o teu Mistério
ninguém pode sabê-lo nem vencê-lo
rosto de mar que se esvai pelas tênebras
e lá onde as verdes vozes ciclonam
o teu mistério ninguém pode sê-lo
que se espalha pelo azul dos mais vastos
em beijos de folhas que serenam perfumes
água da noite que se luz no não-dito
a um verso de ave inundando até sonhos...
o teu mistério ninguém pode vê-lo
ninguém pode ser o que vê sem ter sido
e nem pode saber se não vence o não-visto:
agora estou vago e do sol sinto um halo...
o teu Mistério ninguém pode sabê-lo...
só misteriá-lo.
18 fevereiro 2010
16 fevereiro 2010
Fernando Pessoa e Seus Passos da Cruz VII
Continuo postando os sonetos de Passos da Cruz de Fernando Pessoa, conforme explicado na seguinte postagem: http://artedofim.blogspot.com/2009/12/fernando-pessoa-o-predestinado-passos.html . Na próxima semana, o 8º passo. Na imagem que acompanha o poema, o quadro "Incêndio nas Casas do Parlamento", de William Turner
Passos da Cruz - Soneto VII
Fosse eu apenas, não sei onde ou como,
Uma coisa existente sem viver,
Noite de Vida sem amanhecer
Entre as sirtes do meu doirado assomo…
Fada maliciosa ou incerto gnomo
Fadado houvesse de não pertencer
Meu intuito gloríola com Ter
A árvore do meu uso o único pomo…
Fosse eu uma metáfora somente
Escrita nalgum livro insubsistente
Dum poeta antigo, de alma em outras gamas,
Mas doente, e, num crepúsculo de espadas,
Morrendo entre bandeiras desfraldadas
Na última tarde de um império em chamas…
Uma coisa existente sem viver,
Noite de Vida sem amanhecer
Entre as sirtes do meu doirado assomo…
Fada maliciosa ou incerto gnomo
Fadado houvesse de não pertencer
Meu intuito gloríola com Ter
A árvore do meu uso o único pomo…
Fosse eu uma metáfora somente
Escrita nalgum livro insubsistente
Dum poeta antigo, de alma em outras gamas,
Mas doente, e, num crepúsculo de espadas,
Morrendo entre bandeiras desfraldadas
Na última tarde de um império em chamas…
13 fevereiro 2010
Meu Livro Poemas do Fim e do Princípio – Uma Aposta no Livro Digital
Apresento aos leitores e amigos meu 2º livro, intitulado Poemas do Fim e do Princípio. O livro foi editado pela editora Livros Ilimitados e está em pré-venda em seu site, em duas versões: digital (e-book) e impressa. Poemas do Fim e do Princípio conta com 245 poemas em quase 250 páginas, o qual resulta de uma seleção realizada por mim mesmo entre a minha produção poética dos últimos cinco anos. A capa da obra é ilustrada com a pintura “A Tentação de Santo Antônio”, do gênio da pintura holandês Hieronymus Bosch. O quadro é considerado um dos mais apocalípticos da história.
Poemas do Fim e do Princípio ainda não foi lançado oficialmente, visto que os exemplares impressos que pedi somente ficarão prontos na semana seguinte ao carnaval. Seu lançamento ocorrerá em Santiago na 1ª quinzena de março, porém ainda não há data e local definidos.
Quanto à publicação do livro, resolvi fazer diferente desta vez. Ao invés de publicar um livro independente, encomendando determinado número de cópias a serem vendidas posteriormente, optei por publicá-lo por uma editora, realizando um livro totalmente profissional , com registro na Biblioteca Nacional e tudo mais. O livro será comercializado diretamente pela editora, o que não significa que não poderá ser adquirido por mim.
Sendo publicado por uma editora, a versão impressa sairá por um preço mais elevado do que se fosse editado de forma independente. Porém, a minha grande aposta está na versão digital do livro, a qual é bem mais barata que a impressa (inclusive se fosse uma edição independente), não necessita de frete (o que o barateia ainda mais), é prático, e, o que é muito importante, não agride o meio-ambiente. O livro digital, ou e-book, após efetuado o pagamento, será enviado para o e-mail do cliente informado durante a compra. Além disso, um livro digital publicado por uma editora possui um universo de divulgação muito mais amplo do que um livro independente. Para o autor mesmo é muito mais fácil, rápido e eficiente realizar a divulgação de um livro digital.
Hoje em dia, as pessoas leem bem mais poesia na tela do computador do que em livros impressos, principalmente os jovens, que passam horas e horas diárias ligados à internet. Tendência que só tende a crescer. E para aqueles que preferem ler o livro na forma tradicional, basta imprimi-lo. Portanto, eu recomendo a todos os leitores que adquiram o livro em sua versão digital.
Mesmo assim, o livro também poderá ser adquirido no formato impresso. Eu encomendei alguns poucos exemplares para o lançamento do livro em março. Durante o lançamento, os livros impressos estarão por um preço um pouco inferior ao preço de venda no site. No momento que estiverem determinados local e data para o lançamento, eu enviarei os convites.
Para quem já quiser adquirir o livro, esta é a minha página na editora Livros Ilimitados: http://www.livrosilimitados.com.br/loja/autores_descricao.asp?codigo_autor=7 .
Poemas do Fim e do Princípio ainda não foi lançado oficialmente, visto que os exemplares impressos que pedi somente ficarão prontos na semana seguinte ao carnaval. Seu lançamento ocorrerá em Santiago na 1ª quinzena de março, porém ainda não há data e local definidos.
Quanto à publicação do livro, resolvi fazer diferente desta vez. Ao invés de publicar um livro independente, encomendando determinado número de cópias a serem vendidas posteriormente, optei por publicá-lo por uma editora, realizando um livro totalmente profissional , com registro na Biblioteca Nacional e tudo mais. O livro será comercializado diretamente pela editora, o que não significa que não poderá ser adquirido por mim.
Sendo publicado por uma editora, a versão impressa sairá por um preço mais elevado do que se fosse editado de forma independente. Porém, a minha grande aposta está na versão digital do livro, a qual é bem mais barata que a impressa (inclusive se fosse uma edição independente), não necessita de frete (o que o barateia ainda mais), é prático, e, o que é muito importante, não agride o meio-ambiente. O livro digital, ou e-book, após efetuado o pagamento, será enviado para o e-mail do cliente informado durante a compra. Além disso, um livro digital publicado por uma editora possui um universo de divulgação muito mais amplo do que um livro independente. Para o autor mesmo é muito mais fácil, rápido e eficiente realizar a divulgação de um livro digital.
Hoje em dia, as pessoas leem bem mais poesia na tela do computador do que em livros impressos, principalmente os jovens, que passam horas e horas diárias ligados à internet. Tendência que só tende a crescer. E para aqueles que preferem ler o livro na forma tradicional, basta imprimi-lo. Portanto, eu recomendo a todos os leitores que adquiram o livro em sua versão digital.
Mesmo assim, o livro também poderá ser adquirido no formato impresso. Eu encomendei alguns poucos exemplares para o lançamento do livro em março. Durante o lançamento, os livros impressos estarão por um preço um pouco inferior ao preço de venda no site. No momento que estiverem determinados local e data para o lançamento, eu enviarei os convites.
Para quem já quiser adquirir o livro, esta é a minha página na editora Livros Ilimitados: http://www.livrosilimitados.com.br/loja/autores_descricao.asp?codigo_autor=7 .
Ali há um link que direciona para os livros em seus dois formatos. Então, convido todos a conhecerem o meu 1º livro de poemas. Qualquer dúvida, entre em contato pelo e-mail reiffer@gmail.com. Obrigado.
11 fevereiro 2010
Ao Fim da Rosa
rosa que paira pelo meu sonho
quem foi que sangrou-te à tormenta
quem foi que matou-te em meu sangue
rosa que sonha pelo meu grave?
quem foi que falou-te de amar-te
daquilo que voa e sempre te parte
quem foi que arrancou-te da noite
rosa que doente pelo meu sempre?
quem te atormenta pelas espadas
do vasto martelo firme na morte
quem te vaza do lago que canta
rosa que morre pela minha veia?
quem te disse que tu és passado
rosa que afoga em tudo que chove
em medo que corta tu te consomes
rosa que vai-te em tudo que corre?
quem é que te lança na faca que mata
rosa que vaga em tudo que é podre
rosa que finda em todo meu nada...?
rosa esmagada.
quem foi que sangrou-te à tormenta
quem foi que matou-te em meu sangue
rosa que sonha pelo meu grave?
quem foi que falou-te de amar-te
daquilo que voa e sempre te parte
quem foi que arrancou-te da noite
rosa que doente pelo meu sempre?
quem te atormenta pelas espadas
do vasto martelo firme na morte
quem te vaza do lago que canta
rosa que morre pela minha veia?
quem te disse que tu és passado
rosa que afoga em tudo que chove
em medo que corta tu te consomes
rosa que vai-te em tudo que corre?
quem é que te lança na faca que mata
rosa que vaga em tudo que é podre
rosa que finda em todo meu nada...?
rosa esmagada.
(na imagem, o quadro "A Rosa Meditativa" de Salvador Dalí)
09 fevereiro 2010
A Noite é o Seio
Noite...
negra flâmula do Fim...
és romântica, simbolista e pós-moderna:
a Noite é eterna.
quem pode impedir
o teu sempre ser?
quem além pode ver
entre o mistério que tens?
Tu sempre vens.
por mais sol
que brilhe nos olhos da bela
os olhos dela
hão de sempre fechar...
que de tudo há noite:
anoitece a vida
anoitece o sonho...
anoitece amar.
em tudo e no todo
cai a sombra divina:
as alegrias tombam
os sorrisos se fecham
e o romance termina.
o adeus aguarda no trono do tempo
e o seu aceno de réquiem
sempre nos alcança:
tudo descansa.
há a noite do dia
és romântica, simbolista e pós-moderna:
a Noite é eterna.
quem pode impedir
o teu sempre ser?
quem além pode ver
entre o mistério que tens?
Tu sempre vens.
por mais sol
que brilhe nos olhos da bela
os olhos dela
hão de sempre fechar...
que de tudo há noite:
anoitece a vida
anoitece o sonho...
anoitece amar.
em tudo e no todo
cai a sombra divina:
as alegrias tombam
os sorrisos se fecham
e o romance termina.
o adeus aguarda no trono do tempo
e o seu aceno de réquiem
sempre nos alcança:
tudo descansa.
há a noite do dia
a noite do mundo
noite do Cosmos:
a Noite é a origem
Deusa de onde tudo veio...
e a Noite é o destino:
iremos todos repousar
no seu imortal seio...
(na imagem, o quadro “Noite Estrelada sobre o Rhone” de Van Gogh)
noite do Cosmos:
a Noite é a origem
Deusa de onde tudo veio...
e a Noite é o destino:
iremos todos repousar
no seu imortal seio...
(na imagem, o quadro “Noite Estrelada sobre o Rhone” de Van Gogh)
07 fevereiro 2010
Fernando Pessoa e Seus Passos da Cruz VI
Continuo postando os sonetos de Passos da Cruz de Fernando Pessoa, conforme explicado na seguinte postagem: http://artedofim.blogspot.com/2009/12/fernando-pessoa-o-predestinado-passos.html . Na próxima semana, o 7º passo. Na imagem que acompanha o poema, o quadro "Caminhante Sobre o Mar de Névoa" de Caspar David Friedrich.
Passos da Cruz - Soneto VI
Venho de longe e trago no perfil,
Em forma nevoenta e afastada,
O perfil de outro ser que desagrada
Ao meu atual recorte humano e vil.
Outrora fui talvez, não Boabdil,
Mas o seu mero último olhar, da estrada
Dado ao deixado vulto de Granada,
Recorte frio sob o unido anil...
Hoje sou a saudade imperial
Do que já na distância de mim vi...
Eu próprio sou aquilo que perdi...
E nesta estrada para Desigual
Florem em esguia glória marginal
Os girassóis do império que morri...
06 fevereiro 2010
O Meu Pessimismo
conhecer o humano e a humanidade
é neles não acreditar:
saber é ser pessimista.
ter otimismo
é crer que a árvore
que nasceu e cresceu torta
vai se endireitar
depois de velha...
não adianta, que eu te conheço,
por conseguinte não te acredito.
o meu pessimismo
é como um velho professor antipático
chato e inconveniente
sério e irritante
seco e indiferente
que traz um irônico sorriso no rosto
e chega sempre no meio da festa
trazendo consigo um livro de Não:
ninguém gosta dele
porque todos sabem
no fundo...
que ele tem toda a razão...
é neles não acreditar:
saber é ser pessimista.
ter otimismo
é crer que a árvore
que nasceu e cresceu torta
vai se endireitar
depois de velha...
não adianta, que eu te conheço,
por conseguinte não te acredito.
o meu pessimismo
é como um velho professor antipático
chato e inconveniente
sério e irritante
seco e indiferente
que traz um irônico sorriso no rosto
e chega sempre no meio da festa
trazendo consigo um livro de Não:
ninguém gosta dele
porque todos sabem
no fundo...
que ele tem toda a razão...
05 fevereiro 2010
A Cidade Fétida e a Estranha Doença do Senhor Noite - Final
Já durante a madrugada, passei em frente a uma boate e pude captar os sons das músicas que de lá provinham. O resultado foi que percebi aqueles sons tão doentiamente que meus ouvidos gotejaram sangue por várias quadras. Felizmente, tinha sempre ao meu lado meu amigo lobo, que me consolava, contando-me histórias de um mundo muito além do nosso, o que tranquilizava meu espírito atormentado.
Quando tentava fugir a todas as pessoas, pois já me era intolerável o que o normal comportamento humano sintomaticamente despertava em mim devido à enfermidade, tive a má-sorte de cruzar por um grupo de pessoas eufóricas e muito falantes. Durante arrastados minutos, pude ouvir tudo o que disseram, mesmo que deles me afastasse rapidamente, pois meus tímpanos tornaram-se superexcitados após o sangramento. E essa extrema sensibilidade de meus ouvidos permitiu que eu ouvisse não só as suas frívolas conversas, mas também, e sem dúvida isso é mais uma alucinação de minha doença, algo como uma outra voz simultânea que soava ao fundo das vozes normais e transmitiam a impressão intuitiva de que eram emitidas pelo interior dos falantes. Enquanto aquele grupo comentava sobre diversões e festas, as vozes ao fundo, num tom rouquenho, monstruoso, falavam de dor e desespero, de solidão e vazio. Enquanto eles abordavam suas atividades de seus empregos, as vozes ao fundo se diziam escravas de um trabalho inútil e embrutecedor; e ao falar o grupo sobre dinheiro, as vozes diabólicas grunhiam sobre a total falta de sentido na vida e a maquinização do ser humano; enquanto aquelas pessoas tratavam de suas alegrias e felicidades, as lúgubres vozes interiores rugiam e gemiam infinitas tristezas, desesperanças e fatalidades. E eu, ao ouvir todo aquele infernal espetáculo de horror, senti-me perigosamente asfixiado, e lágrimas infrenes brotaram de meus olhos e uma dor de cabeça lancinante torturou-me ao máximo.
Psiquicamente dilacerado pelos sintomas de minha enfermidade, subi às costas do lobo e saí da cidade. Minutos depois, avistamos uma imensa carruagem de aspecto mitológico, puxada por sete cavalos possantes e imponentes, certamente, outra alucinação oriunda da doença. Sobre o primeiro dos cavalos, estava um homem de longo cabelo, trajando vestes, de vermelho vivo, típicas de um guerreiro romano. Sobre a carruagem, avistei uma imensa águia de asas abertas, com o agudo olhar fixo no horizonte. Dentro do carro mitológico havia alguns indivíduos, e, ao lado de cada um, um lobo ou um leopardo. O cavaleiro de trajes vermelhos parou a carruagem e convidou-me a subir. Eu o fiz, juntamente com o lobo. A carruagem prosseguiu até subir um alto monte, onde um frio vento soprava incessante. No cume do monte, olhamos para trás e avistamos ao longe a cidade, envolta em uma fumaça negra e mórbida. Com o vento, um fedor indescritivelmente insuportável foi trazido daquela decadente região urbana. E eu pensei comigo que até então fizera parte daquela completa degeneração. Graças a Deus, enlouqueci.
Quando tentava fugir a todas as pessoas, pois já me era intolerável o que o normal comportamento humano sintomaticamente despertava em mim devido à enfermidade, tive a má-sorte de cruzar por um grupo de pessoas eufóricas e muito falantes. Durante arrastados minutos, pude ouvir tudo o que disseram, mesmo que deles me afastasse rapidamente, pois meus tímpanos tornaram-se superexcitados após o sangramento. E essa extrema sensibilidade de meus ouvidos permitiu que eu ouvisse não só as suas frívolas conversas, mas também, e sem dúvida isso é mais uma alucinação de minha doença, algo como uma outra voz simultânea que soava ao fundo das vozes normais e transmitiam a impressão intuitiva de que eram emitidas pelo interior dos falantes. Enquanto aquele grupo comentava sobre diversões e festas, as vozes ao fundo, num tom rouquenho, monstruoso, falavam de dor e desespero, de solidão e vazio. Enquanto eles abordavam suas atividades de seus empregos, as vozes ao fundo se diziam escravas de um trabalho inútil e embrutecedor; e ao falar o grupo sobre dinheiro, as vozes diabólicas grunhiam sobre a total falta de sentido na vida e a maquinização do ser humano; enquanto aquelas pessoas tratavam de suas alegrias e felicidades, as lúgubres vozes interiores rugiam e gemiam infinitas tristezas, desesperanças e fatalidades. E eu, ao ouvir todo aquele infernal espetáculo de horror, senti-me perigosamente asfixiado, e lágrimas infrenes brotaram de meus olhos e uma dor de cabeça lancinante torturou-me ao máximo.
Psiquicamente dilacerado pelos sintomas de minha enfermidade, subi às costas do lobo e saí da cidade. Minutos depois, avistamos uma imensa carruagem de aspecto mitológico, puxada por sete cavalos possantes e imponentes, certamente, outra alucinação oriunda da doença. Sobre o primeiro dos cavalos, estava um homem de longo cabelo, trajando vestes, de vermelho vivo, típicas de um guerreiro romano. Sobre a carruagem, avistei uma imensa águia de asas abertas, com o agudo olhar fixo no horizonte. Dentro do carro mitológico havia alguns indivíduos, e, ao lado de cada um, um lobo ou um leopardo. O cavaleiro de trajes vermelhos parou a carruagem e convidou-me a subir. Eu o fiz, juntamente com o lobo. A carruagem prosseguiu até subir um alto monte, onde um frio vento soprava incessante. No cume do monte, olhamos para trás e avistamos ao longe a cidade, envolta em uma fumaça negra e mórbida. Com o vento, um fedor indescritivelmente insuportável foi trazido daquela decadente região urbana. E eu pensei comigo que até então fizera parte daquela completa degeneração. Graças a Deus, enlouqueci.
(Na imagem, o quadro "A Loba dando de Mamar a Rômulo e Remo" de Agostino Carraci)
04 fevereiro 2010
A Cidade Fétida e a Estranha Doença do Senhor Noite
Sou conhecido como o senhor Louis Noite. Claro que meu sobrenome não é esse, mas assim tornei-me conhecido devido ao estranho caráter dos impiedosos sintomas de minha enfermidade, os quais me impedem de sair às ruas durante o dia. Não que os raios solares sejam a mim nocivos, o que ocorre é que o sofrimento causado pela desconhecida patologia torna-se inexplicavelmente insuportável durante o dia, amenizando-se pelas horas noturnas.
Outras características e sintomas de minha doença são ainda mais absurdos, frutos de uma inquietante alteração de consciência, que muito se assemelha a uma esquizofrenia, com a diferença essencial de que sempre mantenho-me consciente de tudo o que comigo ocorre. Para exemplificar claramente o comportamento de minha enfermidade, relatarei os acontecimentos daquela terrível noite, da qual julgo desnecessário mencionar sua data.
Realizava eu uma de minhas longas caminhadas noturnas, que é quando intento buscar momentâneo alívio à dor física e psicológica ocasionadas pela doença, e, costumeiramente, meu lobo negro juntou-se a mim. Sim, em minhas caminhadas, sempre tenho a companhia de um imenso lobo de espessa pelagem negra, que comigo dialoga durante toda a noite. Esse é mais um sintoma da enfermidade, a visão de um lobo que conversa como um humano e que, obviamente, não é visto por ninguém mais, e, assim, todos pensam que converso sozinho, mas quem me conhece já está acostumado com minha loucura. Às vezes, subo às costas do lobo, e ele carrega-me por estranhos e magnificentes lugares oníricos, os quais não é meu objetivo descrevê-los agora. Outro sintoma, que ao longo daquela noite encontrava-se um tanto exaltado, consiste no fato de, ao passar por qualquer árvore, invariavelmente, perceber um vulto luminoso ao lado, acima, ou interpenetrado na mesma. Identifico tal vulto como a alma da árvore e com ela mantenho um absurdo diálogo.
Contudo, como ia dizendo, aquela noite foi verdadeiramente terrível. Não diferiu muito das outras em sua essência, mas na intensidade e dramaticidade dos acontecimentos. Talvez por ser lua cheia, dizem que isso afeta os loucos. Passava eu por um grupo de jovens quando, involuntariamente, pude ouvir sobre o que se tratavam os assuntos de suas conversas. Ao fazê-lo, senti um tremendo choque em meu cérebro, uma febre alucinante que me transmitia a insuportável sensação de que meu crânio iria derreter. Atribuo tal choque à imensa quantidade de bobagens e de futilidades contidas nas conversas daqueles jovens, tão agressivas a minha mente enferma que a acometeu de uma febre vulcânica.
Prosseguindo em meu sinistro passeio, avistei em uma esquina um homem alto que muito chamava a atenção. Ele conversava com outros dois homens, e, aproximando-me, percebi que se tratava de um respeitável candidato a deputado. Então, outro sintoma de minha enfermidade principiou a se manifestar, agora na forma de estarrecedores distúrbios visuais. Meus olhos doentes e insanos não viam ali somente um alegre e eloquente político, mas um ser monstruoso, de cuja boca gotejava uma baba amarelada e purulenta, de cujos olhos brotavam horripilantes ejaculações gangrenosas. E ainda tive a nítida impressão de que ao fundo da boca bestial daquele ser para mim desprezível havia algo como um maligno deboche. Aquele ar perverso e vazio que o político irradiava perturbou sobremaneira minha demente psique, e eu não conseguia entender como que os outros não se davam conta de nada disso, como tudo era tão normal para os outros e tão horrível para mim.
Outras características e sintomas de minha doença são ainda mais absurdos, frutos de uma inquietante alteração de consciência, que muito se assemelha a uma esquizofrenia, com a diferença essencial de que sempre mantenho-me consciente de tudo o que comigo ocorre. Para exemplificar claramente o comportamento de minha enfermidade, relatarei os acontecimentos daquela terrível noite, da qual julgo desnecessário mencionar sua data.
Realizava eu uma de minhas longas caminhadas noturnas, que é quando intento buscar momentâneo alívio à dor física e psicológica ocasionadas pela doença, e, costumeiramente, meu lobo negro juntou-se a mim. Sim, em minhas caminhadas, sempre tenho a companhia de um imenso lobo de espessa pelagem negra, que comigo dialoga durante toda a noite. Esse é mais um sintoma da enfermidade, a visão de um lobo que conversa como um humano e que, obviamente, não é visto por ninguém mais, e, assim, todos pensam que converso sozinho, mas quem me conhece já está acostumado com minha loucura. Às vezes, subo às costas do lobo, e ele carrega-me por estranhos e magnificentes lugares oníricos, os quais não é meu objetivo descrevê-los agora. Outro sintoma, que ao longo daquela noite encontrava-se um tanto exaltado, consiste no fato de, ao passar por qualquer árvore, invariavelmente, perceber um vulto luminoso ao lado, acima, ou interpenetrado na mesma. Identifico tal vulto como a alma da árvore e com ela mantenho um absurdo diálogo.
Contudo, como ia dizendo, aquela noite foi verdadeiramente terrível. Não diferiu muito das outras em sua essência, mas na intensidade e dramaticidade dos acontecimentos. Talvez por ser lua cheia, dizem que isso afeta os loucos. Passava eu por um grupo de jovens quando, involuntariamente, pude ouvir sobre o que se tratavam os assuntos de suas conversas. Ao fazê-lo, senti um tremendo choque em meu cérebro, uma febre alucinante que me transmitia a insuportável sensação de que meu crânio iria derreter. Atribuo tal choque à imensa quantidade de bobagens e de futilidades contidas nas conversas daqueles jovens, tão agressivas a minha mente enferma que a acometeu de uma febre vulcânica.
Prosseguindo em meu sinistro passeio, avistei em uma esquina um homem alto que muito chamava a atenção. Ele conversava com outros dois homens, e, aproximando-me, percebi que se tratava de um respeitável candidato a deputado. Então, outro sintoma de minha enfermidade principiou a se manifestar, agora na forma de estarrecedores distúrbios visuais. Meus olhos doentes e insanos não viam ali somente um alegre e eloquente político, mas um ser monstruoso, de cuja boca gotejava uma baba amarelada e purulenta, de cujos olhos brotavam horripilantes ejaculações gangrenosas. E ainda tive a nítida impressão de que ao fundo da boca bestial daquele ser para mim desprezível havia algo como um maligno deboche. Aquele ar perverso e vazio que o político irradiava perturbou sobremaneira minha demente psique, e eu não conseguia entender como que os outros não se davam conta de nada disso, como tudo era tão normal para os outros e tão horrível para mim.
(Amanhã, o final) - Na imagem o quadro "Isaac Von Amburgh e Seus Animais" de Landseer
03 fevereiro 2010
1ª Antologia Beco dos Poetas
O site Beco dos Poetas, que reúne poetas e escritores de todo o Brasil e Portugal, publicou sua primeira antologia, para a qual foram selecionados três de meus poemas, foram eles: TRECHO DE UM INSTANTE DE SONO, ENTÃO É SÓ ISSO? e MINHA ABSURDA LIRA. Para os interessados em adquirir a antologia, o endereço é este: http://www.gbmidia.com.br/ch/prod/1297/i-antologia-beco-dos-poetas.aspx
02 fevereiro 2010
Sobre o Jornal Expresso Ilustrado
Recebi, em uma de minhas postagens abaixo, o seguinte comentário, do sr. Edson Munaro:
Estranhas tuas críticas ao Expresso Ilustrado. Se tu criticas e tanto desdenhas o Jornal, por que é queres aparecer lá? Está certo o Editor João LEMES em mandar te cortar, eu faria o mesmo. Mas não podes dizer que o Jornal não dá cobertura ao Evento do Poetas. Att
Sr. Edson: eu não o conheço, não sei quem é o senhor. Mas agradeço o seu comentário, o qual foi bastante oportuno. Devido a ele, farei alguns esclarecimentos. Antes de mais nada, eu não "quero tanto aparecer lá". O que ocorre é que há algum tempo o amigo Márcio Brasil teve a louvável ideia de criar o espaço "Rotação Literária" para divulgar escritores santiaguenses. Ele me convidou a enviar textos para o espaço. E eu, agradecido, aceitei, por que não aceitaria o seu convite? O Márcio sempre deu força a meu trabalho, e a ele sou muito grato. Enviei textos que ele publicou. Passaram-se vários meses, e eu não mais enviei qualquer texto para o Rotação. Até que dias atrás lembrei-me que poderia mandar mais algum para o Márcio, e o fiz, mais em consideração a ele, que me fez amigavelmente o convite. Porém, fiquei então sabendo que meus textos não poderiam mais ser publicados no Rotação Literára, mesmo sendo eu um dos mais prolíficos e divulgados escritores santiaguenses da atualidade. Fui censurado? Isso é atitude de um jornal que se diz sério e respeitável?
O sr. João Lemes tem todo o direito de não gostar de mim. Mas se ele fizesse qualquer comentário em meu blog, ele seria publicado. O comentário dele e de qualquer outra pessoa, como publiquei o seu, sr. Edson. Meu blog é democrático. O jornal Expresso não é. E é isso que eu critico. Eu não sou o único a ser cortado lá, não é mesmo? Parece-me que pessoas que não concordam com a visão do chefe do Expresso algumas vezes são "podadas". Ou isso não procede?
Felizmente, eu não preciso do Expresso Ilustrado para divulgar minhas obras. Meu blog tem centenas de acessos diários, leitores assíduos não só em Santiago, mas em todo o Brasil. E também fora do Brasil, como em Portugal, Espanha, Argentina, Uruguai, México, Chile, França e até na Romênia. Publico obras nos mais diversos sites do Brasil, participo de revistas, jornais e antologias, meus zines são distribuídos em várias cidades, tenho um livro publicado e logo sairá o segundo por uma editora, de modo que não preciso do Expresso.
Mas eu não desdenho o jornal, como o senhor afirma. Eu nunca afirmei que o desdenhava. Eu faço críticas a ele, o que é diferente. Ou será que não tenho o direito de criticá-lo? Não vivemos em uma sociedade dita democrática? Ou será que todos os santiaguenses têm que ficar com a boca calada quando não concordam com alguma coisa? Eu critico o Expresso, e critico qualquer coisa que eu julgar merecedora de críticas. E não sou só eu quem critica o mencionado jornal. Há inúmeras pessoas que o fazem, apenas não tornam público suas opiniões, por motivos que não me compete julgar.
O jornal Expresso tem seus méritos, é claro. A princípio, possui um ótimo time de colunistas, vários deles meus amigos, como o Márcio Brasil, o Ruy Gessinger, o Pasini, o Froilam. Todos escrevem muito bem. O jornal soube conquistar seu espaço e tem um grande número de leitores na região. Não tiro o seu valor. No entanto, na minha opinião também apresenta graves defeitos.
Pelo seu espaço e alcance, poderia, e deveria, apresentar matérias bem mais profundas e substanciais. Dar mais atenção à cultura e a questões mais sérias. No entanto, prefere colocar algumas frivolidades, matérias de entretenimento, dar um espaço demasiado a badalações sociais, enfim, todas essas coisinhas fúteis para satisfazer a imbecilidade e a vaidade vã do povo.
Todos sabem, por exemplo, que "Os Melhores do Ano" não passa de uma palhaçada, de um puxa-saquismo para vender, para ganhar dinheiro. Não creio ser essa a missão de um jornal. Mas se o senhor João Lemes julga que é, está no seu direito.
Além do mais, eu mesmo já encontrei vários erros de informação no Expresso Ilustrado. Isso não pode ocorrer em um jrnal respeitável. Sem falar nas omissões de algumas informações e fatos da sociedade santiaguense. Tais omissões são propositais ou por desconhecimento? Seja qual for o caso, é altamente condenável em um jornal. Por falta de espaço, certamente não é...
Por ser um importante veículo de imprensa em Santiago, o jornal Expresso deveria preocupar-se mais com sua qualidade e com a seriedade de suas atitudes para com os leitores e para com a sociedade.
01 fevereiro 2010
Não Tens Certeza de Nada...
tens certeza?
não, não tens certeza de nada.
ter certeza é ilusão
é projeçao equivocada:
achar que o hoje é o amanhã
e que tu serás sempre
o mesmo de agora
é julgar que não muda o clima
ou que não passa a hora
amanhã serás outro:
e o teu outro eu
te dirá: menti!
pensarás o que não pensas
e o que hoje sentes
não estará mais em ti
amanhã negarás tranquilo
o que ontem disseste
emocionado de certeza
amanhã viverás planos que não sabias
amanhã tua felicidade será tristeza
tens certeza?
não, não tens certeza de nada.
verás que o tempo
desmentirá tudo
e que viver é saber
com a alma enganada
nem a morte é certa:
que ela pode estar longe
ou pode ser já.
só é certeza o Fim:
por mais sol que tenha o dia
é certo que sempre
anoitecerá...
não, não tens certeza de nada.
ter certeza é ilusão
é projeçao equivocada:
achar que o hoje é o amanhã
e que tu serás sempre
o mesmo de agora
é julgar que não muda o clima
ou que não passa a hora
amanhã serás outro:
e o teu outro eu
te dirá: menti!
pensarás o que não pensas
e o que hoje sentes
não estará mais em ti
amanhã negarás tranquilo
o que ontem disseste
emocionado de certeza
amanhã viverás planos que não sabias
amanhã tua felicidade será tristeza
tens certeza?
não, não tens certeza de nada.
verás que o tempo
desmentirá tudo
e que viver é saber
com a alma enganada
nem a morte é certa:
que ela pode estar longe
ou pode ser já.
só é certeza o Fim:
por mais sol que tenha o dia
é certo que sempre
anoitecerá...
30 janeiro 2010
Felicidade Não se Busca
quem busca a felicidade
jamais a encontra
e muito menos a encontra
quem a encontra na busca
a felicidade não se busca
porque não pode ser buscado
o que não está em um ponto
a ser alcançado
quem alcança o ponto almejado
logo vê o outro ponto mais adiante
e naquele ponto visto e não-chegado
mora a felicidade imaginada
e delirante
quem feliz futilmente se julga
apenas um largo gole de vinho
traga:
segura uma vela de chama fugaz
que a primeira ventania
fatalmente apaga
a felicidade
é como para o colecionador
o ato de encontrar
um raro selo:
só dura o momento do ato
só pode ser feliz
quem sabe que não pode sê-lo
de fato
jamais a encontra
e muito menos a encontra
quem a encontra na busca
a felicidade não se busca
porque não pode ser buscado
o que não está em um ponto
a ser alcançado
quem alcança o ponto almejado
logo vê o outro ponto mais adiante
e naquele ponto visto e não-chegado
mora a felicidade imaginada
e delirante
quem feliz futilmente se julga
apenas um largo gole de vinho
traga:
segura uma vela de chama fugaz
que a primeira ventania
fatalmente apaga
a felicidade
é como para o colecionador
o ato de encontrar
um raro selo:
só dura o momento do ato
só pode ser feliz
quem sabe que não pode sê-lo
de fato
29 janeiro 2010
Fernando Pessoa e seus Passos da Cruz V
Continuo postando os sonetos de Passos da Cruz de Fernando Pessoa, conforme explicado na seguinte postagem: http://artedofim.blogspot.com/2009/12/fernando-pessoa-o-predestinado-passos.html . Na próxima semana, o 6º passo. Na imagem que acompanha o poema, o quadro "A Morte de Ofélia" de Millais.
Passos da Cruz - Soneto V
Tênue, roçando sedas pelas horas,
Teu vulto ciciante passa e esquece,
E dia a dia adias para prece
O rito cujo ritmo só decoras...
Um mar longínquo e próximo umedece
Teus lábios onde, mais que em ti, descoras...
E, alada, leve, sobre a dor que choras,
Sem querer saber de ti a tarde desce...
Erra no anteluar a voz dos tanques...
Na quinta imensa gorgolejam águas,
Na treva vaga ao meu ter dor estanques...
Meu império é das horas desiguais
E dei meu gesto lasso a algas mágoas
Que há para além de sermos outonais...
28 janeiro 2010
Sobre a Casa do Poeta: e-mail enviado a Júlio Prates
Prezado Júlio: a divulgação para a mídia não cabia a mim, não era minha função, e, com toda a sinceridade, não sei como ela foi feita. Apenas divulguei em meu blog, e convidei assim a todos os meus leitores, deixei isso bem claro em minhas postagens. Convites particulares para eventos desse tipo eu não mando e nunca vou mandar, pois entendo que convites individuais para essa categoria de evento não são necessários. E eu não afirmei que não houve envolvimento de recursos públicos em nenhum momento. Mas não fui eu quem os buscou, até porque, sempre que fui buscá-los como auxílio para meus livros, foram-me negados, enquanto para outros, foram dados. Para os seus foram dados? Faço a mesma pergunta que você me fez. Por que para uns sim e para outros não? Isso não é também uma panelinha? Por que você não fala também desse tipo de panelinha? Ou da panelinha do Expresso? Eu não ando atrás de ajuda de políticos para nada, não sou responsável pela busca de recursos dentro da Casa do Poeta. Sou o diretor de Literatura. Posso falar de qualquer político porque não tenho o rabo preso com nenhum deles. Falo inclusve de nosso prefeito atual: ele gosta muito de usar o nome de Terra dos Poetas, mas na hora de apoiar efetivamente os poetas que produzem em nossa terra, e eu não tenho medo de dizer que atualmente sou um dos poetas mais produtivos de Santiago e um dos que mais têm divulgação fora daqui, na hora de ajudar os poetas, ele não o faz. No meu caso, não o fez.
Você diz que é necessário dar ciência à sociedade da diretoria da Casa dos Poetas. Até onde sei, foi dado, de acordo com as possibilidades da Casa, inclusive financeiras. Só que a sociedade também não se interessa em saber. E você diz que não pode se enfiar nas reuniões da diretoria sem ser convidado. Claro que não, você não faz parte da diretoria. E eu não disse que você poderia participar delas. Disse que você pode participar de qualquer evento aberto, como cafezinhos literários e o fórum sem necessitar de convite individual. Pode participar e expor todas as suas opiniões sobre a Casa. Pode participar e se associar a qualquer momento, e uma vez sócio, pode formar uma chapa para formar uma diretoria para concorrer na próxima eleição. Se você tem argumentos contra a Casa, por favor, participe do próximo cafezinho e exponha seus argumentos para todos nós. Eu mesmo o avisarei de quando for ocorrer o próximo cafezinho. Gostaria muito que você participasse, pois admiro muito todo seu senso crítico.
Você diz que é necessário dar ciência à sociedade da diretoria da Casa dos Poetas. Até onde sei, foi dado, de acordo com as possibilidades da Casa, inclusive financeiras. Só que a sociedade também não se interessa em saber. E você diz que não pode se enfiar nas reuniões da diretoria sem ser convidado. Claro que não, você não faz parte da diretoria. E eu não disse que você poderia participar delas. Disse que você pode participar de qualquer evento aberto, como cafezinhos literários e o fórum sem necessitar de convite individual. Pode participar e expor todas as suas opiniões sobre a Casa. Pode participar e se associar a qualquer momento, e uma vez sócio, pode formar uma chapa para formar uma diretoria para concorrer na próxima eleição. Se você tem argumentos contra a Casa, por favor, participe do próximo cafezinho e exponha seus argumentos para todos nós. Eu mesmo o avisarei de quando for ocorrer o próximo cafezinho. Gostaria muito que você participasse, pois admiro muito todo seu senso crítico.
Como disse, de minha parte, a Casa do Poeta estará sempre aberta a todos que quiserem participar. Mas convites particulares, em meu nome, ninguém vai receber. Se vai receber em nome de outros membros da diretoria ou da presidência, isso é com eles.
Sobre a Casa do Poeta de Santiago: eu não formo panelinhas.
Não sou homem de cobrar nada dos outros. E detesto que cobrem de mim. Os únicos que devem ser cobrados sem tréguas são os políticos, pois em sua maioria são parasitas que vivem e enriquecem à custa do dinheiro, do sofrimento e da ignorância do povo.
Dito isso, não concordo com cobranças para com aqueles que não foram ao Fórum de Literatura promovido pela Casa do Poeta de Santiago, entre outras instituições. Quem não quer ir, não vai, ninguém é obrigado. Eu mesmo não fui em vários eventos ditos literários. Se eu não quero, não vou.
Mas também não concordo com o julgamento do amigo Júlio Prates de que era necessáro convite particular para ir ao evento. O evento era aberto para todo mundo, nunca foi fechado ou eletista como ele afirma. Os convites particulares podem ou não ser enviados nesse caso. Não é algo imprescindível, muito pelo contrário, a maioria das pessoas que foram não receberam convites particulares. Eu, sendo parte da diretoria, não enviei convite para ninguém. Não sei se o presidente, o Pasini, enviou. Se enviou, ele tinha o direito, e eu não tenho nada a ver com isso. O Pasini tem o pensamento dele, e eu, o meu. Eu não o fiz porque julgo que seria uma forma de pressão para com a pessoa, e detesto pressões. Qualquer um era livre para ir ou não. O evento foi divulgado a todos, eu mesmo divulguei em meu blog várias vezes. Não era um lançamento particular de livro, que aí sim necessitaria de convite.
Quem quisesse participar, bastaria chegar ao local, fazer a inscrição, que seria muito bem recebido. E se quisesse vender seus livros ali, era só falar comigo mesmo, eu era o responsável para isso, junto com o Luiz Paulo Milani, outro membro da diretoria. Mas não enviei convites para tanto. A ninguém. Isso era aberto a todos os participantes do evento. Para que convites particulares para um evento que era aberto a toda a sociedade? Isso sim seria eletista.
E não sei por que essa história de que a Casa do Poeta é uma panelinha, se todos podem participar dos cafezinhos literários, e de qualquer outro evento, sem precisar fazer parte da Casa, sem precisar se associar, sem precisar de nada. Basta ir e expor sua opinião, o seu pensamento, o seu sentimento, a sua obra. E se quiser continuar a ir sem se associar, pode fazê-lo. E se quiser se associar, na hora mesmo isso será feito. Liberdade total e absoluta. Falta divulgação dos dias e horários dos cafezinhos? Talvez poderia haver uma divulgação maior por parte da imprensa, pois a divulgação é feita pela internet. Por que a imprensa não divulga? Panelinha é o que ocorre, por exemplo, no jornal Expresso Ilustrado, que possui a coluna Rotação Literária da qual fui proibido de participar pelo chefe do jornal. No entanto, o chefe desse jornal pode, tranquilamente, participar da Casa do Poeta.
Será que não gostam da diretoria da Casa do Poeta? Tudo bem, ninguém é obrigado a gostar dela. Se alguém quiser mudar a diretoria, basta se associar à Casa e compor uma chapa. Qualquer santiaguense pode fazer isso, basta se associar. A associação é muito barata, apenas três reais por mês. Não cobre nem as despesas da Casa. Qualquer um pode se associar, seja escritor ou não. Depois haverá a eleição. E todos os sócios votam. Quem não vai é porque não quer, não por falta de conhecimento, ou por qualquer outro impedimento. E se ainda não tinha conhecimento, agora está tendo. E se não quer ir, não serei eu que irei pressionar a fazê-lo. Nunca o farei.
Não posso admitir que afirmem que faço parte de uma panelinha. Detesto panelinhas, e sempre lutei contra elas. Lutei, sozinho diga-se de passagem, contra a panelinha formada pelo Oracy Dornelles e seus sequazes em torno da literatura em Santiago. Não será agora que formarei uma panelinha, ou que contribuirei para que ela se forme. Apenas não sou uma pessoa de andar atrás dos outros para que façam isso ou aquilo. Se alguém quiser participar da Casa do Poeta, de minha parte, será absolutamente muito bem recebido. Quem quer que seja. Inclusive o Oracy. Eu mesmo farei a associação. O convite está feito. Mas se não quiser, eu não irei correr atrás. E ponto final.
27 janeiro 2010
Poema Leve
minha obra que é nada leve
deixo que o furacão a leve
leve com tudo que a mim é nada
leve de nada que no fundo é tudo
que do todo não vivo me livro
como a mais trágica página
arrancada do mais trágico livro
que se apague essa funesta vela
o olhar sentença que meu sonho vela
arraste o meu peito em lava
às correntezas onde a água o lava
a água livre de lavado pranto
deixo que leve leve em descanso
a minha alma a nadar em vale
a minha a alma que nada vale...
deixo que o furacão a leve
leve com tudo que a mim é nada
leve de nada que no fundo é tudo
que do todo não vivo me livro
como a mais trágica página
arrancada do mais trágico livro
que se apague essa funesta vela
o olhar sentença que meu sonho vela
arraste o meu peito em lava
às correntezas onde a água o lava
a água livre de lavado pranto
deixo que leve leve em descanso
a minha alma a nadar em vale
a minha a alma que nada vale...
25 janeiro 2010
Imortal
imortal
amor
amor tal
amoral
mal
amortal
imorre douro
que morre
sem ouro
imoral
não d’ouros
não duras
aah amor tal
amor tão...
em vão...
aah!
ah mortal!
amor
amor tal
amoral
mal
amortal
imorre douro
que morre
sem ouro
imoral
não d’ouros
não duras
aah amor tal
amor tão...
em vão...
aah!
ah mortal!
23 janeiro 2010
A Lenta Morte da Mulher Bela - Final
Os gritos da bela mulher não eram reações desesperadas somente às suas dores excruciantes, mas ela reagia também às terríveis chagas que surgiam em todo o seu corpo e sangravam de forma inclemente, espargindo um sangue pútrido e mau-cheiroso, que se derramava por toda a cama, maculando os brancos lençóis e carregando o ar impuro de pestilentas emanações. As chagas desapareciam com o passar dos arrastados dias, mas sempre retornavam, cada vez piores, em cores mórbidas que iam do vermelho, ao roxo e finalmente ao negro.
E as pessoas ali respiravam aquela atmosfera mefítica, com uma imbecil tranquilidade sorridente. A mulher ardia em febre, e sua febre irradiava-se pelo ar, elevando a temperatura gradativamente. Ondas de enfermidade visivelmente partiam de seus entristecidos olhares de negras olheiras. Suas lágrimas não cessavam de escorrer como orvalhos de desgraça por seus miríficos cabelos negros. Sua face pálida e cadavérica implorava por misericórdia. No entanto, aqueles que viviam em seu quarto apresentavam um comportamento tão estúpido, tão indiferente, tão agressivo e miserável, que faziam, ainda que inconscientemente, com que a moléstia da mulher se agravasse ainda mais.
Em um instante soou um luto deprimente. E nas atmosferas ensombrecidas, mornas de enfermidade, densas de pesadelos, assomou pelo ambiente degradado a tensão desesperada de uma trágica marcha fúnebre. E suas notas noturnas vibravam como sinos agourentos de palpáveis maldições. Simultaneamente, adejaram pela janela as asas de um corvo que surgiu da noite distante, do espaço longínquo, e fitou seus olhos fundos de sentenças nas pessoas que ali no quarto estavam. O corvo assemelhava-se a um anjo. Trazia uma carta no bico.
Às vezes, os dias transcorriam em aparente serenidade. A serenidade funesta que antecede as mais devastadoras tormentas. E nos dias lentos, rastejantes, de tensão insuportável, relâmpagos e trovões, por vezes distantes, por vezes próximos, espargiam horrores e deixavam um odor ominoso pelo ambiente do quarto. E o clima obscurecia-se paulatinamente.
Ataques golfejantes de tosse assediavam os pulmões da bela mulher. Golfadas espessas de sangue espalhavam-se por todo o aposento. Um catarro amarelecido descia canhestramente de seu nariz. Ela debatia-se e revirava-se na cama inundada de um suor ardente, pegajoso e febril.
Pela janela semiaberta do quarto, uma estranha luminosidade avermelhada penetrou no ambiente de dúvidas e desesperos adejantes. A bela mulher desvairava, inebriada das mais absurdas catástrofes. Contorcendo-se de dor em todos os seus órgãos, ela levava as mãos amareladas e ressequidas, de veias proeminentes, à cabeça que latejava freneticamente.
Um sopro anômalo e rubro de sangue entrou com diabólica violência pela janela entreaberta. Tal sopro deve ter afetado a sanidade da bela mulher. Agonizante, como um furacão ela redobrou suas forças para erguer-se da cama sanguinolenta. Insana, descontrolada, enlouquecida, ela agarrou com suas mãos crispadas, de unhas crescidas e ensanguentadas, um por um o pescoço daqueles que viviam em seu quarto e os estrangulou com fúria alucinante. Nove dos dez moradores do quarto foram mortos dessa forma. Apenas aquela mulher que sinceramente tentava ajudar a bela enferma foi poupada. E, nesse instante, uma tênue fagulha de vida refulgiu em seus enormes olhos verdes. E o nome da bela mulher era Terra.
E as pessoas ali respiravam aquela atmosfera mefítica, com uma imbecil tranquilidade sorridente. A mulher ardia em febre, e sua febre irradiava-se pelo ar, elevando a temperatura gradativamente. Ondas de enfermidade visivelmente partiam de seus entristecidos olhares de negras olheiras. Suas lágrimas não cessavam de escorrer como orvalhos de desgraça por seus miríficos cabelos negros. Sua face pálida e cadavérica implorava por misericórdia. No entanto, aqueles que viviam em seu quarto apresentavam um comportamento tão estúpido, tão indiferente, tão agressivo e miserável, que faziam, ainda que inconscientemente, com que a moléstia da mulher se agravasse ainda mais.
Em um instante soou um luto deprimente. E nas atmosferas ensombrecidas, mornas de enfermidade, densas de pesadelos, assomou pelo ambiente degradado a tensão desesperada de uma trágica marcha fúnebre. E suas notas noturnas vibravam como sinos agourentos de palpáveis maldições. Simultaneamente, adejaram pela janela as asas de um corvo que surgiu da noite distante, do espaço longínquo, e fitou seus olhos fundos de sentenças nas pessoas que ali no quarto estavam. O corvo assemelhava-se a um anjo. Trazia uma carta no bico.
Às vezes, os dias transcorriam em aparente serenidade. A serenidade funesta que antecede as mais devastadoras tormentas. E nos dias lentos, rastejantes, de tensão insuportável, relâmpagos e trovões, por vezes distantes, por vezes próximos, espargiam horrores e deixavam um odor ominoso pelo ambiente do quarto. E o clima obscurecia-se paulatinamente.
Ataques golfejantes de tosse assediavam os pulmões da bela mulher. Golfadas espessas de sangue espalhavam-se por todo o aposento. Um catarro amarelecido descia canhestramente de seu nariz. Ela debatia-se e revirava-se na cama inundada de um suor ardente, pegajoso e febril.
Pela janela semiaberta do quarto, uma estranha luminosidade avermelhada penetrou no ambiente de dúvidas e desesperos adejantes. A bela mulher desvairava, inebriada das mais absurdas catástrofes. Contorcendo-se de dor em todos os seus órgãos, ela levava as mãos amareladas e ressequidas, de veias proeminentes, à cabeça que latejava freneticamente.
Um sopro anômalo e rubro de sangue entrou com diabólica violência pela janela entreaberta. Tal sopro deve ter afetado a sanidade da bela mulher. Agonizante, como um furacão ela redobrou suas forças para erguer-se da cama sanguinolenta. Insana, descontrolada, enlouquecida, ela agarrou com suas mãos crispadas, de unhas crescidas e ensanguentadas, um por um o pescoço daqueles que viviam em seu quarto e os estrangulou com fúria alucinante. Nove dos dez moradores do quarto foram mortos dessa forma. Apenas aquela mulher que sinceramente tentava ajudar a bela enferma foi poupada. E, nesse instante, uma tênue fagulha de vida refulgiu em seus enormes olhos verdes. E o nome da bela mulher era Terra.
(na imagem, o quadro "O Pesadelo", de Füssli.)
22 janeiro 2010
A Morte Lenta da Bela Mulher
A magnífica beleza daquela mulher deslumbrava a todos. Mesmo agora, gravemente doente, sua beleza ainda encantava. Mas um intenso sofrimento era plenamente visível em seu rosto de olhos fundos e encovados. Sua doença era verdadeiramente terrível, impiedosa, e, aos poucos, bem aos poucos, em uma extrema e quase imperceptível lentidão de brutal angústia, seu organismo ia sendo consumido pela absurda enfermidade. Era como a mais desolada e arrastada das marchas fúnebres.
Enfermidade que a definhava de uma forma digna da mais elevada comiseração. Seus sintomas algumas vezes surgiam, noutras, desapareciam por completo. Porém, quando retornavam, eram ainda mais violentos. Dores insuportáveis em todas as partes do corpo. Ela chorava copiosamente nestes momentos. Mas o que assombrava ainda mais era a inexplicável indiferença com que quase todos observavam a sua agonia.
Das dez pessoas que viviam em seu quarto, apenas uma delas sentia verdadeira piedade ao vê-la morrer de maneira tão lenta e sofrível. As outras aparentavam não se dar conta da devastadora desolação que acometia a bela e pobre mulher. No entanto, todos afirmavam que conheciam sua doença, que sabiam de suas causas a fundo e que possuíam a cura para a pavorosa e fatal enfermidade. Consideravam-se médicos de extrema perspicácia e inteligência. Havia até alguns que diziam que a doença não era grave, que seria facilmente curada e que exageravam no julgamento da intensidade de seus sintomas. Mas ainda não a haviam curado, apesar de todas as tentativas de fazê-lo, tentativas em realidade estúpidas, vergonhosamente insuficientes, enfim, absolutamente inúteis.
Todos os dez indivíduos também afirmavam com total segurança que conheciam o fato de que eles, todos eles, eram os responsáveis, os culpados pela bela mulher agora se encontrar enferma. Sim, a moléstia que a afetava foi causada pelas dez pessoas que viviam em seu quarto. Viviam em seu quarto e dependiam da bela mulher para tudo, para absolutamente tudo, inclusive para viver. Não viveriam sem ela. Daí então a urgente necessidade de curá-la. Se ela morresse, todos os dez morreriam com ela.
De modo que assombrava, era quase inacreditável a indiferença com que seus companheiros de quarto contemplavam a sobrenatural agonia que a passos de anômala marcha fúnebre levava aquela linda mulher a uma morte dolorosa e implacável. Algo realmente incompreensível. O que passaria pela mente dos cinco homens e das cinco mulheres que ali naquele quarto de doença viviam? O que passaria por seus sentimentos?
Talvez os moradores do quarto já estivessem tão habituados com a doença que causaram à mulher que já nem eram capazes de se emocionar com o vagaroso, lento, gradual sofrimento que ela irradiava. Havia ali somente uma pessoa que ainda agia intentando acender os sentimentos dos outros para que realmente tomassem consciência da iminente situação em que se encontravam. Porém, sempre inútil.
Mais e mais o clima reinante naquele quarto tornava-se pesado e nervoso. Sombras pesarosas iam surgindo dos cantos do ambiente carregado de densos espectros de ocaso. Lentamente, numa lentidão que parecia eterna. Em alguns momentos, luzes cintilavam em algumas pequenas reentrâncias quase ocultas que traziam consigo determinada esperança. Porém, em pouco tempo eram rapidamente subjugadas por nuvens escuras de uma fumaça de ignota origem.
Sistematicamente, a bela mulher em sua suprema agonia emitia gritos horripilantes, gemidos dilaceradores, que ensurdeciam e inflamavam os ouvidos dos seus companheiros de quarto, a ponto de sangrá-los. Mesmo assim, raramente se emocionavam, bem raramente...
Enfermidade que a definhava de uma forma digna da mais elevada comiseração. Seus sintomas algumas vezes surgiam, noutras, desapareciam por completo. Porém, quando retornavam, eram ainda mais violentos. Dores insuportáveis em todas as partes do corpo. Ela chorava copiosamente nestes momentos. Mas o que assombrava ainda mais era a inexplicável indiferença com que quase todos observavam a sua agonia.
Das dez pessoas que viviam em seu quarto, apenas uma delas sentia verdadeira piedade ao vê-la morrer de maneira tão lenta e sofrível. As outras aparentavam não se dar conta da devastadora desolação que acometia a bela e pobre mulher. No entanto, todos afirmavam que conheciam sua doença, que sabiam de suas causas a fundo e que possuíam a cura para a pavorosa e fatal enfermidade. Consideravam-se médicos de extrema perspicácia e inteligência. Havia até alguns que diziam que a doença não era grave, que seria facilmente curada e que exageravam no julgamento da intensidade de seus sintomas. Mas ainda não a haviam curado, apesar de todas as tentativas de fazê-lo, tentativas em realidade estúpidas, vergonhosamente insuficientes, enfim, absolutamente inúteis.
Todos os dez indivíduos também afirmavam com total segurança que conheciam o fato de que eles, todos eles, eram os responsáveis, os culpados pela bela mulher agora se encontrar enferma. Sim, a moléstia que a afetava foi causada pelas dez pessoas que viviam em seu quarto. Viviam em seu quarto e dependiam da bela mulher para tudo, para absolutamente tudo, inclusive para viver. Não viveriam sem ela. Daí então a urgente necessidade de curá-la. Se ela morresse, todos os dez morreriam com ela.
De modo que assombrava, era quase inacreditável a indiferença com que seus companheiros de quarto contemplavam a sobrenatural agonia que a passos de anômala marcha fúnebre levava aquela linda mulher a uma morte dolorosa e implacável. Algo realmente incompreensível. O que passaria pela mente dos cinco homens e das cinco mulheres que ali naquele quarto de doença viviam? O que passaria por seus sentimentos?
Talvez os moradores do quarto já estivessem tão habituados com a doença que causaram à mulher que já nem eram capazes de se emocionar com o vagaroso, lento, gradual sofrimento que ela irradiava. Havia ali somente uma pessoa que ainda agia intentando acender os sentimentos dos outros para que realmente tomassem consciência da iminente situação em que se encontravam. Porém, sempre inútil.
Mais e mais o clima reinante naquele quarto tornava-se pesado e nervoso. Sombras pesarosas iam surgindo dos cantos do ambiente carregado de densos espectros de ocaso. Lentamente, numa lentidão que parecia eterna. Em alguns momentos, luzes cintilavam em algumas pequenas reentrâncias quase ocultas que traziam consigo determinada esperança. Porém, em pouco tempo eram rapidamente subjugadas por nuvens escuras de uma fumaça de ignota origem.
Sistematicamente, a bela mulher em sua suprema agonia emitia gritos horripilantes, gemidos dilaceradores, que ensurdeciam e inflamavam os ouvidos dos seus companheiros de quarto, a ponto de sangrá-los. Mesmo assim, raramente se emocionavam, bem raramente...
Amanhã, o final.
(na imagem, o quadro "Mulher Morta" de Reinhardt Sobye)
Assinar:
Postagens (Atom)