30 agosto 2010

Aceito...

aceito o meu destino
com todas as pedras jogadas da Torre
no meio do meu caminho...

mais que a pedra de Drummond
é a pedra que soa como um sino
há um “Louco Alphonsus, Louco Alphonsus!”
no trilo do meu destino...

aceito mas não me inclino
deixo que o vidro se quebre
em seu cristal hialino
mas não junto os cacos do seu som...

mais que a pedra de Drummond
há um mantra-sino
no meio do meu des(a)tino.

28 agosto 2010

Soneto ao Tempo

deixa que passe o que de mim se corre
verás então que cada vez mais rápido
cada vez mais o que se bebe ao trágico
é todo um sonho em correnteza em porre...

deixa que esguiche e que de mim se jorre
tudo que sinto ao cada vez mais ávido
verás então que é cada vez mais válido
este meu Fim que a outro Fim socorre...

verás ao não como ocultei meu lago
com som de pulso este meu sim pressago
inundará tudo o que em ti derrama...

o teu dormir eu sempre sou que trago:
quando se dorme o sangue queima em chama
quando se morre o rio de Deus se inflama...

27 agosto 2010

“Eu Estava Lá...” (poema-conto)

então, Ele fitou-me nos olhos e disse:

“eu estava lá
quando em símbolo
Adão e Eva foram expulsos do Paraíso
eu estava lá
simbolicamente
sendo a última gota
alastrada pelo final da cruz
do Cristo crucificado
eu gotejei com o sangue
da marcial espada romana
na forma do punhal
no rubro da força de César
eu estava lá
pairando sobre os cadáveres
de um terço da Europa
devastada pela Peste Negra
entre as sombras medievas
e sonhei nos delírios de Bosch
enquanto absurdos se derramavam
de sua visão apocalíptica
e estava na alma de Shakespeare
adejando ao final de suas tragédias
e deixei minha marca
na lâmina afiada da guilhotina francesa
e na neve russa
que aniquilou o exército de Napoleão
como também fiz ressoar meu canto
no último quarteto
que compôs Beethoven ensurdecido
estive em forma líquida
no delirium tremens de Poe
fui às duas grossas lágrimas
que derramou Brahms em seu leito de morte
e eu estava lá mais tarde
nas balas mortíferas da Máfia
e lancei-me em fúria
pelas metralhadoras dos alemães
durante o sangue da Segunda Guerra
espargido pelos buracos na carne dos soldados
eu voei segundos antes
das bombas atômicas sobre o Japão
eu estava lá
chegando ao coração das mães
que perderam seus filhos
no verde-fogo do Vietnã
e larguei ao vento os derradeiros gritos
dos animais mergulhados nos mares da extinção
e irradiei meus suspiros
pelo céu que encobria enfumaçado
o tombar das gigantes florestas
eu estava lá
e agora estou aqui
fitando fundo e firme e forte
os olhos encovados de toda humanidade...”

Ele então me disse todas essas coisas
e depois disse seu nome
e seu nome era Adeus...

25 agosto 2010

A Destruição é a Essência do Desenvolvimento

É claro que não deveria. Mas é. No Brasil é, e não só no Brasil, mas em quase todo o mundo. Eu não preciso dizer que de norte a sul o Brasil arde em chamas. Está todos os dias nos noticiários.

Seca nesta época do ano é normal. O que não é normal é a umidade relativa do ar estar abaixo de 15% na Amazônia! A Amazônia, uma região equatorial, que aprendemos na escola que é úmida todo o ano. Isso nunca tinha sido visto. O que não é normal é uma das maiores reservas de cerrado do Brasil, o Parque Nacional das Emas, ter sido devastada pelo fogo em 70%. 70%! Vai precisar de 200 anos para se recuperar. Só isso. E não foi só essa reserva a ser quase totalmente destruída. O que não é normal é ter caído chuva ácida até em Porto Alegre, devido aos gases das queimadas concentrados nas atmosferas.

E as queimadas apocalípticas não foram só aqui. Há poucos dias, EUA, Rússia, Espanha, Portugal também tiveram enormes áreas aniquiladas pelo fogo, incluindo vilas e pequenas cidades. E depois há alguns intelectuais brilhantes que afirmam que não há aquecimento global, em sua ânsia consciente ou inconsciente de dar respaldo para que o homem continue explorando e consumindo o planeta.

O número de focos de queimadas em território brasileiro aumentou em quase 100% com relação a 2009. Por que tantos focos? Além do clima excepcionalmente seco, há uma outra explicação, dada pelo coordenador do Monitoramento de Queimadas do Inpe, Alberto Setzer. Ele afirma o seguinte:

"O aumento expressivo dos focos de queimadas de um ano para o outro também se deve à dinâmica do setor agropecuário e ao período eleitoral. O momento econômico favorável à expansão dos rebanhos e das áreas agrícolas leva ao aumento do uso de fogo pelos produtores rurais, para abrir pastagem e limpar a terra para o cultivo. Com a estiagem e a vegetação seca, o risco de perder o controle da queimada é quase inevitável. Já o período eleitoral influenciaria na fiscalização."

Vejam bem, amigos, "o momento econômico favorável à expansão dos rebanhos e das áreas agrícolas leva ao aumento do uso de fogo pelos produtores rurais..." É assim, lamentavelmente, que ocorre o "desenvolvimento". E agora, a bancada ruralista quer facilitar ainda mais esse sublime desenvolvimento, degradando o próprio Código Florestal. Já não chega tudo o que já foi destruído. Há que se destruir mais. Só estarão satisfeitos quando não houver uma só árvore em pé.

Mas não adianta. Só se pensa em "desenvolvimento" a qualquer custo. Quase todos pensam assim.  Inclusive 90% dos políticos e dos candidatos a cargos públicos. E não me venham dizer que não é bem assim, que muitos se preocupam, e blá blá blá. Mentira. Só fingem que se preocupam. Porque é moda. No fundo não estão nem aí. E essas queimadas absurdas são a prova. Uma das provas. Porque há muitas outras. Diante dos fatos, não há argumentos.
Nada mais a declarar.

24 agosto 2010

Relação Oculta

quando ouço aquela sonata de Schubert
um cavalo vem bater na minha porta:
sinto que estou me insanecendo...

tenho que estranhar o peso
dos olhares dos sapos
enquanto escrevo poemas (que) não-sãos.
antes eu fosse aquele conto de Poe nunca-lido
ou um silêncio desolado de flauta na mata na tarde

tão tarde...

aquele detalhe de um quadro de Bosch
não me sai mais do meu pesadelo
e do meu sonho como sol cada vez mais ao norte
um vento que nunca foi visto
ou grande ave que plana em correntes
antes fosse...
carta com selos vermelhos
quem foi que me deste há final?

...planeta por trás dos espaços
e a ponta de um dedo em meu dedo
que não leu meu sinal...

22 agosto 2010

e ainda Além...

não se pode buscar a inspiração
porque quem a busca não a encontra
que não se encontra o que já foi encontrado.
e o encontrado é o poeta:
a inspiração é que o busca
e não o contrário
como quer o desejo...
poeta é aquele
que a luz da inspiração o ofusca
a todo instante
é o que suporta nos ombros
da poesia o peso
carregada adiante...

a poesia não me pertence
nem a ninguém:
ela está lá em todo infindo
e ainda Além...

por isso
para poetizar horizontes abrindo
ou a cortina sentença do Fim
é mister finalizar-me
e horizontar-me em mim...

21 agosto 2010

... da Arte

os cintilares venuscêntricos das flores
extirpados pelas foices das queimadas
foram magos fulgurar no intocável
da tua aura:

nem tudo foi despido...

as sinfonias enigmáticas das aves
amordaçadas pela censura das lavouras
foram altas concertar no indizível
da tua voz:

nem tudo foi ferido...

os infinitos astrocósmicos dos céus
enfumaçados pelos vapores do progresso
foram claros refletir pelo intangível
dos teus olhos:

nem tudo é esquecido...

os sentimentos arquetípicos dos seres
estrangulados pelo vazio dos nossos tempos
foram vivos sublimar pelo inefável
da tua alma:

nem tudo está perdido...

20 agosto 2010

Minha Desgraça, de Álvares de Azevedo

Álvares de Azevedo foi o mais precoce dos grandes poetas brasleiros. Toda sua obra, extremamente radical e diferenciada para os padrões brasileiros da época, foi criada durante sua adolescência. Como todos sabem, Álvares faleceu antes de completar 21 anos.

Todos relacionam esse nosso trágico poeta ao Ultrarromantismo, por motivos claros, obviamente. Porém, a prova da genialidade de Álvares está no fato, também bastante claro para mim, de que o poeta foi não só além do Ultrarromantismo, como do próprio Romantismo, atingindo as raias do Realismo e do Simbolismo. Para testemunhar o "realismo" de Álvares de Azevedo, deixo o desolado e irônico poema abaixo. Acompanha o poema, a gravura "O Sono da Razão", de Goya.

Minha Desgraça

Minha desgraça, não, não é ser poeta,
Nem na terra de amor não ter um eco,
E meu Anjo de Deus, o meu planeta,
Tratar-me como se trata um boneco…

Não é andar de cotovelos rotos,
Ter duro como pedra o travesseiro…
Eu sei… O mundo é um lodaçal perdido,
Cujo sol (quem mo dera!) é o dinheiro…

Minha desgraça, ó cândida donzela!
O que faz que o meu peito assim blasfema,
É ter para escrever todo um poema,
E não ter um vintém para uma vela!

Álvares de Azevedo

19 agosto 2010

América Tingida de Sangue

O INTER, o meu time, sagrou-se BICAMPEÃO DA AMÉRICA! Faço então uma pequena homenagem, publicando aqui um poema que está em meu livro "Poemas do Fim e do Princípio". O poema abaixo foi composto em 2006 e não foi escrito especificamente para o Inter. Mas serve para ele também, sem dúvida.

Deus Vermelho

Deus Marte!
capa vermelha
ígneas chamas
força sanguínea
punho de flama
espada vulcânica
febre de vinho
espinho de rosa
dente no sangue
corte profundo
peito inflamado
veia fervente
pulso cardíaco
glória de Roma
lenço encarnado
fêmea menstruada
garra da guerra
Eros e amor
fogo-fúria de Hercólubus
Deus Morte!

18 agosto 2010

Para que Dizer Algo?

deixai-me não dizer nada:
por que devo dizer alguma coisa
se o melhor que digo é o que não digo?
o que importa é o que se oculta no meu verso
é a palavra que não está lá
o que importa é a porta
que o verso abre ao não-dito
o que importa é o destino
dado por quem lê
ao que não foi escrito

o verso é enigma que se resolve em si
ele mesmo é que se escreve
nas cadências do impossível:
de independentes hieroglifos
o verso se torna mais brando
ou mais terrível...

por isso não digo nada:
deixo o verso dizer por mim
ou por si
o verso é um silêncio que canta sozinho
só ele percorre a estrada
e o que há
entre o olhar e o caminho...

para caminhar no que sinto

por um labirinto...
então escrevo além da minha consciência:
por que dizer algo
se o próprio Deus
é o mistério da ausência?

17 agosto 2010

O Meu Voto...

Algo que considero fundamental em um candidato político é sua real preocupação com as questões ambientais. De nada adianta o "desenvolvimento", se ele não levar em conta, antes de tudo, que sem ambiente não haverá nenhum tipo de desenvolvimento, nenhum melhoramento social, nenhuma forma de progresso. Há três pontos vitais que um político deve, ou deveria, procurar realizar durante seu mandato: preservação ambiental efetiva, distribuição de renda e educação. A partir disso, tudo o resto é natural consequência. Fora isso, é conversa fiada.

E outra coisa que deve estar sempre na mente de um político: ele não passa de um empregado do povo. E ao povo deve todas as satisfações.

Bem, a seguir, como será a efetivação do meu voto:

Presidente: Marina Silva
Governador: Tarso Genro
Senador: Paulo Paim
Deputado Federal: legenda do PV
Deputado Estadual: legenda do PV

15 agosto 2010

Leve...

leve contigo
mesmo o que não tenho
o que não pude
o que não vou
o além de mim te deixo
em delírios transcendentais
leve contigo o meu mais
e o meu sou

leve contigo o meu limite
o que não será no meu destino
tudo aquilo que nunca me trará um sim
leve contigo o meu acima
e o meu fim

leve contigo
o que não poderei falar-te
o que não chego e o que fracasso
leve contigo a minha arte

leve contigo
até o que minha alma não escreve
o que não pude deixar livre pelos ares
leve contigo os meus pesares
no teu voo leve...

13 agosto 2010

Amen

“a Alma está morta.
fomos nós que a matamos.”
por isso o mundo vai de vento em popa:
vento de tempestade
em popa que ao mar se parte...

agora
viver é naufragar
cair como pedra vaga no vazio da água
baldes de ossos atirados nos poços
gelos de sangues abismados nos tanques
lágrima-riso cimentada em granizo...

não chora, humanidade, não chora
quem está morto não chora...
há que ser dura como a terra seca
na hora em que fores embora:
assim seja
de nada vale
a miséria da minha tristeza...

que nada mais em nós vibre
há que ser frio
como a fervente saliva do lobo
e como o fogo
do olho do tigre...

12 agosto 2010

Murmúrios da Tarde, de Castro Alves

Castro Alves, obviamente, dispensa apresentações. Trata-se de um dos maiores poetas brasileiros, com certeza, um dos mais inspirados de toda literatura de língua portuguesa. A beleza lírica, a musicalidade e o ritmo empolgantes, a incrível naturalidade de fluência, a riqueza das imagens, a arrebatada grandiloquência fazem de Castro Alves um dos poetas mais adequados para a declamação. Sua obra é poesia pura, nascida do fundo da alma. Não tivesse morrido com apenas 24 anos, onde chegaria este gênio da poesia?

O poema abaixo é um dos meus favoritos de Castro Alves, impregnado de um profundo Romantismo. É, sem dúvida, um dos mais belos de nossa literatura. Na imagem que acompanha o poema, o quadro "A Floresta", de Camille Pissarro.

Murmúrios da Tarde

Ontem à tarde, quando o sol morria,
A natureza era um poema santo,
De cada moita a escuridão saia,
De cada gruta rebentava um canto,
Ontem à tarde, quando o sol morria.

Do céu azul na profundeza escura
Brilhava a estrela, como um fruto louro,
E qual a foice, que no chão fulgura,
Mostrava a lua o semicirc'lo d'ouro,
Do céu azul na profundeza escura.

Larga harmonia embalsamava os ares!
Cantava o ninho - suspirava o lago...
E a verde pluma dos sutis palmares
Tinha das ondas o murmúrio vago...
Larga harmonia embalsamava os ares.

Era dos seres a harmonia imensa,
Vago concerto de saudade infinda!
"Sol - não me deixes", diz a vaga extensa,
"Aura - não fujas", diz a flor mais linda;
Era dos seres a harmonia imensa!

"Leva-me! leva-me em teu seio amigo"
Dizia às nuvens o choroso orvalho,
"Rola que foges", diz o ninho antigo,
'Leva-me ainda para um novo galho. ..
Leva-me! leva-me em teu seio amigo."

"Dá-me inda um beijo, antes que a noite venha!
Inda um calor, antes que chegue o frio..."
E mais o musgo se conchega à penha
E mais à penha se conchega o rio...
"Dá-me inda um beijo, antes que a noite venha!

E tu no entanto no jardim vagavas,
Rosa de amor, celestial Maria...
Ai! como esquiva sobre o chão pisavas,
Ai! como alegre a tua boca ria...
E tu no entanto no jardim vagavas.

Eras a estrela transformada em virgem!
Eras um anjo, que se fez menina!
Tinhas das aves a celeste origem.
Tinhas da lua a palidez divina,
Eras a estrela transformada em virgem!

Flor! Tu chegaste de outra flor mais perto,
Que bela rosa! que fragrância meiga!
Dir-se-ia um riso no jardim aberto,
Dir-se-ia um beijo, que nasceu na veiga...
Flor! Tu chegaste de outra flor mais perto!. . .

E eu, que escutava o conversar das flores,
Ouvi que a rosa murmurava ardente:
"Colhe-me, ó virgem, - não terei mais dores,
Guarda-me, ó bela, no teu seio quente. . ."
 E eu, que escutava o conversar das flores.

"Leva-me! leva-me, ó gentil Maria!"
Também então eu murmurei cismando...
Minh'alma é rosa, que a geada esfria...
Dá-lhe em teus seios um asilo brando...
"Leva-me! leva-me, ó gentil Maria!..."

Castro Alves 

10 agosto 2010

à Tua Companhia...

não vás
sem mim
sentença
e fim...
tu és tudo que me resta pela estrada...

eu não
me vejo
sem teu
desejo...
tu és lábio que me paira pelo nada...

traguei
de um lago
meu sonho-
estrago...
no que sinto é onde está tudo que tenho...

teu beijo
abraço
com meu
cansaço...
nos teus olhos é que lua o meu empenho...

sem ti
sou fumo
que me
consumo...
na tua alma é onde Brahms melodia...

meu canto
alaga
de sono
e vaga...
no teu nome é que me erro: Melancolia...

08 agosto 2010

Mais um Trecho de um Instante de Sono

vou ver-se durmo a versar só pelo não-dito
cair em névoas tudo que me deixa aos olhos
descendo oculto nunca desvelar-me sendo
a ver se pairas no que sou estas essências...

majestei-me às asas fêminas sem destino
perdi-me em cânticos sentenças que te foram
lá que encontro as febres que à noite me serenam
como luzes de um segredo desse sangue e astro
encontro-me ao sopro que não chegou-me antes
sonata do meu sono que sonhei-vertigem...

dormir é revolver-se um livro interno
dormir é resolver-se em esquecimento
imortal fatal momento
no eterno...

06 agosto 2010

Concerto nº2 para Piano e Orquestra de Brahms, o Melhor

Sim, eu sei, Mozart é o rei dos concertos para piano, ninguém conseguiu compor tantos concertos com tanta perfeição. O conjunto de seus concertos forma uma das criações mais sublimes da música. Particularmente, aprecio sobremaneira os de nº 24 e 20. Sim, e eu sei também que os concertos 3, 4 e 5 de Beethoven constituem um dos pontos mais altos da literatura de concertos para piano. Então, é muito difícil escolher o melhor, talvez impossível determiná-lo.

Mas eu sou um brahminiano. E para mim, o mellhor é o 2º de Brahms. O melhor de todos já compostos. Sem dúvida, está no mesmo nível dos melhores de Mozart e de Beethoven. Mas há algo nele que me fascina de forma absolutamente arrebatadora, inefável. Primeiramente, o concerto nº2 de Brahms é mais que um concerto, é algo como uma sinfonia com piano. A força sinfônica dessa peça é avassaladora. É também um dos mais longos concertos em duração, mais de 50min.

Nessa obra, Brahms vai de um extremo a outro com a maior naturalidade e sem jamais deixar de lado a perfeição formal. Passamos da mais estrondosa, violenta e terrível tragédia, até sublimes melodias de intensa paixão e ternura. Brahms é apaixonado sem jamais ser "meloso". É firme, sério, concentrado. Brahms é sempre forte. Pode ser profundamente triste, melancólico, até resignado. Mas é duro na queda, jamais se entrega. Tudo isso está neste concerto magistral, do começo ao fim.

Dificíl dizer qual o movimento que prefiro. Mas acho que é o 2º. Começa com o piano em uma melodia de fazer ferver o sangue, triste, trágica, desesperada talvez, mas imponente e orgulhosa ao mesmo tempo, afirmativa, de imensa força. Quando bem executados tais acordes, o piano soa como um poderoso martelo. E o final desse movimento então? Ah, o final, quando essa lancinante melodia inicial toma conta da orquestra, bem aí, Brahms solta um grito de dor e de fúria que fica repercutindo em nossa alma por muito tempo.

Bom, poderia falar mais, mas vou parar por aqui. Eu não costumo postar músicas aqui no blog, não faz parte do direcionamento que dei a ele. Mas vou recomendar um blog para downloads. O P.Q.P. Bach: http://pqpbach.opensadorselvagem.org/ . Lá, encontrarão essa magnífica obra de Brahms, e muitas outras.

05 agosto 2010

E Ela Falou Seu Nome...


O conto abaixo foi publicado originalmente  em meu zine Poemas do Término e Contos do Fim, em sua edição 26, de setembro/outubro de 2007.  Ao escrevê-lo, dediquei o conto à ópera Tristan Und Isolde, de Wagner, para mim, a maior de todas as óperas. Compartilho com os leitores do blog. Lembro que o zine está atualmente em sua 39ª edição e além da versão impressa também possui a versão digital. Para quem desejar receber o zine em formato digital, basta deixar aqui seu-email, ou enviá-lo para reiffer@gmail.com.  Ele será enviado gratuitamente.

E Ela Falou Seu Nome...
Alguns dirão que foi um sonho anormal. Outros, que é apenas uma ficção absurda de um escritor delirante. Eu não digo nada, eu limito-me a contar o que vivi. Limito-me a dizer que perambulava doentio e inflamado pela noite. Algo de terrível, de onírico, de lancinante, de fatal pairava sobre minha alma. Minha alma já não se suportava em meu ser insatisfeito e irremediável à eternidade. Vagavam alucinados os meus pensamentos inconformados pela escuridão noturna, iluminada por luares e sonhos medievais em doces pesadelos. E ainda mais longínquo voava tudo o que eu sentia, todas as tempestades apocalípticas que em mim se debatiam em sua invisível violência. Meu universo sentimental fitava olhos e asas de anjos sobre nuvens avermelhadas, febrentas e férvidas nos céus repletos de ultra-romantismos, nuvens carregadas de emoções que me trovejavam sobre o espírito inconsolável. Foi então que a encontrei.

Ela abriu a imensa porta de um casarão antigo de mistérios e convidou-me sedutoramente a entrar. Se exteriormente aquele casarão sombrio de inquietante imagem ancestral assomava de forma majestosa e aterrorizante, em seu interior havia alguma espécie indefinível de magia sublime que me envolveu perigosamente... Um denso aroma de incensos impregnados de delírios invadiu-me além das narinas, hipnotizando-me como um alucinógeno sobrenatural. Ao inalar aquela atmosfera carregada de auras e sonhos e febres e vidas e mortes, uma luz astral queimou meus pulmões apaixonados.

No ambiente febricitante, em penumbra celestial e estranhamente luminosa, meus olhos ardentes, lacrimejando, somente distinguiam coisas que não sei nomear. Tudo, tudo o que eu via não possuía nome em nosso mundo, em nossas existências normais, nós não conhecemos aquelas coisas indizíveis. É-me impossível, arranco-me os cabelos intentando escrever as coisas tão absurdas que ali viviam... Porém, afirmo que vi infinitas existências inefáveis que atordoavam meu coração em vertigens. Perturbavam como uma devastação minha mente desvairada, entorpeciam-me como venenos ofídicos e mágicos. Arrebatavam-me a céus e a infernos cada vez que eu a elas dirigia meus olhos que se desvaneciam em vapores.

Eu chorava... E num instante de suprema insanidade espiritual, refulgiu pelo mistério um tempestuoso clarão iriado de luz solar. E pude contemplar o que até então me fora impossível: a face e os olhos da mulher sobre-humana que me havia feito o insalubre convite a entrar. E foi então que a amei. Daquela face onde conviviam anjos e demônios, e daqueles olhos fundos como o Desconhecido, que, sem cessar, mudavam de cor, raios nucleares em forma de flechas dardejavam enfebrecidos a essência de minha mônada.

E cantos e gritos alucinados, canhestramente dementes, porém belos, belos demais para se suportar, que me comoviam, esgotavam minhas lágrimas enlouquecidas, cantos e gritos partiram daqueles seres nunca-vistos, pela tensa escuridão iluminada. Uma sinfonia vulcânica, ciclônica, em forma de relâmpago. E enquanto meu peito explodia ao som dos estranhos seres e aos olhares em fogo da bela celeste-infernal, compreendi. Compreendi que estaria ligado maldita e abençoadamente àquela mulher para toda a eternidade finita ou infinita de minha existência insensata. Desejava saber quem era aquele ser feminino que me arrastou à loucura com seus filtros e feitiços mágicos, que tinha a cura para aumentar minha doença. Arrastando meu manto de roxas saudades e torturas, mergulhei minha alma nos enigmas arcânicos de tudo o que se oculta no cosmos... Abalos sísmicos anímicos faziam tremer meu ser, e aos vapores sangüíneos de rosas e sangues, pesadelos e sonhos desabavam pesarosos sobre minha fronte ensandecida.

Com meus braços inflamados de esquisitas e angustiadas energias não-corpóreas, abracei em êxtase divino o coração daquela mulher e beijei, na marcha fúnebre da morte e do fim, seus lábios em lava. Pelas janelas de meu sublime transtorno, da furiosa paixão sem limites, eu via a celestial tempestade eterna se aproximando em relâmpagos apocalípticos. Ao nosso redor, erguiam-se, em deliciosa loucura ameaçadora, fantasmas e magas em fulgurantes espectros de astros vermelhos. E num murmúrio, na plenitude fantástica da demência, perguntei aos ouvidos da mulher que me arrebatou e devastou-me como um furacão aos extremos universais... Eu perguntei o seu nome. E ela falou-me. Senti-me salvo. E o seu nome era Arte.

(Na imagem, o quadro "Ophelia", de Alexandre Cabanel.)

03 agosto 2010

Final, de Eduardo Guimaraens


Eduardo Guimaraens. Alguém sabe quem foi ele? Que foi um poeta gaúcho nascido em Porto Alegre em 1892? Que escreveu sete livros e que foi considerado na época nosso maior poeta simbolista? E mais, que chegou a ser considerado uns dos maiores do país, comparado a Cruz e Sousa? Triste saber que um poeta de sua magnitude esteja relegado ao esquecimento até mesmo pelos gaúchos. Mas, quais seriam os motivos? A meu ver, faz parte da discriminação sofrida pelo Simbolismo em nossas terras; a verdade é que ainda hoje os brasileiros não lograram compreender os simbolistas, algo muito diferente do que ocorre na Europa, por exemplo.

Sem dúvida, Eduardo Guimaraens também foi vítima desse “preconceito” para com o Simbolismo. Felizmente, grandes críticos, como Massaud Moisés, souberam considerá-lo como “autêntico poeta”, e que “alguns de seus poemas serão suficientes para situá-lo sem favor ao lado de Cruz e Sousa e Alphonsus de Guimaraens”. Da mesma forma, julgou Andrade Muricy que “a sua arte afastou-se do cunho clássico português e da ingenuidade da temática e da expressão... foi dos mais civilizados dentre todos eles e um dos mais meditativos e delicados”.

Não obstante, a poesia de Eduardo Guimaraens nos apresenta um âmbito temático de inúmeros desdobramentos. Sua obra nos revela uma profunda sensibilidade e imaginação, uma sutileza e musicalidade da linguagem, um refinamento de emoções repleto de luzes e sombras. Seus poemas são intensamente humanos e espirituais, situando-se entre a veia lúgubre de Alphonsus de Guimaraens e a ascensão vertiginosa de Cruz e Sousa. Eduardo é mais sereno que ambos, menos sombrio que o primeiro, mais terno que o segundo. Abaixo, um de seus sonetos, presente em seu livro "A Divina Quimera". Na imagem que acompanha a postagem, "Noite Estrelada Sobre o Rhone", de Van Gogh.

Final

Como alguém que colhesse um doloroso lírio
florido à sombra azul de algum jardim claustral,
do meu sonho de amor, a um súbito delírio,
dei-te a aspirar, ó Noite, a grande flor nupcial.

Mal magnífico, insânia extática, martírio,
tudo o que a alma sofreu de sobrenatural,
tu, só tu, Noite insone, à luz de um velho círio,
hás de entender, talvez por um mistério ideal!

Noite, que és a Beatriz que inspira e que conduz,
a ti suba o perfume, alucinante e forte,
da flor que, às minhas mãos, esplêndida, reluz!

É tua a febre ardente em que me torturei!
Tu me cinges de sombra e a sombra é quase a morte!
Noite divina e triste, a ti tudo o que amei!

Eduardo Guimaraens

02 agosto 2010

o Melhor é o que Não se Espera

o que se planeja
não é o que é a vida:
a vida é o que não está nos planos.
mais vale
aquilo que não se espera,
porque o que se espera
vem sempre abaixo do esperado

o mais belo o mais alto o mais fundo
é aquilo que não nos pode ser dado

por isso meus olhos febram
de arder pelo que não posso
por aquilo que não depende
do inútil do meu esforço

mas de outro esforço além do pensado
como sendo surpresa na estrada
como inesperada
paisagem no campo
como o sublime
surgido do nada

o que está ao alcance da mão
não vale a pena ser alcançado:
como é nobre aquilo que sonha
distante...
do infinito ao lado!

tu, como estrela que me fita ao longe
disseste-me tanto sem falar-me nada
como música jamais soada
como o impossível nos meus ouvidos
cantos que mais relembro
quanto mais me forem esquecidos...

o que é então
que deve ser como deveria?
talvez o melhor seja o que não se espera
o que não se vê
o que não seria...
talvez o melhor da lua
seja a sua face sombria...