Os amigos que acompanham o blog devem saber que o Al Pacino é meu ator favorito. Já vi todos os seus filmes, vários deles dezenas de vezes. É um ator diferente dos demais em diversos sentidos. Suas atuações são sempre carregadas de uma dose dramática altamente pessoal, intransferível, incomparável. Sua assinatura artística é intensa, forte, como sua personalidade. A sua capacidade única para os discursos e improvisações (proveniente do seu amor pelo teatro e por Shakespeare) é algo capaz de emocionar até mesmo aqueles que não são fãs do ator.
Pacino, nascido em um bairro pobre de Nova Iorque, descendente de italianos, criou-se nas ruas, trabalhando para se sustentar, sendo sempre avesso ao luxo e à ostentação. Manteve e mantém até hoje uma posição contrária aos padrões de Hollywood, o que não permitiu que ganhasse vários Oscars, muito embora merecesse diversos outros além do único que conquistou pela sensacional atuação em Perfume de Mulher. Uma das maiores injustiças de Hollywood de todos os tempos foi não se ter concedido o Oscar de melhor ator para Al Pacino por sua atuação impecável em O Poderoso Chefão II. "Pacino oferece-nos talvez o maior retrato cinematográfico da história do endurecer de um coração”, conforme o jornalista Larry Grobel. Abaixo, deixo trechos de uma das raras entrevistas concedidas por Al Pacino (concedida a Larry Grobel) , além de outras considerações não minhas sobre um dos maiores atores de todos os tempos.
(Os textos abaixo foram retirados do site Wand'rin' Stars, de David Furtado. O link pode ser conferido ao final da postagem.)
“Eu era realmente um ator das ruas, um cigano, sem casa e sem dinheiro. Vivi em espeluncas, albergues e hotéis de segunda. Para mim, qualquer coisa que tivesse água corrente era um paraíso”. Al Pacino
Garry Marshall sobre Al Pacino: “É estranho falar de vulnerabilidade e inocência em relação a alguém que interpretou alguns dos maiores assassinos da tela, mas ele é tão puro, honesto e artístico que lembra um pequeno Dom Quixote a caminhar por Hollywood.”
Larry Grobel sobre Al Pacino: “Pareceu-me um homem tímido e cauteloso, enfadado por ser uma estrela. O seu apartamento consistia numa pequena cozinha com aspeto gasto, a cama por fazer, uma casa de banho com a água do autoclismo a verter, e uma sala que parecia o palco de uma produção teatral sem dinheiro para os adereços. Eu conhecia pessoas pobres que viviam mais luxuosamente, por isso, simpatizei logo com aquele homem, cujas necessidades materiais eram obviamente escassas. Por toda a sala, viam-se cópias usadas de peças de Shakespeare e argumentos amontoados. Um homem sincero e dedicado à sua arte. Sempre foi avesso aos jogos de Hollywood e pagou o preço: Só em 1992 ganhou o Oscar que já era seu há mais de 20 anos."
Trechos da entrevista concedida a Larry Grobel:
Achas que merecias o Oscar por O Poderoso Chefão II?
Acho que deves pôr as ideias em ordem acerca disso de “merecer oscars”. Estás algo equivocado…
Não é o fato de não o receberes que te irrita. Mas sim, o fato de outro o ganhar, é isso?
Quem o ganha, merece-o. Merece-o por quê? Temos de dizer, “se estes atores fossem médicos e eu tivesse de fazer uma operação ao coração, qual escolheria?” Assim, já conversamos.
Estas coisas te preocupam?
Deixa que te diga, honestamente: Não me interessa. Não estou nem aí.
Conheceste figuras verdadeiras da Máfia?
Sim, em privado. Deram-me umas referências.
Para os observares?
Sim, exato.
E eles deixaram?
Sim.
E o que aconteceu?
Nada.
Ainda estão vivos?
Não posso responder.
Tens uma cena favorita, n’O Poderoso Chefão I e II?… um momento de que te orgulhes especialmente?
Tenho um momento no Chefão II. Passa despercebido. Michael e o seu irmão Fredo estão em Cuba, a ver o espetáculo do Superman no clube noturno. Michael percebe que o irmão o traiu. É o meu momento favorito. Mas é sutil. Depois dessa cena fui levado para o hospital.
Por exaustão?
Sim. Filmávamos na República Dominicana. Fiquei fisicamente doente. Trabalhei simplesmente demasiado nesse papel.
O que procuras numa mulher?
Gosto de mulheres que saibam cozinhar (sorriso malicioso). Isso está primeiro. O amor é muito importante, mas é preciso ter uma amiga, antes de tudo. Queremos chegar a um ponto em que possamos dizer, “a mulher que está comigo é também minha amiga”. Isto relaciona-se com confiança. E leva tempo. O amor passa por diferentes fases. Mas perdura. O amor perdura. No entanto, o amor romântico pode ser um grande engano, digo-te. Pode te magoar.
Tiveste problemas com a bebida?
Não gosto de falar sobre isso, é uma coisa que não compreendo muito bem. Demorei um ano a perceber o que estava a fazer a mim mesmo e outro ano a deixar de beber.
Achas que terias conseguido sem a ajuda do Charlie?
Não.
Achas que estarias vivo?
Não sei.
Refletes sobre isso?
Só sei que, se estamos vivos, tudo é enriquecedor.
Nem sempre. Há muitas pessoas deprimidas.
Eu incluído.
O que te deprime?
Não sei. Será que a depressão é a perceção de que temos um bilhete de ida? Estou no carro, olho e vejo todas estas pessoas e penso, elas não querem estar aqui. Por isso, usam drogas ou álcool para fugirem. Tudo para não estarem aqui. E é muito compreensível.
Ainda te vês como uma personagem de Dostoiévski?
Já não. Há uns anos, sim. Agora sou mais uma personagem de Chekov. Cresci com muitos autores diferentes, de Balzac a Shakespeare. Sei que venho das ruas e não tive educação formal, mas li essas coisas e foi com os russos que mais me identifiquei. Ler salvou-me a vida.
Curiosidades sobre Al Pacino:
Chris O’Donnell, com quem Pacino contracenou em Perfume de Mulher, ouvia-o, no camarim ao lado, “dia após dia, horas a fio… a experimentar a mesma frase de 30 maneiras diferentes… era inacreditável. Nunca vi tal coisa”. O ar intimidado da personagem de O’Donnell perante o ‘Coronel Slade’ inspirou-se na intimidação que o jovem ator sentiu ao contracenar com Pacino.
A certa altura, Pacino comprou um luxuoso BMW. “Não me senti nada bem”, confessa. “Estacionei-o em frente a minha casa e pensei, ‘isto não tem nada a ver comigo! Vou devolvê-lo’.” No entanto, quando saiu, tinham-lhe roubado. “Aí está menos um problema…”
Al Pacino aprecia o trabalho de Sean Penn, Johnny Depp e Russell Crowe: “Acho que estes três deviam fazer Os Irmãos Karamazov. “E Tom Cruise?”, pergunta-lhe o entrevistador. “Tom Cruise é uma estrela de cinema, categoria totalmente diferente. Tem um tremendo carisma e também é bom ator.” Curiosamente, Pacino foi escolhido por Oliver Stone para protagonizar Nascido em 4 de Julho, papel posteriormente atribuído a Cruise. Al não aceitou fazer Kramer versus Kramer, que deu o Oscar ao seu arqui-inimigo Dustin Hoffman. “Não achei que pudesse dar muito ao papel. Dustin fez um excelente trabalho e mereceu o prémio.”
Tony Montana, em Scarface (1983) é um dos papéis de que Pacino mais se orgulha. Parece fácil… mas “é obrigação do ator que as coisas pareçam fáceis”. A realização de Brian De Palma, o argumento de Oliver Stone e a interpretação fantástica de Pacino tornaram o filme um clássico, embora tenha sido mal recebido na época. Al Pacino é assustador, no papel de gângster. Na sua opinião, “não nos podemos censurar enquanto atores, porque cortamos o instinto. Parte do modus operandi do ator é trabalhar com o inconsciente. Estamos sujeitos a cometer erros tremendos. Há que observar as crianças, as melhores professoras de arte dramática do mundo”.
Toda a entrevista está aqui.