31 julho 2012

E ele veio enquanto todos dormiam...

Veio no meio da noite, enquanto todos dormiam. A família, moradora da casa, havia realizado um jantar com os amigos. Fora muito divertido. Aliás, há muito não se divertiam tanto. Ao final, estavam todos bêbados. E assim foram dormir. Alegres e satisfeitos. E no meio da noite ele veio.

            Devia ser por volta das três e meia da madrugada. Quem iria esperar que ele fosse vir justamente naquela noite? Em qualquer noite ele seria inesperado, é claro, ou melhor, seria absolutamente inimaginável que ele viesse em qualquer noite ou em qualquer dia, porém, o fato de ele ter vindo justamente naquela noite foi uma absurda surpresa muito além do terrível.

Porém, seja como for, a verdade é que ele veio. Veio enquanto todos dormiam. Cinco pessoas viviam na casa. O marido, gerente de uma grande empresa, dormia num quarto bastante aconchegante com sua esposa, vereadora. Havia ainda mais três quartos. Cada um ocupado por um filho. O mais velho trabalhava na empresa com seu pai. A filha do meio cursava direito em uma universidade pública. O filho mais moço, ainda adolescente, não participara da janta, pois passara todo tempo no quarto com a bela namorada. Olhavam filmes. Por volta da 1h da madrugada, ele fora a levar para sua casa. E voltara para dormir. Mesmo sendo sábado, o moço teria aula pela manhã, cursava a série final do Ensino Médio.

            E ele veio enquanto todos dormiam. Ele veio enquanto todos sonhavam. Sonhavam com os seus dias seguintes. Com seus planos. Com o que fariam na próxima semana, no próximo mês, no próximo ano. E nunca a vida da família esteve tão próspera, tranquila e promissora. Não obstante, ele veio naquela noite, enquanto ninguém esperava.

            Não que não fossem alertados por outros, conhecidos da família. Foram. Porém, não deram atenção, muito embora tivessem dito que iriam procurar saber mais sobre o assunto.  E foi que, mesmo não sendo esperado em absoluto, ele veio. Assim, de uma hora para outra, sem avisar, obviamente. Então ele veio, enquanto estavam todos desatentos.

            Não poderia haver uma noite mais serena, mais plácida. As estrelas cintilavam apaziguadoras no céu de verão. A família havia dado uma festa. Todos estavam muito bem, apesar da embriaguez. Muito embora os problemas, comuns a toda e qualquer família, eles não chegavam a ser afetados pelos dissabores da vida, não permitiam que os afetassem. “A vida é bela”, diziam, “devemos vivê-la e sermos felizes”. Tal pensamento era como se fosse um lema daquela família.

            Não obstante, ele veio naquela noite mesmo, enquanto todos se riam.

Rapidamente, sobre Beethoven

‎"Seu caráter íntegro e independente suscita contra ele uma hostilidade cega, a estranheza de sua obra, que não pode ser tratada com desprezo, faz com nasça uma mistura de ódio, incompreensão e obscuras invejas." 

Bernard Fauconnier escrevendo sobre BEETHOVEN, em sua biografia sobre o Gênio de Bonn.

29 julho 2012

O artista deve ir aonde o povo está?

por quê?
qual artista?
o que seria um artista?
o que (ou quem) seria o povo?
e onde é que o povo está?
e o que o artista irá fazer
onde o povo está?

como um artista fará
para ir até o povo?
fará o que o povo gosta?
e do que é que o povo gosta?
e para fazer aquilo
de que o povo gosta
o artista será ele mesmo
ou terá que ser
o que o povo quer que ele seja?
e aquilo que o povo
quer que o artista seja
condiz com a consciência
e com a verdade?

quais são os artistas
que vão até o povo?
que tipo de artista
será aquele que foi até o povo?
o artista irá até o povo
dizer o quê?
que povo ouvirá o artista?
e o povo
o que tem a dizer ao artista?

por que é o artista
que deve ir até o povo?
e não o povo
que deve ir até o artista?

o povo é o que é o geral?
o povo é o que é o comum?
então o artista
para ir até o povo
deve fazer uma arte comum?
o artista deve ir ao nível do povo?
qual é o nível do povo?
o artista subirá ou descerá
para ir ao nível do povo?

o artista
(se artista)
nunca deve ir aonde o povo está
porque o onde o povo está
é um lugar muito atrás
daquilo
que um dia será

27 julho 2012

A Máfia é uma Reação Contra os Governos

Hoje em dia é comum chamar-se qualquer organização criminosa ou até mesmo conluios de corruptos no governo de "máfia" ou "mafiosos". No entanto, a Máfia, no seu sentido original, refere-se apenas a uma organização ideológica e criminosa surgida no sul da Itália ainda durante a Idade Média e que foi crescendo com o passar dos anos e obtendo o seu objetivo primordial: a formação de uma instituição que tivesse as suas próprias leis e regras substituindo e desafiando as instituições do Estado e dos governos. O termo "Máfia" tem sua origem na palavra árabe "mafiusu" e pode significar desde "renegado" até "audacioso, corajoso, "aquele que não se submete".

Os italianos do sul sempre foram discriminados na Itália, por serem mais pobres e terem contato com os árabes. Os governos do norte exploravam os sulistas, com altas taxas de impostos e sem o devido retorno social. Abandonados, oprimidos e sem condições de tomar o poder, os sulistas italianos resolveram formar uma organização parcialmente secreta que através do fortalecimento de suas células familiares, da ameaça e da violência calculada pudesse proteger-se e combater os desmandos do governo central.

Portanto, a Máfia  desenvolveu-se como uma oposição aos governos e suas instituições, e suas regras, e suas leis. Não no sentido político, não com o intuito de tomar o governo, mas para ter o seu próprio governo, não obedecendo às determinações legais e institucionais. A Máfia procurou existir de uma maneira semi-oculta, infiltrando-se nas instituições do Estado para manter e ampliar seu poder e obter informações vitais para sua sobrevivência. Para tanto, a Máfia necessitou estabelecer um código de conduta rigoroso e inflexível, cuja transgressão era severamente punida. É  interessante notar que as leis da Máfia sempre foram mais respeitadas pelos seus membros do que as leis do Estado pelos cidadãos. Por que? Porque a punição da Máfia não falhava e a do Estado sim? Também por isso, certamente, mas há outros motivos.

A Máfia italiana (única e verdadeira Máfia, as demais são cópias degeneradas sem a mesma origem e comprometimento ideológico) baseou suas leis e regras nos princípios de união e respeito familiares. A família era o mais importante. O sangue, a honra e a dignidade dos familiares deveriam estar acima de tudo. Qualquer ofensa a isso deveria ser punido. Ninguém, fosse quem fosse, fosse do governo ou da justiça do Estado, tinha o direito de tocar em qualquer membro da família. Tal comportamento, que acarretava uma sensação de segurança pessoal absoluta (coisa que o Estado não oportunizava, e não o faz ainda hoje) permitiu e ensejou uma união entre os membros que muito raramente era quebrada. E, quando o era, a punição sempre vinha, terrível. E para manter a união das familias sempre impenetrável pelos órgãos do governo e das polícias, a Omertá, ou Código de Silêncio, foi estabelecido, sendo a sua violação punida com a morte. Tais características estavam presentes nas três principais máfias italianas: na Camorra, napolitana, na N'dranghetta, calabresa e, principalmente, na Cosa Nostra, siciliana. Para que as Máfias pudessem existir e se sustentar contra o combate dos governos, as práticas criminosas praticadas por elas foram se diversificando, principalmente quando de seu surgimento nos EUA.

A Máfia ítalo-americana, quando de seu surgimento, estabeleceu-se quase que exatamente igual às Máfias italianas, com os mesmos códigos de conduta, criando um submundo que desafiava o governo americano e só obedecia a si própria.  Aproveitando-se da Lei Seca que grassou nos EUA nos anos 30, as Máfias cresceram assustadoramente com o tráfico de bebidas alcoólicas. Afinal, todos queriam beber, não importava o que dizia a lei. A Cosa Nostra americana tornou-se poderosíssima e sempre fiel às suas origens italianas de honra, dignidade e respeito à família. Tanto que com o surgimento do lucrativo tráfico de drogas, as Máfias italianas recusaram por muito tempo praticá-lo, julgando-o vergonhoso e indigno. Mas, com o passar do tempo e com o crescimento da ganância de seus membros, afinal, encontravam-se no coração do mundo capitalista, a Máfia acabou por também traficar cocaína e heroína. O resultado foi a sua desestruturação com a consequente decadência. A Máfia italiana ainda sobrevive nos EUA, mas bem mal das pernas e já sem a grandeza e sem a honra dos seus áureos dias. Na Itália, a Máfia, também degradada, depois de perder muita força, vem novamente ganhando espaço na Sicília. Não adianta, a Máfia está no sangue dos sicilianos. 

Para finalizar, é bom lembrar-se do seguinte: a Máfia italiana surgiu, deu certo e cresceu de maneira assombrosa, basicamente,  por um motivo muito simples: suas leis eram respeitadas e suas promessas eram cumpridas. Se algum membro ou protegido precisava de algo, era certo que ele o teria. E os governos? Quem é que respeita a sua lei? E o que fazem os governantes quando um cidadão precisa do seu auxílio? 

26 julho 2012

Aquecimento Global: Gelo na Groenlândia derrete 97% em Julho

Parece notícia-catástrofe de ficção científica, mas é a realidade. Pelo menos, é que afirma, estarrecida, a própria NASA. A notícia foi veiculada no jornal Correio do Povo de hoje, na página 14, e pode ser conferida aqui. Segundo a NASA, nos meses de verão do hemisfério norte, o normal é que o degelo seja em torno de 40%. O maior degelo já registrado até 2012 ocorreu há 30 anos, de 55%. Muito inferior aos absurdos 97% constatados este ano. Nem mesmo os cientistas da NASA estavam acreditando na medição, suspeitando que houvesse algum erro. Porém parece que é isso mesmo: 97%. E o que mais espanta foi a velocidade do degelo. O índice foi atingido (de 40 para 97%) em apenas 4 dias! Três satélites observaram o derretimento.

Quero ver qual será a desculpa dada agora pelos que não acreditam no Aquecimento Global.

25 julho 2012

Agora sou frio

fazia frio
fora
e dentro de mim...
isso foi há séculos
agora sou frio.

mas há séculos
passei pela floresta
e na floresta
havia um rio
e no rio uma cachoeira
e ao lado da cachoeira
uma grande pedra
e sobre a pedra
caía eternamente
um fio de água
do lado esquerdo do rio...
isso foi há séculos
agora sou frio.

há dias
fui ver a grande pedra
não passava
de um pequeno cascalho
o fio de água
de cair sobre o seu acima
por séculos e séculos seguidos
a consumiu...
isso foi há dias
agora sou frio.

mas quem ali passou
durante os séculos seguidos
não percebeu
que a pedra morria
sob o fio de água de um pequeno rio...

(lá vai,
um abutre,
a minha esperança alada...)

e assim é com tudo que acaba...

mas isso foi há séculos
agora sou frio.

23 julho 2012

Então, eu pergunto...

o que não está aqui
está em que onde?
qual dos lados dos vários lados
é o lado em que estou?

quando alguém observa
que de fato algo é algo
o que há de fato
no que de algo se observa?

a fragrância do perfume que sinto
é fragrância por que e para quem?

por que que o que é
é tido como sendo
se um outro outro
pode ser em seu lugar?

onde é que
quando que
e como que
ficou claro
que está claro alguma coisa?

onde é que está
de onde que é
o que é
e o é para quem
o sentido que há
naquilo que dizem
que há sentido?

e se eu disser
Vida
o que foi isso que eu disse?

21 julho 2012

da Nobreza da Indiferença

dizer o que se deve dizer
sem deixar que o que é dito
perturbe ao o quem disse

basta-me que eu seja
lago profundo de água fecunda
coberto com espessa
capa de gelo
e que eu me mire
no meu próprio gélido espelho

qual pedra qualquer
causará ondas quaisquer
no inabalável da minha superfície?
o que é que me importa
o ser-não-meu dos outros
ou sua alheia crendice?

porque ao-final
aquilo que eu seja aqui
o que importa àquela estrela?
e o que importa a mim
o fato de eu não sê-la?

20 julho 2012

Apenas uma Sugestão

fosse eu o princípio de um
no alto de outro
ao daquilo que nunca
estivesse comigo o nada que te
uma geada que caia por entre
um sopro que venha do que
um longe distante do tanto
um vasto de gelo que tente
...

o aquilo que sinto
(não sendo o meu ser
o ser que é do outro)
sinto apenas comigo

o melhor do que verso
é o que se busca sozinho
no intervalo
entre o meu eu e o quem me lê...
eu não afirmo
sugiro
a que se busque o caminho...

18 julho 2012

Doutores de Eureka (ou de Arake)

A recente demissão, pela URI de Santiago, da amiga e excelente professora do Curso de Letras Terezinha Bombassaro, tendo-se como argumentos o enxugamento de pessoal e a titulação, reflete dois pontos: um deles muito bem abordou o colega blogueiro Froilam Oliveira, que diz respeito à perseguição e à decadência dos cursos de formação de professores. É assim que o Brasil pretende ingressar no 1º mundo. É como eu sempre digo, e muitos não gostam, mas não me canso em repetir: o Brasil foi e continua sendo uma piada.

O outro ponto relaciona-se com a estúpida e hipócrita valorização demasiada dada à titulação de um professor (e entre outros profissionais), como se isso fosse sinônimo de conhecimento, de se saber ministrar devidamente uma aula, de se possuir a verdadeira sabedoria de que um professor necessita para se tornar um bom mestre. No caso da professora Terezinha Bombassaro, que possuía apenas especialização, sem mestrado ou doutorado, o que se percebia é que ela definitivamente não precisava de um. Até poderia fazer, mas apenas por questão de titulação e para acumular mais algumas informações, porque sabedoria como profissional ela possuía, e muito. Estou certo de que essa é a opinião da maioria absoluta dos alunos de Letras que passaram pela professora. Tinha ela (e tem) não só o conhecimento, mas também sabia (e sabe) transmiti-lo e ensejar no estudante o gosto pela Literatura Brasileira, a sua disciplina. E, acima de tudo, a professora Terezinha é um profissional humano, sabendo equilibrar-se no terreno difícil entre a exigência e a compreensão. Resultado: foi demitida.

Por outro lado, conheci os famosos doutores “bitolados”, presos dentro de uma redoma de cristal opaco, que só percebiam um caminho estreito à sua frente e nada mais. Cegos e surdos para os demais aspectos das coisas que não estivessem de acordo com sua visão pré-fabricada da realidade ou da imaginação. Aliás, muitos desses doutores nem imaginação tinham, uma vez que já a haviam esmagado com o seu estúpido “rigor acadêmico”, que os deixou incapazes de ver e de criar o novo. Mentes-bolo perfeitamente assadas dentro da bela forma do academicismo.

Certa vez, tive uma palestra com uma senhora que era doutora em Literatura Romântica Alemã, com doutorado na Alemanha. Era brasileira. Mas mal sabia falar o Português. E não, ela não tinha vivido a maior parte da vida na Alemanha. Vivera apenas uns cinco anos lá. Não sabia porque simplesmente não conseguia dar uma palestra. Não sabia expressar e desenvolver argumentos. Lia o que deveria ser dito naturalmente em uma exposição. Questionei-lhe sobre um aspecto da obra de Goethe, e a doutora enrolou, enrolou e não disse absolutamente nada sobre a minha pergunta. E como ela, há muitos outros “doutores”. É claro que há os doutores altamente respeitáveis, que não se deixaram enquadrar, que não foram tolidos em sua criatividade e pensamento. Mas são poucos, bem poucos.

Disse certo escritor de que agora não recordo o nome que “Um especialista é alguém que sabe tudo sobre nada”.  Nada mais correto. Tanto se preocuparam em saber sobre algo tão mínimo que, ao invés de se aprofundar, afundaram-se em conceitos mortos e teorias estéreis, em rigorezinhos científicos mecânicos, tornando-se os robozinhos do conhecimento. São aqueles que se alguém lhes disser que fez uma nova descoberta, responderão que a descoberta só será válida se alguém a tiver descoberto antes. “Como assim, uma descoberta nova? Isso não existe, meu filho. Quem és tu pra descobrir algo novo? Uma obra de arte original? Ora, pensas que és um gênio, é?”

Os doutores dessa categoria perderam todo o senso holístico, não possuem a capacidade de perceber e compreender o todo, e prendem-se a seus titulozinhos como se fossem atestados de inteligência, sabedoria e autoridade. E ai de quem os contradizer. O curioso é que uma das diretrizes da educação brasileira é justamente a construção do conhecimento em conjunto com o aluno, sabendo-se ver os conhecimentos que os estudantes possuem como também importantes. O professor não pode se julgar o dono da verdade. Porém, quando estamos em um curso superior, o que se vivencia, em muitos casos, é justamente o inverso: professores doutores autoritários e arrogantes, cuja palavra (limitada, curta, “palavra de forma”) é a lei. E, muitas vezes, sabem menos que o aluno. Mesmo. O que não era o caso da professora Terezinha, muito pelo contrário. Até porque, graças a Deus, ela não tinha doutorado.

Que tipo de gente sairá das universidades com doutores dessa espécie? Pensantes por si próprios, críticos, sensíveis e criativos? Acho que não, hein...

17 julho 2012

Concerto com S

de que adiantam
teus coros a quatro vozes
(ou teus choros de quatro modess)
emudecidos pelo vento
(ou endurecidos de cimento)
já tantas vezes
(já tantas fezes)
ou os teus acordes
com cordas
pelos cortes
do pescoço?
concordas?

as notas do teu piano
(de que caem teclas ano a ano)
o Tempo
nem mais nota

à tua partitura
já não cabe nenhum inserto...

Humanidade
(uma flauta na tempestade):
tu não tens concerto

15 julho 2012

Miséria

sendo música que é sem ter que ser
assim me espero no que nada sou
vejo os campos tão amplos dos profundos
lagos meus que nunca foram benditos
porque ao âmago sempre inútil seco
aqueles verdes vagos passam e levam-me
raio de dita tornado tornado
a olho amigo para o céu que oceana
todos os sorrisos são como pássaros
fêmina passagem em culpa precisa:
tudo é triste abaixo dO que não é
e em quatorze versos não disse nada
não disse porque estou rouco e tampouco...

e tudo é tão feio tão vão tão pouco

(Revisão do poema publicado em 1º de fevereiro de 2011.)

12 julho 2012

Não Sirvo

vós me perguntastes
em algum (de nenhum) tom
entre o fútil e o vago
(como se perguntar
respondesse a algo)
o para quê?
serviria um poeta

respondi
(como se nem estivesse aqui)
que poeta
(se poeta)
não serve pra nada
e não serve a ninguém

poeta
(seja nada ou seja triste)
é o que ainda resiste
em ser-se

a função do poeta
é ser o ser em si
num mundo
onde todos são como todos
e ninguém é ninguém

sou-me
(ainda que um além)...

mas jamais
ser-vos

11 julho 2012

Al Pacino, o Maldito de Hollywood: "Ler salvou-me a vida"

Os amigos que acompanham o blog devem saber que o Al Pacino é meu ator favorito. Já vi todos os seus filmes, vários deles dezenas de vezes. É um ator diferente dos demais em diversos sentidos. Suas atuações são sempre carregadas de uma dose dramática altamente pessoal, intransferível, incomparável. Sua assinatura artística é intensa, forte, como sua personalidade. A sua capacidade única para os discursos e improvisações (proveniente do seu amor pelo teatro e por Shakespeare) é algo capaz de emocionar até mesmo aqueles que não são fãs do ator.

Pacino, nascido em um bairro pobre de Nova Iorque, descendente de italianos, criou-se nas ruas, trabalhando para se sustentar, sendo sempre avesso ao luxo e à ostentação. Manteve e mantém até hoje uma posição contrária aos padrões de Hollywood, o que não permitiu que ganhasse vários Oscars, muito embora merecesse diversos outros além do único que conquistou pela sensacional atuação em Perfume de Mulher. Uma das maiores injustiças de Hollywood de todos os tempos foi não se ter concedido o Oscar de melhor ator para Al Pacino por sua atuação impecável em O  Poderoso Chefão II. "Pacino oferece-nos talvez o maior retrato cinematográfico da história do endurecer de um coração”, conforme o jornalista Larry Grobel. Abaixo, deixo trechos de uma das raras entrevistas concedidas por Al Pacino  (concedida a Larry Grobel) , além de outras considerações não minhas sobre um dos maiores atores de todos os tempos.


(Os textos abaixo foram retirados do site Wand'rin' Stars, de David Furtado. O link pode ser conferido ao final da postagem.)

 “Eu era realmente um ator das ruas, um cigano, sem casa e sem dinheiro. Vivi em espeluncas, albergues e hotéis de segunda. Para mim, qualquer coisa que tivesse água corrente era um paraíso”.   Al Pacino


Garry Marshall sobre Al Pacino:  “É estranho falar de vulnerabilidade e inocência em relação a alguém que interpretou alguns dos maiores assassinos da tela, mas ele é tão puro, honesto e artístico que lembra um pequeno Dom Quixote a caminhar por Hollywood.”

Larry Grobel sobre Al Pacino: “Pareceu-me um homem tímido e cauteloso, enfadado por ser uma estrela. O seu apartamento consistia numa pequena cozinha com aspeto gasto, a cama por fazer, uma casa de banho com a água do autoclismo a verter, e uma sala que parecia o palco de uma produção teatral sem dinheiro para os adereços. Eu conhecia pessoas pobres que viviam mais luxuosamente, por isso, simpatizei logo com aquele homem, cujas necessidades materiais eram obviamente escassas. Por toda a sala, viam-se cópias usadas de peças de Shakespeare e argumentos amontoados. Um homem sincero e dedicado à sua arte. Sempre foi avesso aos jogos de Hollywood e pagou o preço: Só em 1992 ganhou o Oscar que já era seu há mais de 20 anos."


Trechos da entrevista concedida a Larry Grobel: 
Achas que merecias o Oscar por O Poderoso Chefão II?
Acho que deves pôr as ideias em ordem acerca disso de “merecer oscars”. Estás algo equivocado…


Não é o fato de não o receberes que te irrita. Mas sim, o fato de outro o ganhar, é isso?
Quem o ganha, merece-o. Merece-o por quê? Temos de dizer, “se estes atores fossem médicos e eu tivesse de fazer uma operação ao coração, qual escolheria?” Assim, já conversamos.
Estas coisas te preocupam?
Deixa que te diga, honestamente: Não me interessa. Não estou nem aí.
Conheceste figuras verdadeiras da Máfia?
Sim, em privado. Deram-me umas referências.
Para os observares?
Sim, exato.
E eles deixaram?
Sim.
E o que aconteceu?
Nada.
Ainda estão vivos?
Não posso responder.
Tens uma cena favorita, n’O Poderoso Chefão I e II?… um momento de que te orgulhes especialmente?
Tenho um momento no Chefão II. Passa despercebido. Michael e o seu irmão Fredo estão em Cuba, a ver o espetáculo do Superman no clube noturno. Michael percebe que o irmão o traiu. É o meu momento favorito. Mas é sutil. Depois dessa cena fui levado para o hospital.
Por exaustão?
Sim. Filmávamos na República Dominicana. Fiquei fisicamente doente. Trabalhei simplesmente demasiado nesse papel.
O que procuras numa mulher?
Gosto de mulheres que saibam cozinhar (sorriso malicioso). Isso está primeiro. O amor é muito importante, mas é preciso ter uma amiga, antes de tudo. Queremos chegar a um ponto em que possamos dizer, “a mulher que está comigo é também minha amiga”. Isto relaciona-se com confiança. E leva tempo. O amor passa por diferentes fases. Mas perdura. O amor perdura. No entanto, o amor romântico pode ser um grande engano, digo-te. Pode te magoar.
Tiveste problemas com a bebida?
Não gosto de falar sobre isso, é uma coisa que não compreendo muito bem. Demorei um ano a perceber o que estava a fazer a mim mesmo e outro ano a deixar de beber.
Achas que terias conseguido sem a ajuda do Charlie?
Não.
Achas que estarias vivo?
Não sei.
Refletes sobre isso?
Só sei que, se estamos vivos, tudo é enriquecedor.
Nem sempre. Há muitas pessoas deprimidas.
Eu incluído.
O que te deprime?
Não sei. Será que a depressão é a perceção de que temos um bilhete de ida? Estou no carro, olho e vejo todas estas pessoas e penso, elas não querem estar aqui. Por isso, usam drogas ou álcool para fugirem. Tudo para não estarem aqui. E é muito compreensível.
Ainda te vês como uma personagem de Dostoiévski?
Já não. Há uns anos, sim. Agora sou mais uma personagem de Chekov. Cresci com muitos autores diferentes, de Balzac a Shakespeare. Sei que venho das ruas e não tive educação formal, mas li essas coisas e foi com os russos que mais me identifiquei. Ler salvou-me a vida.
Curiosidades sobre Al Pacino:
Chris O’Donnell, com quem Pacino contracenou em Perfume de Mulher, ouvia-o, no camarim ao lado, “dia após dia, horas a fio… a experimentar a mesma frase de 30 maneiras diferentes… era inacreditável. Nunca vi tal coisa”. O ar intimidado da personagem de O’Donnell perante o ‘Coronel Slade’ inspirou-se na intimidação que o jovem ator sentiu ao contracenar com Pacino.
A certa altura, Pacino comprou um luxuoso BMW. “Não me senti nada bem”, confessa. “Estacionei-o em frente a minha casa e pensei, ‘isto não tem nada a ver comigo! Vou devolvê-lo’.” No entanto, quando saiu, tinham-lhe roubado. “Aí está menos um problema…”
Al Pacino aprecia o trabalho de Sean Penn, Johnny Depp e Russell Crowe: “Acho que estes três deviam fazer Os Irmãos Karamazov. “E Tom Cruise?”, pergunta-lhe o entrevistador. “Tom Cruise é uma estrela de cinema, categoria totalmente diferente. Tem um tremendo carisma e também é bom ator.” Curiosamente, Pacino foi escolhido por Oliver Stone para protagonizar Nascido em 4 de Julho, papel posteriormente atribuído a Cruise. Al não aceitou fazer Kramer versus Kramer, que deu o Oscar ao seu arqui-inimigo Dustin Hoffman. “Não achei que pudesse dar muito ao papel. Dustin fez um excelente trabalho e mereceu o prémio.”


Tony Montana, em Scarface (1983) é um dos papéis de que Pacino mais se orgulha. Parece fácil… mas “é obrigação do ator que as coisas pareçam fáceis”. A realização de Brian De Palma, o argumento de Oliver Stone e a interpretação fantástica de Pacino tornaram o filme um clássico, embora tenha sido mal recebido na época. Al Pacino é assustador, no papel de gângster. Na sua opinião, “não nos podemos censurar enquanto atores, porque cortamos o instinto. Parte do modus operandi do ator é trabalhar com o inconsciente. Estamos sujeitos a cometer erros tremendos. Há que observar as crianças, as melhores professoras de arte dramática do mundo”.


Toda a entrevista está aqui.

Insisto: Taxa de Mortalidade da Gripe A é Maior do que a da Gripe Comum

Em 2009, quando ocorreu o surgimento no mundo da gripe A, ou gripe suína,  afirmei aqui no blog que, segundo os dados até então obtidos sobre a doença, a taxa de mortalidade da gripe A era um pouco maior que o da gripe comum. Na ocasião, questionei o jornal Expresso Ilustrado por ter informado em suas páginas que a mortalidade da gripe comum era maior que a da gripe A. Naturalmente, o jornal não aceitou meu questionamento.  

Bem, passaram-se três anos e a gripe A volta a assolar os gaúchos. Agora, com mais tempo para se analisar as ocorrências da doença, parece mesmo que a gripe A possui sim uma taxa de mortalidade maior. Segundo estudos que vêm sendo realizados (clique aqui) a gripe causou e vem causando muito mais mortes do que se pensava. O total de mortos pela gripe A foi elevado em 15 vezes com relação ao que havia se calculado anteriormente. 

Peguemos o exemplo atual do RS. Até o momento, estamos com 145 casos confirmados e 23 mortes. Taxa de mortalidade de altíssimos 15,86%. A taxa de mortalidade da gripe comum é de 1 a 2%. E esse alto índice de mortalidade não é só aqui no RS. Vejamos nos EUA: "Os Estados Unidos, com 300 milhões de habitantes, confirmaram mais de 300 mortes de crianças por causa do vírus H1N1, e dizem que provavelmente o número real foi muito maior. Isso equivale a mais do que o dobro dos números registrados durante a epidemia sazonal de gripe de todos os anos." Isso está aqui.

Os fatos falam por si. O que o Expresso Ilustrado fala agora sobre a taxa de mortalidade da gripe A aqui no RS? Eu não sei, porque não acompanho o jornal.