"Tu escreves muito bem, mas o que fazes além de escrever, qual a tua contribuição para a sociedade?" Essa pergunta é comumente feita a quem escreve. Principalmente se quem escreve não vive de escrever, ou seja, não é remunerado por isso. A mim, já a fizeram tantas vezes, quase sempre com um tom de crítica e/ou de reprovação, que decidi por escrever este texto.
A pergunta acima pode ser entendida em dois aspectos. No primeiro, entende-se que, para o interlocutor, escrever não é e não pode ser uma profissão e/ou um trabalho. Talvez realmente não seja. Como escreveu Thomas Mann, um dos gênios da literatura alemã: "Literatura não é profissão; é maldição."
No segundo aspecto, depreende-se um entendimento que revela uma total ignorância do que é escrever, seu significado, sua importância. Quem faz esse tipo de pergunta tem em mente que escrever não leva a nada, somente a "ação" é que leva. Ou seja, toda e qualquer escrita seria inútil, ou então o escritor teria que escrever e logo em seguida praticar alguma "boa ação" na rua para seu texto ser válido. Porque não haveria valor no ato de escrever em si. O que aqueles que assim pensam não levam em conta, por ignorância ou por maldade, geralmente os dois, é que não existe ação sem pensamento refletido. Ninguém pode agir no mundo, ou na sua própria vida, com o intuito, é claro, de melhorá-los, sem ter pensado sobre isso. Se o faz sem ter em conta uma ideia, um pensamento, uma reflexão, não chegará a lugar algum. E o que é a escrita, seja em forma de prosa ou de poesia, senão, quando bem feita, uma grande e profunda reflexão e uma geração de ideias, de pensamentos e de impulsos psíquicos para se fazer qualquer coisa?
Quem realiza uma ação, precisa de um impulso psíquico para isso, seja no campo mental ou no emocional. As artes, seja literatura, seja música, seja pintura, enfim, criam esse impulso a que me refiro. Ele age no campos das ideias e da sensibilidade, e só então, mais tarde, é que se materializará em uma ação. E a literatura, por combinar muito bem processos mentais com emocionais, acaba sendo um dos maiores poderes de geração de ideias.
De modo que são os escritores que geram as ações. Essa é a contribuição deles. São ideias que mudam o mundo, que revolucionam, que criam. Enfim, são ideias que fazem as coisas; ações são meras consequências. Como já escrevi, "a palavra vale mais do que o ato". Claro que as ideias precisam ser efetivadas em ações. Mas há os que agem e há os que geram ideias. A função do escritor é a segunda.
Tarefa ingrata, afinal, a de escrever. Mais ainda no Brasil. Como disse Mann: é maldição.
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