minha lírica de adeus e crepúsculo
vê sóis naufragando nas torres
das torres partem olhos e pios
de corujas com asas de sangue
que gotejam nas luas de fel
como beijos que sonham e morreram
altas mortes de tudo que foi
tu não vieste nas asas das íris
tu não viste minha alma de fim
gritos da noite caídos de luz
ciclones de anjos rezando desgraças
a roxo navio que afunda no céu
céu de tormenta que canta em tua boca
tudo que vai que se perde se finda
dança um azar no lábio no mundo
fogo em promessas de três Prometeus...
quando tua face olhará no meu sono
e na minha lira de ocaso e adeus?
21 agosto 2009
Agradecimento
O amigo Ruy Gessinger publicou um trecho de meu texto postado abaixo em seu blog. Não é a primeira vez que ele publica um de meus escritos. Sinto-me honrado e agradecido e deixo esta postagem para externar meu agradecimento ao apoio que o Ruy concede a minha literatura, pois trata-se de um empresário consciente e de grande alma, algo pouco comum nos dias de hoje. E, sem dúvida, vale a pena acompanhar seu blog, há sempre textos de grande profundidade lá: http://blog.gessinger.com.br/
20 agosto 2009
Evolução ou Involução?
Muitos creem que a humanidade está evoluindo. Eu afirmo e sustento exatamente o contrário. A humanidade está involuindo.
Ou será que a evolução a que algumas pessoas se referem é o fato de hoje possuirmos computadores, celulares, automóveis, vacinas, aviões a jato, de termos ido à lua, compreendido as estruturas da célula, enfim, todas essas conquistas científicas que no fundo, e todos sabem disso, não nos tornaram melhores? Entendo que evolução é quando algum ser vivo torna-se melhor, física e psiquicamente. Até mesmo se considerarmos um conceito darwiniano de evolução, a de um ser tornar-se mais bem adaptado ao ambiente em que vive, será inegável que o ser humano não evoluiu. Não só não nos tornamos mais bem adaptados ao nosso ambiente, como o estamos destruindo de forma completa, definitiva e irreversível. Isso é evolução?
É evolução contemplarmos estarrecidos quilômetros e quilômetros de florestas outrora exuberantes absolutamente devastadas, transformadas em estéreis desertos? É evolução vermos nossos rios e mares outrora límpidos e resplandecentes de vida convertidos em esgotos a céu aberto? É evolução a tortura e o massacre impiedoso dos animais de todas as espécies, de todas as formas de vida, com o objetivo único de obterem-se mais e mais lucros financeiros? É evolução deixarmos de respirar ar puro para sentir entranharem-se em nossas narinas todos os tipos de venenos e podridões? O que me dirão os senhores se eu disser que na Idade Média, na IDADE MÉDIA!, a natureza era muito mais respeitada por povos como os celtas e os hindus? Então quer dizer que sair de um estado de harmonia entre homens e demais seres vivos para um de completo desrespeito e desequilíbrio é evolução?
Evoluímos de forma tão sublime, que hoje possuímos armas tão potentes capazes de destruir nosso planeta mais de 30 vezes. 30 vezes! Como se uma só não fosse suficiente. Mas creio que nem será necessário usá-las... Nossa evolução é tão grandiosa que hoje há nada mais nada menos que 1 bilhão de miseráveis, 1 bilhão de humanos ABAIXO da linha da pobreza. Nem falo nos que são somente pobres. Quantos seriam? Uns 3 bilhões? E esse número aumentou em apenas algumas centenas de milhões na última década. Certamente, isso é algo insignificante, um acidente de percurso. Enquanto isso, alguns nadam na riqueza extraída do sofrimento e da exploração de bilhões de humanos impotentes e alienados...
Então quer dizer que acabou a escravidão e assim evoluímos? É claro, certamente não é escravo o humano que trabalha de 8 a 10h por dia, às vezes até mais, para no fim do mês receber míseros 500 pilas que mal são suficientes para sua alimentação, quem dirá para outras necessidades humanas como vestuário, saúde e lazer. Certamente é uma grande evolução o assalariado ver seu trabalho estúpido ser carcomido por uma desumana carga tributária. É evolução ele morrer esperando por atendimento em uma fila repulsiva do INSS, enquanto é roubado por quadrilhas de cafajestes nos governos federais e estaduais.
Evoluímos tanto que a corrupção acabou. Hoje não vemos mais, em nenhuma parte do mundo, governos, empresários, funcionários públicos, políticos extorquindo o miserável dinheiro de um povo acomodado e imbecilizado por uma mídia degradante, povo esse que só trabalha para fazer outros enriquecerem. Onde estão os antigos desvios de verbas que os reis e nobres tanto faziam? Onde estão as propinas, os subornos, os apadrinhamentos, as orgias com o dinheiro público? Incrível, hoje não se faz mais isso. Realmente evoluímos.
Evoluímos. Acabou, por exemplo, o preconceito. Ninguém mais ADMITE ser preconceituoso. Muito menos invejoso. E menos ainda egoísta, desonesto, cobiçoso,hipócrita etc, etc, etc. Enfim, evoluímos, tornamo-nos anjos.
Certamente é uma belíssima evolução o professor que entra em uma sala de aula e tem que rezar para não ser agredido. Não, não é ser agredido verbalmente, isso é coisa já ultrapassada, agora se agride com tapas, socos, pontapés, facas e revólveres. É a evolução! E a cultura, e a educação, e a sabedoria de nossos alunos então? Eu me emociono constatando como evoluímos tanto. Hoje os jovens não sabem nada sobre arte, por exemplo, mas sabem tudo sobre “big brother”. Claro, “big brother” é o que há de mais importante. Isso sem falar nos vícios. O mais novo é o “crack”, que é um vício sublime. Afinal, não é comovente vermos alguém viciado em uma substância tão imaculadamente branca? Isso é evolução. O mundo mudou!
A nossa magnífica evolução propiciou-nos, por exemplo, sairmos da grandeza e da elevação de Beethoven para a imundícia do “funk”. Vejam como a humanidade se tornou melhor, seus sentimentos morreram. Para que sentimentos? Para que poesia? Que se esqueça Dante Alighieri. Está obsoleto. A revista “Caras” é muito mais útil e profunda... O amor tornou-se uma piada. Sentir é motivo de risos. Evoluímos.
Evoluímos! Não vejo violência em nenhuma parte do mundo. Podemos sair de casa tranquilos e confiar totalmente no ser humano. Podemos também confiar na mídia e nos governos que jamais nos esconderão uma informação. Também não há mais fanatismo religioso. Agora, por exemplo, não se faz mais guerras contra os árabes para tomar a terra santa. Agora as guerras são para ter o controle sobre o petróleo. É muito mais inteligente. É a evolução. E os árabes, em contrapartida, deixaram de degolar com suas espadas afiadas. Espada é algo retrógrado. Agora somente lançam aviões contra prédios gigantescos. E a evolução é tamanha que tudo está equilibrado. De um lado temos os fanáticos religiosos. De outro, os fanáticos materialistas. Ou seja, está tudo em harmonia. E a verdade que se dane. Aliás, para que buscar a verdade? Ela não traz dinheiro algum. E hoje, a religião e a ciência, como todos sabem, só buscam o dinheiro. Nada mais prático. Isso é a evolução.
Enfim, agora que o hedonismo impera, que a vida não tem sentido algum, que o lucro e a mídia governam todas as mentes, que a alma morreu no coração humano, que vivemos sob o reinado da aparência e do egoísmo, que destruímos nossa própria casa a passos firmes, decididos e implacáveis, e que em breve o planeta estará morto, evoluímos. Afinal, como diria Baudelaire, o suicídio tornou-se o ato mais sensato da existência.
Basta de ironias. Se com minhas palavras ainda não convenci o leitor de que INVOLUÍMOS, espero que a imagem acima convença.
19 agosto 2009
Só
eu não estou onde estou
e não pense que eu estou contigo
porque eu estou contigo
muito além de ti
e além de mim
estou contigo
não estando aqui
e nem comigo estou
estou com o que não é
e com o que não sou
e o pior não ser
é o ser sem ninguém saber
é o estar distante ao longe
e o todo mundo pensar
te conhecer
mas o real
é que o real não é
a realidade:
eu estou naquilo
que paira lá
da infinidade
no fundo eu não existo
porque não existe nada
do que não sou
e se existe
eu não estou
logo
eu não sou eu
meu ser olhou ao alto
e se perdeu
então me achar não tente
ao lado de onde vês
há muito tempo eu fui
e jamais chegou
a minha vez
estou no que não é
e o resto é pó
de resto
eu sinto muito
e sinto só
e não pense que eu estou contigo
porque eu estou contigo
muito além de ti
e além de mim
estou contigo
não estando aqui
e nem comigo estou
estou com o que não é
e com o que não sou
e o pior não ser
é o ser sem ninguém saber
é o estar distante ao longe
e o todo mundo pensar
te conhecer
mas o real
é que o real não é
a realidade:
eu estou naquilo
que paira lá
da infinidade
no fundo eu não existo
porque não existe nada
do que não sou
e se existe
eu não estou
logo
eu não sou eu
meu ser olhou ao alto
e se perdeu
então me achar não tente
ao lado de onde vês
há muito tempo eu fui
e jamais chegou
a minha vez
estou no que não é
e o resto é pó
de resto
eu sinto muito
e sinto só
16 agosto 2009
O Triunfo dos Abutres (Parte Final)
Tais abutres surgiam sempre de um ponto definido do céu, como se esse ponto constituísse uma passagem invisível a outra dimensão ignota do universo. E após pousarem, principiavam a emitir grunhidos e grasnados em uníssono, como uma hórrida orquestra canhestramente compassada. Tal som deprimente principiava de forma lenta e quase inaudível, progredindo para um crescendo de rapidez verdadeiramente ensurdecedora, capaz de enlouquecer qualquer ser humano que o ouvisse por um longo período de tempo.
Em determinados momentos, vários daqueles urubus, ou abutres, revoavam e partiam silenciosos em direção a outro ponto do céu congestionado. Tal ponto aparentava ser diametralmente oposto ao que me referi anteriormente. Do primeiro ponto, surgiam os abutres. No segundo, eles desapareciam. E enquanto algumas daquelas aves das sombras submergiam naquele local invisível do céu, mergulhando em um mistério absurdo, outros assomavam desse mesmo mistério e pousavam barulhentos nos galhos das árvores para dar continuidade à infernal sinfonia. E esse fluxo de abutres era irritantemente incessante.
De modo que eu já não estava suportando aquela gritaria funesta e canhestramente ritmada, que intensificou meu tormento a níveis intoleráveis. Mesmo em meio àquele absurdo, eu mal conseguia intentar obter alguma explicação ao horror. De onde provinham a para onde iriam aqueles titânicos urubus? Como poderiam surgir do invisível e submergir no invisível?
Minha perturbação interior crescia cada vez mais. Senti que minha cabeça explodiria a qualquer momento, que arrebentariam as fibras de meu coração, sob a tensão sobre-humana de tamanha tortura psicológica. Tudo em meu interior fervilhava. Parecia que algo lutava, debatia-se para emergir de minha alma, de meu ser mais profundo.
Quando já não resistia àquele martírio e decidi partir daquele vale ominoso, um enorme e assustador abutre pousou a minha frente. Dirigiu seu olhar penetrante e ameaçadoramente aguçado aos meus olhos, e eu estaquei como que petrificado.
Sendo dardejado pelo olhar vermelho e sanguinolento daquele abutre, senti minha alma ferver. E algo de terrível aqueles impiedosos olhos me irradiavam. Diziam-me que todos aqueles urubus gigantescos, todos aqueles abutres com sua massacrante sinfonia consistiam em monstruosas personificações de todas as esperanças e sonhos da humanidade que morreram e morrem em todos os corações humanos.
E de meu peito em combustão, senti que um hercúleo abutre de proporções extremas e descomunais ganhava forma, ganhava asas. E em um devastador adejo de suas asas sem limites, dirigiu seu voo ciclônico rumo àquele ponto invisível na atmosfera carregada de nuvens negras... E unido a toda a infinidade dos outros urubus e abutres, teria então, da humanidade, a sua vingança...
Em determinados momentos, vários daqueles urubus, ou abutres, revoavam e partiam silenciosos em direção a outro ponto do céu congestionado. Tal ponto aparentava ser diametralmente oposto ao que me referi anteriormente. Do primeiro ponto, surgiam os abutres. No segundo, eles desapareciam. E enquanto algumas daquelas aves das sombras submergiam naquele local invisível do céu, mergulhando em um mistério absurdo, outros assomavam desse mesmo mistério e pousavam barulhentos nos galhos das árvores para dar continuidade à infernal sinfonia. E esse fluxo de abutres era irritantemente incessante.
De modo que eu já não estava suportando aquela gritaria funesta e canhestramente ritmada, que intensificou meu tormento a níveis intoleráveis. Mesmo em meio àquele absurdo, eu mal conseguia intentar obter alguma explicação ao horror. De onde provinham a para onde iriam aqueles titânicos urubus? Como poderiam surgir do invisível e submergir no invisível?
Minha perturbação interior crescia cada vez mais. Senti que minha cabeça explodiria a qualquer momento, que arrebentariam as fibras de meu coração, sob a tensão sobre-humana de tamanha tortura psicológica. Tudo em meu interior fervilhava. Parecia que algo lutava, debatia-se para emergir de minha alma, de meu ser mais profundo.
Quando já não resistia àquele martírio e decidi partir daquele vale ominoso, um enorme e assustador abutre pousou a minha frente. Dirigiu seu olhar penetrante e ameaçadoramente aguçado aos meus olhos, e eu estaquei como que petrificado.
Sendo dardejado pelo olhar vermelho e sanguinolento daquele abutre, senti minha alma ferver. E algo de terrível aqueles impiedosos olhos me irradiavam. Diziam-me que todos aqueles urubus gigantescos, todos aqueles abutres com sua massacrante sinfonia consistiam em monstruosas personificações de todas as esperanças e sonhos da humanidade que morreram e morrem em todos os corações humanos.
E de meu peito em combustão, senti que um hercúleo abutre de proporções extremas e descomunais ganhava forma, ganhava asas. E em um devastador adejo de suas asas sem limites, dirigiu seu voo ciclônico rumo àquele ponto invisível na atmosfera carregada de nuvens negras... E unido a toda a infinidade dos outros urubus e abutres, teria então, da humanidade, a sua vingança...
15 agosto 2009
O Triunfo dos Abutres
Minha solidão e meu desconsolo levaram-me a perambular melancólico e sem destino rumo às imensidões nostálgicas do pampa gaúcho. Parti ainda bastante cedo, em um dia frio e ensolarado. Os ares salutares do campo aos poucos foram aliviando o transtorno de meu espírito. Sentia-me relativamente bem contemplando os horizontes onde resplandeciam verdes coxilhas, exuberantes capões de mata, e, vez ou outra, eu atravessava pequenas e límpidas sangas. Minha maior alegria era quando avistava algum animal selvagem, como graxains, seriemas e lagartos.
De modo que lentamente fui avançando pelas pradarias, a locais cada vez mais isolados, onde já não divisava nenhum ser humano. Porém, quando já havia praticamente esquecido de meus infortúnios e decepções, ao sair de um trecho fechado de mata, algo de anômalo e doentio irradiou-se em meu interior.
O cenário que avistei a minha frente divergia de tudo o que contemplara até então. O que avistei não eram mais coxilhas verdejantes, porém uma vastidão de campos cinzentos e ressecados, canhestramente cobertos de nuvens ainda mais cinzentas, que transmitiam uma pungente sensação de dor e desespero. Lá, o sol não brilhava, e ao me aproximar mais do local, percebi que o campo seco apresentava um forte declive logo adiante, que levava a algo como um vale ainda mais sombrio. Tal vale parecia impregnado de altas árvores secas e retorcidas, as quais cercavam um vasto lago de águas lugubremente estagnadas.
Nesse instante, um sentimento de absoluta e devastadora tristeza apossou-se de mim. Um furacão de sensações febris e perturbadoras fervilhou em minha psique inflamada, e senti que o bando de meus sonhos mortos principiou a se debater violentamente em meu peito. Levado por meu tormento hipnotizante, decidi pisar aqueles campos funestos que gradativamente tornavam-se mais e mais escuros e ressecados, infestados de espinhentos caraguatás. Sentindo todo o peso agourento daquelas nuvens sobre meus ombros, lutulento, aos poucos fui descendo e dirigindo-me àquele vale infausto.
Um cheiro enjoativo de sangue surgiu em ondas pelos ares densos e pesados. Conforme avançava, meu transtorno físico e psíquico se intensificava. O caminho até o fundo abismal do vale parecia agora bem mais extenso do que a impressão inicial, e o próprio lago e a infinidade de árvores secas e retorcidas que o circundavam eram, em realidade, de uma imensidão assombrosa e absolutamente ilógica.
Apesar da temperatura fria do dia e de não brilhar o mínimo raio de sol no lugar sombrio em que me encontrava, um bafo morno e carregado, que parecia ter surgido daquele lago de águas estagnadas, oprimia minha angustiada respiração.
Finalmente, atingi a região do lago. O cheiro de sangue coagulado e apodrecido era quase insuportável. O ar quente, fétido e insalubre causava-me náuseas. A concentração de nuvens escuras no céu era intensa e opressiva. Pareciam estar muito baixas, como nimbos de mau agouro. Meu estado de perturbação psíquica atingira o auge, porém, uma força de atração irresistível impedia-me de abandonar aquela tétrica região.
Observei com atenção a imensidade doentia daquele lago absolutamente parado, não havia a mínima movimentação em suas águas medonhamente avermelhadas. Aproximei-me dele, infiltrando-me por entre aquelas odiosas árvores secas e espinhosas, e toquei aquelas águas. Embora não tendo coragem de provar seu sabor, tive a certeza, pelo cheiro, aparência e consistência, que eu me encontrava às margens de um gigantesco lago de sangue, provavelmente mesclado com alguma água imunda.
Fitando com torturante atenção os arredores do lago, vislumbrei uma vastidão pantanosa de banhados e charnecas que exalavam uma névoa abjeta e repulsivamente rosácea. Eram cobertos por uma desolada vegetação rasteira de aspecto cinzento e degradado. Foi no instante em que contemplava estarrecido todo o horror diante de mim e tentava explicar para mim mesmo o que seria tudo aquilo, que surgiu de um ponto negro do céu as asas de um imenso urubu preto que ameaçadoramente pousou em um galho retorcido.
Imediatamente após esse primeiro urubu, surgiram dezenas, centenas, milhares de outros urubus, tão gigantescos e ameaçadores como o primeiro. Alguns pousavam nas árvores mortas, outros, à beira do lago de sangue e bebiam de suas águas Pude observar de forma mais detalhada os que pousavam nas árvores. Eram imensos e possantes, possuíam garras enormes e afiadas, diferentes do urubu comum encontrado nas terras gaúchas. Aparentavam-se bem mais com os abutres africanos, com a diferença de que apresentavam, como os urubus, uma plumagem inteiramente negra no dorso, com penas brancas na região interna das asas.
Amanhã, a parte final...
13 agosto 2009
Como?
como foi
que me atirei da torre
que levei-me com o avalanche
do topo da montanha
como foi que quebrei minhas flores
que derramei minha graça
que cortei os pulsos
da minha estrela e do meu sol
como foi que pisei minha taça
que furei meu céu
que nublei meu peito
que desfolhei teu véu
como foi que troquei meu ouro
por um prato de feijão
que sangrei minha coroa
e fui sentar no chão
como foi que me desviei da luz
que me enlevava nos olhos teus
como foi
se eu ainda trago na arte
o vinho das asas
de Deus?
que me atirei da torre
que levei-me com o avalanche
do topo da montanha
como foi que quebrei minhas flores
que derramei minha graça
que cortei os pulsos
da minha estrela e do meu sol
como foi que pisei minha taça
que furei meu céu
que nublei meu peito
que desfolhei teu véu
como foi que troquei meu ouro
por um prato de feijão
que sangrei minha coroa
e fui sentar no chão
como foi que me desviei da luz
que me enlevava nos olhos teus
como foi
se eu ainda trago na arte
o vinho das asas
de Deus?
10 agosto 2009
Há que ter Alguém
não é
que eu queira o sangue
quero o sangue
porque...
não é
é vida
não é
que eu fale da morte
a morte é
que nos fala
e quem ama a vida
tem que ter o sangue
e saber da morte
que o sangue é alma
muito além da vida
e além do mais
do além
há que ter alguém
que diga do escuro
que fale
do que não se fala
mas que sempre fala
e jamais se ouve
há que ter alguém
como sempre houve...
que nem tudo é luz
e se a luz é luz
só o sabe a sombra
e se a vida é forte
só o sente a morte
por isso assombro
porque sei que a vida
não é bem assim...
pra que a vida vença
há que ter o Fim.
que eu queira o sangue
quero o sangue
porque...
não é
é vida
não é
que eu fale da morte
a morte é
que nos fala
e quem ama a vida
tem que ter o sangue
e saber da morte
que o sangue é alma
muito além da vida
e além do mais
do além
há que ter alguém
que diga do escuro
que fale
do que não se fala
mas que sempre fala
e jamais se ouve
há que ter alguém
como sempre houve...
que nem tudo é luz
e se a luz é luz
só o sabe a sombra
e se a vida é forte
só o sente a morte
por isso assombro
porque sei que a vida
não é bem assim...
pra que a vida vença
há que ter o Fim.
08 agosto 2009
Poemas do Término e Contos do Fim 35
Foi lançada a 35ª edição do zine literário Poemas do Término e Contos do Fim, desta vez com um novo design idealizado com muita competência e talento por meu amigo Guilhermes Damian, atualmente trabalhando na revista Veja. Esta edição do zine inclui o conto "O Livro que Explica Deus" e mais 4 poemas de ocaso.
O Poemas do Término e Contos do Fim pode ser encontrado em Santiago nas locadoras Fox e Classic, na Ponto Cópias, na biblioteca pública e na biblioteca da Uri. Támbém é distribuído em outras cidades do RS como Santa Maria, Santo Ângelo, Campo Bom e Porto Alegre. Também pode ser enviado para qualquer cidade do Brasil e exterior, sendo cobradas apenas as despesas de envio.
06 agosto 2009
da Noite a da Arte
se tu te julgas
satisfatoriamente feliz
é melhor que esqueças
da Noite e da Arte
que a Noite e a Arte
pertencem
aos insatisfatoriamente tristes
aos tristemente insatisfeitos
então
larga das asas do Sonho
e deita em tua cama
de sono tranquilo
e vazio
deixa o Sonho partir só
e voar livre a toda parte
que o Sonho
é tão triste quanto a Noite
e tão insatisfeito quanto a Arte
satisfatoriamente feliz
é melhor que esqueças
da Noite e da Arte
que a Noite e a Arte
pertencem
aos insatisfatoriamente tristes
aos tristemente insatisfeitos
então
larga das asas do Sonho
e deita em tua cama
de sono tranquilo
e vazio
deixa o Sonho partir só
e voar livre a toda parte
que o Sonho
é tão triste quanto a Noite
e tão insatisfeito quanto a Arte
04 agosto 2009
Poesia Velha
gata de canto holocáustico
de coruja pingando na geada:
minha poesia velha
é lâmina de espada
desembainhada
gota de choro noctívago
de neve exaurindo-se a luz:
minha poesia velha
é tigre esfomeado
arrebatando cruz
Goethe de destino fáustico
de frio naufragando no amor
minha poesia velha
é relâmpago pela janela
na festa do leitor
de coruja pingando na geada:
minha poesia velha
é lâmina de espada
desembainhada
gota de choro noctívago
de neve exaurindo-se a luz:
minha poesia velha
é tigre esfomeado
arrebatando cruz
Goethe de destino fáustico
de frio naufragando no amor
minha poesia velha
é relâmpago pela janela
na festa do leitor
01 agosto 2009
As Almas do Fantástico na História do RS - Conto 1º: O Horror no Campo
(O conto “O Horror no Campo” faz parte de uma série de 7 contos que estou compondo abordando o fantástico na história gaúcha, inspirados em fatos reais, mas desenvolvidos de forma fictícia. Este foi o 1º que compus da série. Foi publicado apenas em meu zine, ainda no ano passado, mas ainda não aqui no blog. Após esse, concluí mais 4 contos, e estou no processo inicial do que será o nº6. Embora estejam relacionados, os contos são independentes entre si.)
No ano de 1631, padres jesuítas e colonizadores a serviço da Espanha, com o auxílio de índios catequizados, fundaram uma pequena colônia no interior do RS. A povoação progrediu através dos anos, chegando a possuir alguns milhares de habitantes. No entanto, conforme a colônia crescia em aparente tranquilidade, uma sombra funesta e silenciosa foi fatalmente sendo despertada nos vastos campos e matas densos de mistério que dominavam a região. Havia algo naquele local estranho que não era nem um pouco amistoso à presença daqueles habitantes estrangeiros. Uma oculta e ominosa força natural não podia aceitar os espanhóis e nem mesmos os índios que já não eram fiéis à sua origem, pois haviam se tornado cristãos...
Em alguns momentos da história humana e em determinados lugares enigmáticos de nosso planeta, a natureza revolta-se contra a existência dos homens... Foi o que ocorreu na 3ª década do século XVII em um pequeno local do então quase deserto pampa gaúcho. Aos poucos, os ventos, as águas, as terras, as plantas, os animais, todos foram lenta e furtivamente conspirando contra os padres, colonizadores e indígenas, sem que a princípio algo fosse claramente percebido.
Tudo teve seu início com a formação de uma estranha e violenta tempestade. No mês de abril de 1636, uma reviravolta assustadora no tempo devido à chegada de uma intensíssima frente fria com ventos absurdamente gelados para a época, ocasionou uma tormenta sem precedentes ao chocar-se com o ar quente que até então permanecia sobre o pampa. De uma hora para outra, gélidas rajadas de vento, uma chuva torrencial mesclada a granizo e um verdadeiro bombardeio de raios passaram a assolar a pequena povoação ainda pouco protegida.
A tempestade durou poucos minutos, porém seus efeitos foram de total destruição. As construções já concluídas ou que ainda estavam sendo erigidas foram quase que completamente arrasadas, seja pelas violentas lufadas de vento ou pela pavorosa queda de raios. Plantações inteiras deixaram de existir, anos de trabalho pesado desfizeram-se em minutos. No entanto, apesar da morte de alguns cavalos, não houve vítimas fatais entre os humanos, e logo após a tempestade acalmar-se, os povoadores reiniciaram suas atividades em busca da reconstrução.
Contudo, após a chegada da anômala tormenta, aquela região não voltaria a ser a mesma. Os dias sucediam-se se mantendo invariavelmente nublados, sombrios e intensamente frios. Neblinas e garoas eram muito freqüentes e, aliadas ao frio, aos poucos foram minando os nervos dos colonizadores. O gélido vento Minuano não dava trégua, e logo uma epidemia de uma poderosa gripe alastrou-se entre os colonizadores e indígenas, causando inclusive vítimas fatais entre estes últimos. A população principiou a reduzir-se. Os padres oravam e fitavam os céus soturnos na triste esperança de que a graça divina estabelecesse um fim àquele clima doentio, contudo foi inútil. As semanas passavam agourentas e sem o menor vestígio de sol.
Com as plantações destruídas, a fome passou a assolar os habitantes, principalmente após a estranha e desconhecida peste que dizimou o gado e os cavalos criados pelos espanhóis. Não restou alternativa, a não ser partir para a caça. No entanto, mesmo com toda a experiência dos índios e sabendo-se que a caça na região era abundante, não se conseguia abater nenhum animal realmente útil para a alimentação. Os caçadores avistavam veados, capivaras, emas, tatus, lagartos, jacus, pacas, porém de forma absolutamente inexplicável, não conseguiam abatê-los, salvo algumas aves de pouca carne. E repetia-se o mesmo insucesso na pesca. Os rios transbordantes de águas pareciam estar vazios de peixes. E se os caçadores não encontravam a caça, as serpentes encontravam os caçadores. Nunca houve na povoação tantos casos de picadas de cobras, na maioria fatais. Ocorreu ainda um caso da morte de um padre atacado por um imenso felino durante a noite, e um espanhol teve sua mão extirpada por um animal da mesma espécie. O homem acabou morrendo de gangrena dias depois.
E através daqueles dias de frio hediondo e deprimente escuridão funerária, as forças naturais foram dizimando a população de colonizadores e indígenas. E foram estes que perceberam que havia algo de errado com a natureza, que existia uma ameaça terrível e impalpável pairando nos ares daquela região. Intentaram então retornar às suas antigas crenças, às orações aos seus deuses telúricos, porém já era tarde demais, e o que quer que fosse de oculto que ali exterminava os humanos era definitivamente implacável.
As causas das mortes eram as mais variadas, todas oriundas de “acidentes” naturais ou doenças. As vitimas ou eram levadas pelas águas e morriam afogadas, ou eram atingidas por raios, ou picadas por serpentes, ou ingeriam plantas venenosas, ou morriam nas garras das feras, da fome ou do frio. Alguns ainda eram vítimas de doenças desconhecidas, ou então enlouqueciam e num ataque de demência tentavam assassinar seus companheiros, mas acabavam por eles sendo mortos.
Passaram-se cerca de 6 meses. A população inicial contabilizava mais de 4000 indivíduos, na maioria homens, mas também havia mulheres e crianças, principalmente entre os indígenas, das quais a quase totalidade já falecera. E nesses 6 meses de horror, em que o quadro funesto do clima permanecia inalterado, mais de 75% da população fora exterminada. Então os menos de 1000 sobreviventes tomaram a decisão de retirar-se daquele local amaldiçoado. Seria uma marcha difícil e penosa pela desolação daquele pampa sombrio e hostil, porém não havia outra saída.
Mas... no exato dia em que a população estava preparada para a partida, surgiu o primeiro caso de uma peste absolutamente mortífera e brutal. Os índios afirmavam que a enfermidade viera com os ares insalubres daquele tempo maldito e que consistia na arma derradeira da natureza para a aniquilação dos povoadores. Os sintomas da peste eram assombrosamente horríveis. A vitima inicialmente sofria terríveis dores de cabeça e nos olhos, além de violentas crises de febre, vômito e diarréia. Então, em questão de poucas horas, surgiam por todo corpo feridas e chagas abomináveis, imensas e repugnantes de infecção, donde vertia um líquido amarelado, viscoso e purulento, exalando um cheiro fétido e nauseabundo. A morte advinha em 3 dias.
Os casos surgiam às dezenas; mesmo assim os espanhóis e índios decidiram partir no dia seguinte aos primeiros casos. Conseqüentemente, sua marcha tornou-se uma verdadeira marcha fúnebre. Conforme avançavam pelos campos gelados, úmidos e nevoentos, deixavam um rastro de cadáveres aberradores. A peste não poupou ninguém, e após algumas dezenas de quilômetros percorridos através do horror, estavam todos mortos, apodrecendo sobre as vastas pradarias gaúchas. Porém, houve um sobrevivente. O padre Pablo Gonzalez foi o único a não contrair a enfermidade. Foi encontrado por uma tribo de índios nativos que passava pelo local e levado a uma outra redução jesuítica.
O religioso, então, retornou à Espanha e lá relatou toda a catástrofe que vivenciara. Ninguém acreditou. Preferiu-se crer que os espanhóis e os índios catequizados foram assassinados por alguma tribo indígena de guerreiros selvagens, e que o padre Gonzalez, em sua imensa piedade, optou por esconder o fato a fim de poupar a tribo de uma possível vingança espanhola, pois espanhóis e portugueses exterminavam as tribos que resistiam à catequização. Vale lembrar que quando o padre fora resgatado pelos índios, o tempo sombrio já havia passado. O dia estava ensolarado, agradável e de uma beleza radiante. Muitas décadas depois, o local da tragédia foi povoado com sucesso pelos portugueses, que, aliás, nada souberam sobre ela.
Mas... afinal, por que a natureza rebelou-se contra os espanhóis e indígenas naquela ocasião, sendo que o mesmo não ocorreu em outros casos de povoações similares? Não se sabe. O que se sabe é que, às vezes, as ocultas e insondáveis forças naturais decidem varrer os representantes humanos de determinado local. E, talvez, em breve chegue o dia em que essas mesmas forças decidam varrer toda a humanidade de todo o planeta...
Em alguns momentos da história humana e em determinados lugares enigmáticos de nosso planeta, a natureza revolta-se contra a existência dos homens... Foi o que ocorreu na 3ª década do século XVII em um pequeno local do então quase deserto pampa gaúcho. Aos poucos, os ventos, as águas, as terras, as plantas, os animais, todos foram lenta e furtivamente conspirando contra os padres, colonizadores e indígenas, sem que a princípio algo fosse claramente percebido.
Tudo teve seu início com a formação de uma estranha e violenta tempestade. No mês de abril de 1636, uma reviravolta assustadora no tempo devido à chegada de uma intensíssima frente fria com ventos absurdamente gelados para a época, ocasionou uma tormenta sem precedentes ao chocar-se com o ar quente que até então permanecia sobre o pampa. De uma hora para outra, gélidas rajadas de vento, uma chuva torrencial mesclada a granizo e um verdadeiro bombardeio de raios passaram a assolar a pequena povoação ainda pouco protegida.
A tempestade durou poucos minutos, porém seus efeitos foram de total destruição. As construções já concluídas ou que ainda estavam sendo erigidas foram quase que completamente arrasadas, seja pelas violentas lufadas de vento ou pela pavorosa queda de raios. Plantações inteiras deixaram de existir, anos de trabalho pesado desfizeram-se em minutos. No entanto, apesar da morte de alguns cavalos, não houve vítimas fatais entre os humanos, e logo após a tempestade acalmar-se, os povoadores reiniciaram suas atividades em busca da reconstrução.
Contudo, após a chegada da anômala tormenta, aquela região não voltaria a ser a mesma. Os dias sucediam-se se mantendo invariavelmente nublados, sombrios e intensamente frios. Neblinas e garoas eram muito freqüentes e, aliadas ao frio, aos poucos foram minando os nervos dos colonizadores. O gélido vento Minuano não dava trégua, e logo uma epidemia de uma poderosa gripe alastrou-se entre os colonizadores e indígenas, causando inclusive vítimas fatais entre estes últimos. A população principiou a reduzir-se. Os padres oravam e fitavam os céus soturnos na triste esperança de que a graça divina estabelecesse um fim àquele clima doentio, contudo foi inútil. As semanas passavam agourentas e sem o menor vestígio de sol.
Com as plantações destruídas, a fome passou a assolar os habitantes, principalmente após a estranha e desconhecida peste que dizimou o gado e os cavalos criados pelos espanhóis. Não restou alternativa, a não ser partir para a caça. No entanto, mesmo com toda a experiência dos índios e sabendo-se que a caça na região era abundante, não se conseguia abater nenhum animal realmente útil para a alimentação. Os caçadores avistavam veados, capivaras, emas, tatus, lagartos, jacus, pacas, porém de forma absolutamente inexplicável, não conseguiam abatê-los, salvo algumas aves de pouca carne. E repetia-se o mesmo insucesso na pesca. Os rios transbordantes de águas pareciam estar vazios de peixes. E se os caçadores não encontravam a caça, as serpentes encontravam os caçadores. Nunca houve na povoação tantos casos de picadas de cobras, na maioria fatais. Ocorreu ainda um caso da morte de um padre atacado por um imenso felino durante a noite, e um espanhol teve sua mão extirpada por um animal da mesma espécie. O homem acabou morrendo de gangrena dias depois.
E através daqueles dias de frio hediondo e deprimente escuridão funerária, as forças naturais foram dizimando a população de colonizadores e indígenas. E foram estes que perceberam que havia algo de errado com a natureza, que existia uma ameaça terrível e impalpável pairando nos ares daquela região. Intentaram então retornar às suas antigas crenças, às orações aos seus deuses telúricos, porém já era tarde demais, e o que quer que fosse de oculto que ali exterminava os humanos era definitivamente implacável.
As causas das mortes eram as mais variadas, todas oriundas de “acidentes” naturais ou doenças. As vitimas ou eram levadas pelas águas e morriam afogadas, ou eram atingidas por raios, ou picadas por serpentes, ou ingeriam plantas venenosas, ou morriam nas garras das feras, da fome ou do frio. Alguns ainda eram vítimas de doenças desconhecidas, ou então enlouqueciam e num ataque de demência tentavam assassinar seus companheiros, mas acabavam por eles sendo mortos.
Passaram-se cerca de 6 meses. A população inicial contabilizava mais de 4000 indivíduos, na maioria homens, mas também havia mulheres e crianças, principalmente entre os indígenas, das quais a quase totalidade já falecera. E nesses 6 meses de horror, em que o quadro funesto do clima permanecia inalterado, mais de 75% da população fora exterminada. Então os menos de 1000 sobreviventes tomaram a decisão de retirar-se daquele local amaldiçoado. Seria uma marcha difícil e penosa pela desolação daquele pampa sombrio e hostil, porém não havia outra saída.
Mas... no exato dia em que a população estava preparada para a partida, surgiu o primeiro caso de uma peste absolutamente mortífera e brutal. Os índios afirmavam que a enfermidade viera com os ares insalubres daquele tempo maldito e que consistia na arma derradeira da natureza para a aniquilação dos povoadores. Os sintomas da peste eram assombrosamente horríveis. A vitima inicialmente sofria terríveis dores de cabeça e nos olhos, além de violentas crises de febre, vômito e diarréia. Então, em questão de poucas horas, surgiam por todo corpo feridas e chagas abomináveis, imensas e repugnantes de infecção, donde vertia um líquido amarelado, viscoso e purulento, exalando um cheiro fétido e nauseabundo. A morte advinha em 3 dias.
Os casos surgiam às dezenas; mesmo assim os espanhóis e índios decidiram partir no dia seguinte aos primeiros casos. Conseqüentemente, sua marcha tornou-se uma verdadeira marcha fúnebre. Conforme avançavam pelos campos gelados, úmidos e nevoentos, deixavam um rastro de cadáveres aberradores. A peste não poupou ninguém, e após algumas dezenas de quilômetros percorridos através do horror, estavam todos mortos, apodrecendo sobre as vastas pradarias gaúchas. Porém, houve um sobrevivente. O padre Pablo Gonzalez foi o único a não contrair a enfermidade. Foi encontrado por uma tribo de índios nativos que passava pelo local e levado a uma outra redução jesuítica.
O religioso, então, retornou à Espanha e lá relatou toda a catástrofe que vivenciara. Ninguém acreditou. Preferiu-se crer que os espanhóis e os índios catequizados foram assassinados por alguma tribo indígena de guerreiros selvagens, e que o padre Gonzalez, em sua imensa piedade, optou por esconder o fato a fim de poupar a tribo de uma possível vingança espanhola, pois espanhóis e portugueses exterminavam as tribos que resistiam à catequização. Vale lembrar que quando o padre fora resgatado pelos índios, o tempo sombrio já havia passado. O dia estava ensolarado, agradável e de uma beleza radiante. Muitas décadas depois, o local da tragédia foi povoado com sucesso pelos portugueses, que, aliás, nada souberam sobre ela.
Mas... afinal, por que a natureza rebelou-se contra os espanhóis e indígenas naquela ocasião, sendo que o mesmo não ocorreu em outros casos de povoações similares? Não se sabe. O que se sabe é que, às vezes, as ocultas e insondáveis forças naturais decidem varrer os representantes humanos de determinado local. E, talvez, em breve chegue o dia em que essas mesmas forças decidam varrer toda a humanidade de todo o planeta...
30 julho 2009
Que Não Diga Nada
um poema que não diga nada
e que morra e nasça como a velha noite
e que sempre volte como insano inverno
que se retrai se expande
como eterno cosmos
um poema quieto
sempre surdo ao mundo
só pra ventar na chuva
só pra soprar no sol
que nas almas longas
nutre as vidas curtas
um poema que se esvai se esconde
como tudo aquilo que não surge e vem
pra deixar que falem que na morte riam
e que bebe rios e se oculta em pedras
onde pisa o homem e não vê a água
como toda coisa que já surge e some
como largo louco que já sonha e é
como luz que vive sob a morte lógica
um poema nulo que se não aceita
que não diga nada...
mas que veja tudo
e que morra e nasça como a velha noite
e que sempre volte como insano inverno
que se retrai se expande
como eterno cosmos
um poema quieto
sempre surdo ao mundo
só pra ventar na chuva
só pra soprar no sol
que nas almas longas
nutre as vidas curtas
um poema que se esvai se esconde
como tudo aquilo que não surge e vem
pra deixar que falem que na morte riam
e que bebe rios e se oculta em pedras
onde pisa o homem e não vê a água
como toda coisa que já surge e some
como largo louco que já sonha e é
como luz que vive sob a morte lógica
um poema nulo que se não aceita
que não diga nada...
mas que veja tudo
28 julho 2009
do Horror
ser humano
é ser fracassado
por isso
entre o tudo que não existe
dou-te este poema
fracassadamente triste
mas se minha tristeza
não é suficiente
olha pra o mundo...
eu dou-te aquilo
que não perdoa:
eu dou-te a culpa
que troa
eu dou-te aquilo
que sempre surge:
eu dou-te o erro
que ruge
eu dou-te aquilo
que nunca passa:
eu dou-te a dor
com a taça
eu dou-te aquilo
que sempre é firme:
eu dou-te o medo
e o crime
eu dou-te aquilo
que não se apaga:
eu dou-te o mal
com a chaga
eu dou-te aquilo
que é sempre igual:
eu dou-te a morte
triunfal
eu dou-te aquilo
que nunca esquece:
eu dou-te o Fim
sem prece
e se mesmo assim
tu me disseres
“com todo horror
eu não chorei”
eu te direi
que até nisso
até nisso
eu fracassei
é ser fracassado
por isso
entre o tudo que não existe
dou-te este poema
fracassadamente triste
mas se minha tristeza
não é suficiente
olha pra o mundo...
eu dou-te aquilo
que não perdoa:
eu dou-te a culpa
que troa
eu dou-te aquilo
que sempre surge:
eu dou-te o erro
que ruge
eu dou-te aquilo
que nunca passa:
eu dou-te a dor
com a taça
eu dou-te aquilo
que sempre é firme:
eu dou-te o medo
e o crime
eu dou-te aquilo
que não se apaga:
eu dou-te o mal
com a chaga
eu dou-te aquilo
que é sempre igual:
eu dou-te a morte
triunfal
eu dou-te aquilo
que nunca esquece:
eu dou-te o Fim
sem prece
e se mesmo assim
tu me disseres
“com todo horror
eu não chorei”
eu te direi
que até nisso
até nisso
eu fracassei
26 julho 2009
O Poema Pior
que fosse o poema mais sombrio
transbordante de todo escuro
dos negros futuros humanos
que fosse o poema pior
o mais mal dito
o mais mal feito
desprezado e mal falado
que não arranque nenhum sorriso
de prazer ou de beleza
que não traga nenhum efeito
de moderno ou de verdade
aquele que se tu tens febre
torne ela ainda maior
cheio de tudo que perdeste
pleno do nada que viveste
um frasco de palavras com veneno
quero um poema que te faça mal
que se vire a cara
que se feche o livro
que se não aceite
com risinhos de deboche
um poema antipático
feio de amargura e de cansaço
um poema onde se estampe
a pequenez da humanidade
e a imensidão do seu fracasso
transbordante de todo escuro
dos negros futuros humanos
que fosse o poema pior
o mais mal dito
o mais mal feito
desprezado e mal falado
que não arranque nenhum sorriso
de prazer ou de beleza
que não traga nenhum efeito
de moderno ou de verdade
aquele que se tu tens febre
torne ela ainda maior
cheio de tudo que perdeste
pleno do nada que viveste
um frasco de palavras com veneno
quero um poema que te faça mal
que se vire a cara
que se feche o livro
que se não aceite
com risinhos de deboche
um poema antipático
feio de amargura e de cansaço
um poema onde se estampe
a pequenez da humanidade
e a imensidão do seu fracasso
24 julho 2009
A Misteriosa Aproximação
"Furioso delírio se apossava de todos os humanos, e, com os braços rigidamente estendidos para os céus ameaçadores, todos tremiam e bradavam desesperadamente... E assim tudo se acabou." Edgar Allan Poe
O maior erro da humanidade é o esquecimento. Esquecemos o que há de mais vital, tudo se perde nos vendavais do tempo. Como escreveu certo sábio, “Não aprendemos as lições da vida nem a canhonaços”. E se esquecemos os “canhonaços”, como lembrar de discretos sinais que parecem nos dizer tão pouco, leves insinuações do desconhecido? No entanto, tais sinais, que falando pouco dizem muito, estão constantemente presentes em nossas vidas, e, muitas vezes, nem os percebemos. E quando o fizemos, logo são completamente deixados de lado, como se por serem tão “pequenos” e passageiros não merecessem maior atenção. Assim é o ser humano, sempre desprezando o que é sutil... Mas... a que preço?
Se dispensássemos a devida atenção aos sinais, compreenderíamos, por exemplo, o porquê de na mitologia nórdica o deus supremo Wotan ter necessitado morrer enforcado em uma árvore sagrada para adquirir conhecimento, e, no cristianismo, Cristo ter necessitado morrer crucificado para finalizar sua doutrina. É claro que tais sinais são profundamente simbólicos. E com a misteriosa Aproximação não foi diferente; também se manifestou a princípio com sutis sinais bem pouco reconhecíveis, sinais enigmaticamente simbólicos.
No princípio surgiu uma estrela. Uma estrela nos céus do hemisfério sul que brilhava um pouco mais que o convencional, qualquer indivíduo que olhasse para os céus no começo da noite já perceberia o intenso e intrigante cintilar daquele incomum astro. Porém, naturalmente, ninguém deu atenção ao fato, e tudo foi considerado como absolutamente normal. É claro que este não foi o sinal único que funestamente prenunciara a devastadora Aproximação, muitos outros ocorreram, todos igualmente imperceptíveis para a quase totalidade da humanidade, mas creio ser desnecessário mencioná-los agora.
O certo é que conforme a Aproximação se concretizava, lentamente, imensas tragédias, catástrofes, desastres, fossem eles naturais ou provocados pelo homem, foram se desencadeando, em um ritmo mais e mais acelerado. Até que em certo dia extremamente aziago para a raça humana, Ele foi visto pela primeira vez, ao longe, como um outro sol que surgia no horizonte carregado de maus-presságios. E então, todos os engodos das autoridades e dos senhores responsáveis por nossa mal fadada ciência caíram por terra. Restou tão somente a trágica realidade dos fatos, e a Aproximação daquilo que brilhava sinistramente diante dos olhos estupefatos da humanidade doente.
A partir desse instante, o medo, o pânico, o desespero absoluto dominaram os seres humanos, compreendendo-se definitivamente que a situação era muito mais grave do que se poderia imaginar. Pior do que isso, era catastroficamente inexplicável.
À medida que a misteriosa Aproximação tornava-se mais e mais visível, gigante, ameaçadora, em todos os cantos da Terra procurava-se encontrar respostas e possíveis soluções para o que estava ocorrendo, porém, não se dava um passo a frente, talvez, só para trás. Pensou-se, por exemplo, em utilizar-se poderosíssimos artefatos nucleares para evitar-se a tragédia maior, o que se revelou um imensurável desastre. Enfim, só o que se pode afirmar é que todos os intentos e planos e invectivas do homem para se evitar o inevitável resultaram em trovejantes fracassos.
Os anos foram passando de forma arrastada e lúgubre, enquanto a humanidade afundava-se em um estado caótico de verdadeiro horror. Gradativamente, os homens foram sucumbindo em meio a mais atroz loucura coletiva já presenciada, em um desespero de se arrancar os cabelos. Descrever aqui todo o horror vivenciado naqueles dias seria algo impossível... e absurdamente cruel.
Só o que posso dizer é que a intensificação de todas as espécies de catástrofes, as mais inimagináveis, as mais absurdas, as mais devastadoras desencadearam-se na exata proporção matemática da sinistra Aproximação. Na dantesca ignorância sobre o que estava ocorrendo, compreenderam então os homens que todas as suas certezas sobre suas próprias existências não tinham mais o menor sentido, tudo se desmoronou de uma hora para outra. E a humanidade engolia em seco sua ilusória segurança da estéril racionalidade.
E o terror cósmico da Aproximação concretizou-se de forma canhestramente fantástica. O pavor reinava absoluto para onde quer que se olhasse, já que nosso céu já não era nosso céu, era outro, um monstro tenebroso. Ali estava Ele, inaceitável imensidão alienígena, em sua órbita elíptica gigantesca, em sua verdade descomunal e cíclica. Na sua esmagadora opressão atmosférica e gravitacional, todo o sangue da Terra voou pelos ares, inflamou-se ao extremo a alma planetária, e sua febre de doente terminal derramou-se como lava sobre seus filhos em negra decadência.
Era a Aproximação do Terror inominado. E toda a abóbada celeste incendiava-se em um fulvo-escarlate de um vivo e marcial vermelho enegrecido.
Mas por agora... isso tudo é ficção, e eu sou um louco que não devo ser levado a sério.
O maior erro da humanidade é o esquecimento. Esquecemos o que há de mais vital, tudo se perde nos vendavais do tempo. Como escreveu certo sábio, “Não aprendemos as lições da vida nem a canhonaços”. E se esquecemos os “canhonaços”, como lembrar de discretos sinais que parecem nos dizer tão pouco, leves insinuações do desconhecido? No entanto, tais sinais, que falando pouco dizem muito, estão constantemente presentes em nossas vidas, e, muitas vezes, nem os percebemos. E quando o fizemos, logo são completamente deixados de lado, como se por serem tão “pequenos” e passageiros não merecessem maior atenção. Assim é o ser humano, sempre desprezando o que é sutil... Mas... a que preço?
Se dispensássemos a devida atenção aos sinais, compreenderíamos, por exemplo, o porquê de na mitologia nórdica o deus supremo Wotan ter necessitado morrer enforcado em uma árvore sagrada para adquirir conhecimento, e, no cristianismo, Cristo ter necessitado morrer crucificado para finalizar sua doutrina. É claro que tais sinais são profundamente simbólicos. E com a misteriosa Aproximação não foi diferente; também se manifestou a princípio com sutis sinais bem pouco reconhecíveis, sinais enigmaticamente simbólicos.
No princípio surgiu uma estrela. Uma estrela nos céus do hemisfério sul que brilhava um pouco mais que o convencional, qualquer indivíduo que olhasse para os céus no começo da noite já perceberia o intenso e intrigante cintilar daquele incomum astro. Porém, naturalmente, ninguém deu atenção ao fato, e tudo foi considerado como absolutamente normal. É claro que este não foi o sinal único que funestamente prenunciara a devastadora Aproximação, muitos outros ocorreram, todos igualmente imperceptíveis para a quase totalidade da humanidade, mas creio ser desnecessário mencioná-los agora.
O certo é que conforme a Aproximação se concretizava, lentamente, imensas tragédias, catástrofes, desastres, fossem eles naturais ou provocados pelo homem, foram se desencadeando, em um ritmo mais e mais acelerado. Até que em certo dia extremamente aziago para a raça humana, Ele foi visto pela primeira vez, ao longe, como um outro sol que surgia no horizonte carregado de maus-presságios. E então, todos os engodos das autoridades e dos senhores responsáveis por nossa mal fadada ciência caíram por terra. Restou tão somente a trágica realidade dos fatos, e a Aproximação daquilo que brilhava sinistramente diante dos olhos estupefatos da humanidade doente.
A partir desse instante, o medo, o pânico, o desespero absoluto dominaram os seres humanos, compreendendo-se definitivamente que a situação era muito mais grave do que se poderia imaginar. Pior do que isso, era catastroficamente inexplicável.
À medida que a misteriosa Aproximação tornava-se mais e mais visível, gigante, ameaçadora, em todos os cantos da Terra procurava-se encontrar respostas e possíveis soluções para o que estava ocorrendo, porém, não se dava um passo a frente, talvez, só para trás. Pensou-se, por exemplo, em utilizar-se poderosíssimos artefatos nucleares para evitar-se a tragédia maior, o que se revelou um imensurável desastre. Enfim, só o que se pode afirmar é que todos os intentos e planos e invectivas do homem para se evitar o inevitável resultaram em trovejantes fracassos.
Os anos foram passando de forma arrastada e lúgubre, enquanto a humanidade afundava-se em um estado caótico de verdadeiro horror. Gradativamente, os homens foram sucumbindo em meio a mais atroz loucura coletiva já presenciada, em um desespero de se arrancar os cabelos. Descrever aqui todo o horror vivenciado naqueles dias seria algo impossível... e absurdamente cruel.
Só o que posso dizer é que a intensificação de todas as espécies de catástrofes, as mais inimagináveis, as mais absurdas, as mais devastadoras desencadearam-se na exata proporção matemática da sinistra Aproximação. Na dantesca ignorância sobre o que estava ocorrendo, compreenderam então os homens que todas as suas certezas sobre suas próprias existências não tinham mais o menor sentido, tudo se desmoronou de uma hora para outra. E a humanidade engolia em seco sua ilusória segurança da estéril racionalidade.
E o terror cósmico da Aproximação concretizou-se de forma canhestramente fantástica. O pavor reinava absoluto para onde quer que se olhasse, já que nosso céu já não era nosso céu, era outro, um monstro tenebroso. Ali estava Ele, inaceitável imensidão alienígena, em sua órbita elíptica gigantesca, em sua verdade descomunal e cíclica. Na sua esmagadora opressão atmosférica e gravitacional, todo o sangue da Terra voou pelos ares, inflamou-se ao extremo a alma planetária, e sua febre de doente terminal derramou-se como lava sobre seus filhos em negra decadência.
Era a Aproximação do Terror inominado. E toda a abóbada celeste incendiava-se em um fulvo-escarlate de um vivo e marcial vermelho enegrecido.
Mas por agora... isso tudo é ficção, e eu sou um louco que não devo ser levado a sério.
22 julho 2009
Re-volta
é re-voltantemente
revoltante
dos mais revoltosos
ideais
re-tornando-me
desesperado
de onde jamais fui
foi a minha re-volta
revolucionando-se
a galácticas alturas
infernais
respirei-me
o sopro das esferas
em dramáticos re-volteios
estertorantes
e finais
agora
re-torno
a ser em fim
e a ouvir revolteado
revolto
a revolta sentença
onde se diz que Vós
vos re-voltais
revoltante
dos mais revoltosos
ideais
re-tornando-me
desesperado
de onde jamais fui
foi a minha re-volta
revolucionando-se
a galácticas alturas
infernais
respirei-me
o sopro das esferas
em dramáticos re-volteios
estertorantes
e finais
agora
re-torno
a ser em fim
e a ouvir revolteado
revolto
a revolta sentença
onde se diz que Vós
vos re-voltais
20 julho 2009
Pintura do Fim
na tela dourada
imensa cidade
pintada
tão vasta tão alta tão bela
em vasto céu em alto azul em belo sol
cigarros e carros horários
conversas compadres contentes
sorrisos safados só risos
trabalhos tratados trapaças...
Pintura:
mirífica mecânica metrópole
mas...
no quadro
pintado
no canto
pintada
escura
a nuvem
vem vindo
tão negra
lá em cima
eu noto
no quadro
no alto
pintada
a nuvem
pequena
que cresce
tão rápido
e nunca
no nunca
alguém
ninguém
a vê
que vem
imensa cidade
pintada
tão vasta tão alta tão bela
em vasto céu em alto azul em belo sol
cigarros e carros horários
conversas compadres contentes
sorrisos safados só risos
trabalhos tratados trapaças...
Pintura:
mirífica mecânica metrópole
mas...
no quadro
pintado
no canto
pintada
escura
a nuvem
vem vindo
tão negra
lá em cima
eu noto
no quadro
no alto
pintada
a nuvem
pequena
que cresce
tão rápido
e nunca
no nunca
alguém
ninguém
a vê
que vem
17 julho 2009
A Criatura que Não Deveria Existir
Foi naquela noite de lua cheia que a vi. E desde então a criatura nunca mais saiu de minha vida. Eu sabia que aquela noite seria anormal, senti-o naturalmente logo aos meus primeiros passos pelo início da fria madrugada. Havia algo de estranho, de anômalo pairando nos ares, algo indefinível... Um aroma não identificável se alastrava com a brisa gelada que provinha do sul. Eu caminhava rápido para aquecer o corpo em uma rua pouco iluminada, quando escutei o som de passos lentos em um pátio. Detive-me para identificar de onde advinha o som e voltei minha atenção para uma tranqüila residência ao meu lado. Era ali que estava a criatura.
Ela se aproximou um pouco de mim e olhou-me de forma assustadoramente fixa. Mirou o fundo de meus olhos, como se pretendesse decifrá-los, decifrar minha alma através deles, e creio que deve ter conseguido. E eu ali permaneci, hipnotizado, extático, insano, contemplando como um lunático aquela criatura absurda que não deveria existir...
Então ela baixou a cabeça e dirigiu-se para os fundos da casa. Por alguns instantes eu ali fiquei, absorto nas terríveis sensações causadas pela visão daquele ser. Não sabia o que pensar. Não cheguei à conclusão alguma. Então retornei para minha casa, perdera todo o ânimo para prosseguir na caminhada. Aquela criatura não deixava minha mente nem por um segundo, a impressão que me causou foi imperecível, intensíssima, absolutamente devastadora. Foi como um furacão que arrasasse uma ilha desprotegida. A imagem inacreditável do ser que vislumbrei iria me perseguir por todos os meus dias, estava quase certo.
E naquela noite não consegui dormir. Passei-a em claro, e ao levantar da cama exausto de tanto pensar na criatura, tentei ir ao trabalho, e também me foi impossível. Decidi voltar a caminhar pelas ruas, profundamente abalado. Seria até mesmo possível que encontrasse novamente a criatura, não havia como excluir esse sombrio pensamento. Não a encontrei, no entanto. E finalmente o sono principiou a cair sobre meu organismo exaurido. Retornei a minha casa e atirei-me quase morto na cama; já havia anoitecido.
Dormi, porém não encontrei alívio a minha profunda perturbação. Tive sonhos e pesadelos insanos, verdadeiramente transtornados. É claro que em todos eles estava presente a criatura absurda, aquele olhar terrível, sempre escrutando a integridade de meu espírito. Naqueles estados oníricos, perambulei pelos mais estranhos lugares, por desconhecidas regiões de assombro, por locais tão estranhos e insólitos como a própria visão que tive, como aquele próprio ser de existência não admissível.
O que vi em meus sonhos e pesadelos situam-se muito além da compreensão humana. Eu mesmo não os compreendi, apenas os senti com uma intensidade psíquica arrebatadora, não sei se doentia ou salutar. O fato é que acordei ainda mais perturbado do que quando fora dormir. Levantei por volta do meio-dia e mal consegui almoçar. Após tomar banho, senti-me um pouco melhor e decidi novamente realizar uma caminhada pelas ruas ensolaradas e de temperatura agradável. Talvez conseguisse afastar de meus pensamentos e emoções a lembrança massacrante daquela criatura.
Andando sem destino e cantarolando melodias de Brahms para reconfortar minha alma, parecia que havia logrado esquecer minha visão sentenciosa. Mero engano. Definitivamente, a lembrança da criatura inaceitável vinha ao meu ser com uma fúria apocalíptica despertada pela própria luz do sol, pela própria melancolia da música de Brahms. A criatura era uma maldição, e eu, sua vítima. Compreendi naquele instante que não haveria saída para minha alma. Ela havia se tornada possuidora de meu espírito. Eu estava perdido, e uma força invencível ordenava-me a buscá-la por todos os meus dias.
E eles foram passando de forma fatídica, porém, após aceitar minha maldição, fui gradativamente equilibrando-me psiquicamente, tentando manter uma existência normal. No entanto, ainda que eu retornasse a minhas tarefas rotineiras, jamais poderia viver normalmente como antes. A todo instante a lembrança da criatura invadia-me como uma tempestade, e somente a arte aliviava-me de tão terrível força. Eu via seus olhos abrasadores em todos os lugares. Sua face absurda perseguia-me por todas as horas, como que me ordenando a buscá-la de forma irresistível, demente e inexplicável.
A questão era onde encontrá-la, como encontrá-la e por que deveria fazê-lo, mesmo sabendo o sofrimento insuportável que seria mirar naqueles olhos catastróficos. Passaram-se meses desde o dia em que a vi, e é claro que durante todo esse período eu procurei a criatura exaustivamente, rondei a residência onde a havia visto como um tigre ronda sua presa. Porém, eu era a presa. A vítima forçada a procurar pelo seu próprio martírio...
Pois eu procurei a criatura como um louco e jamais voltei a vê-la. Mesmo pensando que era impossível vê-la outra vez, que tudo poderia consistir em tão somente uma medonha alucinação, a força magnética da maldição real ou imaginária caída sobre mim era definitivamente insuperável. Em minha mente, em minha alma vivia apenas uma lei: buscar a criatura, por mais hediondo e torturante que isso fosse para mim.
E como isso era perturbador, como eu atravessava meus dias em constante tormento, meu sofrimento tornava-se intolerável dia após dia. Nenhum outro ser humano poderá ter ideia do que é viver de instante a instante com a imagem daquela criatura sempre presente de forma funesta em meu espírito, que não encontrava descanso. E pior do que isso: presença que me dominava e outorgava-me imperativamente a buscá-la, mesmo que isso fosse contra a minha real vontade...
Ou será que era minha real vontade? E se a minha vontade fosse a de encontrá-la infatigavelmente, porém de uma forma inconsciente, que para mim se mascarava através de uma suposta ordem advinda de um ser sobrenatural? Não sei, não posso responder, talvez jamais consiga... O fato é que a vi pela segunda vez...
Era uma noite como a primeira, a mesma lua luminosa e imensa, o mesmo clima denso e estranho. Eu passava pelo mesmo local, sentindo no rosto a mesma brisa fria... e lá estava a absurda criatura, exatamente à mesma hora da vez anterior... Detive-me atônito e enlouquecido diante daqueles inimagináveis olhos que me dominavam invencivelmente. Nem saberia agora descrever o que senti naquele instante. Apenas digo que a totalidade de meu ser quase foi consumida ao suportar por uma segunda vez aquela extrema visão. E então, como antes, a criatura que não deveria existir baixou sua inacreditável cabeça e dirigiu-se lentamente aos fundos da casa.
Eu a havia visto pela segunda vez... Como o mundo não acabou após isso. Como não morri? O que seria de minha existência a partir daquele momento? Eu jamais poderia imaginar que houvesse neste planeta uma visão tão terrível e avassaladora... Mas... creio que chegou o instante de eu tentar revelar o que, afinal, era essa visão. Sem dúvida, é uma visão verdadeiramente terrível! Porém, o terrível pode ser o supremo horror ou a suprema beleza. No caso da criatura absurda, não, não era a suprema beleza. Era mais, muito mais do que isso, talvez nem mesmo se possa aplicar àquele ser a palavra bela, ou sublime, ou celestial, ou qualquer outra palavra de qualquer língua. Todas serão sempre infinitamente inferiores, incapazes, impotentes. Talvez somente os anjos a saibam defini-la...
Eu vi uma mulher absolutamente divina? Uma deusa no sentido mais puro e pleno da palavra? Ou foi exatamente o contrário? O que contemplei foi um ser feminino incomensuravelmente infernal, tão demoníaco a ponto de desvelar ante meus miseráveis olhos mortais tão impiedosa beleza? Certa vez, li, não lembro em que amaldiçoado livro, que quando algumas criaturas de beleza absurda aparecem na terra, algo de extremamente trágico está na iminência de acontecer com a humanidade...
Aquela criatura não deveria existir, e se existe, jamais deveria ter se apresentado diante de mim... Por que eu? Como posso suportar tamanho tormento? Como, por um só instante, deixar de acatar qualquer ordem que ela incuta em minha alma de alguma forma desconhecida e subliminar? Como deixar de buscá-la? O que será de minha vida após essa 2ª visão? Só sei que prosseguirei com minha busca alucinada. Porém, quando eu a ver pela 3ª vez, e eu a verei, estou certo disso, quando eu a ver pela 3ª vez, não será somente uma visão... Vou preparar-me e tomarei uma outra atitude... uma outra suprema atitude.
Ela se aproximou um pouco de mim e olhou-me de forma assustadoramente fixa. Mirou o fundo de meus olhos, como se pretendesse decifrá-los, decifrar minha alma através deles, e creio que deve ter conseguido. E eu ali permaneci, hipnotizado, extático, insano, contemplando como um lunático aquela criatura absurda que não deveria existir...
Então ela baixou a cabeça e dirigiu-se para os fundos da casa. Por alguns instantes eu ali fiquei, absorto nas terríveis sensações causadas pela visão daquele ser. Não sabia o que pensar. Não cheguei à conclusão alguma. Então retornei para minha casa, perdera todo o ânimo para prosseguir na caminhada. Aquela criatura não deixava minha mente nem por um segundo, a impressão que me causou foi imperecível, intensíssima, absolutamente devastadora. Foi como um furacão que arrasasse uma ilha desprotegida. A imagem inacreditável do ser que vislumbrei iria me perseguir por todos os meus dias, estava quase certo.
E naquela noite não consegui dormir. Passei-a em claro, e ao levantar da cama exausto de tanto pensar na criatura, tentei ir ao trabalho, e também me foi impossível. Decidi voltar a caminhar pelas ruas, profundamente abalado. Seria até mesmo possível que encontrasse novamente a criatura, não havia como excluir esse sombrio pensamento. Não a encontrei, no entanto. E finalmente o sono principiou a cair sobre meu organismo exaurido. Retornei a minha casa e atirei-me quase morto na cama; já havia anoitecido.
Dormi, porém não encontrei alívio a minha profunda perturbação. Tive sonhos e pesadelos insanos, verdadeiramente transtornados. É claro que em todos eles estava presente a criatura absurda, aquele olhar terrível, sempre escrutando a integridade de meu espírito. Naqueles estados oníricos, perambulei pelos mais estranhos lugares, por desconhecidas regiões de assombro, por locais tão estranhos e insólitos como a própria visão que tive, como aquele próprio ser de existência não admissível.
O que vi em meus sonhos e pesadelos situam-se muito além da compreensão humana. Eu mesmo não os compreendi, apenas os senti com uma intensidade psíquica arrebatadora, não sei se doentia ou salutar. O fato é que acordei ainda mais perturbado do que quando fora dormir. Levantei por volta do meio-dia e mal consegui almoçar. Após tomar banho, senti-me um pouco melhor e decidi novamente realizar uma caminhada pelas ruas ensolaradas e de temperatura agradável. Talvez conseguisse afastar de meus pensamentos e emoções a lembrança massacrante daquela criatura.
Andando sem destino e cantarolando melodias de Brahms para reconfortar minha alma, parecia que havia logrado esquecer minha visão sentenciosa. Mero engano. Definitivamente, a lembrança da criatura inaceitável vinha ao meu ser com uma fúria apocalíptica despertada pela própria luz do sol, pela própria melancolia da música de Brahms. A criatura era uma maldição, e eu, sua vítima. Compreendi naquele instante que não haveria saída para minha alma. Ela havia se tornada possuidora de meu espírito. Eu estava perdido, e uma força invencível ordenava-me a buscá-la por todos os meus dias.
E eles foram passando de forma fatídica, porém, após aceitar minha maldição, fui gradativamente equilibrando-me psiquicamente, tentando manter uma existência normal. No entanto, ainda que eu retornasse a minhas tarefas rotineiras, jamais poderia viver normalmente como antes. A todo instante a lembrança da criatura invadia-me como uma tempestade, e somente a arte aliviava-me de tão terrível força. Eu via seus olhos abrasadores em todos os lugares. Sua face absurda perseguia-me por todas as horas, como que me ordenando a buscá-la de forma irresistível, demente e inexplicável.
A questão era onde encontrá-la, como encontrá-la e por que deveria fazê-lo, mesmo sabendo o sofrimento insuportável que seria mirar naqueles olhos catastróficos. Passaram-se meses desde o dia em que a vi, e é claro que durante todo esse período eu procurei a criatura exaustivamente, rondei a residência onde a havia visto como um tigre ronda sua presa. Porém, eu era a presa. A vítima forçada a procurar pelo seu próprio martírio...
Pois eu procurei a criatura como um louco e jamais voltei a vê-la. Mesmo pensando que era impossível vê-la outra vez, que tudo poderia consistir em tão somente uma medonha alucinação, a força magnética da maldição real ou imaginária caída sobre mim era definitivamente insuperável. Em minha mente, em minha alma vivia apenas uma lei: buscar a criatura, por mais hediondo e torturante que isso fosse para mim.
E como isso era perturbador, como eu atravessava meus dias em constante tormento, meu sofrimento tornava-se intolerável dia após dia. Nenhum outro ser humano poderá ter ideia do que é viver de instante a instante com a imagem daquela criatura sempre presente de forma funesta em meu espírito, que não encontrava descanso. E pior do que isso: presença que me dominava e outorgava-me imperativamente a buscá-la, mesmo que isso fosse contra a minha real vontade...
Ou será que era minha real vontade? E se a minha vontade fosse a de encontrá-la infatigavelmente, porém de uma forma inconsciente, que para mim se mascarava através de uma suposta ordem advinda de um ser sobrenatural? Não sei, não posso responder, talvez jamais consiga... O fato é que a vi pela segunda vez...
Era uma noite como a primeira, a mesma lua luminosa e imensa, o mesmo clima denso e estranho. Eu passava pelo mesmo local, sentindo no rosto a mesma brisa fria... e lá estava a absurda criatura, exatamente à mesma hora da vez anterior... Detive-me atônito e enlouquecido diante daqueles inimagináveis olhos que me dominavam invencivelmente. Nem saberia agora descrever o que senti naquele instante. Apenas digo que a totalidade de meu ser quase foi consumida ao suportar por uma segunda vez aquela extrema visão. E então, como antes, a criatura que não deveria existir baixou sua inacreditável cabeça e dirigiu-se lentamente aos fundos da casa.
Eu a havia visto pela segunda vez... Como o mundo não acabou após isso. Como não morri? O que seria de minha existência a partir daquele momento? Eu jamais poderia imaginar que houvesse neste planeta uma visão tão terrível e avassaladora... Mas... creio que chegou o instante de eu tentar revelar o que, afinal, era essa visão. Sem dúvida, é uma visão verdadeiramente terrível! Porém, o terrível pode ser o supremo horror ou a suprema beleza. No caso da criatura absurda, não, não era a suprema beleza. Era mais, muito mais do que isso, talvez nem mesmo se possa aplicar àquele ser a palavra bela, ou sublime, ou celestial, ou qualquer outra palavra de qualquer língua. Todas serão sempre infinitamente inferiores, incapazes, impotentes. Talvez somente os anjos a saibam defini-la...
Eu vi uma mulher absolutamente divina? Uma deusa no sentido mais puro e pleno da palavra? Ou foi exatamente o contrário? O que contemplei foi um ser feminino incomensuravelmente infernal, tão demoníaco a ponto de desvelar ante meus miseráveis olhos mortais tão impiedosa beleza? Certa vez, li, não lembro em que amaldiçoado livro, que quando algumas criaturas de beleza absurda aparecem na terra, algo de extremamente trágico está na iminência de acontecer com a humanidade...
Aquela criatura não deveria existir, e se existe, jamais deveria ter se apresentado diante de mim... Por que eu? Como posso suportar tamanho tormento? Como, por um só instante, deixar de acatar qualquer ordem que ela incuta em minha alma de alguma forma desconhecida e subliminar? Como deixar de buscá-la? O que será de minha vida após essa 2ª visão? Só sei que prosseguirei com minha busca alucinada. Porém, quando eu a ver pela 3ª vez, e eu a verei, estou certo disso, quando eu a ver pela 3ª vez, não será somente uma visão... Vou preparar-me e tomarei uma outra atitude... uma outra suprema atitude.
15 julho 2009
Soneto Para Depois do Sono
o que será de mim depois do sono
que astro em chama me olhará no outro dia
qual sol ouvirá a minha voz vazia
que verso virá do que em mim outono?
mas o que é que do meu destino é dono
qual igual seguirá a minha sangria
qual caminho qual estrada em que via
quais das mesmas ruas eu sempre tomo?
que alta lei retornará ao meu olhar
que mão divina desfará meus laços
quem comigo se arriscará no mar?
quem beberá sangue a meus olhos lassos
por qual sublime então irei chamar
quem é que irá me segurar nos braços?
que astro em chama me olhará no outro dia
qual sol ouvirá a minha voz vazia
que verso virá do que em mim outono?
mas o que é que do meu destino é dono
qual igual seguirá a minha sangria
qual caminho qual estrada em que via
quais das mesmas ruas eu sempre tomo?
que alta lei retornará ao meu olhar
que mão divina desfará meus laços
quem comigo se arriscará no mar?
quem beberá sangue a meus olhos lassos
por qual sublime então irei chamar
quem é que irá me segurar nos braços?
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