A menina Aloncier sentara-se em meio a um magnífico e intensamente verde descampado, de um verde estranho e irradiante de estranhas sensações, nas planícies de Samoth, uma das mais belas de seu planeta. Alta, com uma tonalidade de pele moreno-avermelhada, possuía longos cabelos ondulados, também de tons rubros, e olhos de íris tenuemente lilases. Se alguém pudesse contemplar sua face naquele momento, perceberia que a menina, em seu rosto belo mas insólito para nossos padrões, exibia uma fisionomia de alguém que está imerso em profundas meditações...
O ambiente em que Aloncier se encontrava, que transmitia inquietantes impressões de infinitude e de cósmica liberdade, era de uma serenidade absoluta; nenhum tipo de construção artificial ali se apresentava, e contemplava-se os horizontes de um vivo azul-purpúreo, sob um céu tão veementemente azul que parecia quase palpável, tamanha era a sensação de vida que dele emanava. Em tal céu, não se avistava nenhuma espécie de nuvem e, além da luz solar, estranhas e intensamente brilhantes luzes fulguravam por todos os cantos, tanto na atmosfera como próximas ao solo, embaixo de algumas árvores gigantes que por ali havia esparsamente.
E todas as coisas existentes aparentavam não formar sombras, pelo menos não como nós as conhecemos. Nos céus, avistava-se uma esquisita diversidade de seres, aves imensas de gritos ultra-sônicos, seres alados muito semelhantes àqueles descritos em vetustas mitologias esquecidas. Outros seres, com um venerável aspecto humanóide, que nós, pela aparência, até mesmo poderíamos classificar como anjos, planavam com suas imensas asas inauditas, ao lado de algumas coisas etéreo-transparentes, formações espirituais indefiníveis, que flutuavam de maneira enigmática pelos ares, dirigindo olhares elétricos para algum ponto não perceptível acima deles.
Toda essa profusão de coisas insólitas e misteriosas causava a sensação de uma harmonia e de um equilíbrio naturais comoventes. E a menina Aloncier ali permanecia em plena tranqüilidade, entre aquelas estranhezas absolutamente normais em seu planeta, ouvindo a música das esferas e o intrigante canto dos pássaros que lá viviam. Era inacreditável a melodia do gorjeio daquelas aves de múltiplas cores cintilantes, verdadeiramente puras e emocionais, lembrando de um modo assombroso músicas de Bach e Mozart. Igualmente assombrosa era a invulgaridade de alguns animais que por ali passavam, aparentemente mamíferos, e que... dialogavam... com Aloncier, em uma linguagem inteiramente desconhecida para qualquer um de nós.
Aliás, é notório que se diga que a menina de olhos lilases não somente dialogava com aqueles insondáveis mamíferos, como também com outros animais e seres visíveis e invisíveis, até mesmo com as plantas que a cercavam, com algumas árvores distantes e com arbustos mais próximos, em uma misteriosa linguagem que deixava a impressão de ser ultra-universal, falada por todos os seres das mais diversas e inauditas espécies. Tais diálogos aparentavam tornar-se possíveis graças às meditações efetuadas por Aloncier.
A menina encontrava-se em um estado de exultante expectativa, pois no dia seguinte completaria 14 anos e, finalmente, seria a ela revelado, por seus pais, o segredo da origem de seu povo. Este, que era formado, em todo o planeta, por alguns milhares de habitantes (essa era toda a população planetária), vivia em perfeita integração e harmonia com a natureza, poder-se-ia dizer até mesmo que faziam mais que isso, que o povo era a própria natureza, assim como o são as plantas e os animais. Aloncier, no entanto, desejava conhecer a origem de sua espécie, de onde e como teriam vindo, o que havia ocorrido em seu planeta antes de seu nascimento, antes do surgimento da sua luminosa humanidade. Como seria seu planeta há milhões de anos atrás? Que seres teriam anteriormente existido? Isso tudo seria revelado integralmente no dia seguinte, e Aloncier aguardava em júbilo o decisivo instante....
E refletindo em todas essas coisas e contemplando em êxtase o fulgurante horizonte, Aloncier chorou, e suas lágrimas caíram na grama, e da grama passaram ao solo... E uma de suas lágrimas, a última que havia chorado, lágrimas que eram formadas por uma substância bem mais penetrante que as que conhecemos, foi muito longe terra adentro. Até que uma das moléculas dessa lágrima, penetrando incrivelmente no chão absorvente daquele planeta, entrou em contato com uma outra molécula que ali jazia há muitos milênios. A molécula da lagrima de Aloncier tocara uma outra molécula, que fora, em um tempo muito remoto, de uma estátua, qual seja, a estátua do “Laçador” da cidade de Porto Alegre.
2 comentários:
Lindo conto, meu amigo.
Tem a dimensão das coisas remotas do futuro, como se este fosse um passado à frente.
A insólita lágrima que encontra a imagem do Laçador é magnifícia.
paz e bom humor.
pois vim cá ver um novo conto e não o encontrei.
Você anda se dando a uns benefícios de preguiça?
paz e bom humor, eu amigo.
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