23 março 2017

A Queda da Humanidade

despencaste dos próprios tamancos
tropeçaste nos próprios barrancos
afundaste nos próprios buracos

não foste o ser que não serás
nem chegaste a ser o que não foste
daquilo que conseguiste desististe
o que fracassaste levaste adiante

puxaste a carta  mais baixa
do teu castelo de vento
quebraste o orgulho do teu salto
sem nem ter chegado ao alto

e eu
como nunca subi as escadas
deste teu palácio de pó
naquele dia de Queda
te olharei da sarjeta da estrada
sem nada e sem dó

21 março 2017

Políticos passam. Artistas ficam.


Hoje, o mundo comemora os 332 anos de Johann Sebastian Bach, o Pai da Sagrada Trindade (Bach, Beethoven, Brahms), gênio absoluto da música, cultuado no mundo, mais que merecidamente, como um deus pelos amantes da música, da arte.  Mas nem sempre foi assim. É o que nos demonstra, por exemplo, o seguinte fato ocorrido com o compositor alemão há quase 300 anos. Confiram:


Em 1721, Bach dedicou a Christian Ludwig, margrave de Brandenburg-Schwedt, uma espécie de prefeito da época na Alemanha, os seus 6 Concertos de Brandenburgo, uma das obras musicais mais geniais e sublimes já compostas. O próprio margrave havia encomendado as obras. Porém, o senhor Christian Ludwig não deu muita importância para os concertos. Possuía uma orquestra de má qualidade para as exigências de interpretação das obras e não se dignou a melhorá-la para que as obras pudessem ser executadas. Resultado: os concertos de Brandenburgo não foram executados na época. Ficaram lá, jogados. Certamente, o margrave deveria estar muito ocupado com seus afazeres de político. E Bach, quem era Bach? 


Na época, Bach não era reconhecido como o gênio musical que é hoje. Vivia de forma muito modesta, compunha copiosamente e dava aulas para sustentar sua numerosa família. Não enriqueceu com sua arte. Muitas de suas obras nunca foram executadas durante sua vida, várias se perderam. Bach era visto como um grande organista e cravista, mas não como um grande compositor. Julgavam-no como um compositor menor. Não entendiam seu gênio. Consideravam sua obra demasiado hermética, difícil, sombria, e até retrógrada. De modo que o pouco caso do senhor margrave, um ilustre político, não foi algo surpreendente.

Mas vejam só que ironia do destino...  Quem hoje conhece o senhor Christian Ludwig? Na época, ele ignorou Bach. Hoje, o senhor margrave (ou prefeito, ou político, como queiram), só não é completamente ignorado porque é lembrado como aquele para quem Bach dedicou os Concertos de Brandenburgo... E o medíocre político nem se dignou a executá-los. Mas o político passou. Já quanto a Bach...

19 março 2017

Carne Fraca, Lucro Fácil, Vida Frágil

A denúncia da operação policial "Carne Fraca" gerou uma onda de indignação no país. Assim como as fraudes do leite, anos atrás. Isso tudo é uma ponta do iceberg. Crimes como esses, cometidos, em maior ou menor grau, contra a saúde dos brasileiros, são muito  mais comuns do que imaginamos, seja em grandes, em médias e até em pequenas empresas. E não só com alimentos de origem animal, mas com praticamente todos eles. Basta analisarmos a trágica questão dos agrotóxicos e dos transgênicos. 

Em grande parte dos casos, nem ficamos sabendo. Seja porque nem a polícia descobriu, seja porque houve algum tipo de corrupção envolvida que encobriu o caso, seja porque a mídia, muitas vezes de rabo preso com empresários cafajestes, mal divulgou. Eu mesmo soube de um caso em que um frigorífico de uma cidade gaúcha armazenava carne em um estado de conservação impróprio para o consumo humano, e a carne era distribuída de alguma forma. Não vi a mídia divulgando o ocorrido.
Além do mais, todos sabemos o quanto os partidos políticos e seus membros estão ligados, presos, à todas essas empresas que financiam suas campanhas. Muitas vezes, os políticos SÃO os próprios empresários cafajestes. 

Alguns falam em um complô internacional para destruir a indústria brasileira da carne. É possível. Mas todos nós sabemos que quando se trata de lucro fácil, mesmo que seja um lucro sujo, criminoso, mesmo que esse lucro prejudique diretamente milhões de consumidores, grande parte dos empresários, grandes, médios e até pequenos, e não falo só dos brasileiros, não está nem um pouco preocupada em abrir mão dos escrúpulos para lucrar. Essa é a tônica do capitalismo. 

É claro que o lucro é necessário, ninguém vai trabalhar e vender o seu produto pelo preço de custo. Mas, para uma enorme parcela do empresariado, não é suficiente lucrar para se ter uma vida satisfatória, a visão é que se deve lucrar o máximo possível, mesmo que isso signifique destruir pessoas e a vida no planeta. Quanto mais lucros, tanto
melhor, nunca há um limite, nunca se lucra o suficiente. É a doença do capital. E não venham com esse papo furado de que sou comunista, e toda essa baboseira sem argumentos. Não sou, nunca fui e nunca serei comunista, considero tanto comunismo como capitalismo como sistemas falidos. Mas o capitalismo é ainda mais daninho à vida e ao planeta.  Seja como for, a dura verdade é que A HUMANIDADE ESTÁ FALIDA, e seu colapso é uma questão de tempo.


Aproveito para republicar o poema que escrevi em 2015, quando do desastre ambiental em Mariana, MG, causado pela empresa Samarco. No poema, "lucro" deve ser entendido como algo metafórico, é claro que não me refiro ao lucro normal e necessário de qualquer empresa, mas quando ele se torna a aberração que vem sendo decisiva na destruição do planeta e da humanidade.

Enquanto houver Lucro
enquanto houver lucro 
não haverá vida
nem de quem perde
nem de quem lucra

enquanto houver lucro
só haverá o suco
do que é vivo sugado
enquanto houver lucro
não haverá o justo:
só seres e homens
esmagados

enquanto houver lucro
não haverá paz
enquanto houver lucro
só haverá pás a cavar covas
só haverá a sede
insaciável
de quem quer mais
só haverá a sede
insaciada
de quem
não pode
e não tem nada

enquanto houver lucro
o homem será invólucro
de um monstro
o homem será a máscara
de um mundo de faca
à máquina
e soco

e é assim:
enquanto houver lucro
haverá o fim

17 março 2017

O Politicusco (Poemito em Homenagem à Reforma da Previdência)

descobri uma nova subespécie de humano
ou sub-humano:
o politicusco
nome científico: homo caniens puxassaquos

trata-se de uma variação involutiva
que na adaptação à sobrevivência
preferiu a subserviência:
nunca enfrentam cara a cara
e aceitam ser os pau-mandados da homilha

os politicuscos
adotaram determinados comportamentos
do canis familiaris
ou seja
do cachorro
cusco
jaguara
cadela
guaipeca
que consistem
em baixar a cabeça
aos que lhe mostram moedinhas que quicam
andar com o rabo entre as pernas
balançar o rabinho
por exemplo
diante de governadores
e deitar de perninhas pra cima
diante de presidentes
e quando seus donos chamam
correm atrás
como poodles de madame

os politicuscos
só mordem os cuscos já pesteados
rengos capengas
mas quando o cusco é dos grandes
o politicusco levanta o rabo
para ser coxeado

15 março 2017

Homenagem ao Mestre

a esperança
(que tem por princípio
bater na cara a porta)
e o fracasso
que nos debocha a cada passo
que importa?

que importa
o que se chama sonho
este irmão de sangue
do horror e do medonho?

que importa
isso de vida e isso de morte?
aquilo vitória  aquilo derrota?
se isso de vitória sucesso
talvez seja só acaso destino boa sorte?

o nada que não veio
a ausência que não tive
o inútil que não pude?
que importa?

que importa afinal
que eu não possa esperar
os meus desígnios os meus ditames?

não tem importância...
o que importa
é que existe Brahms.

12 março 2017

Ordem e Progresso

I - querem que eu viva em ordem.
a ordem é o quê? 
é para quê?
é para quem?
quem ordena a ordem?
quem determina a ordem como sendo ordem?
viver em ordem é viver como?
o que está em ordem e o que não está?
com o que se diz ser ordem
quem sai beneficiado
e quem sai em prejuízo?


I – querem que eu progrida.
que eu progrida ou que eu produza?
não vejo onde o progresso
não seja visto como produção:
mas produzir o quê?
para quê? para quem?
com qual objetivo
querem que eu produza?
quem ganharia com o que eu produzisse?
quem perderia com o que eu produzisse?
qual preço se paga pelo que se produz?
quem é que paga o preço do progresso?
Ordem e Progresso para quem?

10 março 2017

existimos mas não somos

I – o homem transformou a vida
numa corrida
em que nunca chega a nada
e nada nunca chega:
enquanto ainda corre a uma chegada
chega a hora da partida

II – pensando só em notas
o homem deixou de notar as almas:
só se passa pelos seres
só se cruza nos lugares
e não se nota alma alguma
e assim se passa  a todo da vida
e não se leva nota nenhuma

III – o caminho da existência
corrido
percorrido
concorrido
não-vivido:
corremos mas não fomos
existimos mas não somos

08 março 2017

Esquecimento

os humanos deixaram-se
tanto se esqueceram
que já nem se sabe o que foi esquecido
nem se sabe  o que já nem foi
aquilo que houvera sido
de tanto que  não foram
que já agora nem são
tanto não são
que acabaram por não ir

fizeram tantas coisas
que nem chegaram a existir
formaram tantas cidades
onde nem se viu viverem

ao bem pouco que foi feito
deu-se o nome de Arte
que é o que seria
se o humano chegasse a sê-lo:
o homem não-sendo
ainda foi à arte
para voltar ao ser
que se deixou
entre o cair
e o des-ser

06 março 2017

Morte da Palavra

não há palavras a serem ditas
não porque não há o que ser dito
(há tanto que é melhor calar)
é que não há
o que ser entendido
no sentido
de que não se entende
o signo

a palavra
que é o que diz
deixa de dizer
quando mesmo dizendo
o que se diz não é captado:
há comunicante
mas não há comunicado

em outras palavras
a palavra se perde
e com ela a verdade:
a cada palavra que some
morre um pouco de fim e de fome
a humanidade

03 março 2017

Os Homens com suas Merdas

os homens
com suas moedas
se acham vastos
mas não passam de vasos

os homens
com suas metas
se acham vultos
mas não passam de vulgos

os homens
com suas armas
se acham forças
mas não passam de farsas

os homens
com suas regras
se acham retos
mas não passam de ratos

os homens
com suas naves
se acham fogos
mas não passam de fátuos

estes homens
que se acham mundo
mas são apenas fato

01 março 2017

Verdade Nenhuma

dizem:
“as pessoas devem conhecer a verdade”.
mas deveriam dizer:
“as pessoas devem conhecer
aquilo que EU ACHO que é a verdade”.
ou ainda:
“as pessoas devem conhecer
aquilo que EU QUERO que seja a verdade”.

é interessante
como as pessoas admitem
que não sabem tudo
mas estão certas de que sabem a verdade

todos têm a verdade
como sua área de conhecimento
todos estão certos de que estão certos
e de que têm toda a razão mesmo tendo-a
ou não

mas e se a verdade for o oposto
do que é para ti ou para mim
o que garante a nossa garantia?

se em tudo há lados
quem  garante que nosso lado é o certo?
e quem disse que há um lado certo?
era o lado da verdade?
teus caminhos te levaram à verdade?
tuas preferências preferiram a verdade?
teus gostos gostaram da verdade?
teus aprendizados aprenderam a verdade?

e todos os outros
que fizeram o oposto
não têm verdade alguma?

talvez a Verdade
seja um todo disperso
que está ao mesmo tempo em tudo
mas nós, as partes desse tudo,
não sabemos de verdade nenhuma

27 fevereiro 2017

Ao Fim do Pampa

quero-quero vasto que me olha denso,
o que é que alarma no teu sino antigo?

pampa que crepúsculas, 
não te sones antes que eu me vide...

folha de angico que te nervas sopro,
o que é que julga na tua chama acesa?

pampa que te noites,
não te lues antes que eu me ocase...

sanga que adaga em todo um céu de chumbo,
o que é que marcha no teu grito frio?

pampa que te sangues,
não te doenças antes que eu me febre...

coxilha em cosmo que me fúria um sonho,
em quais sentenças é que te levantas?

pampa que te fins,
não te mortes antes que eu desperte...

25 fevereiro 2017

Ah! O Progresso!

ah o progresso...
“há quem passe pelo bosque
e só veja lenha para a fogueira” (Tolstoi)
ah o progresso...
há quem sente na grama da mata
e só veja escavações para minérios
ah o progresso...
há quem observe uma cascata
e só veja inundações para hidrelétricas
ah o progresso...
há quem fite o olhar do tigre
e só veja um inimigo a ser massacrado
e substituído o mistério que vem da vida
pelo lucro que vem da máquina
ah o progresso...
há quem olhe para o céu
e só veja seca ou chuva
para a lavoura de soja
ah o progresso...
explorar planeta e humanidade
para encher os cofres de um punhado
dos homens que fazem
dos homens de bem

amém

23 fevereiro 2017

A Seleção de Emprego ideal para os novos tempos brasileros

Já pensou em como pode ser a sua seleção de emprego em breve? O cômico vídeo abaixo não é brasileiro, mas se aplica perfeitamente para a época que passamos, para os tempos pós-impeachment e suas medidas CONTRA TODOS os direitos trabalhistas e sociais que estão sendo implementadas pelos governos federal, estaduais e, muitas vezes, municipais que vieram com a reação direitista (e completamente imbecil) de grande parte do povo brasileiro. O que, aliás, e como indica o vídeo, é um fenômeno de nível internacional, não se restringe ao Brasil. As taxas crescentes e absurdas de desigualdade social estão aí para provar. 






21 fevereiro 2017

da Vida Moderna

I - a lei quer que você faça
uma posição de 
Sentido!
quando merda nenhuma mais
faz sentido

II – a vida moderna perdeu tanto o sentido
que isso nem foi sentido

III – ainda há para a humanidade
um sentido a pegar:
o sentido contrário

IV – miserável, tento encontrar meu sentido:
todos os meus sentidos
sentidos na arte

19 fevereiro 2017

Dia de Ira (ao Réquiem de Mozart)

Dies irae, dies illa
solvet saeclum in favilla…

I - carta enviada ao destino
sem selo
vida vazada de humano
sem sê-lo

II - algo estrago de raio e fogo
se gatilha no olho e no logo
relâmpago do tigre

III - homem com sede de fome
que há muito perdeu sua sede
e seu nome

IV - algo sangue no oculto do sol
se vermelha entre buracos de estrelas
sendo aves de outros planetas
ou graves de surdos sonetos

V - corvoos por todos os réquiens
carvões por todos os prados
cor vãs por todos os pratos
rãs-águas por todos os restos...

se réquiam os destinos
por cartas marcadas
com o número 626
de Mozart

17 fevereiro 2017

Dia Mundial do Gato

Dia 17 de fevereiro é o Dia Mundial do Gato. Eu, amante desses animais superiores, não posso deixar de homenageá-los. Por isso, republico o poema abaixo e o dedico a minhas gatas de estimação (minhas e da Patrícia) Sophie (foto) e Gaia:

A um Amigo

gato quieto
sentado no meio do pátio
como se fosse no meio do cosmos

tu
que sentes tudo
sem perderes o gelo
eu sei que tu sabes
sem me dizer palavra:
olha por mim
como se eu te orasse
ora por mim
como se eu te houvesse

gato
tu és todo sentido
e indiferença
vês o sentido do todo
e o todo sem-sentido
da humanidade em sentença

no teu passo felino
há à presa perigo
porque nele há silêncio
e a quem te agride de pedra
tu respondes mistério

gato meu amigo
exemplo de homem
a ser seguido


14 fevereiro 2017

Humanidade... Vai Dormir!

vai dormir!
queres seguir acordada
no final desse teu dia
que (viste?) não deu em nada?
queres caminhar ainda?
mas caminhar para onde?
e caminhar para quê?
se já caminhas em círculos
e tuas estradas voltam 
sempre a este mesmo lugar?
pensas ainda avançar?

que sentido que encontraste
em tudo que (não) fizeste? 
realizaste o que sonhavas?
te orgulhas do que deixaste?
chegaste a teus ideais?
engrandeceste o que é vida?
encontraste a gran resposta?

seja o que for do que fores
vem agora o gran finale,
que não há passo a ser dado
que em si já não tenha sido
nem há nada a  ser dito
nem um feito a ser erguido
nem um algo acreditado:
só resta um vasto cansaço
só resta a casa vazia...

Humanidade...vai dormir
que amanhã é outro dia...

11 fevereiro 2017

Felicidade não se busca

felicidade não se busca
porque não pode ser buscado
um ponto que não está em um ponto
a ser alcançado

quem alcança o ponto almejado
logo vê o outro ponto mais adiante
e naquele ponto visto e não-chegado
mora a felicidade imaginada
e delirante

quem feliz se julga
é só um largo gole de vinho que traga
segura uma vela de chama fugaz
que a primeira ventania 
(e todo mundo sabe)
apaga

a felicidade
é como para o colecionador
o ato de encontrar
um raro selo:
só dura o momento do ato

só pode ser feliz
quem sabe que não pode sê-lo
de fato

09 fevereiro 2017

Dedicatória à Noite

entre o haver da noite
o que há por trás dos entes
do ventre da mata
que a manhã
desentranha e mata?

é isso talvez que me alta:
ver que o que há
(sendo ou não comigo)
vai em frente
numa cósmica noite
mais longa mais funda mais vasta

há o sempre haver da noite
e os seres que no atrás da mata
não existem entre os que não entreveem

trago no meu ser
como quem traga
grandes goles de álcool-éter
essa desestranhada estrada
que assim como eu:
é culpada!
em sempre haver a Noite...