O céu não estava no alto. Ou estava, e eu não o via. Ou ao alto estava, eu o via, mas ele não aparecia para mim. A cada passo que em delírio meu corpo sonhava que dava, surgia um rosto feliz com um sorriso esponjoso, rançoso e hipócrita em névoas claras pela imensidão do nada. Eles sorriam e queriam mostrar-me o caminho, dizer-me por onde ir, eles sempre sabiam de tudo, embora eternamente soubessem de nada. Em seu nada, aqueles rostos eram indescritivelmente horrendos. Eles surgiam como reação aos meus passos. E eu mal conseguia caminhar desde que os Outros vieram e cortaram-me as asas. Eu olhava para o alto e invejava os corvos que eternamente pairavam sobre minha existência.
Desde que podaram minhas asas, eu não consigo mais andar pelo mundo. Eu joguei pedras com o meu sangue derramado naqueles sorrisos imbecis. Eu soprei o furacão que devasta os meus pulmões nos olhos dos sensatos em suas vidas atoladas no nada. Eu beijei a boca quente da minha sublime tuberculose. Eu olhei para trás, para tudo o que havia percorrido, e contemplei extasiado os rastros roxos do meu sangue golfejado pela minha boca que nunca cessa de sentir.
Os rastros de sangue da sublimidade incomparável da minha tuberculose é que iriam salvar-me. Eu poderia voltar, jamais me perderia. As nuvens se intensificavam, caía chuva torrencial sobre meus sonhos. E eu os erguia cada vez mais alto, mais ao alto! Enquanto eles eram metralhados pelos sensatos que sorriam em seus rostos suspensos na nulidade do nada. Um banho de sangue e de lágrimas jorradas das almas de meus sonhos matou minha sede de tudo. Que a chuva era ácida. E eu jamais me contentaria com o teu muito que é miserável.
Ergui minha mão ao raio com um poema escrito com brasas nas minhas veias, e o raio o queimou. E sua fumaça ascendeu no fogo e impregnou as narinas de Deus. E os sorrisos dos sensatos, dos certos, dos felizes aplaudiram meu poema hipocritamente sem nunca o terem lido, pois Deus o queimou e respirou com suas narinas doentes. E eu era asfixiado pelo fumo de minha obra.
O aspecto repulsivo dos felizes com a coluna vertebral chafurdada na lama revoltou-me o estômago. Enquanto eu seguia sedento e avançava indômito em sofreguidão pela estrada por entre o nada, podia ouvir os berros desesperados dos gatos torturados pelos sensatos que sempiternamente assassinavam liberdades. O horror pairou mais denso e grave pelas atmosferas trovejantes. Na monumental infelicidade de sua felicidade, os rostos suínos (porque era nisso que agora se metamorfosearam) alimentavam-se das fezes que eles mesmos produziam em meio de seu nada que eu pisava indiferente e indignado.
Por entre a tempestade, caía a mais suprema das noites. Uma lua de absurdos donde partiam terríficos arcanjos imperou sobre minha desgraça. Extirpei de meu peito uma rosa de sangue febricitante para deixar nas mãos brancas do vulto gracioso que surgiu do nada. Acompanhava-me. Eu não estava morto.
Arranquei minha alma da tristeza e da revolta, fúria e melancolia, que fervilhavam no oceano de meus sentimentos. E com minha alma na ponta afiada da espada, fitei o que havia no lado escuro da lua. De um trovão mitológico, partiu uma flecha incendiada de olhares que causou fatal terremoto pela imensidade do nada de lodo. Um ciclone de desejos levou minha angústia poética ao auge enquanto ela gritava ao se debater em meus ventos. Um mar vermelho, de repente, cobriu todo o céu e a lua.
Meu olho imenso se abriu e dardejou aos céus como uma lança de liberdade insana. Alucinado, respirei fundo o veneno do ar que me oprimia e senti-me mais forte. Eu também era nada, mas alimentando-se do sangrar incessante de tudo o que eu sinto, minha Alma não morreu. Eu não deixei que a sepultassem no sem-sentido da vida dos certos. Minha alma, Em Chamas, vive, enquanto eu caminho com olhos sangrentos, desvairado, rumo à próxima Aurora...