14 fevereiro 2009

Soneto Mal Dito

(este soneto inicia com um verso de duas sílabas métricas, avança, verso por verso, por 3, 4, 5, 6, 7 e 8 sílabas, e então regride, voltando de 8 para 2 sílabas métricas em seu último verso. Ao lado de cada verso, entre parêntesis, está o seu número de sílabas)

É tarde. (2)
Lua em frio (3)
de piano em trio: (4)
me voo a encontrar-te. (5)

Grito em sangue de Marte (6)
por lábios bosques sombrios (7)
me enfureço em asas e crio (8)
loucuras pra em canto entregar-te. (8)

Mas ruge o corvo-minuano, (7)
vento do campo insano, (6)
grave urro de sorro... (5)

Por que é que eu clamo? (4)
Eu te chamo (3)
e morro. (2)

12 fevereiro 2009

Beethoven e a 9ª Sinfonia


A figura que geralmente as pessoas têm de Beethoven, principalmente graças aos filmes americanos sensacionalistas, e muitas vezes baseados em boatos sobre sua vida um tanto misteriosa, é a de um homem explosivo, fechado, mal-humorado, misantropo e dado a bebidas, com o típico temperamento alemão. Não se pode dizer que ele não foi assim, embora existam muitos exageros no cinema, fatos e características suas sugeridos pelos filmes que não estão de acordo com a história conhecida, até porque se conhece muito pouco da vida de Beethoven, principalmente em seus enigmáticos últimos anos.

Mas a verdade é que fora esses traços de sua personalidade, e mais importantes do que eles, é o outro lado de Beethoven, bem menos conhecido, uma vez que ele não daria tanta audiência aos filmes. O maior gênio musical da história era um homem de uma séria e profunda concentração e espiritualidade, possuía um extremo senso de justiça, um coração generoso, um caráter forte, elevado, nobre, avesso a todo tipo de hipocrisia, bajulação e mesquinharias. Sua elevação moral era irrepreensível, e por trás de sua aparência carrancuda havia um imenso coração resplandecente de amor e justiça, e angustiado com o futuro da humanidade.

E foi pensando no futuro da humanidade que em 1824, Beethoven concluiu a sua 9ª Sinfonia, considerada uma das maiores obras musicais de todos os tempos, se não for a maior. A 9ª Sinfonia, juntamente com a Missa Solemnis e com seus últimos quartetos para cordas, constitui seu testamento artístico definitivo. Nela, Beethoven atingiu o ponto culminante de seu gênio e deixou-nos a enigmática mensagem de que o Grande Homem é possível. Conhecida como “A Sinfonia Coral”, por ser a primeira sinfonia na história a apresentar coros e solistas vocais, o gênio utilizou-se, no 4º movimento, de um poema de Schiller intitulado “Ode à Alegria” para transmitir parte de seus propósitos. Mas não se trata aqui da alegria frívola, fútil, mundana, daquela proporcionada pelo prazer, mas de uma alegria divina, espiritual, advinda das profundezas da alma em sua harmonização com todos os homens, com todos os seres da natureza, com o universo e, finalmente, com Deus, seja qual for o conceito que tenhamos do mesmo.

Após o devastador e trágico 1º movimento, de uma força e grandiosidade inigualáveis e avassaladoras; após a energia violenta e luminosa do scherzo; após a densa celestialidade impregnada de mistério, de amor e de luz do adagio, surgem, no 4º movimento, depois de uma trágica introdução, os coros e os solistas a cantar em absoluto êxtase e força espiritual a “Ode à Alegria”, alternando luz e sombras num dos momentos mais sublimes de toda a Arte.

Impossível não se emocionar com a grandeza descomunal e com a sensação de poder e de vitória que a obra nos transmite. É que na música de Beethoven, como afirmou o filósofo Samael Aun Weor, “cada nota tem o seu significado, cada silêncio, é uma emoção superior. Não é a música de formas, mas de ideias arquetípicas inefáveis.” Que profundo mistério o gênio da música intentou nos revelar? Que verdades existem na 9ª Sinfonia? Eu diria que nela, resumidamente, Beethoven quis nos mostrar artisticamente o caminho do Grande Homem, aquele capaz de vencer seus obstáculos, principalmente os que estão dentro dele próprio, e encontrar o caminho do amor, amor em toda sua amplitude, em todo seu significado, em todos os seus sentidos.

O que diria Beethoven, se hoje soubesse que uma imensa parcela da humanidade preferiria ouvir um “funk” ou coisa do tipo a sua Sinfonia, e que ainda chama tais degradações de “música”? O que diria Beethoven se verificasse que a humanidade, ao invés de se tornar uma grande humanidade, está caminhando com passos decididos rumo à destruição do planeta e à autodestruição? Talvez compusesse a “Ode à Tristeza”.

Mas Beethoven cumpriu sua missão, como previu em seu “Testamento de Heiligenstadt”. Escreveu o gênio: “me parecia impossível abandonar o mundo antes de realizar tudo o que me está predestinado...” E ele realizou. Fiquemos com os últimos versos do poema de Schiller, que o coro canta sublimado e com força titânica no final da 9ª Sinfonia: “Mundo, você percebe seu Criador?/ Procure-o mais acima do Céu estrelado!/ Sobre as estrelas onde Ele mora!”

11 fevereiro 2009

Poemas do Término e Contos do Fim 33

Com um pouco de atraso, hoje será lançada a edição 33 do zine Poemas do Término e Contos do Fim, referente aos meses de janeiro e fevereiro. Nesta edição, está o final do conto "Otacílio e Madalena (ou a Morte do Pampa)", 3º conto da série sobre o fantástico na história gaúcha, além do conto "Em Chamas". Contém ainda 6 poemas insensatos.

Em Santiago, em breve o zine poderá ser encontrado nas locadores Fox e Classic, na Biblioteca Municipal e na Ponto Cópias. A partir de março, poderá ser encontrado, inclusive, na biblioteca da Uri.

Ele também é distribuído nas seguintes cidades: Santa Maria/RS, Santo Ângelo/RS, São Leopoldo/RS, Porto Alegre/RS, São Gonçalo/RJ e Goiana/PE. Pode ser enviado para qualquer cidade do Brasil ou exterior, sendo cobradas apenas as despesas de correio.

Dengue, Febre Amarela, Leishmaniose

Apenas um pequeno comentário, pois o objetivo deste blog não é realizar análises de fatos do cotidiano, como os leitores já devem ter percebido. No entanto, reservo-me o direito de fazê-lo, quando julgar oportuno.

Há poucos anos atrás, e sou testemunha disso, ouvíamos dizer que o RS estava livre da dengue, uma vez que o clima frio do inverno impedia a proliferação do mosquito transmissor. Pois bem, ano passado tivemos uma epidemia de dengue no estado, que pode se repetir em 2009.

O último caso de febre amarela no RS havia sido em 1966, e a doença sempre foi raríssima aqui. Agora, em poucos meses, vários gaúchos foram vitimados pela doença, sendo ela contraída aqui, em nosso território. Se ainda não é uma epidemia entre os humanos, o mesmo não se pode dizer entre os indefesos bugios, as maiores vítimas do mosquito da febre amarela.

Ainda mais recentemente, em São Borja, surgiram casos de leishmaniose em cães e humanos, outra doença transmitida por mosquitos, o mosquito-palha. Diga-se de passagem que essa era outra doença praticamente inexistente no RS.

Mas o que mais me impressiona é que as autoridades responsáveis pela saúde no Estado parecem não demonstrar o mínimo interesse em procurar as causas do surgimento dessas doenças. Ou será que sabem as causas e não querem divulgar? Por que os mosquitos estão se proliferando tanto? Pela devastação das matas que os abrigavam, que cria ambientes favoráveis para sua multiplicação? Pela aniquilação dos predadores naturais dos mosquitos, em particular as aves, vítimas anônimas dos agrotóxicos, da caça, do tráfico? Pela formação irrefreável de inúmeras barragens de hidrelétricas no interior gaúcho, que além de inundar grandes áreas florestais, cria condições para o desenvolvimento das larvas dos mosquitos?

Ou será pelo aquecimento global, o qual muitos insistem em negá-lo? Todos sabem que quanto mais quente, melhor para os mosquitos, e para os insetos em geral. Ou será todos os motivos reunidos? São respostas? Não, são perguntas. Quem as responderá?

08 fevereiro 2009

Trecho de um Instante de Sono

e suas vozes rápidas
me calculavam as distâncias
fala comigo tu que tens olhos
tanto o amor é divino
que não adivinho em amar
um lago de piano em perfumes
mergulhou-me nas árvores
vi tudo que vinha voar lá nos vales
sentir o sonho distante dos vinhos
vagas caladas fluindo tua pele
vi tiros tortuosos nas lápides
não sou aquele que penso
castelo de almas ruiu-me aos teus beijos
cada vez que te passo
me vejo nos verbos
e atrás daquelas luas
são duas tão nuas são tuas
Deus me olha com cara de louco
por dormir-me contigo
um pouco...

07 fevereiro 2009

a Dante Alighieri

o que teus Olhos veem
dentro
de mim?
ó visionário do não-visto
o que teus Olhos veem
no além
de mim?

em trombetas a gritos de nove
sete demônios olham de mim
do sangue que cai da minha noite
lago de morto em tudo que fui
flecha em veneno varou-me do sol
olho de fogo abriu-se de mim
o gelo do fim beijou-me na essência
em meus sonhos de Cérbero os dentes
que veem teus olhos em mim o Inferno?

mas como chegar ao Paraíso
sem morrer no Purgatório?

o que teus Olhos veem
Dante
de mim?

04 fevereiro 2009

à Loucura

jamais se sufoca a Loucura
que só ela sente o sonho do sol
antes que nos chore a noite
só ela beija o lilás dessas rosas
antes que as geade o inverno
só ela soa o pulsar do violino
antes que se matem as cordas
só ela traga o sopro do vinho
antes que nos seque o sangue
só ela abraça o infindo da estrela
antes que a tormenta a vele
só ela toca o longe de uns olhos
antes que os beba o Fim...

jamais se sufoca a Loucura:
há que se pousar na Eternidade
antes que o Eterno acabe

03 fevereiro 2009

A Relação Demoníaca


Poucos acontecimentos causaram-me uma sensação tão dilacerante de tristeza e fatalidade como a impiedosa maldição que recaiu implacável sob aquela bela menina, a infeliz Daniele. Muitos simplórios insistem em crer que tudo não passou de algum terrível mal meramente orgânico, uma enfermidade desconhecida, de origem unicamente física. Todavia, não apresentam provas do que afirmam, nem mesmo indícios. Todos os exaustivos exames realizados não obtiveram o mínimo esclarecimento, e o caso permanece obscuramente inexplicável, pois nenhum possível agente patogênico foi encontrado no corpo de Daniele, nenhum de seus órgãos apresentava qualquer deficiência, no entanto, a menina enfraquecia cada vez mais...

Conheci muito bem a pobre Daniele. Melhor ainda, o que ocorreu com ela. Quando surgiu das trevas aquele demônio, a menina não tinha mais que 14 anos. Eu, quatro anos mais velho, estava absolutamente fascinado com sua beleza e expressão de ternura e inocência. Mais um passo, e cairia nas garras insanas da paixão. Mas, talvez, Daniele não fosse tão inocente quanto sugeria sua doce fisionomia. Estou firmemente convicto de que a demoníaca maldição foi atraída por sua própria vontade, como funesta conseqüência de seus terríveis e irrefreáveis desejos sexuais, os quais todas as noites a assaltavam até exaurirem miseravelmente sua energia vital. Sei de tudo, porque fui um observador assíduo de sua vida, queria conhecê-la a fundo. Fui a única testemunha da infernal cena. Minha atração pela menina era tão veemente que me utilizei de todos os meios ao meu alcance para retirar o véu de sua existência.

Posso afirmar com segurança que durante quase dois anos soube que a formosa e plena de vida Daniele deitava-se em seu leito, cobria-se com um lençol ou cobertor e principiava a acariciar seus seios e órgão genital durante prolongados minutos, ou seja, masturbava-se com uma tremenda volúpia sexual. Estando Daniele em plena adolescência e sendo ainda virgem, a energia sexual da menina encontrava-se em seu ápice, em seu esplendoroso e arrebatado afloramento. Percebiam-se as correntes energéticas percorrendo em fosforescente eletricidade todo o seu superexcitado organismo, incendiado pelo desejo sexual. Contudo, tal energia poderosa e incontrolável era todas as noites descarregada no ambiente penumbroso de seu quarto através da masturbação. Sua energia sexual, quando ainda em seu corpo físico, antes do orgasmo, oferecia aos olhos uma fulgurante visão que brilhava deslumbrantemente nos canais etéricos de seu formoso organismo. Entretanto, uma vez jorrada no ambiente externo pelo orgasmo, aquela cintilante energia multicolorida tornava-se opaca, avermelhada e sanguinolenta, às vezes pendendo para o negro.

Para onde iria toda aquela energia? De alguma forma ela seria aproveitada... Lembremos da célebre sentença de Lavoisier: “Nada se perde, nada se cria, tudo se transforma”. A energia se transforma, como a energia sexual de Daniele, que se metamorfoseou pela infrene masturbação. De límpida e fulgurante, tornou-se escabrosa e pestilenta.

A energia alastrava-se pelo ambiente astral de seu quarto, e este, com o passar dos dias e com a repetição dos atos masturbatórios, foi acumulando toda aquela energia sexual desperdiçada. Foi acumulando, até que, em certa noite tenebrosa, que ainda sinto calafrios ao recordá-la, uma negra e espantosa presença diabólica penetrou pela porta de seu quarto... Irradiavam-se pestilências e malignidades da coluna vertebral visível daquela coisa. E ela foi lentamente sugando através de asquerosos tentáculos membranosos a densidade energética ali presente.

Aquilo era como um repulsivo espectro que flutuava abjetamente pelo ar. Tinha olhos amarelados e doentios, arregalados e com veias proeminentes. Arrastava uma imensa cauda imunda e, na cabeça, apresentava um par de orelhas desproporcionais e repugnantes que balouçavam constantemente. Sua face envelhecida e impregnada de furúnculos, com um nariz de formato suíno, causava uma repulsão e um medo arrepiantes. Suas mãos escamosas eram enormes e projetadas para frente, com unhas curtas e pontiagudas, de uma nojenta cor arroxeada. Aquela coisa esvaziou o ambiente, sorvendo com repelente prazer a energia sexual despejada na atmosfera por Daniele.

Minha impressão negativa foi tamanha que me retirei do local e somente a ele retornei uma semana depois. Quando o fiz, meu horror foi ainda maior, ao contemplar, no aposento iluminado somente pelo luar, aquele ser diabólico sobre o corpo de Daniele, realizando um revoltante ato sexual com a menina. Esta aparentava sentir um imenso prazer, porém, seguramente, não tinha consciência do imundo demônio que estava sobre ela. Para Daniele, tudo não passava de masturbação. No entanto, o hediondo diabo, astralmente, aproveitava-se de forma perversa da assombrosa luxúria da adolescente, drenando toda sua energia vital e assim mantendo a sua ominosa existência.

Após presenciar tão chocante cena, não tive mais ímpetos de à noite visitar minha admirada menina, tamanha era minha perturbação. Dias depois, caminhando abatido pelas ruas, ocorreu-me o feliz incidente de encontrar Daniele. Como nos conhecíamos, chamei-a para termos uma breve conversa. Disse que a achei um tanto magra e desanimada e perguntei se estava sentindo-se bem. A menina, entristecida, macilenta e com fundas olheiras, respondeu-me que fisicamente sim, mas não psicologicamente. Declarou que sofria de horríveis pesadelos. Em um deles, disse-me que via espiar furtivamente pela porta de seu quarto uma horripilante e repulsiva velha de aparência inominável. A velha ria malignamente de Daniele, em um riso torpe e encatarrado; em seguida, piscava seus enormes olhos dilatados e se ocultava atrás da parede. Daniele contou-me ainda que ouvia seus passos arrastados distanciarem-se lentamente de seu quarto. Então se acordava em estado de indizível pavor. Tais sonhos repetiam-se freqüentemente.

A menina narrou-me também que certo dia, durante o final da tarde, viu, sentado sobre um muro, um homem estranho e muito feio que a olhava fixamente e apontava-lhe o dedo indicador como em um sinal de advertência. Então o homem pulou do muro, sorriu sinistramente e desapareceu de maneira furtiva. Ao dizer isso, vi que os olhos ainda belos de Daniele encheram-se de lágrimas. Senti uma cortante piedade da menina, mas não sabia o que fazer, nem mesmo o que dizer a ela. Despediu-se rápida e nervosamente, e eu ali permaneci como se minha alma estivesse aniquilada.

Meses depois, retornei ao seu quarto e aguardei alguns instantes, enquanto Daniele lia em sua cama. Minutos depois apagou a luz e principiou a se masturbar sob as cobertas. Não demorou muito para que aquele demônio surgisse vagando pela porta e lentamente flutuasse de forma abjeta sobre a adolescente, efetuando outra nauseante relação sexual, explorando a inconsciência da menina. Não mais pude permanecer diante daquela visão deprimente e voltei à minha casa. Passadas algumas semanas, encontrei outra vez Daniele na rua. Estava verdadeiramente acabada, esquelética, como que corroída por uma peste letal. Sua beleza murchara, secara, sua vida esvaí-se como o vinho que escorre de uma taça quebrada. Dias depois, fui ao velório de Daniele.

Semanas após seu falecimento, estando meu corpo adormecido e meu espírito vagueando pela dimensão astral (que era como eu visitava Daniele em seu quarto), tive um encontro com um perverso homem... Possuía uma bela aparência e segurava um cálice que julguei contivesse vinho. Estas foram algumas das palavras que o sinistro homem me dirigiu:

- Pensas que bebo vinho? Não. Bebo sangue, bebo a vida que o sangue espiritualmente contém. Assim mantenho essa aparência física através dos séculos, que não é a real, mas é com ela que me apresento imaginativamente às mulheres, entre elas a tua querida Daniele... Certamente, vira-me na forma real tendo relações com ela, não? Pois a menina via-me em sua mente com um aspecto bem diferente... Ah, suguei toda a sua energia, mais do que normalmente faço, pois ela era muito receptiva. É claro que com a maioria das mulheres, não chego a matá-las, dreno um pouco de energia, e isso é tudo. O máximo que pode ocorrer é elas terem alguma doença, ou serem infelizes no amor, pois não poderão amar devidamente, se é que me entendes... Logicamente, não sou o único a realizar tais ações, tenho colegas, masculinos e femininos. Minhas colegas femininas, é óbvio, sugam os homens. Atuamos não só em masturbadores, mas também em relações sexuais feitas sem nenhum sentimento, sem amor. Ah, quantos belos rostinhos nós já secamos... mesmo que lenta, bem lentamente, quase imperceptivelmente... Mas o que é isso? Não, não chores pela Daniele! Hahahahaha!

02 fevereiro 2009

Seca

minha poesia
é pesada de tristeza
e paira como chumbo pelo ar
como um peso nas minhas costas

é atmosfera
em prole de pesares
princesa pesarosa
preta pestilência
um pêsame plúmbeo
um pesadelo em pânico
uma peçonha sem paz

minha poesia
é um pecado em prece
relâmpago em pedra
prelúdio de praga
prístina sombra
perturbada
de púrpura pálida
em protesto profundo...

minha poesia
é como a nuvem negra
que ameaça carregada
e toda nuvem negra é benvinda
após a seca massacrante

31 janeiro 2009

U

mantra do luto
intercessor das corujas
sustentáculo dos túmulos
lúgubre ululo dos galopes
sussurro dos vultos
soluço do fúnebre
púrpura dos ocultos
Hino de Urubu!

Ó U!!!

essência verbal do escuro...
será por acaso
que és a vogal principal
de Futuro?

29 janeiro 2009

O Réquiem de Brahms (Op.45)


O réquiem é uma composição bastante comum na música clássica. Mozart, Verdi, Schumann, Berlioz, Dvorák, Fauré, Bruckner, Liszt, Palestrina, Lassus, Victoria, entre vários outros, compuseram réquiens.


Brahms também compôs o seu, um dos mais profundos e grandiosos entre todos. Poucas obras na história da música aparecem tão impregnadas de espiritualidade, não apenas no que diz respeito ao texto, mas também no que concerne à própria música. Chamou-o de "Réquiem Alemão", porque é cantado em alemão, e não em latim, como são os outros réquiens.


Nessa obra, potentes e terríficas massas corais e orquestrais duelam com celestiais e serenos coros de anjos, enquanto um barítono e uma soprano sublimam-se por momentos ora luminosos, ora pesadamente sombrios. Em um clima que alterna o tormento e a paz, Brahms realiza uma longa e profunda reflexão sobre a morte, em mais de 75 minutos de um dos mais originais réquiens da história da música.


O fato de que o próprio Brahms designasse esta obra-prima como "ein deutsches Requiem", ou mais exatamente, "eine Art deutsches Requiem (um tipo de réquiem alemão)" obedece ao propósito de configurá-la como uma composição de índole exclusivamente musical e, portanto, alheia à celebração litúrgica, apesar de que "Requiem" é, precisamente, a palavra com a qual inicia-se o Introitus da missa aos mortos da Igreja Católica, a qual, no âmbito musical, deu origem a numerosas obras.


Dois foram os acontecimentos que impulsionaram Brahms a compor o seu réquiem: o falecimento, no verão de 1856 de seu amigo Robert Schumann (o qual, paradoxalmente, também havia se proposto a compor uma obra com o mesmo título) e, principalmente, a morte de sua própria mãe em fevereiro do ano de 1865.


Os primeiros compassos da obra foram escritos por Brahms em 1856 e sua conclusão se prolongou, praticamente, até pouco antes de sua estréia, na catedral de Bremen, na Sexta-Feira Santa do ano de 1868. O texto foi escolhido pelo próprio autor a partir das traduções do Antigo e do Novo Testamentos.


Alguns trechos da letra do "Réquiem Alemão":


II – CORO


Porque toda carne é como a erva e toda a glória do homem é como as flores do campo. A erva seca, e a flor cai.


III - BARÍTONO E CORO


Senhor, mostra-me, então, que devo ter um fim, que minha vida tem um objetivo, e que devo cumpri-lo.


VI - BARÍTONO E CORO


Eis, eu vos revelarei um segredo: nem todos dormiremos, mas todos seremos transformados; e isto de repente, num piscar de olhos, no momento da última trombeta.

28 janeiro 2009

O Pesadelo que Dominou um Mundo

Publicarei na íntegra o que ocorreu com aquele jovem naquele distante planeta desconhecido. A partir deste momento, ficaremos com as próprias palavras do estranho ser alienígena:

“Eu, deitado em meu leito por altas horas da noite, tentava dormir, quando, por acaso, principiei a observar dentro de mim, em minha mente, em minha psique, algo como uma série de vozes desencontradas, como se eu fosse internamente habitado por inúmeros seres que falavam ao mesmo tempo. Eu lutava para me concentrar em um único ponto, porém não conseguia, era-me impossível uma verdadeira concentração, pois não obtinha êxito em manter a mente fixa em um só pensamento nem por míseros três minutos. Vários pensamentos conflitantes surgiam-me simultaneamente: lembranças, desejos, sonhos, temores, ódios, cada um acompanhado de seus sentimentos correspondentes, em absurdas vozes que viviam dentro de mim. E tais pensamentos e emoções em mim se manifestavam não pela minha própria vontade, não era eu que os queria, eles surgiam em meu interior involuntariamente, e não conseguia controlá-los. E percebi que isso era o natural de minha espécie, durante todo nosso cotidiano somos vítimas de pensamentos e emoções que não desejamos e não dominamos e disso não nos damos conta.”

“E ocorreu que em determinado momento senti que aquelas vozes que em mim habitavam principiaram a desprender-se de minha psique, pareciam querer assumir uma existência externa, o que de fato confirmou-se. De súbito, fui cercado por uma infinidade de seres que eram todos partes do meu próprio eu, por entidades psíquicas que personalizavam meus erros, minhas fraquezas, meus desejos, a totalidade de meus defeitos. Formavam-se às dezenas, às centenas, aos milhares, todos com faces monstruosas e diabólicas, mas que tenuemente semelhavam-se à minha própria fisionomia. Olhavam-me de forma lugubremente odiosa, rindo sarcasticamente de meu estado de febril alucinação e pavor. E então verifiquei que aquelas seres, na verdade meus próprios filhos, pois vieram de meu interior, iniciaram a fundir-se em apenas uma representação física que possuía o meu exato aspecto. Todos aqueles demônios se transformaram em um único ente, que era o meu sósia em perfeição absoluta. Em seguida, o sósia deixou o meu quarto.”

“Então, de um abismo aberto sob meus pés, surgiram dois diabos com enormes asas de dragão, os quais vieram até mim, agarraram-me pelos braços e carregaram-me para fora de meu aposento. Fui levado à força para um local fantástico, de elevadíssima altura, de onde podia vislumbrar toda a minha cidade e ainda o interior de qualquer residência, como se possuísse alguma espécie de visão raio-x. Os demônios ordenaram-me para observar com detalhada atenção tudo o que acontecia na cidade. Então vi que nela estava meu sósia, a infame união daqueles seres satânicos, que havia assumido o meu lugar existencial. Sim, absurdamente, eles realizavam todas as ações que eu deveria realizar, no trabalho, na família, em toda a sociedade. Contudo, tudo o que aquele sósia executava era terrivelmente perverso, infinitamente maligno, e quem levava toda a culpa, não obstante, era eu.”

“Não suportava mais tamanha tortura e tentei me libertar dos demônios que me subjugavam, protestando e gritando desesperado que não era eu quem cometia aquelas maldades, que era um impostor, porém foi tudo inútil, somente obtive mais deboches dos diabos. Foi nesse instante que percebi que ao meu redor havia outras pessoas no mesmo estado que eu, isto é, que haviam sido trazidas por outros demônios particulares para aquele local de funesta e vertiginosa altura e obrigados a ali permanecer contemplando a cidade. Eram milhares de habitantes da mesma, muitos, conhecidos meus, e, para meu maior assombro, pude verificar estarrecido que todos eles também possuíam seus sósias, os quais usurparam seus lugares no mundo físico e ali viviam cometendo as mais bestiais atrocidades.”

“Em poucas palavras posso dizer que nós, os autênticos humanos, fomos expulsos de nossa própria existência, cedendo lugar a demônios nascidos de nós mesmos, e que agora ocupavam nossas vidas, realizando os mais horrorosos e degradados atos, estando nós absolutamente impotentes e desesperados diante de um pesadelo além de qualquer descrição verbal.”

“No entanto, creio que posso, em poucas linhas, transmitir uma débil idéia do horror catastrófico que presenciei como um escravo dos meus próprios males. Lá embaixo, ocupando o meu lugar e os lugares de todos os meus conterrâneos, nossos sósias demoníacos vivenciavam nossas existências como se tudo fosse absolutamente normal e corriqueiro, como se a perversidade, a inveja, a cobiça, a inversão de valores, o desprezo pela espiritualidade e pelos profundos sentimentos, pela arte e pelo belo fosse uma abominável regra geral. Todos os sósias, sem exceção, tão-somente buscavam o prazer vazio, sem o mínimo de sentido para a vida, em um consumismo impiedoso, alienado e sem freios, aniquilando rapidamente a totalidade dos recursos naturais.”

“Os dias passavam, os anos passavam, e eu e meus desgraçados companheiros de tortura permanecíamos dominados pelos diabos, contemplando o horror, a desolação que tomava conta de toda cidade. Observávamos dilacerados o crime e a violência imperarem absolutos, a baixeza psíquica e o reinado da aparência sendo guias e mestres de toda uma população. Eu fui a testemunha impotente do assassinato por motivos fúteis, do estupro hediondo, da execrável prostituição infantil, da inaceitável exploração humana em todos os níveis e categorias. Vi o horror desfilar diante de meus olhos e eu fazia parte dele, lá estava o meu sósia imbecilizado e depravado como todos os outros, descendo os degraus da mais baixa degeneração, esquecido de toda vergonha moral e orgânica, escravizado por uma mídia vazia e alienante. Eu gritava em completa desesperança para que aqueles diabos me libertassem e permitissem que eu reassumisse minha própria vida, mas minhas forças sucumbiam, e só me restava chorar em negra fatalidade.

Olhei ao meu redor e vi que todos os meus companheiros do inclemente horror faziam o mesmo, enquanto contemplavam o vício, o egoísmo, a ganância, a destruição, que se alastravam desimpedidos e triunfantes por um cenário de perfeita degradação ambiental. Da feral altura em que me encontrava, eu observava todos os nossos rios serem estupidamente poluídos, nossas matas devastadas, nossos animais massacrados, nossos ares contaminados, enquanto a multidão iníqua e inconsciente dos sósias ria e se fartava em festas imbecis, regadas a imundas músicas degradantes, contentes e satisfeitos com seu estado de infernal degeneração e miséria.”

“E após fui levado para outras regiões, para outras cidades e lá vi mais humanos prisioneiros e, abaixo, os seus sósias corrompidos, imperando vitoriosos. Não mais havia uma só gota do que chamávamos de amor. O mundo inteiro fora dominado pelo mais aterrador dos pesadelos, enquanto eu, berrando que meu sósia não era eu, lutava como um louco para me libertar.”

“Foi então que, desvairado, acordei-me. Tudo havia acabado, para meu lancinante alívio. E eu, ainda profundamente transtornado, refletia sobre o absurdo pesadelo que tivera, pensando comigo que não seria possível que em algum planeta do universo uma população vivesse naquele mesmo estado de minha alucinação. Não, impossível um planeta chegar a tão decadente nível de existência... só mesmo em um pesadelo...”

Até aqui as palavras e o pesadelo daquele distante ser alienígena.

25 janeiro 2009

Sinfonia nº4

pelo outono do inverno de amar
atemporal tempestade
na sede que sedia meu sonho
a tormenta atormenta de sede

vós temporais sede
a sede de minh’alma acabada
a última de Brahms
que brames na última
tempes-tarde demais
não me a(l)mas
como não cometas
do céu caídos
em fim-nados
que vir já há-de
em mar-revolta
revolto
resignado
morrer de sede
na Tempestade

23 janeiro 2009

"E Nunca Vou Por Ali..."

Vocês sentaram em seus tronos de certeza vazia e de sabedoria inútil para tentar ditar-me as regras de como devo viver. Quem disse que vocês as conhecem? Onde estão as leis que garantem que as suas regras estão corretas? Onde estão as verdades que garantem o que é correto? As suas verdades são a Verdade? Vocês estão certos que chegaram até ela para preconizá-la para todo mundo em absoluta e arrogante segurança? A realidade é exatamente o que vocês vêem? Não há outras realidades, só a que vocês determinam como realidade? Mas que mania de querer convencer-me daquilo que vocês julgam que sabem!

Então quer dizer que vocês chegaram à verdade e eu não? Os caminhos de vocês são os corretos e os meus não? Quer dizer que eu preciso de intermediários para chegar à verdade, e os intermediários são vocês? Então eu devo entre dezenas, centenas de gênios que mortificaram suas vidas em busca do conhecimento escolher dentre eles uns 2 ou 3 como corretos e desprezar todos os outros? E, coincidentemente, esses 2 ou 3 gênios que devo escolher para seguir são os mesmos que vocês escolheram?

Então vocês intentaram com sua sabedoria resolver o mundo, salvar a humanidade, não fizeram nada disso, mas querem que eu acredite que vocês estão certos? Intentaram, com a limitação de seus conhecimentos, limitar o que é infinito, enquadrar tudo o que é misterioso dentro de seus miseráveis conceitos, emparedar o eterno dentro de suas diretrizes egoístas, intentaram podar todos os sonhos, massacrar todas as esperanças, reduzir a vida a um punhado de teorias mecânicas, e agora vêm com esses sorrisos estúpidos e hipócritas me dizer que eu devo segui-los?

O que foi que vocês fizeram com suas sabedorias? O que foi que construíram? Um mundo desesperado? Uma vida sem nenhum sentido? O conhecimento de vocês só serviu para deixar claro que todo o sentido da vida é o dinheiro ou tudo o que ele pode adquirir, isto é, tudo o que é material? Como vocês querem uma humanidade justa, equilibrada, harmoniosa, se vocês pregam que não há justiça, nem equilíbrio, nem harmonia nas existências universais?

Os frutos da sua sabedoria é esse mundo que aí está? Então o mais alto conhecimento é aquele que destrói o planeta? É aquele que aniquila as almas? É aquele que por pregar que a alma é uma ilusão julgou que poderia explorar até o esgotamento toda a vida natural? Combateram crenças fanáticas com outras crenças fanáticas? Tentaram destronar os que ditavam leis para sentar no trono deles e ditar as suas leis? Tentaram sair da escuridão com uma ciência que mergulhou o mundo em treva? A treva do Fim! Fizeram crer que as verdades dos gênios das artes não passam de ilusão e depois ainda vêm falar-me de arte? Querem que eu acredite que a arte é inútil? E a sua ciência materialista a salvação?

Vocês sentem o que eu sinto, vêem o que eu vejo, percebem o que eu percebo? Não? Então por que querem que eu sinta, veja e perceba como vocês? Quer dizer então que se eu tenho asas devo cortá-las porque vocês não as têm? Quer dizer que o que vocês não sabem mais ninguém pode saber? Que se vocês acreditarem que algo não existe, definitivamente esse algo não pode existir?

Na lógica de vocês, muito mais valeria a pena viver para satisfazer prazeres, um absoluto hedonismo, cujos únicos valores seriam o do dinheiro. É assim que vive a humanidade. Sim, para que fazer mais do que isso se tudo irá se perder no dia da morte? Não viver dessa forma seria uma incoerência na sua lógica. E depois ainda vêm me falar de contradições? Na lógica de vocês, a sabedoria não pode valer a pena. Se tudo é injusto, se a lei de ação e reação não age em nossas vidas, se tudo é por acaso, se nada tem um sentido, se a felicidade de uma pessoa é medida pelos bens físicos que adquiriu, pela saúde que teve, pela sua beleza física, pelos prazeres que viveu, para que sabedoria? Para depois de se abarrotar com ela, morrer e jogá-la fora, deixar que ela apodreça com nosso corpo?

Se é assim, não vale a pena buscá-la, e a pessoa de vida mais correta seria alguém como a Gisele Bündchen, ou como o Ronaldinho, ou como qualquer gângster por aí. Sim. Se nada tem sentido, a sabedoria teria muito menos. Sabedoria deve servir para se ensinar a amar. Se no universo não há leis, leis que valem para todas as vidas, se não há justiça, se não há equilíbrio, se não há sentido para as coisas, se tudo veio por acidente, então também não há amor. Se não há amor no universo, então para que amarmos entre nós? E se não se é possível amar, então não há motivos para a sabedoria.
Então, não me venham com as suas sabedorias. A sabedoria que busco é outra. É como disse José Régio:

"Vem por aqui" - dizem-me alguns com olhos doces,
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom se eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui"!
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos meus olhos, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...”

22 janeiro 2009

Meu Canto

virgem em água
que leoa dos abismos
em sol e lua te sinala
o ocultamento catastrófico do verde:
eu canto o que se perde

noiva e sangue
que me insânia pelas ânsias
e te desvaira dos funestos
e o corvo roxo sempre em pânico se esvai:
eu canto o que se vai

verso inlido
devastado na não-alma
o Cristo adeuses pelas 6
e o grito em sonho em grave lepra que te corre
eu canto o que já morre

beijo ou morte
em desespero olho em noite
cheira a lábios de coruja
e o amor medonho em 5º anjo sai do inferno
eu canto o que é Eterno

20 janeiro 2009

e o Medo...

sempre haverá uma dúvida
em tudo aquilo que duvidas
nunca não-haverá uma dúvida
nas coisas todas que tens certeza
jamais terás a certeza certa
que sempre restará um resto
um resto de astro do sonho
uma nota de alma do som
uma brisa de dor pelo beijo
um sopro de céus nos teus lábios

achas que bebeste
toda a gota do vinho?
e que não há vinho de sol nos teus olhos?
que não há olhos pra onde tu enxergas?
que não há luz nos cantos que sim?
e que há um sim pra todos os nãos?

olha bem pra onde está mal
vê de tudo que nunca foi dito
que ali do fundo que pensas
da taça sobrou uma gota
de sangue no canto da boca
e esta gota é que bebo
que nela que está a verdade
e o Medo...

19 janeiro 2009

200 Anos de Poe


Em 19 de janeiro de 1809, no nº33 da Rua Hollis, em Boston, Massachusetts, EUA, nascia um dos maiores gênios artístiscos de todos os tempos, cuja influência foi e continua sendo definitiva em todos os terrenos da arte: Edgar Allan Poe. Deixo aqui minha humilde e pequena homenagem ao meu maior Mestre literário. Abaixo estão algumas frases encontradas nas geniais obras de Poe. Em seguida, um de seus extraordinários poemas.

Algumas frases de Poe:

"Os homens chamaram-me louco. Mas, talvez, a loucura seja a suprema inteligência, pois muito do que é glorioso, do que é profundo, provém de modos de espírito exaltados e não do intelecto geral."

"Os que sonham acordados enxergam muitas coisas que escapam aos que não conseguem sonhar, a não ser dormindo."

"A lembrança da felicidade passada é a angústia de hoje, ou as amarguras que existem agora têm sua origem nas alegrias que poderiam ter existido."

"Não somente acho paradoxal atribuir a um homem de gênio um caráter mau, como afirmo que o mais elevado gênio é apenas a nobreza moral mais alta."

"Houve sábios que se atreveram a duvidar da propriedade do termo 'progresso' para se referir ao avanço da civilização. Consideravam cada avanço da ciência prática como um retrocesso do espírito."

"Todas as coisas criadas são apenas os pensamentos de Deus."

"O de que estou mais certo do que tudo é de que a narração, mesmo parcial, de tais impressões faria estremecer a inteligência universal da humanidade com a suprema novidade dos elementos postos em ação e das sugestões que deles decorreriam."

"Há seguramente outros mundos além deste... Outros pensamentos além dos pensamentos da multidão."

"Pertenço a uma estirpe notável pelo vigor da imaginação e pelo ardor da paixão."

UM SONHO NUM SONHO

Este beijo em tua fronte deponho!
Vou partir. E bem pode, quem parte,
francamente aqui vir confessar-te
que bastante razão tinhas, quando
comparaste meus dias a um sonho.
Se a esperança se vai, esvoaçando,
que me importa se é noite ou se é dia...
ente real ou visão fugidia?
De maneira qualquer fugiria.
O que vejo, o que sou e suponho
não é mais do que um sonho num sonho.

Fico em meio ao clamor, que se alteia
de uma praia, que a vaga tortura.
Minha mão grãos de areia segura
com bem força, que é de ouro essa areia.
São tão poucos! Mas fogem-me pelos
dedos, para a profunda água escura.
Os meus olhos se inundam de pranto.
Oh! meu Deus! E não posso retê-los,
se os aperto na mão, tanto e tanto?
Ah! meu Deus! E não posso salvar
um ao menos da fúria do mar?
O que vejo, o que sou e suponho
será apenas um sonho num sonho?

Edgar Allan Poe

17 janeiro 2009

O Desaforo de Yeda

O célebre poeta romano Ovídio estava prestes a se tornar um senador de Roma, quando renunciou ao cargo. Motivo? Declarou que sentia repulsa pela política e que havia nascido para ser poeta. Não sacrificaria sua arte em nome de algo tão baixo.

Desde os tempos de Roma, e até antes deles, obviamente, a política vem causando repugnâncias nos homens de sensibilidade. O nojo mais recente que senti proveniente das imundícias da política foi da louvável decisão da governadora paulista do Rio Grande do Sul: comprar um jato de 26 milhões de dólares para suas viagens. Com o dinheiro do povo, é claro.

O colunista do Correio do Povo, Juremir Machado da Silva, ontem, abordou perfeitamente o assunto, com uma incisiva ironia. Mas sempre vale a pena bater mais nessa fétida tecla, ainda que seja com este humilde blog. O que tenho a dizer sobre o fato? Que cada vez tenho mais nojo da política. É no mínimo um DESAFORO que a nossa governadora, alegando que nosso Estado está quebrado e afundado em crise, gaste a bagatela de 26 milhões de dólares para comprar um jatinho para seu uso. E irão permitir isso os nossos deputados? E ninguém fará nada para impedi-la? Não, por favor, não façam nada.

Pois agora está justificado o porquê do governo não querer cumprir a lei e pagar o piso de 950 reais para os professores gaúchos. Está certíssima a governadora. Se pagar, não dá para comprar o jatinho. Façam as contas, quanto pisos de 950 reais são necessários juntar para comprar algo de vital importância ao desenvolvimento do Estado como é o jato da governadora? Tem gente reclamando que o dinheiro para comprar o jato é de um montante superior ao destinado para a segurança no RS. E daí? Que seja. Quem precisa de educação e segurança? Precisa-se de um jatinho.

Antes de mais nada, professor só presta para tentar educar crianças que os pais não se prestam para educar em casa. Não, professor presta também para tentar tirar marginal da marginalidade, como se isso fosse possível. Enfim, professor só presta pra tentar transformar o Brasil num país sério. O Brasil, um país sério? Hehehe!

Quanto à segurança, qual a utilidade dela? Imaginem que vida tediosa teríamos vivendo com segurança... Sair nas ruas sem a tensão de poder ser assaltado ou morto não tem graça nenhuma. Por isso que eu digo: um jatinho vale muito mais a pena, pois reis, rainhas, imperadores e a nobreza em geral, têm todo o direito de ter um povo que trabalhe e se sacrifique para que eles vivam no luxo. Não é assim desde sempre? Quem disse que o mundo mudou? Ouvir essa expressão “o mundo mudou” me causa ânsias de vômito.

Então, deixem a governadora. Ela é política. Precisa voar um pouco para ver se tira do nariz o mau-cheiro das fezes da política em que vive afundada. Ainda bem, Ovídio, que tu não foste senador.

Agradecimento a Márcio Brasil

Agradeço ao meu amigo Márcio Brasil pela publicação de dois poemas meus em seu novo espaço no jornal Expresso Ilustrado. Sim, o espaço é dele, mas o Márcio decidiu abri-lo para que outros jovens escritores santiaguenses divulguem suas obras. Isso só prova a nobreza e a generosidade que sempre fizeram parte do caráter do Márcio. Os poemas publicados foram escolhidos por ele mesmo, retirados aqui de meu blog. Parabéns, Márcio, pela tua louvável atitude. Valeu, amigo!

15 janeiro 2009

Há um Espírito que Paira sobre Aquele Campo

Quando principiou a baixar o sol, parti de minha casa. Logo, cairia um melancólico crepúsculo romântico! Um dia de outono suavemente frio em que algumas poucas nuvens rubro-arroxeadas lamentavam-se em sonhos pelos horizontes iminentes. Enigmáticos rumores pelo ar... Profundo e terrível enigma pelas atmosferas densas...

Iniciei minha caminhada calma e decididamente, deveria atingir aquele campo misterioso no instante imediatamente anterior ao anoitecer, o exato momento que precede a chegada da noite.

Eu vi aquele campo largo e profundo somente uma vez. E nunca mais o esqueci. Havia um mistério sobre ele... À primeira vista, compreendi que algum ser pairava acima de sua antiga imensidão verde-escura. O campo situava-se em uma alta e vasta colina cercada de frondosas e dramáticas matas. Algo vivia oculto naquelas matas estranhas, fantásticas, algo...digamos...arcânico. Há sempre algo mais por trás de tudo. E chegara o dia.

E o dia era nebulosamente tranqüilo. Um clima de flutuante magia dominava os ares. Ao deixar minha casa, enquanto o sol descia solene em sua solidão, algumas borboletas adejavam suas asas celestialmente azuis no caminho sem calçamento por onde deveria seguir. Nenhuma pessoa nas ruas. O local onde eu morava, já quase fora da região urbana, parecia completamente abandonado, só eu perambulava pela estreita rua cercada de altas árvores frutíferas. Ensolarada. Ao longe, até onde alcançava a vista, vastas e límpidas coxilhas alastravam-se supremas.

Em uma delas é que eu buscava chegar. Em uma delas, em certo dia chuvoso, eu senti comovido que havia algo mais ali. Era quase noite, e a chuva caía macia e murmurante, como um afago sobrenatural. Olhei ao alto da coxilha cercada de bosques, exclamei comigo mesmo: “não posso ver, mas sinto que há algo aqui”. E hoje retorno para comprovar...

Que tarde carregada de magia! O sol morria sentencioso e eu avançava. A serenidade outonal era perfeita. Somente ouvia sonatas de pássaros. O canto do gado, dos cavalos, das ovelhas. Mas em mim vibrava uma terrível febre. Sereno, mas interiormente alarmava-me. Queimava muita alma dentro de meu espírito. Inflamavam-se minhas emoções flamejantes. Pensava nela. Ainda mais que o caminho era cercado de laranjeiras e limoeiros. Não estavam floridos, porém o perfume de incenso exalado pelas árvores era sublime. O aroma das laranjeiras convidava ao amor, e pensava nela. E a febre se intensificava, e o sol morria, e eu avançava rumo àquele campo.

Logo após aquele roseiral vivamente rubro, percebi de forma definitiva que chegara um agradável frio crepúsculo. Era outono, e o sol deixava adeuses em paz. A chuva invisível e cristalina da lua e das estrelas principiava a cair, e após o roseiral estaria quase lá. Um vento frio do sul começou a soprar insolitamente, Havia algo mais naquele vento, havia saudade, havia rumores, havia paixão. O céu agora era um manto azul-violáceo, com tonalidades rosa nos horizontes, e o negro da noite iniciava a derramar nos espaços sua ária triste e apaixonada. Sonhava...
Agora me encontrava totalmente no pampa. Nenhum sinal de civilização. Ao longe, avistava o campo misterioso. Em minha mente ruflavam suas pétalas as rosas daquele roseiral, pelo qual passara. Por que ainda pensava naquelas rosas vermelhas? Vermelhas de sangue? Logo a noite seria definitiva, e eu acercava-me a um passo da noite. Mas pairava algo no ar... Aproximava-me do campo indecifrável. E atingi meu destino. Extático, quedei-me emocionado aos pés da coxilha. E a noite caiu. Ali, diante de mim, minha intuição me afirmava, pairava um denso mistério, embora ainda não pudesse contemplá-lo ou compreendê-lo.

Um pouco mais adiante, conforme o campo perdia elevação, uma venerável mata se alastrava. Fluidos e essências artísticas gotejavam dos frios céus estrelados e iluminados por uma delirante lua pálida, um convite aos fantasmas que se amam.

Sentei-me sobre aquele campo verdejante e orvalhado à espera do que viria a ocorrer, enquanto os seres noturnos entoavam suas lôbregas e oníricas canções. Havia uma intensa e palpitante poesia pelos ares puros, límpidos, vibravam divinas inspirações que me invadiam, enquanto dirigia meu sonho àquela que me esperava... Nisso, algum estranho rumor principiou a nascer da mata, um som inclassificável, como se fossem vários uivos simultâneos e desconhecidos. O som intensificou-se e pareceu movimentar-se da mata para sobre o campo, fixando-se acima da verde coxilha. De modo que, gradativamente, os uivos foram se extinguindo para dar lugar a uma tênue e multicor nuvem luminosa que constantemente modificava as tonalidades, passando do branco para o verde, para o amarelo, o vermelho, o azul e o roxo. Levantei-me e, com certo receio, dirigi-me exatamente para baixo do centro da nebulosa da luz fantasmagórica que se originou dos uivos. Então, uma densa e rosácea luminosidade, de uma espécie diversa da anterior, desceu da nuvem luminosa e envolveu-me completamente.

Seus abraços calorosos e sublimes enlevavam-me de ternuras femininas, tranqüilizando profundamente meu coração. Foi quando percebi que eu estava ascendendo, que a luz feminina erguia-me em seus braços etéreos e levava-me para o interior da nuvem luminosa. Após ter meus olhos ofuscados e tendo que os fechar por alguns instantes, pude abri-los novamente. Encontrei-me em outra região de completo enigma: era o interior da nebulosa nuvem de luz.

Contemplei então o mesmo campo onde me encontrava a poucos minutos, com sua bela coxilha e sua matas exuberantes. Porém, além do campo em seu aspecto físico, ali existia algo mais... Eu fitava uma infinidade de rostos espectrais, fantasmagóricos, formados unicamente por insólitas luminosidades cintilantes e esbranquiçadas, que se movimentam, oscilando constantemente sua aparência, como se fossem chamas sem fogo. Os rostos olhavam-me fixamente e eu sentia-me ansioso por conhecê-los. Até que pude inferir que aquele número infinito de faces fantásticas consistia em algo próximo aos espíritos, às almas dos seres animais e vegetais que naquela região viviam. O local que agora me encontrava seria uma outra dimensão interligada, correspondente espiritual do misterioso campo que sempre atraíra minha imaginação...

Permaneci por um tempo indeterminado, aparentemente longo, flutuando pela onírica região, observando estarrecido todas aquelas faces volúveis, fulgurantes, evanescentes, com esquisitos olhos fugidios que não deixavam de me acompanhar, até que fui desperto de meu estado de quase hipnose pelo som retumbante de um tropel de cavalos.
Olhei ao fundo da paisagem e percebi a rápida aproximação de uma gigantesca cavalaria de guerreiros indetermináveis, tão espectrais, fantasmagóricos e voluvelmente luminosos como as faces espirituais dos seres da natureza. Porém, aquela cavalaria transmitia um horror insano, um medo paralisante. Nesse instante senti que a luz rosácea que me envolvia descia comigo para devolver-me ao mundo físico. Logo, encontrava-me novamente sobre a coxilha orvalhada, em plena noite profunda. O ambiente permanecia inalterado, absolutamente tranqüilo. Passados alguns instantes, deduzi que mais nada ocorreria ali e decidi retornar à minha casa. Despedi-me do mirífico lugar e tomei o caminho de volta.

Enquanto caminhava pela madrugada que me observava, refleti sobre o que havia vivenciado. Seria real, eu teria adormecido sem perceber? Não sei com certeza, mas posso afirmar que nesse momento uma voz inaudível fisicamente soprou nos meus ouvidos como uma inspiração advinda do desconhecido, não sei se exterior ou interior, ou ambos: era mais ou menos o seguinte o que ela me soprava: no mundo físico, tudo pode ainda aparentar tranqüilidade, aquele clima canhestramente tranqüilo que precede a tempestade, mas em outras esferas, em outras dimensões que se interpenetram, como a água penetra a terra, acontecimentos inimagináveis se concretizam, para, em breve, refletirem-se no mundo natural, assim como a chuva, que antes toca o céu para depois tocar a terra, como a tempestade que vem chegando, que ao longe vem soprando e formando sua nuvens carregadas e seus raios tenebrosos, mas que nós ainda não podemos vê-las. E talvez nem a esperemos...