Inicio este meu relato com essa frase de Mario Puzo porque estou certo de que ela é uma indubitável verdade. Quando fundei minha organização criminosa, esperava lucrar o suficiente para manter um razoável nível de vida, sem necessidade de ser empregado de ninguém, sem ter que me sujeitar a oito horas de um desgastante e frustrante trabalho diário que me recompensaria tão somente com alguns trocados medíocres. É mentira que o trabalho dignifica. O trabalho degrada o homem. Por tais motivos parti para o crime. Mas não queria, entretanto, ser um criminoso que agisse contra os inocentes, ou contra os pobres. Pelo contrário, queria lucrar às custas de gente ainda mais criminosa do que eu. Foi então que pensei nos políticos...
Sim, isso mesmo, comprovei, após amplas e exaustivas investigações secretas, aquilo que todos já sabem, mas não querem falar, mas que não têm provas: que os políticos não só constituem uma fonte inesgotável de dinheiro, como também de culpas, crimes e corrupções. Pronto, estava decidido, eu ganharia meu dinheiro sujo extorquindo o dinheiro sujo dos ladrões do povo.
Reuni amigos de confiança, explanei meus planos e intenções, e não foi difícil convencê-los de formarmos uma organização criminosa especializada em descobrir todos os podres dos políticos, os seus desvios de verbas, os caixas-dois, sonegação fiscal, participações em licitações de fachada, lavagens de dinheiro, peculato, apropriação indébita, propinas, nepotismo, evasão de divisas, tráfico de influência, formação de quadrilha, enfim... o rol, todos sabem, é imenso.
O nosso procedimento é relativamente simples. Uma vez descobertos todos esses “mau-cheirosos segredos”, entramos, com a maior das cautelas e com a máxima discrição, em contato com o político “desvelado” e oferecemos nosso preço para que algumas informações indesejáveis não caiam no conhecimento da imprensa, da justiça, da opinião pública. É claro que nossas propostas são quase que invariavelmente aceitas. Quem iria recusá-las? O que podem fazer? Ir à polícia? Ora, a polícia está conosco. Nos dois sentidos.
E mais claro ainda é que tomamos todas as devidas precauções para não sermos assassinados. Não somos ingênuos. Aprendemos a viver sob tensão, sob o constante perigo de morte. E, devo dizer, é algo que nos traz um infinito prazer. Vemos em tal perigo a emoção maior em estar vivo. Enfim, gostamos do que fazemos. A vida é um jogo, viver é saber jogar. E nós somos jogadores. E, até agora, nenhum de nós foi assassinado. Apenas dois foram baleados. Mas sabemos nos defender muito bem. Um de nossos membros ferido equivale a um político corrupto morto. Aprendemos que é assim que funciona.
Infiltrarmo-nos nas instituições, nos partidos, nos governos, para obtermos seus segredos pode até parecer difícil para o leigo, porém, afirmo que não é tanto assim. Subornar funcionários públicos, políticos menores mas conhecedores dos bastidores, acessar dados pretensamente sigilosos, todos esses procedimentos não são tão complicados quanto parecem à primeira vista. Obviamente, a grande maioria das pessoas pode ser comprada. É só uma questão de estabelecer o preço adequado. E, além do mais, é claro que temos entre nosso pessoal alguns dos melhores hackers, e entrar em sistemas sigilosos não é algo fora de série...
Principiamos nossa organização de forma bastante modesta. Éramos apenas em cinco pessoas. Amigos de absoluta confiança. Compramos uma pistola, foi a nossa primeira arma das muitas e várias que viríamos a possuir. E então, filhamo-nos a determinado partido político, um dos maiores do país. Quanto a escolher um partido, ficamos bastante em dúvida, pois em quase todos há muitos corruptos e desonestos. Mas creio que escolhemos muito bem. E as nossas vítimas caíram em nosso jogo. Em pouco tempo obtivemos informações altamente comprometedoras de políticos considerados importantes. Entrar em contato direto com eles e chantageá-los não foi difícil. Inicialmente, as somas de dinheiro exigidas para nosso silêncio foram relativamente pequenas. Esse dinheiro foi investido na compra de mais armas, em subornos, em automóveis, em computadores... Aos poucos, fomos aumentando o número efetivo de nossos homens, sempre através de exigentes provas. Não pode ser qualquer um a ter o direito de entrar em nossa organização. Devemos ter uma confiança total na pessoa. Ou a confiança máxima possível, pois a confiança total nos negócios talvez não exista. É claro que a quebra do código de silêncio é punida com a morte. Felizmente, isso ainda não ocorreu.
Amanhã, a continuação. (na imagem, o quadro "A Reprodução Proibida", de Magritte)
6 comentários:
Opa! Mas que coisa boa, fazia muito tempo que eu não passava por aqui. Mudaste um pouco a linha dos contos. Adorei esse aqui. Abraço.
Grande Mário Puzo....
Os poderosos chefões de hoje
adormecem, não há interesse no
ramo da política. Os Federais, e o Supremo nao querem correr o risco, e nem são dignos de serem como os antigos Corleones.
Reiffer!
Esta é a triste e verdadeira realidade. E ainda precisamos votar por obrigação. Ou seria outra ditadura que está por trás da máquina eleitor-eira?
Aguardarei ansiosa a continuação.
Um forte abraço!
Mirze
Um show de ironia! No aguardo da continuação, que promete! Abraços!
... aguardando, que o segredo de um bom criminoso, é ser paciente. (rs)
Abraços, meu caro!
Maravilha! Tens o "dom da palavra", sabes contar histórias e escrever versos como ninguém!
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