30 abril 2020

Em Ruínas

pela rua em ruínas
as réstias dos rancores dos postes
sobre os rabos dos ratos
com suas rápidas proles

e um rastro
de ricas fumaças de matos
corrói o que respiro
por entre os prédios e fatos
onde um jaguara rengo
remoendo
faz meu peito de cama
e uma ratazana rengueando
roendo
faz meu dedo de cana

sob a garoa rala
derrama
os raios rotos da lua
sobre a água da vala
e a rã ronda em rondó
o rouco riso do abutre
em seu adágio-refrão
"estás só."

o ronco branco da queda do pó
das ruínas dos arranha-céus
e a aranha arrancada da toca
que toca e arranha
o humano que em mim é réu

rasgam e rolam baratas
correndo pelos catarros
remando pelos esgotos
e se arrasta raquítico um gato
de quem arrancaram seu rosto

e o resto da razão roubada
que era errada
na reza do ruído do sangue
por aquela rua
que se fosse minha
eu mandava eu mandava desinfetar
para ver o meu horror passar

27 abril 2020

Dias-Noites, Noites-Dias

para que se importar?
se ao fim e ao término
por mais revoltas voltas
retornos em torno
idas e vindas
vidas e vinhos
tudo chegará
a seu devido lugar?

seja o que for que aconteça
são apenas rodadas da roda
sendo um lado o bem
sendo o outro o mal
roda de gira livre-desimpedida
que se parasse
desvidaria a própria vida
há o momento de agora
na eternidade dos dias-noites
e no esquecimento da hora

já o resto
o que virá ou deixará de vir
é um voo de ave
que só no voo pode existir
se nascer voarei com ela
se não me deitarei na terra
e tudo volta
ao que er(r)a



26 abril 2020

Após Humanidade*

o meu verso é de sangue e decadência
pela percepção viva do que morre
como se o peso de um cósmico porre
tivesse elevado a minha consciência

o meu verso é de alarme e de iminência
pela percepção óbvia do que (o)corre
a visão do desabe de uma torre
além filosofia além ciência

eu sinto em um após humanidade 
queda da noite que me dura um século
e sinal da anímica liberdade

da morte se entende que a alma é círculo
nada a se dizer a não ser o que há-de
em meu sangue há catástrofe e espetáculo

*Repostagem do soneto publicado originalmente em 6 de outubro de 2017.

23 abril 2020

O Sonho de Bolsonaro

Vamos supor que o Bolsonaro alcance seu sonho infantil e se torne ditador plenipotenciário, sem Congresso, sem STF, governadores sem poderes. Como seria o enfrentamento da pandemia no Brasil:

- não haveria nenhum tipo de isolamento social, nenhuma medida , porque a doença seria determinada como uma gripezinha sem consequências.

- a vida proseguiria normalmente,  comércio normal,  jogos de futebol nos estádios,  aulas nas escolas , shows sem restrições, shoppings , bares,  restaurantes e boates bombando.

- os idosos aposentados seriam aconselhados a ficar em casa, mas se não ficassem também,  se os seus não cuidam,  fodam-se.

- sair nas ruas de máscara seria visto como algo ridículo e cairia rapidamente em desuso.

- os casos da Covid-19 começariam a crescer muito,  aparecendo as primeiras mortes,  e a mídia seria proibida de divulgar. Os números passariam a ser ocultados e/ou distorcidos.

- os óbitos em números de crescimento vertiginoso e assustador passariam a ser considerados como de pneumonia ou problema respiratório qualquer.

- cemitérios gigantescos de valas comuns passariam  a ser abertos na calada da noite.

- hospitais em colapso e com  profissionais da saúde morrendo não poderiam mais receber pacientes,  as pessoas seriam aconselhadas a morrer em casa. 

- pessoas que morrem em casa seriam recolhidas por caminhões do exército  e jogadas em valas de forma sigilosa. A mídia não poderia mostrar nada.

- ao final de 2020,  já teriam morrido de 2 a 4 milhões de pessoas, os investimentos absurdos que foram obrigados a fazer nos sistemas de saúde e funerário destruíriam a economia,  e o país afundaria numa catástrofe humana e econômica da qual não verá saída.

Esse é o sonho do mito e seus bolsonetes.

20 abril 2020

Mensagem aos Que Não

ali onde olhos
e cantos de fins
sonatas de mortes
destinos noturnos
e azares de cartas
invisíveis nos sopros

sensação vaga inútil
do que não foste
e se acima
cinza de névoa
em longe infortúnio
e derrama
vistas vaziadas
chamas de sangue
danças de nada

mares sem algo
futuros sem sonhos
oceanos de ausência
onde caio e me estranho
em que não haja
em que não alma
e nem se alta
algum desígnio
intenso ou denso
e nem saudade
e nem se importa
nem se enfurece
e nem se acalma

um lugar no nunca
de fim de olhos
que não se está
em que não se é
no que nunca veio
no que nada tinha
e que não será

16 abril 2020

Soneto Impassível

e no entanto prossegue o céu acima
sempre as mesmas nuvens e as mesmas dores
sempre o mesmo céu para onde fores
indiferente às desgraças e às rimas

e no entanto prosseguem o dia e as lágrimas
o céu é eterno e são breves as flores
morrem sempre para onde forem amores
e paira o céu sobre todas as lástimas

fecham-se portas a quem vai embora
abrem-se portas por onde não entro
pesam-se os céus sobre todas as horas

pouco importa qual o sopro do vento:
que continua o céu sendo lá fora

e prossegue sendo noite aqui dentro

14 abril 2020

Poema Negro de Autoajuda*

se quiseres ser feliz não espera
nada de coisa alguma ou de ninguém
muito menos do que vem
lembra-te que esperança
rima com quem cansa
e que qualquer expectativa
não vale o cuspe da tua saliva.

quando tiveres uma esperança
executa-a entre a dança
ou enforca-a ou dá-lhe um tiro
(na cabeça,não te esquece)
ou atira-a no rio atada a um peso
e terás o  lírio-alívio do confiante desprezo.

quando disserem de ti ou a ti
coisas que gostas de ouvir
acredita com toda confiança
que é mentira
e se ainda não é... um dia será
recorda-te que qualquer pessoa
antes de prova ao contrário)
é má.

lembra-te que se pensas
que não estás sozinho
é porque não olhaste bem ao teu lado
e que tudo que nos sorri demais
está a um lábio de dar errado.

nunca espera ou espera o nunca
deixa o rio correr
que ele sempre leva
ser feliz é nunca esperar ser:
às  vezes
sem que se espere
brilha um olho na treva.


*Poema publicado originalmente em 13 de setembro de 2013.

12 abril 2020

Quase 8 Bilhões de Inconscientes*

I - 7 bilhões de inconscientes
querem que eu acredite
que um mundo de 7 bilhões
de inconscientes
será melhorado
solucionado
por 7 bilhões de inconscientes

II – quando digo inconscientes
não digo “aqueles não conscientizados”
digo aqueles quem nem se sabem:
nem de si nem do que fazem
e tanto assim o é
que nem se reconhecerão no que digo

III – 7 bilhões de inconscientes

(nos quais me incluo por certo)
pedem-me que eu tenha esperança
e que ignore nossa ignorância
no meio de um deserto

*poema publicado originalmente em 6 de janeiro de 2016.

10 abril 2020

A Praga do Otimismo

Otimismo em demasia é uma praga.  Leva ao comodismo, ao descuido e à desgraça.  À confiança exagerada e imprudente. O brasileiro é um povo excessivamente otimista. Acha que nenhum mal nunca vai lhe acontecer.  E por não tomar precauções, por não ter cautela,  devido ao excesso de otimismo, a desgraça sempre lhe sucede. Por isso,  brasileiro está sempre na merda. 


É o que está acontecendo, no momento, com relação à covid-19 em nosso país. A ignorância e o excesso de otimismo/confiança está nos levando a uma catástrofe humanitária.



"Só o pessimista forja o ferro enquanto ele está quente. O otimista confia em que ele não esfrie."


Peter Bamm (Escritor alemão)

07 abril 2020

Esquecimento

"Vê como a Dor te transcendentaliza..."
 Cruz e Sousa

algumas coisas vêm para nos lembrar
que nem sempre o sol é a luz:
a luz no meio da seca
é uma tempestade.
nem sempre quem está otimista
está com a razão 
nem sempre é saudável o calor humano
nem sempre faz bem um abraço
nem todo beijo transmite amor
nem todo sorriso passa esperança.

algumas coisas vêm para recordar
que não haveria equilíbrio
se houvesse só os dias sem as noites
e que sem a sombra
não se reconhece a luz.

algumas coisas vêm para lembrar
que esquecemos.




03 abril 2020

Sim, o Coronavírus Mudou a Sua Vida

As pessoas ainda não entenderam. Elas acham que a vida continua normal. Elas não se deram conta de que em 21 dias (VINTE e umDIAS) foram mais de UM MILHÃO E CEM MIL de casos da Covid-19 confirmados. E mais de 59 MIL MORTES. E há muito mais que não é confirmado. E muitas mortes sem atestado de óbito. Mas as pessoas ainda acham que está tudo bem. 

O ritmo de morte atual pela doença é mais de 6 mil mortes POR DIA.  E está crescendo. Só nos EUA, estão morrendo mais de mil pessoas diariamente.  Hoje, só hoje,  morreram mais de 1300. E não é só lá. Na França, foram mais de 1100. Só hoje. Os cadáveres se empilham nos hospitais.  Os familiares não podem nem ver nem enterrar seus mortos. Mas as pessoas ainda não entenderam. Elas não conseguem entender que não podem mais viver como antes.

Estão acostumadas demais com suas vidas. Uma pandemia de tal magnitude parecia ser impossível. Coisa de livros.  De filmes. Ainda não caiu a ficha. Não poder sair? Nem ir em bares, boates,  restaurantes? Não poder se reunir com amigos? Conversar a menos de 1m e meio com um conhecido na rua? Sair de máscara? Não, não pode ser verdade. Mas é.  E estamos vivendo.

"Mas no Brasil não,  aqui não vai acontecer". Já está acontecendo. Chegou a nossa vez. Desde o começo da semana,  são mais de mil casos confirmados por dia. Ontem,  foram 59 mortes. Hoje, 64, até as 17h. E vai aumentar. Muito.  Em breve, serão mais de 100 mortes por dia. Depois,  mais de 200... E  todos sabem que os números reais são bem maiores. Há centenas de corpos esperando confirmação de testes nos hospitais.

Sim,  a sua vida mudou. Se você pode,  fique em casa.

#fiqueemcasa

01 abril 2020

Uma Voz mais Forte

I - a única real maneira
de se aprender
que dinheiro não é tudo na vida
é perdendo a vida

II - a voz da razão é débil:
ninguém a escuta 
porque todo mundo acha 
que tem razão.
por que alguém vai ouvir de outro 
aquilo que se acha que se tem?
para se ouvir é preciso
uma voz mais forte
tipo... a da Morte .

III - de modo que ficamos assim:
todo mundo fala em mundo novo
e toda hora.
mas não há mundo novo
sem o Fim.
muita coisa 
vai morrer agora.