30 abril 2018

Não Fazer Nada da Vida

quando eles te perguntam:
"O que você faz da vida?"
eles não querem saber o que tu fazes da vida 
eles nem sabem de que vida falam 
e nem o que é vida
eles só querem saber no que tu trabalhas
e nem tanto pelo trabalho em si 
mas por quanto de dinheiro tu ganhas
e por qual a importância que tu tens 
e não tanto pela importância em si
mas pelo importância que te acham como tendo 

quando eles te perguntam: 
"O que você faz da vida?"
tu poderias (por que não?) responder: 
eu leio romances
eu escuto música 
eu falo com animais 
eu caminho pelos campos 
eu toco violão 
eu cuido do quintal 
eu escrevo poemas
eu assisto a filmes 
eu descubro sobre coisas
eu converso com amigos
eu procuro mistérios 
eu viajo
eu sonho
eu amo
(...)

se tu responderes assim
eles dirão que tu és um vagabundo 
e que não fazes nada da vida

mas são eles que não fazem nada da vida.

28 abril 2018

Tarde

sou eu que tardo no que sinto
ou é o campo que se nubla com meu sangue
seco e indistinto?  
noite que te atrás
o que é que tu me trazes?
e que olho de horizonte
me olha desde o ontem
entre o que vento
e o que silêncio do monte?

sendo humano não posso nada:
só as aves é que auroram dias
só as árvores é que longinquam estradas 

sou o que vejo
quando me sinto no que som

e o que não sou
está sendo no que fiz
e o que não fiz
estava feito no que sou

26 abril 2018

Final da Reta

I- ser poeta é estar enchendo a cara 
no final da reta
ter chegado antes 
e contemplar já bêbado 
a chegada acabada e cágada 
aos trancos e aos rastejos 
do que resta dos humanos sãos 
com seus saudáveis e vãos desejos 

II- o verso é o outro caminho do paralelo ao fracasso 
onde sopra uma vida de vento e uma alma de aço 

III- ser poeta é um ato infame e vil: 
é perceber indiferente e indignado 
olhando nos olhos de cada um e de mim 
o quanto há de humano 
e o quanto há de imbecil

24 abril 2018

Sem Conserto

de que adiantam
teus coros a quatro vozes
(ou teus choros enquanto morres)
emudecidos pelo vento
(ou endurecidos de cimento)
já tantas vezes
(já tantas fezes)
ou os teus acordes
com cordas
pelos cortes
do pescoço?

concordas?

as notas do teu piano
(de que caem teclas ano a ano)
o Tempo
nem mais nota

à tua partitura
já não cabe nenhum inserto

Humanidade
(já ouço uma flauta 
na tempestade):
tu não tens conCerto

22 abril 2018

Sete Poemetos para os Nossos Dias

1. Da Verdade: 
pra quê?
ninguém vai acreditar em você

2.Das Ciências: 
até serve para um oi:
mais que isso
até iria
mas não foi

3. Do Amor:
você nem imagina:
nem aqui
nem na china

4. Da Esperança:
deixamos de ser criança

5. Da Fé:
essa que se vê
estimula menos
que um gole de café

6. Do Sentimento:
esse que aí está
um saco vazio de cimento
esmagado com pá

7. Do Coração:
com o das galinhas
se faz um sopão

20 abril 2018

A Verdade está nos Detalhes

I - do fim da civilização:
a força da humanidade...
mas veio um furacão de Shostakovich
e arrancou o cedilha:
a forca da humanidade.

II – da hipocrisia religiosa:
o culto de Deus.
oculto de Deus.

III – da importância da crase e da vírgula: 
à humanidade, está morta a poesia, agora é o caos
a humanidade está morta, a poesia, agora, é o caos.

15 abril 2018

Maldita Poesia

I - a poesia (pelos olhos) 
é pouco lida
porque exige (pela alma)
muita lida 

II - em termos de poesia 
as pessoas só se interessam 
pelos seus eventos
já eu, ao termo da poesia 
só me interesso 
pelos seus ao ventos 

III - perguntam- me a diferença 
entre poema e poesia:
poema é a poesia escrita 
poesia é a vida vivida 
ou maldita 

11 abril 2018

Indecência

ser feliz... como alguém pode ser feliz?
ou julgar-se ser feliz
(que em tudo é mais fácil julgar-se do que ser)
enquanto crianças e suas inocências
agonizam de miséria e nada?
enquanto animais e suas inocências
se extinguem em crueldade e dor?

somente quem não sente
(que sentir é perceber
que sentir é captar)
não vê também sua culpa
ao passar arrogante e satisfeito
pela família que no lixo
disputa os nojos e os podres
com as moscas e as baratas

somente quem não sente
(que raros sabem sentir)
não se dá conta do horror
que é sorrir pelas estradas
enquanto passamos rápidos absortos
pelos animais atropelados
estrebuchados (des)encarneados
com a sagrada intimidade de suas vísceras
de sua carne de seu sangue
exposta
à indecência da alegria humana

09 abril 2018

Há Arte na Ruína

há alma na ruína 
algo de belo 
no que se acaba 
algo de denso 
no que se perde 

há alto na ruína 
algo de vasto 
no que se sangra 
algo de imenso 
no que se resta 

há astros na ruína 
algo de luz 
no que agoniza
algo de fundo 
no que se finda 

há asas na ruína 
algo de pássaro 
na despedida
algo de música 
no que se morre 

minha alma é ruína.

(Na imagem, "O Inverno", de Caspar David Friedrich)

07 abril 2018

O Próximo Presidente da Grande Nação Brasileira

Irei direto ao ponto. O próximo presidente da "Grande Nação Brasileira" será alguém do PSDB ou do PMDB, ou de qualquer partido com a mesma (ou quase a mesma) orientação ideológica, ou de alguma coligação de que façam parte. 

Será o governo mais lógico, o mais adequado ao momento de reação da direita (ou do que se diz "direita", ou do que se comporta como), será um governo que realmente representa o pensamento do brasileiro (eu disse o pensamento, não as necessidades do brasileiro, porque o brasileiro em geral desconhece suas próprias necessidades). 

Teremos, em breve, um novo governo plutocrático, ou seja, um governo de ricos e para os ricos, para as grandes empresas, para os latifundiários, para as grandes corporações, para o lucro a qualquer custo. O próximo governo será a continuação e o aprofundamento da política de Temer, que já tem o apoio da grande maioria do Congresso e dos seus partidos (inclusive, sim, o apoio do BOLSÓPAPO em quase todos seus projetos e pretensões). 

Nos próximos anos, veremos o prosseguimento lento e insidioso da  aniquilação dos serviços públicos e das políticas sociais, a progressão da miséria e da violência, a redução dos direitos e das garantias individuais, o aprofundamento da opressão e a destruição sem limites do meio ambiente.

Ah, e, claro, eu espero estar errado.

05 abril 2018

Não é necessário haver Liberdade

não é necessário haver liberdade em se vestir
quando todos usam o mesmo uniforme
não é necessário haver liberdade de gostos
quando todos são convencidos a gostar das mesmas coisas
não é necessário haver liberdade de crença
quando todos acreditam no que dizem ser certo
não é necessário haver liberdade de escolhas

quando as escolhas vêm dentro de um pacote já pronto
não é necessário haver liberdade de pensamento
quando as pessoas jamais param para pensar no que for
não é necessário haver liberdade na vida
quando a vida se torna só um ato mecânico
não é necessário haver liberdade de ser a si mesmo
quando todos são todos iguais



03 abril 2018

Não gosto de Praia

não gosto de praia.
porque tem gente nela.
prefiro o oculto da sanga
entre o perdido do mato
aqueles capões brabos
peraus de cobras
e mosquitos da febre amarela

e estou falando sério:
meu gosto é de antigo
ainda me garoo no mistério:
sou daqueles que não.
me sinto bem entre gritos de sapo
e berros de gavião.

não gosto de praia?
não gosto da ideia por trás dela.
se ainda fosse aquelas praias de tormentas
daqueles mares de Turner:
há menos verdade no que se diz vida
do que naquela tela.


01 abril 2018

Lembrança Breve

para quê serve um poeta?
um poeta não serve pra nada
e não serve a ninguém.
poeta é ser-se
não ser-vos