10 janeiro 2013

do Estar Sozinho


I

os homens temem
a solidão
porque temem
o relho:
estar sozinho
é sofrer a tunda da consciência
diante do espelho

II

os homens temem
a solidão
porque temem
a morte:
estar sozinho
é se lembrar à flor dos nervos
que se não é forte

III

os homens temem
a solidão
porque temem
(do seu vazio)
abrir a porta:
o seu si mesmo
nem a si mesmo
(quando se encara)
se suporta

08 janeiro 2013

da Invenção do Trabalho


a humanidade
inventou o trabalho
para que o homem
pudesse viver
e a vida
pudesse avançar...

conversa.

a humanidade
inventou o trabalho
para que o homem
se enchesse de tralha
e possuísse uma trava
e um malho
para não sair do trilho
e não se soltar do encilho

a humanidade
inventou o trabalho
para que o homem vivesse
de se matar
(inconsciente suicida)
e para que o avanço
acabasse com a vida

07 janeiro 2013

Aquecimento Global: 11 dos 12 anos mais quentes ocorreram neste século

Alguns acreditam que não há Aquecimento Global. Nada de surpreendente no fato, uma vez que muitos não acreditam em coisas que estão a um palmo do nariz, muito embora julguem manter os olhos sempre abertos...

A própria coluna "Tempo e Clima" do jornal Correio do Povo já deu várias provas de que não está convencida do Aquecimento Global, muito pelo contrário.  No entanto, diante dos fatos, não há argumentos.  Em 6 de janeiro, não havendo como esconder, a coluna publicou o seguinte:

"Segundo a Universidade do Alabama, 2012 foi o nono ano mais quente desde que foram iniciadas as análises por satélite em 1979. No ano passado, o globo ficou 0,16ºC acima da média de temperatura das últimas três décadas. Onze dos 12 anos mais quentes do período de observação por satélite ocorreram desde 2001, exceto 2008. Nos Estados Unidos, 2012 foi o ano mais quente até hoje registrado."

Ainda segundo a coluna, as anomalias anuais da temperatura global: em 2012, +0,16, em 2011, +0,13, em 2010, +0,39, em 2009, +0,21, em 2007, +0,20, em 2006, +0,18 e em 2005, +0,26.

Para encerrar, uma frase de La Fontaine: "As pessoas que não fazem barulho são perigosas." Podemos afirmar o mesmo da temperatura. Sua alteração não faz barulho, nem percebemos, nem damos atenção. Por isso, é perigosa.

(O gráfico acima mostra a anomalia da temperatura desde 1860.)


06 janeiro 2013

a Brahms e seu Trio Opus 8


se Borges
se dizia
indigno de ti
o que me resta
neste fim de festa?

resta-me
o que me revelas:
um só dos teus trios
é revelação
mais elevada
em essência
que um triplo de Bíblias
ou uma trilogia de Kant
elevadas
à 3ª potência

por isso
não verbo
não verso
não canto
não conto
não trago
me quedo
e me vago
ao largo
largo
minhas sinas
ao mar
e calo
diante
do vasto
maior
de amor
que me ensinas

(Poema reelaborado e republicado)

04 janeiro 2013

Uma Nova Subespécie: o Politicusco


descobri
uma nova subespécie de humano
ou sub-humano:
o politicusco*
nome científico: homo caniens puxassachus
também carinhosamente chamado
de politicusquinho

trata-se de uma variação
involutiva
do ser humano
que na adaptação à sobrevivência
preferiu a subserviência
ao enfrentamento direto
e à manutenção da honra e da dignidade:
certas capacidade humanas
foram atrofiadas

os politicuscos
adotaram determinados comportamentos
do canis familiaris
ou seja
do cachorro
cusco
jaguara
cadela
que consistem
em baixar a cabeça
aos políticos influentes
andar com o rabo entre as pernas
balançar o rabinho
por exemplo
diante de deputados estaduais
e deitar de perninhas para cima
diante de deputados federais
e quando seus donos chamam
correm atrás
como poodles de madame

os politicuscos
geralmente latem
mas não mordem

* Para os leitores não gaúchos, esclareço que "cusco" é um termo regional que se refere a cachorro, geralmente de forma um pouco pejorativa.

03 janeiro 2013

Um Erro Fatal


então
concluíram
que quando vier
o fatal do sopro do fogo
ao mortal do corpo da mata
não ficará nem a queda
de um verde de folha
e não haverá escolha
a não ser a do nada

há aqui um engano
um sopro de engasgo
um erro fatal
equívoca falta

sempre fica
invisível
um gérmen de (p)alma

01 janeiro 2013

da Missão do Artista


cavar
dia após dia
com uma pá de corte
(com um lado sujo de amor
e outro de morte)...

cavar o todo instante
como se fosse adiante
empurrar com o pé
o que não é
até  tocar
em diamante
cavar o só
pelo vasto
do que é mais nada
além de pó

cavar cova imensa
cratera
ao outro lado
à outra era
arrancar petróleo e ouro
em cansaço
de fôlego de touro

e enfim
jogar tudo aos porcos
pelos chiqueiros
de lodos tortos
e partir riscando
o seu nome da lista

e como um vulto
em luto
que pelo longe some
sublime!
morrer de fome
refletindo horizontes
nas pupilas da vista...

(eis a missão 
- mas não em vão -
do artista)

31 dezembro 2012

As Cafajestadas do Novo Código Florestal. E em Santiago?

Recebo e-mail de Marcio Astrini, do Greenpeace, com o seguinte conteúdo:

"O fazendeiro Leo Andrade ganhou seu presente de Natal. Com uma multa que ultrapassa os R$ 18 milhões e considerado, há alguns anos, o indivíduo que promoveu o maior desmatamento da Amazônia, o latifundiário ganhou um presentão: vai ter sua dívida perdoada, graças ao Novo Código Florestal."

Esse é o nosso Novo Código Florestal, defendido com unhas e dentes pela bancada ruralista. Bancada ruralista que conta com um certo apoiozinho aqui na nossa região. Está aí o deputado Luis Carlos Heinze do PP que não me deixa mentir. Adorado por muitos aqui em Santiago,  foi um dos que mais lutaram para que as cafajestadas ambientais do Novo Código se concretizassem. 

Às vezes, fico me perguntando o que os nossos fazendeiros, ruralistas, latifundiários, estancieiros, plantadores de soja, cultivadores de arroz, andam fazendo no interior de Santiago e região com as libertinagens do Novo Código... Eu, sinceramente, não sei. Será que preservam os recursos de suas terras? (Que não são só suas, as terras do planeta pertencem, em direito legítimo, à humanidade.) A imprensa aqui divulga alguma coisa? Se sim, por favor, me informem. Eu nunca vi nada a respeito. Sou um desinformado.

Meu blog não é um blog de notícias, obviamente, está longe disso, e nem pretendo que um dia ele venha a ser. Por isso, gostaria de ler em nossos blogs jornalísticos algo sobre o assunto. Mas, como sou um pessimista, não tenho esperanças de que algum crime ambiental que seja eventualmente praticado por algum grande estancieiro seja divulgado na "Terra dos Coronéis". Sim, afinal, o que esperar de uma região em que desde partidos políticos que estão (ou não) no poder, passando por hospitais, imprensa, empresas são, direta ou indiretamente, controlados e/ou influenciados pelos "coronéis do agronegócio"? 

Quando penso no assunto, não sei por que, lembro-me daquela passagem de "O Tempo e o Vento" do grande Érico Veríssimo, dita pelo personagem Juvenal Terra, referindo-se ao estancieiro e"mandatário" da cidade de Santa Fé, Coronel Amaral:  “Todo mundo aqui  sabe que metade dos campos desse velho é tudo campo roubado!” Será que aqui em Santiago, em algum momento de nossa história, houve roubo de campos? Eu não acredito. Mas está aí um bom assunto a ser pesquisado pelos nossos blogueiros. Haha!

29 dezembro 2012

Seja Odiado


ser odiado
e durante o almoço
pôr o garfo na ferida
é o ato mais difícil
desta vida

seja odiado
como quem é ousado
em sair do trilho
e pôr em frente
a todos
(inclusive a si)
a verdade de um espelho
e mostrar que não há dentes
para a crueza do milho

seja odiado
diga a quem ama
que em geral este amor
vai pouco além
que prazer na cama
e lembre que ele morre
assim como anoitece o dia
assim como adoece o corpo
que envelhece a pele
e se esvaece a alegria

lembre-lhes que a realidade
asfixia qualquer utopia

seja odiado
lembre-lhes que os finais vêm
e um outro algo
ainda mais além
e que tudo passa e se degenera
sejam gregos sejam romanos
lembre-lhes que cavalga a morte
no temporal dos anos
e que a bela
se torna velha

seja odiado
mostre ao menos um sinal
que quem pensa
o melhor de si ou de todos
não sabe
do próprio mal

dê a César o que é de César
e a Bruto o que é de Bruto:
seja odiado
seja justo

28 dezembro 2012

Guerra, de Augusto dos Anjos

Este soneto de Augusto dos Anjos foi escrito em 1910, quatro anos antes da Primeira Guerra Mundial. 


Guerra é esforço, é inquietude, é ânsia, é transporte...
É a dramatização sangrenta e dura
Vir Deus num simples grão de argila errante,
Da avidez com que o Espírito procura.

É a Subconsciência que se transfigura
Em volição conflagradora... É a coorte
Das raças todas, que se entrega à morte
Para a felicidade da Criatura!

É a obsessão de ver sangue, é o instinto horrendo
De subir, na ordem cósmica, descendo
À irracionalidade primitiva...

É a Natureza que, no seu arcano,
Precisa de encharcar-se em sangue humano
Para mostrar aos homens que está viva!

Augusto dos Anjos

Para quem lesse este poema em 1910, seria um absurdo imaginar que a humanidade se abismaria em duas guerras mundiais nos anos vindouros...

27 dezembro 2012

Tráfico de Animais Dizima Fauna ao Redor do Planeta

Alguns otimistas incorrigíveis dizem que nunca tivemos tanto respeito pelos animais selvagens como o temos na atualidade. Só não rio, porque prefiro chorar. Sou muito sentimental. Alguns muito se preocupam em não matar um boi (que não corre o mínimo risco de extinção, obviamente), porque julgam um absurdo comer um bife, mas pouco se importam com a extinção de animais silvestres. 

Há poucos dias, afirmei que trataria aqui, brevemente, sobre o tráfico de animais. Faço-o agora. E, conforme prometi, para não tomar muito o tempo dos leitores com assuntos supérfluos, serei breve. Falarei por tópicos. Sem delongas, vamos a eles:

- O tráfico de animais cresce a cada ano e já movimenta cerca de 19 bilhões de dólares, ou 39 bilhões de reais, anualmente, segundo a WWF. De cada 10 animais retirados com vida da natureza, 9 não resistem e morrem. Bem, mas os animais devem servir para alguma coisa, que seja para dar lucro.

- O dinheiro do tráfico de animais vem servindo para financiar conflitos, terrorismo e guerras civis, principalmente nos países africanos. Ora, mas e o que importa a África?

- Além, obviamente, da aceleração da extinção das espécies, o tráfico de animais, e até mesmo o comércio legal dos mesmos, causa a introdução de espécies não naturais em determinados ecossistemas, afetando-os, muitas vezes, de forma irreversível, uma vez que todos sabem, ou presume-se que todos saibam, que qualquer ecossistema se mantém devido a um perfeito equilíbrio que pode ser desfeito com a mínima alteração. É o caso da introdução de javalis europeus nos ecossistemas brasileiros, que tem ocasionado grandes danos não  somente ecológicos, mas também econômicos em nossas terras. E há muitos outros exemplos, basta pesquisar. Mas também, para quê?

- Segundo estudos científicos, 75% das mais recentes doenças infecciosas que têm causado vítimas entre os seres humanos originam-se de animais silvestres retirados de seus ambientes naturais pelo tráfico ou expulsos pelo destruição de seus habitats. E muitas outras novas enfermidades, logicamente, podem surgir com o crescimento tanto do tráfico quanto da devastação. Mas e daí? Depois a ciência descobre curas para  todas elas.

- 25% das espécies de mamíferos existentes no planeta (uma em cada 4 espécies) encontram-se em risco iminente de extinção (sem contar as que já foram extintas, como lobo-da-tasmânia, vaca-marinha, leão-europeu, hipopótamo-europeu,  bisão-do-cáucaso, foca-monge, tigre-de-java, tigre-de-bali, raposa-das-falklands, lobo-de-honshu e várias outras). A mais recente espécie de mamífero a ser considerada extinta foi o rinoceronte-negro-do-oeste, implacavelmente caçado devido ao alto valor de seus chifres (o que, naturalmente, também ocorre com outras espécies de rinocerontes). O rinoceronte-negro-do-oeste, até finais do século XX, era encontrado somente em Camarões. De lá para cá, em todas as buscas realizadas, não se viu mais nenhum exemplar da espécie. De forma que este ano, a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) declarou a espécie como oficialmente extinta. Grande coisa!

- Como sou fanático por rinocerontes,  falo mais um pouquinho sobre eles: o rinoceronte-branco-do-norte e o rinoceronte-javanês também não têm sido mais encontrados na natureza. A declaração oficial de suas extinções é apenas questão de tempo.  E tu com isso?

Ok, chega. Voltemos aos assuntos sérios.

Fonte: ah, se duvidam, é só pesquisar. 


25 dezembro 2012

Lembra-me ao Sempre


o há do que sei
é que sei que há
e seja lá o que houve

sei que ao ser
não me satisfaço
com as maças debaixo:
hei de estender meu braço
às que estão no alto
ao há de algo que há
no topo da macieira
ou no outro lado
à margem da beira

se a humanidade
é só isso que vejo
então também devo
apequenar meu desejo?
por mais que vós façais
em fazer com que o feito
seja o que está feito
não sigo e nem consigo
com que a vós
sangre o meu respeito

há um haver
acima do pouco
(como diria o paciente
que de incontente
ficou louco)
mas  o mundo
se imunda no nada
e todo sucesso
é o vazio da fachada

há algo mais a se amar-te...
se disso eu me esqueça
lembra-me ao sempre
ó Arte

24 dezembro 2012

Minha Contribuição para as Festas Natalinas

O Blog O Fim vem realizar um serviço de utilidade pública postando algumas imagens de Papais Noéis para você escolher uma e fazer um pôster para enfeitar o seu Natal. De lambuja, deixo um singelo poema de minha autoria para ser declamado durante a ceia natalina.







O Saco do Papai Noel

P. noel,
lê a minha carta:
maior que a tua barba
bem perfumada
de capital
(de fazer trança)
é a tua farsa
bem estufada
de caviar
pela tua pança

de bochechas coradas
e gordas
tu só és papai,
P. noel,
a quem deixar
algumas notas
(e outras cotas)
na (pro)fundidade
do teu chapéu

P.noel
o bom velhinho
velhaco:
só ganha presente
quem tiver dedos
(no meio da moeda)
pra te puxar o saco

E um Feliz Natal


23 dezembro 2012

Poema de Natal a um Urutau*


naquela noite
tu serás tu mesmo:
ao que homens se mostram
tu te ocultas
como se não
como se nem fosses
e os sábios sopram
que sendo tu
tu nada sabes
pois o que é que leste?
mas tu
tu nem estás
em teu não estar
que bem escondeste

não sendo nada
só o teu Ser é que é:
e teu ser não seria
se te mostrasses em aberto
alardeando sob o sol
o que só vê
teu olho noturnal...
mostrar-se
não é de um urutau

paira de ti
o espectro do que não
um verbo que se fantasma
grito não-dito
e lamento-punhal
no invisível
do ser a dor apunhalada

quem te vê quando cantas?
o que cantas é um susto
que não nos deixa sinal...
por isso este poema:
também ninguém vê o Natal


*Para os que não sabem, o Urutau é uma ave da América do Sul de hábitos noturnos e solitários que possui uma capacidade de mimetismo (disfarce) e de imobilidade tão grandes que muito raramente é vista na mata, mesmo que seu canto possa ser ouvido. Canto, alías, dos mais pavorosos entre as aves, que lembra a agonia de uma mulher ou até mesmo lamentos de seres espectrais.

(Este poema foi reformulado e republicado aqui no blog.)

22 dezembro 2012

Agora, o "Fim do Mundo" Real

Bem, agora que a completa idiotice em se acreditar que o mundo poderia acabar de um dia para outro e que a não menos idiotice de se interpretar coisas ao pé da letra já passaram (é incrível como tanto os reconhecidamente ignorantes como os supostamente cultos se prendem a interpretações literais tanto para o crédito quanto para o descrédito), podemos falar (ou melhor, continuar a falar) no "Fim do Mundo" real.

Como o título de meu blog é O Fim (desde sua criação em 2006), creio ser oportuno mencionar, mais uma vez (já o fiz aqui diversas vezes) que não creio em "Fins de Mundo", em fim do planeta, por exemplo, a não ser, é claro, quando assim decidir o nosso sistema solar, mas creio em fim de civilizações. E não acredito, definitivamente, que a nossa civilização da forma como a conhecemos poderá se manter por muito tempo. E isso é também uma questão matemática. O planeta não poderá sustentar nossa civilização. Aliás, já não está podendo. Fora isso, o universo sempre tende ao equilíbrio, em TODOS os seus aspectos, desde o micro até o macro, basta que analisemos. Dito isso, dou-me por satisfeito com a breve explicação, uma vez que para os bons entendedores, meia palavra basta.

As pessoas temem o "Fim do Mundo", consciente ou inconscientemente, porque sabem que "fazem mal" a ele e aos seres que nele vivem, incluindo aos próprios seres humanos, incluindo a si mesmos. Na verdade, temem a "punição" pelos seus atos. "Punição" essa que nem precisaria ocorrer por um acontecimento externo ao planeta, mas pelas nossas próprias mãos, por consequências diretas e imediatas das nossas ações para com a Terra e para com os outros homens. 

E o mundo hoje encontra-se ameaçado. Não é uma questão de profecias, é uma realidade inquestionável. Quando qualquer das supostas profecias apocalípticas foi elaborada, nem se imaginava que um dia teríamos um arsenal nuclear capaz de destruir não uma, mas três vezes o nosso planeta, no mínimo. Alguns dirão que a humanidade não é louca a ponto de deflagrar uma guerra nuclear. Será mesmo? O leitor tem absoluta confiança no ser humano? Eu não. Já estivemos a um passo de uma catástrofe atômica durante a Guerra Fria. 

E muito menos imaginavam os supostos profetas apocalípticos que a vida do nosso planeta poderia ser  um dia aniquilada de forma quase completa pela mão do próprio homem. E nem precisamos ir muito longe no tempo. No início do século XX, quem daria crédito a quem dissesse: "Olha, as florestas, um dia, podem acabar."?  No entanto, em  50 anos, de 1962 e 2012, a maior parte das floretas tropicais do mundo, excetuando a Amazônia, que perdeu 20% da sua área,  foram dizimadas. Em 50 anos! Mesmo os 20% da Amazônia perdidos, que parece relativamente pouco, é muito, é um absurdo, se levarmos em conta a rapidez com que ocorreu. A humanidade tem milênios de história. No entanto, cerca de um terço da vida do planeta (é o que dizem os cientistas) desapareceu devido à ação humana principalmente durante a segunda metade do século XX e o ínicio do XXI. Aonde pararemos? Ou o que nos parará? Que cada um fique com sua resposta.

Ontem mesmo, estava lendo sobre o tráfico de animais, que vem aniquilando a fauna ao redor do planeta. Uma espécie de rinoceronte, o Rinoceronte-Negro-do-Oeste foi declarada extinta devido à caça para o tráfico de seus chifres. As pessoas em geral não dão muita atenção a tais tragédias porque elas não rendem piadinhas. O assunto é sério. E profundamente triste. Para mim, ao menos, é. Não há lugar para sorrisos. 

De forma que amanhã, ou depois, tratarei aqui, rapidamente, para não encher o saco do leitor, sobre o tráfico e a caça ilegal de animais. Amanhã, prosseguirei a ser chato, antipático, alarmista e desagradável, falando sobre o "Fim do Mundo" real.

20 dezembro 2012

Um Trágico Delírio


No meio da mata, durante a manhã, ele delirava. Já há tempos. Digamos que perambular solitário entre a natureza, sonhando, fantasiando, delirando por entre riachos, lagos, bosques, prados era o seu hobby. Uma das poucas coisas que ainda lhe davam prazer. Ainda não afundada na indiferença apática que vem dominando sua psique de forma lenta, insidiosa, mas inexorável.

Pela tarde e à noite, trabalhava enfurnado em um escritório de uma grande empresa do ramo da informática. Conhecia tecnologias de ponta. Avançadíssimas. Não podia reclamar do seu salário. Muito menos, do status e das vantagens que sua profissão lhe proporcionava. No entanto, como tudo isso era maçante, tedioso, insípido, sem graça. Todos os dias, a mesma coisa. Uma rotina massacrante. De vez em quando, surgia uma variação, mas era apenas para perturbar seus já dilacerados nervos.

Em seus breves momentos de descanso, em que poderia usufruir de seu dinheiro e dos inúmeros bens materiais com ele adquiridos, ou estava tão cansado que não tinha a mínima energia para fazê-lo, ou eram tantas e tamanhas as preocupações profissionais, as ânsias com relação ao futuro, à família, que mal se recordava que deveria se divertir e aproveitar os instantes de lazer. Com o tempo, o lazer passou a ser não um momento de descanso, mas uma obrigação moral ou um ato mecânico Se ganhava tanto financeiramente, deveria aproveitar o dinheiro de alguma forma. Sentia-se obrigado, ou simplesmente impelido a fazer alguma coisa. Mesmo que no fundo preferisse não fazer nada.

Em algumas manhãs, contudo, quando conseguia instantes de folga, partia para sua propriedade no interior do município para realizar suas habituais caminhadas. Somente então se sentia liberto. E sonhava. O sonho puro, o sonho pelo sonho, o sonho sem esperança. Era o único momento em que realmente sonhava em toda sua vida.

Contemplava sem paz, fumando cigarro atrás de cigarro, as águas e as pedras dos rios, imaginando ou delirando, que eles estavam ali cumprindo a sua função com um objetivo perfeitamente estabelecido, havia um sentido absoluto para suas existências. E ele imaginava, na fantasia absurda, que um dia, todas essas águas, essas pedras e essas rochas, essa areia iriam se tornar esplêndidas plantas, magníficos vegetais. Esse seria o sentido da suas existências. Se era irreal ou não, pouco lhe importava naqueles instantes.

Não ignorava o absurdo do seu pensamento, porém o alimentava e se satisfazia nele com imensa volúpia, em um prazer análogo, para ele, ao ato de fumar.

Permaneceu nesse delírio por alguns longos minutos, ao cabo dos quais passou a observar em profunda compenetração todas as plantas ao seu redor, fossem elas musgos, arbustos ou gigantes e seculares árvores. Encontrava-se, agora, no segundo estágio de sua fantasia. Sentado sobre a grama bem ao centro de uma pequena clareira na mata, imaginava que todas aquelas plantas viviam, existiam com um sentido plenamente claro e definido. Um dia, por processos misteriosos que ele mesmo não conseguia engendrar em sua mente, e nem desejava, aqueles vegetais todos deixariam de ser vegetais para ascender na hierarquia da evolução. Transformar-se-iam em animais de diferentes espécies. Seria esse, nos seus pensamentos delirantes, o objetivo, ao menos um dos objetivos, de existirem todas aquelas infinidades de plantas. Era algo como uma preparação para a ascensão a um nível superior.

E, finalmente, no último estágio de sua estranha fantasia, aquele homem cansado, exausto de sua vida e de si mesmo, consolava-se perambulando e observando, ao máximo que lhe era possível, os animais pelos quais passava ou que passavam por ele. Divisava aves de diversas espécies, alguns lagartos, borboletas, cigarras, macacos bugios, lebres, graxains etc. E para o caminhante em seu sonho absurdo, esses animais e todos os outros que habitam a face terrestre existem e concretizam suas vidas tendo em vista um único ponto: o de em algum momento oculto entre os desígnios universais tornarem-se seres humanos. Sim, no seu delírio, talvez até loucura, consistia nisso o sentido de, para eles, animais, existirem.

E concluídas tais fantasias e divagações ilógicas, quase oníricas, quase insanas, aquele homem deveria voltar para sua vida comum de ser humano que já beirava o insuportável. E, mergulhado em densa melancolia, ele retornava para o seu trabalho, que era o único sentido de sua existência, e não só da sua. Perguntava-se a si mesmo qual seria, afinal, o sentido da vida humana. No seu sonho fantástico, os animais viviam para um dia ascenderem a seres humanos. E os humanos deveriam ascender ao quê? Ou não deveriam ascender a nada? Ou, talvez, devessem descer? Ser um homem para ser o quê? 

E, fumando seu último cigarro, voltou para sua vida sem nenhum sentido.

(Na imagem, o quadro "Caminhante Sobre o Mar de Névoa, de Caspar David Friedrich.)