de Frédéric Chopin, um dos maiores gênios do romantismo musical e um dos mais importantes compositores para piano da história da música.

Chopin nasceu em 1º de março de 1810, na pequena cidade de Zelazowa Wola, na Polônia, vivendo, no entanto, grande parte de sua vida em Paris, onde faleceu, segundo a história oficial, de tuberculose, embora estudos mais recentes sugiram que ele tenha morrido de fibrose cística. Chopin contava com apenas 39 anos de idade. Em Paris, é célebre o seu romance com a escritora Aurore Dudevant (que se utilizava do pseudônimo de George Sand), a qual muito inspirou o compositor polonês em suas apaixonadas e melancólicas melodias.

A música de Chopin é quase que exclusivamente para piano, solo ou com acompanhamento, característica que o torna único entre os grandes compositores. Trata-se de uma música bastante original e de grande expressividade técnica. Suas composições são geralmente densas e sombrias, de uma profunda expressão sentimental, carregadas de paixão e melancolia. Atingem os maiores extremos emocionais, partindo de uma celestial ternura e flutuante delicadeza até amargurados acordes de uma violência desesperada.

Pode-se dizer que o amor e a saudade da pátria são os temas mais constantes nas obras de Chopin. Antes dos 20 anos, Chopin já havia composto seus dois concertos para piano e orquestra, dois dos mais belos e expressivos concertos para esse instrumento já criados. Foram inspirados em seu amor por Constance Gladkowska, a quem teve que abandonar ao ver se obrigado a deixar a Polônia.

Logo após deixar seu país natal, sofreu uma profunda crise psicológica, conhecida como Crise de Stuttgart. Essa crise ficou registrada em uma série de escritos, o seu Diário de Stuttgart. Escreveu Chopin nesse diário:

“Por que vivemos essa vida miserável, que só nos devora e serve para nos converter em cadáveres? (...) É como se morrer fosse a melhor ação do homem... Qual será a pior? Nascer, desde o momento que é o contrário de sua melhor ação. Portanto, é perfeitamente plausível que eu esteja aborrecido por ter nascido neste mundo. Por que deveria querer permanecer em um mundo para o qual não estou preparado? O que minha existência poderia oferecer a alguém?”

Mas a sua existência ofereceu muito a toda a humanidade... Quantos milhares de casais já alimentarem sua paixão e seu amor ao som de suas mágicas notas, quantas vezes o seu gênio entristecido já nos ajudou a aprender a amar? E quantos homens desesperançados já se consolaram com os seus sobrenaturais noturnos e sonatas, com a tensa beleza e vivo mistério de suas mazurcas e polonesas e estudos e prelúdios...? E quem não conhece a sua marcha fúnebre? Sim todos a conhecem, ainda quem não saibam que a compôs. De modo, Chopin, que tua existência teve muito a nos oferecer...

(na imagem, Chopin pintado por Scheffer)

28 fevereiro 2010

Ao Fim do Pampa


quero-quero vasto que me olha denso,
o que é que alarma no teu sino antigo?

pampa que crepúsculas,
não te sones antes que eu me vide...

folha de angico que te nervas sopro,
o que é que julga na tua chama acesa?

pampa que te noites,
não te lues antes que eu me ocase...

sanga que adaga em todo um céu de chumbo,
o que é que marcha no teu grito frio?

pampa que te sangues,
não te doenças antes que eu me febre...

coxilha em cosmo que me fúria um sonho,
em quais sentenças é que te levantas?

pampa que te fins,
não te mortes antes que eu te ame...

26 fevereiro 2010

Falso Amor pela Terra, Tradicionalismo Vão e Mônica leal


O gaúcho, o brasileiro em geral, ama sua terra. Mentira! Ama coisa nenhuma! O que é amar a terra? O que é a terra? Como sou gaúcho, para não me estender em demasia, não vou falar aqui das terras amazônicas, das terras do cerrado, das terras do sertão, enfim, lugares esses onde a morte e a destruição sopram implacáveis há muito tempo, como demonstração sublime de todo amor que o brasileiro sente por sua terra. Vou falar da terra onde vivo, do pampa. Onde está o amor que os gaúchos tanto apregoam possuir por sua tão querida terra? Onde?!

Esses dias fui ao show do músico tradicionalista Leonel Gomes em uma fazenda no interior de Santiago. O show foi à noite, e durante o dia havia rodeio. Não vi o rodeio, apenas o show. Mas o que vi também foi um campo imundo, coberto de latas de cerveja, de garrafas plásticas, de papéis de picolé, de plásticos de todos os tipos, enfim, os senhores da tradição que dizem tanto amar a terra gaúcha, cobriram essa mesma terra de lixo. De lixo!

Isso é amar a terra? É transformar o pampa numa lixeira? Amar a terra é cobrir o campo de eucaliptos? É encharcar as lavouras de agrotóxicos? Amar a terra é entupir os rios de venenos, de esgotos, de detergentes? É assoreá-los devastando todas as matas que os protegem? Claro, rio não é terra, é água. Amar a terra é transformar campo em deserto de tanto explorar sem a mínima piedade? Amar a terra é massacrar os animais que nela vivem? É atropelar graxains, e tatus, e capivaras, e gambás e deixá-los estrebuchando pelas estradas? Amar a terra é varrer dela toda a vida?

E depois vêm com esses vãos tradicionalismos alardear que amam a terra gaúcha, que amam o pampa? Com raras e louváveis exceções, isso é uma mentira deslavada. Adoram andar ostentando suas pilchas, suas botas, seus lenços, suas bandeiras sobre o lombo de um pobre cavalo, mas por exibicionismo, não por amor. Adoram tomar seus tragos, fumar seu palheiros, dar seus gritos pelos campos, no mesmo campo que no outro dia irão pisar em cima, irão esmagá-lo, aniquilá-lo com toda a vacuidade e vergonha da ganância, da indiferença e da inconsciência.

Agora esses vãos tradicionalistas mataram cavalos em uma cavalgada imbecil para exibir o seu amor pela terra. Tudo isso é uma palhaçada. Uma cruel palhaçada que custou a vida de animais inocentes e indefesos, animais esses que deveriam ser amados pelo gaúcho, em sinal da infinita gratidão que deveríamos ter por eles. Os cavalos, que ajudaram a construir nossa história. E o verdadeiro gaúcho tem essa gratidão, sem dúvida, ama sua terra e os animais que nela vivem. E quem ama, cuida do que ama. O verdadeiro gaúcho não precisa andar pilchado para sê-lo. O autêntico gaúcho demonstra o seu "gauchismo" pela alma e pela consciência, não com exibicionismo barato. Ou melhor, caro, porque além de custar a vida de animais, custa o dinheiro do nosso bolso, que, como sempre, pagamos pelas palhaçadas deste governo vergonhoso que aí está.

Palhaçada sob os aplausos da Secretária de Cultura Mônica Leal. Uma incompetente, que só entrou para a secretaria porque era amiga da governadora. No embate entre Juremir Machado da Silva e Mônica Leal, fico com o primeiro. Ele tem toda razão. O que a Mônica fez pela real cultura em nosso estado? Eu até agora não vi nada. Só o que vejo nos reais campos culturais e artísticos são pesadas críticas ao trabalho (ou seria destrabalho?) da secretária.

A seguir transcrevo o trecho de um texto publicado no blog de Milton Ribeiro http://miltonribeiro.opsblog.org/2008/09/19/monica-leal-a-amiga-de-yeda-crusius/ :

“Mônica Leal foi colocada como Secretária de Cultura do Rio Grande do Sul por ser amiga de Yeda Crusius. Yeda afirmou que Mônica era alguém de sua confiança, uma amiga com quem tomava chá e chimarrão, enquanto Mônica replicava que estava encantada com o convite, apesar de não saber nada sobre política cultural, cultura, artistas, leis de incentivo, etc., mas que aprenderia, pois tinha boa vontade. Antes deste convite, Mônica Leal dizia “carregar a bandeira da Segurança Pública e a herança política de seu pai”. Nada mais próximo à cultura.


Em suas primeiras entrevistas, notei que Mônica tinha problemas maiores. Como dizê-los? Bem, parecia que a luz da inteligência não havia brilhado muito para ela, seus discursos eram vazios e, pior, sem o palavreado político habitual; ou seja, eram tolos. Uma vez, na abertura de um concerto da OSPA, o maestro Isaac Karabtchevsky, vendo que ela se perdia de forma constrangedora na frente de uma platéia que começava a rir, saiu em sua ajuda, aplicando os termos corretos: concerto, solistas, maestro, sinfonia, etc. A boa vontade de aprender cultura da secretária não estava à altura daqueles termos.

Mônica Leal é filha de um dos políticos mais truculentos e involuntariamente cômicos de nosso estado. Seu pai, Pedro Américo Leal, foi certamente o coronel mais entusiasmado com a ditadura militar. Era ele quem costumava ir aos jornais e TVs para, sempre aos gritos, afirmar que não havia tortura, que a ditadura realizava milagres em todos os campos e conclamava os comunistas a saírem de sob seus colchões. Ouvi-o muitíssimas vezes. Ele não aceitava apartes, era uma patrola.

Com a finalidade de defender a memória de papai, Mônica Leal já tentou retirar do Memorial do Rio Grande do Sul o Acervo da Luta Contra a Ditadura, desmembrando-o entre outras instituições. Ora, esta documentação — que ao que eu saiba nem está catalogada –, deve conter o nome de Pedro Américo Leal por todo lado.”

Essa é a nossa Secretária de Cultura... Vejam bem, meus amigos, de CULTURA! Sem mais.

25 fevereiro 2010

Inebriei-me de Ocaso...

flecha de Fim varou-me no peito
rasgando a carne como a água do mar
avança sobre a praia frágil:
insanamente lenta.

pé por pé
me lancei em lentidão da noite
e cada passo
era cada passo um século
cada século
era de sangue a gota
gota a gota
lacrimejava a vida
e passo a passo
me arrastava largo
vago arrastando
lento em adágio
formei-me vãos lagos
a cada compasso
lasso sangrado
e passo a gota
a marcha marcava
o rastro marcado
da morte alagada
lento inundado
do que desmorona
fúnebre marcha
em rastejo de cobra
sangue por sangue
sequei-me de alma
aos poucos do lento
em quase ao eterno
gole por gole
inebriei-me de ocaso
e ninguém viu que meu peito
que meu peito esvaziava

e devagar agonizo...
como a Terra nos morre...

23 fevereiro 2010

Fernando Pessoa e seus Passos da Cruz VIII


Continuo postando os sonetos de Passos da Cruz de Fernando Pessoa, conforme explicado na seguinte postagem: http://artedofim.blogspot.com/2009/12/fernando-pessoa-o-predestinado-passos.html . Na próxima semana, o 9º passo. Na imagem que acompanha o poema, o quadro "A Morte de Cleópatra" de Guido Cagnacci.

Passos da Cruz - Soneto VIII

Ignorado ficasse o meu destino
Entre pálios (e a ponte sempre à vista),
E anel concluso a chispas de ametista
A frase falha do meu póstumo hino...

Florescesse em meu glabro desatino
O himeneu das escadas da conquista
Cuja preguiça, arrecadada, dista
Almas do meu impulso cristalino...

Meus ócios ricos assim fossem, vilas
Pelo campo romano, e a toga traça
No meu soslaio anônimas (desgraça

A vida) curvas sob mãos intranqüilas...
E tudo sem Cleópatra teria
Findado perto de onde raia o dia...

21 fevereiro 2010

Sobre o Sangue

construí meu verso sobre o sangue
derramado duro na nua terra aberta
coagulado sangue seco pelo pó da enxada
que deserticamente escorre...

construí meu verso sobre o sangue
de água morta em rio derramado humano
sangue viscoso-negro entre a beira acabada
que poluidamente escorre...

construí meu verso sobre o sangue
de seiva-lágrima em derramada queda
esverdeado sangue de vastidão tombada
que devastadamente escorre...

construí meu verso sobre o sangue
do guará atropelado pelo horizonte
sangue vivo-lago derramado das estradas
que extintamente escorre...

meu verso é só uma expressão sangrada
de tudo aquilo que morre.

19 fevereiro 2010

Francesca da Rimini: Dante e Tchaikovsky unidos


Dante Alighieri e Piotr Tchaikovsky uniram-se para criar uma magnífica obra em conjunto. Claro que não pessoalmente. Dante morreu quase cinco séculos antes de Tchaikovsky nascer. Mas em 1876, Tchaikovsky compôs o poema sinfônico Francesca da Rimini, baseando-se no V canto do Inferno da Divina Comédia de Dante. Trata-se de uma das obras mais trágicas e violentas da história da música.

Porém, convém antes comentar brevemente sobre o que é um poema sinfônico. É uma composição para orquestra cuja intenção é descrever e expressar alguma obra literária. Ela pode ser baseada em toda obra ou em apenas em um trecho dela. Não confundir com a ópera, esta é cantada e teatralizada. O poema sinfônico é predominantemente instrumental e não teatralizado. Beethoven é considerado o precursor do poema sinfônico, mas foi Liszt quem o desenvolveu, criando inúmeras obras nesse gênero. Tchaikovsky, Richard Strauss, Cesar Franck, entre outros, foram também expoentes do poema sinfônico.

Francesca da Rimini está entre os maiores poemas sinfônicos já compostos. Mas quem é Francesca da Rimini? É um personagem do Inferno de Dante, cuja existência é verídica durante a Itália medieval. O genial poeta italiano encontra a sombra de Francesca a vagar no Inferno. Francesca fora condenada por trair seu marido, o qual era de desagradável aparência, com o próprio irmão deste. Os adúlteros foram condenados, no 2º círculo infernal, a serem carregados por uma brutal tempestade, um terrível vendaval, e estavam totalmente impedidos de voltar a se tocarem. No entanto, mantinham as recordações dos momentos felizes em que ainda podiam abraçar-se na entrega a seu amor proibido. E tais sensações eram fonte de indizível tortura.

Tortura essa que foi magistralmente expressa na obra de Tchaikovsky. O poema começa de forma absolutamente sombria, onde o clima infernal parece ser palpável no ar. Estamos entrando no Inferno dantesco. Em seguida surge o lúgubre soprar da tempestade, o qual vai crescendo assustadoramente, até se transformar em algo como um devastador e incessante furacão. A orquestra explode em impiedosos acordes de condenação.

Após, surge um momento de soturna calmaria, onde se apresenta o melancólico tema de amor do casal condenado. Trata-se de uma melodia escura e comovente, que vai tomando contornos cada vez mais intensos ao longo da obra, sob um fundo de sonho e pesadelo, de ternura e desgraça, de paixão e desolação. Porém, aos poucos, o clima do amor proibido dá lugar à devastação infrene da tempestade, que volta a soprar com toda fúria arrastando as almas dos condenados.

O obra encaminha-se então para o seu apocalíptico final, onde a força da orquestra torna-se absolutamente avassaladora, fazendo recair todo o peso da culpa sobre o casal de maneira insana e implacável. Ao finalizar-se, o poema sinfônico Francesca da Rimini deixa-nos a tremenda sensação de que acabamos de sair do mais profundo, mais sentencioso e mais invencível inferno. A obra é composta de um único movimento com mais de 25 minutos de duração. (na imagem, o quadro "A Barca de Dante", de Delacroix)

18 fevereiro 2010

Ninguém Pode Sabê-lo

o teu Mistério
ninguém pode sabê-lo nem vencê-lo
rosto de mar que se esvai pelas tênebras
e lá onde as verdes vozes ciclonam
o teu mistério ninguém pode sê-lo

que se espalha pelo azul dos mais vastos
em beijos de folhas que serenam perfumes
água da noite que se luz no não-dito
a um verso de ave inundando até sonhos...
o teu mistério ninguém pode vê-lo

ninguém pode ser o que vê sem ter sido
e nem pode saber se não vence o não-visto:
agora estou vago e do sol sinto um halo...
o teu Mistério ninguém pode sabê-lo...
só misteriá-lo.