11 maio 2009

E Aponto a Arma para a Minha Cabeça (Cap.I)

(Este conto será publicado em 3 capítulos, diariamente)


Não digo meu nome. Ele não é importante. Sou apenas mais um ser humano. Digo que quando eu estava com meus 13 anos de idade, não havia outro adolescente tão puro e inocente quanto eu. A bondade e a nobreza de meu coração impressionavam a todos, e as pessoas mais próximas a mim frequentemente diziam que tinham a impressão de ver nos meus olhos brilhar uma luz profunda em cada momento em que eu realizava, sem nenhum interesse, sem esperar nenhuma recompensa, uma boa ação.

Eu estava sempre disposto a amar e a auxiliar qualquer pessoa que necessitasse de minha ajuda para o que quer fosse. Amava a humanidade e a natureza da mesma forma, e todos os meus atos, da mais plena boa vontade, visavam o bem para todos os seres do planeta. Meus pensamentos eram os mais elevados. Meus sentimentos, os mais sublimes. E da mesma forma que o amor vivia em mim, eu cria que ele também pudesse existir nos demais homens, ainda que eu soubesse das perversidades de que a humanidade era capaz.

Prossegui desenvolvendo esse amor em minha alma até por volta dos 17 anos. Foi então que minha doença teve seu início. Os médicos e psiquiatras jamais souberam explicar o que acontecia comigo. Era alguma espécie de psicopatologia. Obviamente, jamais fui curado, pelo contrário, a moléstia progrediu mais e mais, de forma implacável.

Consistia tal enfermidade na capacidade demoníaca que adquiri de poder ver, como se fosse algo físico, material, a maldade que havia nas pessoas. É ostensível que tal capacidade anômala e perturbadora atormentava-me sem trégua em todos os instantes em que eu me encontrasse na presença de qualquer ser humano. Eu via uma sombra, uma névoa intensamente escura, quase negra, que se desenvolvia nos ares e assumia formas monstruosas, diabólicas, diante de meus olhos apavorados.

Enquanto eu, de maneira insana, e considerado um insano por todos ao meu redor, observava aterrado o desenrolar nebuloso daquelas sombras pelo ar, no interior dessas mesmas sombras assomavam-se pares de olhos vermelhos que se fixavam nos meus. Então, rápidas como um raio, as sombras, a partir de seus olhos sanguinolentos, penetravam, através de meu olhar, no interior de minha psique.

E a partir desse instante, tais condensações de maldade, como eu achei adequado denominar, infligiam em meus sentimentos e pensamentos coisas horríveis que mal consigo nomear. O que posso dizer é que as sombras oriundas dos olhos de todas as pessoas com quem eu entrava em contato, não importando quem fosse tal pessoa, nem o momento, nem o lugar onde eu estivesse, invariavelmente penetravam em meu interior, trazendo consigo toda a maldade que havia nos outros indivíduos e transmitindo-a a mim. Tais eram os sintomas básicos de minha enfermidade, de minha loucura. Porém, minha desgraça ia mais longe.

Imediatamente após aquelas sombras entrarem em meu ser, surgia em minha mente o conhecimento de todo o horror oculto que existia em determinado indivíduo. Eu passava a conhecer os seus mais íntimos segredos, as suas perversidades mais inconfessáveis, seus crimes cometidos sem o conhecimento de ninguém, sua hipocrisia, seus desejos monstruosos, seus ódios, cobiças e invejas, seu desespero e infelicidade jamais expressados ou admitidos. Enfim, tudo aquilo que se fosse alardeado ao mundo, causaria o mais grotesco espanto.

E com o conhecimento da integridade do horror que habitava o âmago da alma de meus semelhantes, passei a sentir um desprezo, uma repulsa, um ódio a todos os seres humanos. Aquele meu antigo pensamento de que os humanos eram, no fundo, bons e confiáveis, morreu completamente. E as sombras negras que invadiam meu interior pareciam ditar a minha psique que eu deveria me tornar como eles, fazer morrer todo o amor que havia em mim e deixar nascer e procriar-se o mal em todas as suas formas, com todas as suas consequências.

A princípio, tentei resistir. Eu procurava afastar-me das pessoas ao máximo para não ser invadido por suas sombras. Porém, era-me impossível viver assim, nesse isolamento completo. E como era inevitável contatar-me com outros humanos, também era inevitável, devido a minha doença, que as sombras me invadissem. E quando elas penetravam em minha psique, sempre me ordenavam para que eu fosse mau. E a minha resistência lentamente sucumbiu. E aos poucos, tornei-me um homem realmente mau, perverso, cruel e calculista. E eu desejei ir além da maldade comum a todo e qualquer ser humano. Eu queria ser o pior de todos, eu queria resumir em mim tudo o que havia de pior na humanidade.

E se antes eu sentia repugnância de me aproximar das pessoas para não ser invadido por suas sombras asquerosas, agora eu buscava isso. Procurava me aproximar de todos os seres humanos, dos mais perversos deles, para absorver toda sua maldade e tornar-me pior do que eles. Meu anseio era ser o símbolo maior da degradação e da iniquidade da civilização atual. E considerei-me capaz de atingir meu objetivo.
(amanhã, o capítulo II)

09 maio 2009

...de Asas

a tu que és Alta
Alta de alma e de tudo que te eleva

Alta como incensos do que há de vir
e as flores se perfumam ao teu sorrir

Alta como os sonhos de sóis no mar
e as águas se evaporam ao teu cantar

Alta como um vento em fúria a correr
e os raios se iluminam ao teu sofrer

Alta como piano em verso a voar
e as artes se emocionam ao teu sonhar

Alta como água em nuvem a se expandir
e as chuvas lacrimejam ao teu sentir

Alta como chama e noite ao luar
e as estrelas despencam ao teu olhar

Alta como a luz ao longe a se ir
e o universo infinita o teu abrir...

...de Asas

08 maio 2009

Rima

finalmente
pensando na humanidade
encontrei
finalmente
a rima mais adequada
a perfeita
a ideal...

qual?

esperança
cansa

07 maio 2009

7 de Maio: Johannes Brahms


Em 7 de maio de 1833 nascia em Hamburgo, Alemanha, um dos maiores gênios musicais da história: Johannes Brahms. Ouço Brahms desde os 15 anos de idade e aos poucos fui conhecendo sua obra. Hoje, que já conheço profundamente toda ela, posso dizer que conheço a alma da obra de Brahms. E tudo o que ele expressou em sua música é tudo aquilo que sinto. Na sua música, está o meu sentimento, a minha alma.


Com o tempo, Brahms tornou se um grande amigo meu, alguém em quem posso confiar em todo e qualquer momento. Se não posso ouvir sua música em determinado instante, sempre trago suas melodias em minha mente, em meu coração.


Brahms une força e melancolia, uma sublime tristeza resignada, porém, jamais curvada. A força de um ser que viveu a tragédia, que conheceu as decepções da vida, mas que jamais se curvou diante delas. Brahms é furioso e sereno. Grandioso e íntimo. Voa pelas mais terríveis alturas, sem nunca tirar os pés do chão. Seu poder é invencível. Sua tristeza é inigualável. Leva-nos dos campos ao céus. Dos lagos aos infernos. Das matas aos infinitos. Da solidão ao amor... Não é à toa que é considerado o maior herdeiro de Beethoven.


Obrigado, Brahms, por ter existido. Que fique aqui toda a minha admiração, respeito e veneração a tua obra e a tua pessoa.


06 maio 2009

Poemas do Término e Contos do Fim 34

Foi lançada hoje a edição 34 do zine literário "Poemas do Término e Contos do Fim", contendo o conto "A Criatura que Não Deveria Existir" e mais 6 poemas alucinados. Em breve, o zine estará em todos os pontos costumeiros de distribuição em Santiago, e também em outras cidades do RS e do Brasil. O "Poemas do Término e Contos do Fim" é de distribuição gratuita, sendo cobradas apenas as despesas de envio, caso seja necessário enviá-lo pelo correio.

05 maio 2009

Cansei-me

cansei-me de não cansar
e en fim cansei-me
e nem sei-me
tudo alcan-sei
errado:
acabei
não ficando aqui
nem do outro lado
por tudo passei
com passos de sonhos
e em tudo há passado
vi olhos nas luzes
vi luzes nos olhos
eu vi sem limites
e o meu cansaço
é ilimitado

nos pulsos ao sangue
os impulsos da vida
me pulsaram de mais
cansou-me nas veias
o correr do sentir-te
e o parar dos iguais

e ao meu sentir incansável
vais te cansares do mundo
e dormindo de tudo
amar-te...

e a Arte.

03 maio 2009

Lei do Sete

O número 7 era sagrado para Pitágoras, sábio e matemático grego.

Por quê?

Por que há 7 notas musicais?

Por que o espectro solar possui 7 cores, ou as 7 cores do arco-íris?

Por que há 7 glândulas endócrinas principais?

Por que há 7 dias na semana?

Por que cada fase da lua possui 7 dias?

Por que são 7 as maravilhas do mundo antigo?

Por que há 7 cordas na lira de Apolo?

Por são 7 os níveis da eletrosfera do átomo?

Por que são 7 os grandes sábios da Grécia?

Por que há 7 tubos na flauta de pan?

Por que há 7 dimensões?

Por que 7 igrejas são citadas no Apocalipse?

Por que há 7 chacras?

Por que há 7 sacramentos no Cristianismo?

Por que há 7 degraus na hierarquia dos impérios?

Por que há 7 pecados capitais?

Por que se diz que os gatos têm 7 vidas?

Por quê?

02 maio 2009

História Lacônica e Absurda

A tormenta que trago na alma carregou-me para aquela floresta sombria. Isolado da humanidade sinto-me em paz. Com extremada atenção observava todos os seres que surgiam ao meu redor. Sons familiares e estranhos elevavam-me ao sublime. Absolutamente sereno, avançava, até o instante em que um ruído anormal arrancou-me de meu estado de profunda tranqüilidade.

O som perturbador consistia em um borbulhar de água. Mas um borbulhar anormal. Com uma água que fervia ele se aparentava. Extremamente intenso e inusitado, levando-se em conta o interior de um bosque. O ruído provinha de algum ponto à frente.

Avancei.

Na mata fechada o som crescia e alarmava cada vez mais. Avistei a alguns metros uma gigantesca clareira. Cintilava. Tal clareira era um imenso lago no interior da floresta. Lago titânico! Borbulhava e fervia de forma canhestra. Toquei a água. A temperatura era absolutamente normal. Perplexo, contemplei a imensidão aquática.

Alarmei-me.

Suas águas principiaram a atingir meus pés. O avanço era rápido. Penetrei na mata, assustado. E contemplei um terrível espetáculo! Uma explosão no interior do lago. A totalidade das águas jorrou aos céus.

As águas espalharam-se por quilômetros. Imediatamente após, vi uma monstruosa coluna de luz. Surgiu das profundezas do lago, ao espaço infinito dirigia-se. Ofuscava-me intoleravelmente. Ao longe, nos azulados céus, ela desaparecia. Para onde iria a colossal coluna de luz?

Mirar sua luminosidade por mais de alguns exíguos segundos era-me impossível. E o silêncio era absoluto. Porém, ele quebrou-se. Subitamente, uma infinidade mirífica de sons invadiu meus ouvidos. Todos simultâneos. Infinito número de cantos de pássaros. Estranhos e familiares. Rugidos de animais ferozes. Relinchar de cavalos. Palavras de Dante. Harmonias angelicais. Etéreos corais de Bach. Sons de águas correndo, das ondas dos mares. O farfalhar das árvores das matas. O sopro soturno do vento. Grilos e sapos em concerto. Homens, mulheres e crianças, falando, rindo, chorando, cantando. Sempre ininteligível. Sublimes instrumentos musicais. Violinos, órgãos, flautas, pianos. Cantos poéticos. Madonas de Rafael. Líricos versos. Epopéias imensas. Visões pictóricas. Trechos de composições clássicas, todas grandiosas. A 9ª Sinfonia de Beethoven, um exemplo. Outros sons indefiníveis. O brilho da luz alucinava.

Emocionei-me.

Ao limite humano. A um passo da loucura. Algo fervilhou em minha alma. Sonhei e morri, para renascer. Olhei para os céus. Que mistérios imponderáveis seriam o destino da coluna de luz? A luz? Era a Alma do Mundo. Para onde iria agora? Alma que abandonava seu corpo. Alma que abandonava seu planeta...

A Terra morria.
É necessário que eu diga mais?

30 abril 2009

Sangue e Sentido

qual o sensato
sentido que há
em enlouquecer-me
sem sentido
sangrando versos
sentidos
a insensíveis olhos sem sangue?

caí-me sem sentidos
após a tormenta
que me sa(n)grou
e que sem esse sangue
que me é sa(n)grado
que me é sentido
a vida
não tem sentido
nenhum

e o meu sentido supremo
é ser um filho precoce
do sangue que há-de-vir
e sa(n)gra(n)do o meu pe(n)sar
meu trabalho é sentir

28 abril 2009

Missão

perdoa-me se fracassei:
se cada verso que escrevi
não foi o que escrevi realmente
e se onde te levei
não foi o máximo que podia levar-te
mesmo saindo de mim
não saí do que não sou
mesmo tocando o alto
não cheguei onde eu estou

perdoa-me se não te fiz chorar
se não foi música
o que te cantei
se não foi vida
tudo que sonhei
perdoa se não estou aqui
perdoa
se não morri

perdoa se sou poeta mau
e não abri teu peito
e não apertei teu coração
e não incendiei tua alma
se não fiz sofreres
o sofrimento que não tens
ou que pensas que não tens

perdoa se não levei teus olhos
ao lado de lá do outro lado
do horizonte
ao longe do depois do espaço
ao depois do longe daqui
perdoa
se meu verso está abaixo
do que senti

perdoa
se não te joguei ao céu
se não te afoguei no mar
perdoa
se ainda foi pouca
a minha suprema dor
e se com minhas palavras-chave
não encontraste o amor

26 abril 2009

Dele: Fernando Pessoa

Eu poderia deixar aqui o que entendo e o que sinto sobre este magnífico poema de Fernando Pessoa. Porém, creio que isso não deve ser feito. A poesia, qualquer que seja, sempre que possível, deve ser deixada livre para a interpretação e sensação do leitor. Qualquer comentário vai direcionar a leitura para determinada interpretação, no caso, a minha, e isso deve ser evitado. A arte, quando verdadeira, permite os mais variados entendimentos e sensações, e não se pode julgar tal interpretação como correta ou errada, isso é um crime contra a arte. Nem mesmo o autor de determinada obra está ciente de todas as possibilidades interpretativas do que criou. A obra artística, em sua essência, não pertence ao artista. O próprio Fernando Pessoa estava bastante consciente disso.

EROS E PSIQUE

Fernando Pessoa

Conta a lenda que dormia
Uma Princesa encantada
A quem só despertaria
Um Infante, que viria
De além do muro da estrada.

Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado
Por o que à Princesa vem.

A Princesa Adormecida,
Se espera, dormindo espera,
Sonha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.

Longe o Infante, esforçado,
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado,
Ele dela é ignorado,
Ela para ele é ninguém.

Mas cada um cumpre o Destino
Ela dormindo encantada,
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada.

E, se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora,
E falso, ele vem seguro,
E vencendo estrada e muro,
Chega onde em sono ela mora,

E, inda tonto do que houvera,
À cabeça, em maresia,
Ergue a mão, e encontra hera,
E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia.

25 abril 2009

Catástrofe

na minha cidade
não há catástrofes:

não têm tornados
não vêm ciclones
nem furacões
não têm vulcões
nem terremotos
nem tsunamis
nem bomba atômica
enfim...

é que estão todas elas

Todas!

devastando meu peito
dentro de mim

23 abril 2009

Ode ao Gato


Sou um verdadeiro amante dos gatos. E de todos os felinos em geral. São seres fascinantes e misteriosos. Sendo assim, sinto-me na obrigação de publicar aqui a magnífica "Ode ao Gato" de autoria de Artur da Távola. O texto já deve ser conhecido de alguns, mas não de todos. Como disse o próprio autor, que ele consiga o milagre de iluminar os corações dos que não gostam e maltratam esses nobres felinos. O que tenho a dizer sobre este texto é que ele é perfeito, e que eu gostaria de o ter escrito.


ODE AO GATO


Artur da Távola


Bichos polêmicos sem o querer, porque sábios, mas inquietantes, talvez por isso.
Nada é mais incômodo que o silencioso bastar-se dos gatos.
O só pedir a quem amam. O só amar a quem os merece.


O homem quer o bicho espojado, submisso, cheio de súplica, temor, reverência, obediência. O gato não satisfaz as necessidades doentias do amor. Só as saudáveis. Lembrei, então, de dizer, dos gatos, o que a observação de alguns anos me deu. Quem sabe, talvez, ocorra o milagre de iluminar um coração a eles fechado? Quem sabe, entendendo-os melhor, estabelece-se um grau de compreensão, uma possibilidade de luz e vida onde há ódio e temor? Quem sabe São Francisco de Assis não está por trás do Mago Merlin, soprando-me o artigo?


Já viu gato amestrado, de chapeuzinho ridículo, obedecendo às ordens de um pilantra que vive às custas dele? Não! Até o bondoso elefante veste saiote e dança a valsa no circo. O leal cachorro no fundo compreende as agruras do dono e faz a gentileza de ganhar a vida por ele. O leão e o tigre se amesquinham na jaula. Gato não. Ele só aceita uma relação de independência e afeto. E como não cede ao homem, mesmo quando dele dependente, é chamado de arrogante, egoísta, safado, espertalhão ou falso. "Falso", porque não aceita a nossa falsidade com ele e só admite afeto com troca e respeito pela individualidade.


O gato não gosta de alguém porque precisa gostar para se sentir melhor. Ele gosta pelo amor que lhe é próprio, que é dele e ele o dá se quiser.O gato devolve ao homem a exata medida da relação que dele parte.Sábio, é espelho. O gato é zen. O gato é Tao. Ele conhece o segredo da não-ação que não é inação. Nada pede a quem não o quer. Exigente com quem ama, mas só depois de muito certificar-se. Não pede amor, mas se lhe dá, então ele exige. Sim, o gato não pede amor. Nem depende dele. Mas, quando o sente, é capaz de amar muito. Discretamente, porém sem derramar-se. O gato é um italiano educado na Inglaterra. Sente como um italiano mas se comporta como um lorde inglês.


Quem não se relaciona bem com o próprio inconsciente não transa o gato. Ele aparece, então, como ameaça, porque representa essa relação precária do homem com o (próprio) mistério. O gato não se relaciona com a aparência do homem. Ele vê além, por dentro e pelo avesso. Relaciona-se com a essência. Se o gesto de carinho é medroso ou substitui inaceitáveis (mas existentes) impulsos secretos de agressão, o gato sabe.


E se defende do afago. A relação dele é com o que está oculto, guardado e nem nós queremos, sabemos ou podemos ver.Por isso, quando surge nele um ato de entrega, de subida no colo ou manifestação de afeto,é algo muito verdadeiro, que não pode ser desdenhado.É um gesto de confiança que honra quem o recebe, pois significa um julgamento. O homem não sabe ver o gato, mas o gato sabe ver o homem. Se há desarmonia real ou latente, o gato sente. Se há solidão, ele sabe e atenua como pode (ele que enfrenta a própria solidão de maneira muito mais valente que nós).


Se há pessoas agressivas em torno ou carregadas de maus fluidos, ele se afasta. Nada diz, não reclama. Afasta-se. Quem não o sabe "ler" pensa que "ele não está ali". Presente ou ausente, ele ensina e manifesta algo.Perto ou longe, olhando ou fingindo não ver, ele está comunicando códigos que nem sempre (ou quase nunca) sabemos traduzir. O gato vê mais e vê dentro e além de nós. Relaciona-se com fluidos, auras, fantasmas amigos e opressores. O gato é médium, bruxo, alquimista e parapsicólogo. É uma chance de meditação permanente a nosso lado, a ensinar paciência, atenção, silêncio e mistério.


O gato é um monge portátil à disposição de quem o saiba perceber. Monge, sim, refinado, silencioso, meditativo e sábio monge, a nos devolver as perguntas medrosas esperando que encontremos o caminho na sua busca, em vez de o querer preparado, já conhecido e trilhado. O gato sempre responde com uma nova questão, remetendo-nos à pesquisa permanente do real,à busca incessante, à certeza de que cada segundo contém a possibilidade de criatividade e de novas inter-relações, infinitas, entre as coisas.


O gato é uma lição diária de afeto verdadeiro e fiel. Suas manifestações são íntimas e profundas. Exigem recolhimento, entrega, atenção. Desatentos não agradam os gatos. Bulhosos os irritam. Tudo o que precise de promoção ou explicação, quer afirmação.Vive do verdadeiro e não se ilude com aparências. Ninguém em toda natureza aprendeu a bastar-se (até na higiene) a si mesmo como o gato! Lição de sono e de musculação, o gato nos ensina todas as posições de respiração ioga. Ensina a dormir com entrega total e diluição recuperante no Cosmos. Ensina a espreguiçar-se com a massagem mais completa em todos em todos os músculos, preparando-os para a ação imediata. Se os preparadores físicos aprendessem o aquecimento do gato, os jogadoresreservas não levariam tanto tempo (quase 15 minutos) se aquecendo para entrar em campo.


O gato sai do sono para o máximo de ação, tensão e elasticidade num segundo. Conhece o desempenho preciso e milimétrico de cada parte do seu corpo, a qual ama e preserva como a um templo.Lição de saúde sexual e sensualidade.


Lição de envolvimento amoroso com dedicação integral de vários dias. Lição de organização familiar e de definição de espaço próprio e território pessoal. Lição de anatomia, equilíbrio, desempenho muscular. Lição de salto. Lição de silêncio. Lição de descanso. Lição de introversão. Lição de contato com o mistério, com o escuro, com a sombra. Lição de religiosidade sem ícones. Lição de alimentação e requinte. Lição de bom gosto e senso de oportunidade. Lição de vida, enfim, a mais completa, diária, silenciosa, educada, sem cobranças, sem veemências, sem exigências. O gato é uma chance de interiorização e sabedoria posta pelo mistério à disposição do homem."

21 abril 2009

Eu...

queria deixar
meu eu que é
para ser
o ser que sou
sinto-me ser do sonho
nascente dos ocasos
um largo lago de fins
que me sobra sobre
tristeza e vale
sangrei-me de febres
e em tudo que não fui
estive...
dormi-me de mares
lembrando o ar
da tua alma
queria...
sentir tua essência em sede
em crise
mas estou-me em nada
em nada do que é pensável
e se assim digo de mim
minto

dos iminentes venho
e o todo que sinto
é o tudo que tenho

18 abril 2009

Só Uma...

eu poderia dizer
que para mim tu és Noite
escuro-estrela de espaços longe
que me cai nos olhos entre lua infinda
mas uma só coisa que eu diga
já basta...

eu poderia dizer
que para mim tu és Sonho
arcanjo-insânia entre visões do além
mergulho em asas pela luz-mistério
mas uma só coisa que eu diga
já basta...

eu poderia dizer
que para mim tu és Alma
magia-febre entre fantasma em fogo
de vida e morte pelo fim humano
mas uma só coisa que eu diga
já basta:
sim, eu te amo.

17 abril 2009

Um Monstro

eu sou um monstro?
sou um monstro
porque sou eu?
desculpa
mas não sou tu
eu não estou ali
eu saí dos trilhos
que me disseste
para segui-los
e fiz os meus
então sou monstro
porque meus olhos
não são os teus?
porque não foi em ti
que eu fui buscar
o que senti?
porque eu fui eu
em tudo aquilo
que eu pensei?
me desculpa
mas te decepcionei
quebrei tua norma
e fiz a minha
da minha forma
voando alto
como o urubu:
posso ser monstro
mas não sou tu

15 abril 2009

O que é a Inspiração?


A inspiração não se explica. Não há conceito que a defina. Não há teoria que a limite. Por mais que alguém tente dizê-la, jamais a dirá. Dirá a “ciência” que a inspiração pode ser explicada por reações químicas no cérebro, assim como ela tenta explicar o que seria a paixão, por exemplo.

Ainda que tais reações possam ocorrer tanto em um caso como no outro, como se pode afirmar com certeza que são tais substâncias e suas interações as causas profundas da paixão ou da inspiração em um ser humano? Suas manifestações físicas impedem suas manifestações espirituais? Ou são reflexos das últimas?

Por que uma coisa impediria a outra? Um técnico de futebol, por exemplo, explicaria que seu time jogou mal ou bem somente porque seus jogadores interagiram bem ou mal? Não há outras causas menos aparentes? Tudo é assim tão simples?

Vejo tais reações químicas cerebrais como o reflexo de uma causa mais profunda, não mecânica, não material. Ainda que se explique toda a vida através de reações químicas, por que há vida em um gato e não há em um automóvel, se ambos funcionam através de reações químicas e princípios mecânicos?

Se a inspiração se resumisse a reações químicas cerebrais, se não houvesse para ela uma causa maior e mais profunda, bastaria se descobrir uma técnica ou uma droga para promover no cérebro tais reações que se faria de qualquer idiota um novo Beethoven, por exemplo. Logo a “ciência” dirá que pode fazer com que qualquer pessoa se apaixone ou se inspire. Da mesma forma que disse no século XIX que não haveria mais doenças para afetar o ser humano no século XX, que todas seriam curadas e erradicadas. Para esta “ciência” que aí está, tudo é controlável e manipulável... É uma pena que a destruição do planeta fugiu ao controle de sua arrogância... E de sua ignorância.

Ninguém nunca me dirá o que é a inspiração. Alguém que não a tenha poderá passar a vida inteira pensando em criar uma grande obra de arte e não a fará. Alguém que tenha naturalmente em si a inspiração criará a essência da obra de um instante para outro, no momento que tiver o “insight” da mesma, ainda que precise de mais tempo para levá-la às suas consequências finais. E nem mesmo o autor da obra saberá explicar de uma forma satisfatória como surgiu em si a inspiração.

Ainda que muitas vezes a inspiração seja apenas 1% de uma obra, e que o restante seja o trabalho sobre ela, sem esse 1% de inspiração, a obra não existirá, assim como uma criança não nasce sem os minúsculos óvulos e espermatozóides.

De onde surgiu a 9ª Sinfonia de Beethoven, por exemplo? De simples reações químicas? Fico com o que pensava o próprio Beethoven: “do céu estrelado acima de nós...”
(Na imagem, "Alegoria do Gênio de Beethoven", de Sigmund Hampel)

13 abril 2009

O Homem

o homem
quando não vive
teoriza

quando não experimenta
acredita

quando é limitado
põe limites

quando é impotente
cria regras

quando não compreende
tem certeza

quando não sente
fala

quando não sabe
discute

11 abril 2009

Para os Profundamente Decepcionados


Eu sou alguém profundamente decepcionado. Há muito perdi minha esperança na sociedade, na humanidade, pelo simples fato de que a conheço extremamente bem... E o e-mail transcrito abaixo em sua quase totalidade, retirado da coluna do jornalista Juremir Machado da Silva de 10/04/2009, é uma forma de ilustrar a minha radical e definitiva decepção. Parabenizo a professora Simone Varoni pelo melhor desabafo de um profissional que já li. E parabenizo o jornalista Juremir por tê-lo publicado e por sua constante defesa do magistério.

E-mail: “Olá, meu nome é Simone Varoni, tenho 32 anos e leciono desde os 18 anos... Eu gosto do que faço, sinto-me alegre em estar na escola e amo meus alunos como amigos. Mas o que eu penso em relação ao futuro desta profissão é bastante assustador e preocupante. Não pretendo me aposentar nesta profissão... O QUE ENTRISTECE É QUE A SOCIEDADE SABE QUE GANHAMOS MAL E NADA É FEITO. Enquanto falta material nas escolas, espaço físico, tempo para o professor planejar, realizar projetos, tempo para fazer uma educação livre de verdade, assistimos diariamente à roubalheira, a política de que todos têm direito a uma fatia da corrupção, da troca de favores, do jeitinho brasileiro E ISSO ME DECEPCIONA MAIS E MAIS A CADA DIA.”

“Enquanto isso, nas escolas, mendigamos para trabalhar: fazemos festinhas, rifas, risotos, sopas de mocotó, brechó, saímos no comércio esmolando doações para arrecadar fundos para as escolas, pagamos material para os alunos porque muitas famílias sequer sustentam o lápis, a folha de ofício, o xérox, o caderno... Pensando bem, acho que somos verdadeiras idiotas. Somos pais, mães, médicas, psicólogas, amigas e ainda lutamos para ser profissionais da educação. Arcamos com um peso que está nos estressando, adoecendo, enlouquecendo... ainda corremos o risco de ser agredidas fisicamente, porque verbalmente e moralmente já somos vítimas de muito tempo. EU ME DEMITI DO ESTADO DO RS: professora com formação plena e pós-graduação: salário: R$ 533,00.”

“Não recebi por cinco dias de greve, onde o Estado descontou quatorze dias parados. DEVEM-ME OS DIAS DE GREVE QUE NA REALIDADE NUNCA EXISTIU PORQUE GREVE RECUPERADA NÃO É GREVE, É ENGANAÇÃO. Devem-me os dias em que não estive em “greve”. Leio no jornal que um ilustre deputado gaúcho defendia que não devíamos receber os dias parados... E ele, dias após recebia prêmio em solenidade de festa gaúcha. DEMITI-ME POR DECEPEÇÃO PURA. AQUELA DECEPÇÃO QUE DINHEIRO NENHUM PAGA, CONSOLA OU APAGA. Fico pensando se irão restar professores que ministrem aulas aos meus filhos... acredito que não mais restarão escolas”.

É isso. Os grifos são meus. Eu também me decepcionei profundamente com o magistério público. Eu me demiti do magistério municipal também por pura decepção. A diferença é que me demiti em seis meses de trabalho. Para mim foi o suficiente para ver que o magistério público no Brasil está perdido. Está. E ponto final. E o que mais me decepciona é saber que a sociedade, as pessoas em geral, jamais ficam do lado dos professores. Culpam os professores por tudo e ainda defendem a nossa querida governadora Yeda. Melhor seria que ninguém mais lecionasse em escolas públicas, que todos pedissem demissão. Quem sabe então os professores fossem valorizados. Mas como isso não vai acontecer, só direi o seguinte: Brasil: tu nunca vais sair do teu atraso. És um país vergonhoso. E eu tenho vergonha de ser brasileiro.