06 dezembro 2015

Dois Dentes de Esperança

I

hoje

tudo é comprado
(até virgindades)
e tudo é vendido
há até
quem venda esperanças
(até virgindades)
aos olhos vendados
do povo fodido

II

quem crava seus dentes
nas veias cavas macias
das nações indefesas?
o lucro vampírico
(dos chupacabras)
das grandes
em
presas

04 dezembro 2015

Eu Amo a Noite

Fagundes Varela escreveu um dos mais belos e viscerais poemas dedicados à noite (e/ou ao sombrio) da literatura brasileira. Publico-o abaixo:

Eu Amo a Noite

Eu amo a noite quando deixa os montes,
Bela, mas bela de um horror sublime,
E sobre a face dos desertos quedos
Seu régio selo de mistério imprime.

Amo o sinistro ramalhar dos cedros
Ao rijo sopro da tormenta infrene,
Quando antevendo a inevitável queda
Mandam aos ermos um adeus solene.

Amo os lampejos verde-azuis, funéreos,
Que às horas mortas erguem-se da terra
E enchem de susto o viajante incauto
No cemitério de sombria serra.

Amo o silêncio, os areais extensos,
Os vastos brejos e os sertões sem dia,
Porque meu seio como a sombra é triste,
Porque minh’alma é de ilusões vazia.

Amo o furor do vendaval que ruge,
Das asas densas sacudindo o estrago,
Silvos de balas, turbilhões de fumo,
Tribos de corvos em sangrento lago.

Amo as torrentes que da chuva túmidas
Lançam aos ares um rumor profundo,
Depois raivosas, carcomendo as margens,
Vão dos abismos pernoitar no fundo.

Amo o pavor das soledades, quando
Rolam as rochas da montanha erguida,
E o fulvo raio que flameja e tomba
Lascando a cruz da solitária ermida.

Amo as perpétuas que os sepulcros ornam,
As rosas brancas desbrochando à lua,
Porque na vida não terei mais sonhos,
Porque minh’alma é de esperanças nua.

Tenho um desejo de descanso, infindo,
Negam-me os homens; onde irei achá-lo?
A única fibra que ao prazer ligava-me
Senti partir-se ao derradeiro abalo!…

Como a criança, do viver nas veigas,
Gastei meus dias namorando as flores,
Finos espinhos os meus pés rasgaram,
Pisei-os ébrio de ilusões e amores.

Cendal espesso me vendava os olhos,
Doce veneno lhe molhava o nó…
Ai! minha estrela de passadas eras,
Por que tão cedo me deixaste só?

Sem ti, procuro a solidão e as sombras
De um céu toldado de feral caligem,
E gasto as horas traduzindo as queixas
Que à noite partem da floresta virgem.

Amo a tristeza dos profundos mares,
As águas torvas de ignotos rios,
E as negras rochas que nos plainos zombam
Da insana fúria dos tufões bravios.

Tenho um deserto de amarguras nalma,
Mas nunca a fronte curvarei por terra!…
Ah! tremo às vezes ao tocar nas chagas,
Nas vivas chagas que meu peito encerra!

02 dezembro 2015

Contra o bom senso

o bom senso
é o que estraga tudo:
o que é o bom senso
senão a cartilha
de se gerar medíocres?

o bom senso é o ninho
dos lugares comuns
o gérmen do tédio
a árvore do comodismo
a lavoura da covardia

o bom senso é a máquina
de se fazer escravos e dominados
o curso superior da servidão
a lei que mantém os fracos
sempre fracos

o bom senso é a máscara
com que se disfarça
a falsa razão
é o julgamento errado
do que nos empurraram como certo

o bom senso
é a negação da criação
enfim
é a maneira que encontraram
de mentir que é vida
o não se viver enquanto vivo


30 novembro 2015

Atentado aos não-atentos

a poesia é o  nada
tornado inútil
pelo imprestável

é aquilo que não presta
no entre
de um mundo em pressa:
a poesia
é tudo o que resta

é o aquilo
que não pode ser dito
sendo dito
(ou intentado)
atentado
aos não-atentos

dito
mas não compreendido
seja como for
é como se não fosse

viu, veio e venceu
o seu tempo
ou o seu tempo venceu
como um produto
que perde a validade:
logo não está
no tempo que é

quem escreve
querendo dizer alma
não só não diz
(porque não há o quem capta)
como sem nada acaba
(nem paz nem palavra)

que um poeta
não há nada que o valha


27 novembro 2015

Céu Perdido

sendo música que é sem ter que ser
assim me espero no que nada sou
vejo os campos tão amplos dos profundos
lagos meus que nunca foram benditos

porque ao âmago sempre inútil seco
aqueles verdes vagos passam e levam-me
em raio de horror tornado tornado
olho amigo para o céu que oceana

todos os sorrisos são como pássaros
fêmina passagem em culpa sanguínea
tudo é triste abaixo dO que não é

e em quatorze versos não disse nada
não disse porque estou rouco e mais louco
e tudo é tão longe, em febre, tão pouco...



25 novembro 2015

quem dera ficasse

a vida passa tão rápido
tão rápido
que às vezes nem passar
ela nos passa
é tudo tão poucas passadas
que logo são águas passadas
que ao longo são mágoas pesadas
que ao largo são folhas pisadas

e tudo que é belo
acaba breve
seja sonho seja neve
sejam flores ou olhares

passam a beleza e a vida
passa tudo o que eu (não) te diga
mas a poesia
(que nem é bela nem é vida)
a poesia é o que fica




23 novembro 2015

de Mulheres Difíceis

Poema inspirado e dedicado a Patrícia Almeida, por ocasião de seu aniversário (23/11/2015)

 I - viver ao lado de uma mulher
(se ela é uma grande mulher)
não é não ter mais que sonhá-la
por estar com ela
mas estar com ela
para ainda mais sonhá-la

II - há dois tipos de mulheres:
as de personalidade forte
e as que não valem a pena

III - chamam de mulheres difíceis
aquelas que além de inteligência
têm alma:
os homens em geral
não as conquistam
porque homens com alma e inteligência
são ainda mais difíceis

21 novembro 2015

de Ironias do Destino

o destino
é um irônico:

fez Beethoven surdo
para que ouvisse o mais alto

fez Milton cego
para que visse o não-visto

fez Pessoa nada
para que nos dissesse tudo

quanto a mim
fez com que eu tomasse vinho
para que enxergasse duplo:

é mesmo muito irônico
esse De(u)stino


19 novembro 2015

nem sonho e nem estrela

Franz Schubert, um de meus compositores favoritos, faleceu a exatos 187 anos, em 19 de novembro de 1828, com apenas 31 anos. Aproveito a a ocasião para republicar o poema abaixo, inspirado na sua música, escrito ano passado.

Após Schubert

essa estrela que eu olho
não é ela que está lá
pois uma outra há que vá
que me olha no que eu olho
mas essa estrela que é
que deseja o que eu vejo
nunca é no meu desejo

essa noite que eu vi
nunca foi a que estava
mas se vai com outra asa
longe do que pedi
alma do que não foi
e outra noite me envia
som-voo do que morria

este sonho que eu tenho
não é sonho que pode
fiz-me por outro acorde
nada em que me sustenho
erro do meu não ser
noite do que vou tê-la
nem sonho e nem estrela

15 novembro 2015

O rio mais importante de MG está morto. Em breve, também o planeta.


A catástrofe humana e ambiental ocorrida em MG, que causou a morte do Rio Doce, parece ainda não ter sido totalmente assimilada pela população brasileira.  A ficha ainda não caiu. É algo de proporções monstruosas. O rio é o mais importante de MG. Ou era. As consequências , gravíssimas, perdurarão por décadas. E muito da vida da região perdeu-se para sempre. Mas para muitos, absurdos como esses são apenas acidentes de percurso, e, para eles, a humanidade vai muito bem em seu caminho rumo ao progresso, ao desenvolvimento, à evolução.  Abaixo, trecho retirado do site Climatologia Geográfica:

"Segundo Luciano Magalhães, diretor do Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE) de Baixo Guando, órgão responsável pela análise, “parece que jogaram a tabela periódica inteira” dentro do rio. Segundo ele, a água não tem mais utilidade nenhuma, sendo imprópria para irrigação e consumo animal e humano.

Além desses metais pesados, a própria força da lama já devastou a biodiversidade do rio para sempre. Os ambientalistas não descartam a possibilidade de que espécies endêmicas inteiras tenham sido EXTINTAS pela lama. A quantidade de lama é tão grande que o rio teve o seu curso natural bloqueado, fazendo com que perdesse força e formasse pequenas lagoas que também não durarão muito, já que, além dos minérios, os esgotos, pesticidas e agrotóxicos também estão sendo carregados pelas águas." Clique aqui, para saber mais.

A empresa responsável, a Samarco, foi multada em 250 milhões de reais. De que adianta? Segundo fontes do governo federal, os prejuízos totais podem chegar a mais de 10 bilhões. Mas e a vida? Lógico que nem 1 trilhão pagará a vida perdida. Porém catástrofes como essas não pararão. Nem aqui nem em qualquer lugar do mundo. O dinheiro fala e continuará falando mais alto. As empresas querem lucro. Cada vez mais. O resto não importa. E todos acham isso ótimo, até quando ocorre uma tragédia. Então, se lamentam.  E depois, esquecem. A Vale foi entregue nas mãos gananciosas da iniciativa privada durante o governo FHC, em suas famosas privatizações. Todo mundo, ou quase, achou uma maravilha. 

Não há saída. Aos poucos, de facada em facada, o planeta morrerá. E a humanidade com ele. Por isso, deixo um de meus poemas. É só o que me resta:


A Queda da Humanidade


despencaste dos próprios tamancos
 tropeçaste nos próprios barrancos
 afundaste nos próprios buracos

não foste o ser que és
nem chegaste a ser o que não foste
daquilo que conseguiste desististe
o que fracassaste levaste adiante

puxaste a carta  mais baixa
do teu castelo de vento
quebraste o orgulho do teu salto
sem nem ter chegado ao alto

e eu
como nunca fui nada
entre o que está entre ti
naquele dia de Queda
não estarei nem aqui




12 novembro 2015

Homens só louvam imbecis

Abaixo, poema publicado no site do Caderno Literário Pragmatha, de Porto Alegre. Clique para ampliar.


10 novembro 2015

"Sem dinheiro para pagar o 13º, Estado gasta R$ 26 mi com vale-alimentação de 800 magistrados" A isso eles chamam JUSTIÇA.

A primeira parte do título acima, entre aspas, é o que foi noticiado no portal Sul21. A segunda parte eu acrescentei. Sim, porque é, no mínimo, vergonhoso e indignante que tal absurdo aconteça em qualquer nação. É uma afronta escancarada à população gaúcha. Nem em dar uma disfarçada se preocupam mais. E pior que o Estado pagar, é o fato de que os magistrados aceitam sem um pingo de vergonha. Como se precisassem de vale-refeição com seus salários acima dos 22 mil reais. E um vale refeição que é bem maior do que o pago a outras categorias. E ainda pior: é RETROATIVO. É, um juiz deve comer muito, muito mais do que outros seres humanos. É a única explicação plausível. Tudo isso seria ridículo, se não fosse catastrófico que esteja ocorrendo em um estado dito "politizado".

Depois, tanto o governo Sartori e sua base aliada (que acaba de aprovar a redução dos RPV's, ou seja, mais um golpe contra o funcionalismo), como muitos magistrados (logo eles, que deveriam ser exemplos do que é JUSTO), enchem a boca para falar de moralidade no estado, no país, de luta contra a corrupção, de cidadania, de igualdade, de justiça, enfim, o blá-blá-blá, o papo furado de sempre. Depois, exigem credibilidade da população. Depois, têm a cara de pau de falar em esperança. 

Confira trechos do que foi noticiado no portal Sul21:

Enquanto o governo de José Ivo Sartori (PMDB) diz não ter condições de pagar o 13º salário dos servidores do Executivo, no dia 20 de dezembro, cerca de R$ 26 milhões saíram dos cofres do Estado na semana passada para arcar com o pagamento retroativo do vale-alimentação de cerca de 800 magistrados, referentes aos anos de 2011 a 2014. Sem saber se receberão o 13º, representantes dos servidores do Executivo questionam a discrepância de tratamento entre categorias do funcionalismo estadual e consideram “absurdo” o benefício concedido aos magistrados, que também deverão receber o 13º em dia, dado o fato de as folhas do Executivo, Legislativo e Judiciário serem separadas.

Na semana passada, cerca de 800 juízes receberam o pagamento do vale-alimentação mensal (no valor de R$ 799) referentes ao período de junho de 2011 até dezembro de 2014. Ao todo, saíram dos cofres do Estado R$ 26.241.528,83. Em junho, quando o benefício entrou em vigor para juízes, pretores e desembargadores, o governo já tinha repassado valores referentes ao ano de 2015 – os gastos anuais com o benefício giram na casa de R$ 7,7 milhões. O pagamento deste benefício segue uma determinação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Na avaliação dos representantes de servidores do Executivo, esta remuneração “é um absurdo”. “Não tem sentido algum receber isso, ainda mais nos valores que estão”, avalia Augustin, que diz que a Constituição já prevê que o subsídio mensal dos magistrados (no mínimo R$ 22 mil) deve ser suficiente para a alimentação. Augustin também diz que, mesmo que fosse aceitável que os magistrados recebessem o benefício, os valores estão muito acima dos praticados para outras categorias. “Esses valores são um atentado, ainda mais sabendo que, com esses recursos, fazem com que as pessoas que ganham abaixo de um salário mínimo tenham dificuldades para receber”.