Até o advento da genialidade de Fernando Pessoa, Camões era considerado o maior gênio poético da literatura em língua portuguesa. Camões e Pessoa têm o comum o fato de que a maior parte de suas obras não foi publicada em vida e viveram sem o merecido reconhecimento, uma constante quando se trata de gênios. Mas não há mais dúvidas de que Pessoa superou Camões. Sua obra é tão vasta, em todos os sentidos, em quantidade e em qualidade, que ainda hoje seguimos conhecendo suas poesias inéditas, descobertas após sua morte, catalogadas e preparadas pelos estudiosos de sua obra para publicação. E impressiona que tudo, absolutamente tudo, é poesia do mais alto nível, que faz de Fernando Pessoa um dos maiores gênios poéticos de todos os tempos, não só dentro da língua portuguesa, mas em âmbito universal. De suas poesias inéditas, selecionei 10 trechos (e poderia ter escolhido quaisquer outros 10, porque, falando em linguagem pessoana, nele tudo é tão alto que nada é menor que nada), cuja profundidade, originalidade e riqueza interpretativa são, no mínimo, assombrosas.
1 - Ó curva do horizonte, quem te passa
Passa da vista, vão de ser ou estar.
Seta, que o peito enorme me transpassa,
Não doas, que morrer é continuar.
2 - Dói viver, nada sou que valha ser.
Tardo-me porque penso e tudo rui.
Tento saber, porque tentar é ser.
Longe de isso ser tudo, tudo flui.
3 - O prometido nunca será dado,
Porque no prometer cumpriu-se o fado.
O que se espera, se esperar é gosto,
Cumpriu-se no esperar, e está acabado.
4 - O que soubemos, o perdemos.
O que pensamos, já o fomos.
Ah, e só guardamos o que demos
E tudo é sermos quem não somos.
5 - Eu amo tudo que foi,
Tudo que já não é,
A dor que já não me dói,
A antiga e errônea fé,
O ontem que dor deixou,
O que deixou alegria
Só porque foi, e voou
E hoje é já outro dia.
6 - Hoje, vou confessar, quero sentir-me
Definitivamente ser ninguém,
E de mim mesmo, altivo, demitir-me,
Por não ter procedido bem.
7 - Não digas nada, que dizer é nada!
Que importa a vida, e o que se faz na vida?
É tudo uma ignorância diluída.
Tudo é esperar à beira de uma estrada
A vinda sempre adiada.
8 - A ciência, a ciência, a ciência...
Ah, como tudo é nulo e vão!
A pobreza da inteligência
Ante a riqueza da emoção.
A ciência! Como é pobre e nada.
Rico é o que a alma dá e tem.
9 - Ninguém suporta o peso mau dos dias
Salvo por interpostas alegrias.
Bebe, que assim serás o intervalo
Entre o que criarás e o que não crias.
10 - Tudo foi dito antes que se dissesse.
O vento aflora vagamente a messe,
E deixa-a porque breve se apagou.
Assim é tudo-nada. Bebe e esquece.