Mas o que mais me impressionou foi quando entrei no quarto do casal. Ali estava a cama embolorada e úmida, carcomida por ratos, traças e outros animais que ali fizeram seus ninhos em meio a cobertores, lençóis, pelegos e travesseiros esquecidos. Fiquei imaginando os anos felizes em que ali Otacílio e Madalena viveram. Curiosamente, naquele ambiente ancestral, denso, insalubre, carregado, acabei perdendo todo o medo e receio que inicialmente sentira. Sentei-me ali no quarto, em uma cadeira que parecia ainda inteira o suficiente para suportar meu peso e refleti durante horas sobre aqueles seres fantasmais, sobre suas existências antes e depois da morte.
Em um momento, não sei por que motivo, talvez hipnotizado por minhas divagações absurdas e pelo clima sobrenatural que sombriamente me seduzia, tive a coragem de desligar a lanterna e mergulhar na mais tenebrosa escuridão. Nesse instante, meus pensamentos calaram-se, e o silêncio tumular invadiu minha alma de forma arrebatadora. Uma profunda tensão naquelas atmosferas tristes e envelhecidas pesou-me nos ombros...
Foi então que julguei ter escutado passos, e um sussurro feminino soou nos meus ouvidos cava e profundamente chamando meu nome. Julguei sentir o sopro de uma respiração nos meus cabelos. Alarmado, rapidamente liguei a lanterna. Mais uma vez, não vi nada. Talvez tenha imaginado o que ouvi... Contudo, decidi então manter a lanterna acesa até o amanhecer, aquele clima de tensão não era suportável sem algum tipo de luminosidade. E eu ali permaneci sentado no fúnebre quarto, divagando sobre assuntos que dificilmente ocorrem às pessoas comuns.
Refleti, por exemplo, em por que os fantasmas do casal deixaram de ser vistos há quase 30 anos, e por qual motivo aqueles que afirmavam tê-los presenciados eram, quase sempre, pessoas simples, camponeses sem nenhuma formação intelectual, formados apenas pela vida natural em seu ambiente destituído das convenções sociais. Pensei nisso, porque na década de 60, atraídos pelos muitos relatos, alguns estudiosos de assuntos paranormais dirigiram-se ao local para tentar avistar os espíritos, não obtendo, no entanto, permissão do antigo fazendeiro para entrar na casa. E tais estudiosos não viram ou pressentiram absolutamente nada no campo.
Cheguei à conclusão, dessa forma, que a capacidade de contemplar tais fenômenos é algo exclusivo do coração, da intuição, nada tem a ver com o acúmulo de teorias e de conhecimentos mecânicos na mente. Pelo contrário, quanto mais intelectualizado for o indivíduo, mais ele terá a tendência de raciocinar e tentar conceituar esses fatos, criando barreiras psicológicas que impedem que possa naturalmente presenciá-los.
Porém, lamentavelmente, a tendência dos dias atuais é justamente essa intelectualização estéril de todos os fenômenos que a ciência não explica, como se todas as coisas do universo pudessem ser analisadas, medidas, quantificadas, esquecendo-se, desprezando-se os acontecimentos espirituais, além do raciocínio lógico. Por isso, hoje os sabichões do intelecto preferem ridicularizar tais histórias, afirmar desdenhosamente que são “contos de nossos avós”, como se pelo fato de essas pessoas não serem intelectuais, não podem então saber de nada, não merecem crédito.
E assim, esses senhores intelectuais foram aos poucos assassinando as almas da natureza, alastrando o vírus do ceticismo cego e estéril. Quando falo em almas, não me refiro somente a assombrações, mas às almas dos campos, das matas, dos rios, dos ares, das plantas, dos animais. Para esses senhores, nada possui alma, tudo é mecânico e material tão somente, tudo pode ser conceituado dentro do limitados padrões mentais, não há mistério algum por trás das coisas.
Por tais motivos, pensei, hoje só raras vezes se presenciam os fenômenos de aparições de almas, não só de pessoas falecidas, mas também dos elementais da natureza. Os homens bloquearam seus sentidos superiores devido ao acúmulo excessivo de teorias mecanicistas e agora duvidam e riem-se de tudo que não for “cientificamente” comprovado, como se ciência fosse sinônimo de mental.
Os homens afogaram seus corações no veneno das teorias intelectuais, e o resultado é que as manifestações da Alma do Mundo abandonam agora os homens. E assim é com o pampa gaúcho. O pampa morre, porque o homem mata sua alma. Toda a destruição ambiental que flagela o planeta é fruto desse desprezo que a humanidade dispensa às almas da natureza. É como se para a humanidade nada possuísse alma, nem mesmo ela. Então, se nada possui alma, o planeta também não possui. E o planeta morre, e com ele o pampa... Viciamo-nos a pensar em todo e qualquer ser vivo como se fosse uma máquina, inclusive o homem. Se nós, seres vivos, fôssemos máquinas, depois de mortos, bastaria “reparar o defeito” do organismo e religar à fonte de energia, que voltaríamos a viver. Assim podemos fazer com um carro ou com um computador, mas não com um ser vivo. Não podemos pôr de volta a vida.
Afirmo que todas essas assombrações e aparições misteriosas que tanto povoavam nossos campos também fazem parte da alma do pampa. E o desaparecimento desses fantasmas é outro sintoma de sua morte...
E nesses assuntos que ninguém mais pensa, ou pensa apenas para desprezá-los, eu pensava quando fui despertado pelo cantar dos pássaros. Já principiava a alvorada, embora o sol ainda não houvesse saído. Levantei-me da cadeira, despedi-me do quarto espectral e dirigi-me à porta. Como já iniciava a clarear o dia, desliguei a lanterna. E ao abrir a porta, assustei-me com o disparar de um cavalo mouro que partia rapidamente ao capão de mata. Havia um casal sobre ele...