08 novembro 2015

Professor de Literatura analisa as letras das 100 músicas mais tocadas no Brasil. O que você acha?

Que a música brasileira (e não só a brasileira, o lamentável fenômeno é mundial) caiu drasticamente em qualidade nas últimas décadas, tanto no que diz respeito à música em si, à sonoridade, quanto às letras que a acompanha, é algo sabido de todos. Claro que há exceções. Mas o que vemos  (ou ouvimos), de um modo geral, são músicas extremamente pobres, sem riqueza ou originalidade tanto de ritmo quanto de melodia, com padrões de sonoridade batidos e repetitivos, quase nada sai do medíocre lugar comum.

 E quanto às letras, a situação é ainda pior. Em muitos casos, chamar certas "letras" de letras é uma ofensa à palavra. Em outros, ainda que a letra diga alguma coisa, o que diz é tão raso, tão sem graça, tão igual a milhares de outras letras, tão "mela cueca", que chega ser abaixo do nível do "comum". Bem, mas o que esperar de um país dominado, desde antes do século XXI, por essas coisas  caça-níqueis dos otários, como o dito funk, o axé, o pagode que não é samba, o sertanejo universitário que não é sertanejo...? 


Abaixo, publico trechos de uma entrevista com Marcelo Sandmann, professor de Literatura da Universidade do Paraná (UFPR), que analisou as letras das 100 músicas mais tocadas nas rádios brasileiras. Vamos ver a que conclusão o professor Marcelo Sandmann chegou (a entrevista pode ser conferida na íntegra aqui):



Todas as letras, sem exceção, tratam de relacionamentos amorosos. Esse “monotema” indica uma falta de preocupação com outros objetos?

Sim, as letras tratam exclusivamente de relacionamentos amorosos, o que chama especialmente a atenção, pois outros temas, mesmo que em menor escala, também costumam ser frequentes na canção popular. Um assunto muito presente, e com tratamento variado, seja, por exemplo, no samba dos anos 30 e 40, no baião dos anos 50, na canção de protesto dos anos 60 e 70, ou no rap mais recente é a questão social e/ou política, ausente dos exemplos aqui trazidos. O conflito não se dá apenas do “eu” com o parceiro amoroso ou algum rival, mas também em relação a situações de desigualdade social, carência material, opressão política etc.

Embora o sertanejo predomine, não há tematização da cidade, do campo, ou do deslocamento, por exemplo. Algum palpite sobre o motivo?

O “sertanejo” aqui já não pode ser entendido no sentido primeiro do termo, como uma música oriunda do “sertão”, ou do campo em oposição à cidade, e que apresentaria, portanto, questões como origem rural, deslocamento, nostalgia da origem, confronto cultural e social com o meio urbano ou adaptação a ele como assuntos importantes, conjugados à temática amorosa. O “sertanejo” aqui se define muito mais como um gênero já consolidado, com determinadas convenções de composição, arranjo, instrumentação e performance que remetem a uma certa tradição “sertaneja”, mas que na verdade já se deslocou em relação a ela. Trata-se de uma música absorvida pelo mercado, com um público alvo específico e que circula como um produto, dentro dos padrões que regem a produção e circulação de bens de consumo. Não é à toa que diante de toda essa onda, aparecem sempre aqueles que defendem o “sertanejo legítimo” ou a “música caipira de raiz”, o que daria espaço para vários outros questionamentos e reflexões.

Algum palpite sobre por que esses são os temas (e o gênero) que dominou as FMs? Certamente há outras produções, inclusive mais interessantes, que até já dominaram a cena em outros momentos. Há um “empobrecimento” da música brasileira?

Se considerarmos variedade formal e temática, maior complexidade musical e poética como valores positivos, há um evidente empobrecimento da música popular brasileira. Esse sertanejo urbano e massificado passou a dominar o mercado na passagem dos anos 80 para os 90 (Chitãozinho e Xororó, Leandro e Leonardo, entre outros) e hoje, com seus herdeiros, impera nas FMs de maior difusão e está muito presente nas televisões abertas, mas não só. Penso que em alguma medida é uma reação da grande indústria da música e do showbizz à ampliação da produção e fragmentação da circulação musical nas duas ou três últimas décadas, possibilitadas pelo barateamento das tecnologias de gravação e o acesso à internet como meio de difusão. A forças pluralizantes (democratizantes ou mesmo anarquizantes), contrapõem-se outras, centralizadoras. Uma questão de controle do mercado musical, portanto. Podemos pensar também nas mudanças sociais no Brasil das últimas décadas, com o advento da tão falada “nova classe média”, inserindo novos sujeitos no mercado de consumo, sem que a isso corresponda necessariamente algum tipo de transformação realmente significativa na formação educacional e cultural. 





06 novembro 2015

Contribuição à Literatura Nacional

literatura do agrado
dessas
amiga de todos
de mandar beijos aos quatro cantos
que acende vela a deus e ao diabo
pode ser tudo
menos literatura

literatura sorriso
dessas
de cana açúcar melado
de pingar calda em concursos - feira
sob a baba de plateias - fake
pode ser tudo
mas não é arte

ok, pode ser muitas coisas:
sabujice – adulação – servilismo
medíocre – pelego – ordinário
chatice – laxante – excremento
até escravatura

tudo isso e mais o que se queira
menos literatura




04 novembro 2015

da Música

a música é um mistério
(mas só
quando música)
e como tal não se pode
nem de porre
podê-lo ou sabê-lo

a princípio
precipício
a sete notas acima
ou sete palmos abaixo
ou céu a mais
verbo não-verbalizado
sem vice-versas
nem (des)entendimentos
equivocados:
é para cada ser que o seja

à música
não há preciso selo
não se carta
não se mensagem:
quem ouve
é que deve sê-lo

ainda que a música
diga dizeres
matemáticos ou linguísticos
não se pode dizer
que foi sendo como dito:
o que vale é o que som
infinital e arquetípico
absoluto
desracional
desanalítico

desde o canto do galo
ao galopar do cavalo
é um elevado alto
ditado em não se dizer
que é mister
misteriá-lo

02 novembro 2015

A Esperança Curvada ao Desumano

derradeira decadência das massas
pela invicta derrota do que humano
vontades que naufragam ano a ano
nos fundos tormentados das não-taças         

o não-haver de tudo que se faça
o em-vão irrevogável de um Engano
a esperança curvada ao desumano
nas vastas pradarias da desgraça

passo a passo de um algo que maldito
sobre as patas-arcanjos de um cavalo
entre os olhos sedentos do inaudito...

a nulidade do ato de salvá-lo
dessangra entre vermelhos de infinito
e o Horror levanta a força do seu falo...






31 outubro 2015

da Verdade

a verdade é como uma moeda:
para cada pessoa
a moeda foi jogada:
se caiu cara
a verdade é cara
se caiu coroa
a verdade é coroa

o outro lado nem se vê

mas a verdade é a moeda
não o lado

29 outubro 2015

Por te fazer mal

quem dera
deixar um algo
de tóxico
como se fosse um resto de trago
ou toco na areia de um vaso
com a brasa de um cigarro
inflamado
que fosse sangue cuspe catarro
como quem tira um sarro
amargo
deixando um lago
manejado à foice
avançando à bala
um tapa um soco ou coice
um vasto travo de droga
espuma do que se afoga
antigo cheiro de ópio
ao largo
mijo e baba de sapo
peçonha e saliva de cobra
um frasco negro de coca
e uma alta dose no sangue
fatal

quem dera deixar um algo
verdade última e tóxica
que te acordasse
por te fazer mal


27 outubro 2015

Assassino, antes de tudo

o homem
é antes de tudo
assassino:

de início
desejando ser o único
matou o próximo

depois
desejando tudo explicar
matou o mágico

desejando em tudo tocar
matou o onírico

desejando o planeta todo
matou o anímico

desejando tudo poder ver
matou o espírito

e por fim
desejando ser o único
matou o cósmico

agora sobrou só o homem
que antes de tudo
é nada



25 outubro 2015

do Interesseiro

I - o sonhador
que não deseja
o sonho realizado
é o sonhador autêntico
e verdadeiro
o sonhador que sonha
para ver o sonho feito
não é sonhador:
é interesseiro

II - o sonho
só é sonho
enquanto é sonho

quando se realiza
é outra coisa
que não o que foi sonhado

realizar o sonho
é traí-lo
abandoná-lo
e ao fim
nem é realizá-lo


23 outubro 2015

Em 2009, escrevi sobre o avanço e a inevitabilidade das Mudanças Climáticas

Sim, eu sei que é chato essa coisa de "viu, eu não disse?". É, eu também não gosto. Mas desde que criei meu blog, em 2006 (aliás, bem antes de criar o blog), escrevi  em prosa e verso, sobre a crescente crise ambiental de múltiplas manifestações e proporções que vem afetando o planeta e afirmei que ela chegaria até nós. E sempre disse que a culpa é nossa. Claro que não sou só eu que o digo, mas sou um dos poucos, bem poucos, a escrever sobre o assunto em nossa região, de tendência conservadora e inclinada ao pensamento "desenvolvimentista". 


Quase sempre, fui desacreditado, chamado de "alarmista", "pessimista", "exagerado". A maior parte das pessoas que lia o que eu escrevia não somente não concordava, mas se indignava que eu pudesse ser tão "contra o progresso e a humanidade". O que indica que não entendiam o que eu queria dizer.


Para mim, as alterações climáticas, e a culpa do homem em relação a elas, sempre foram extremamente óbvias. Não entendo como as pessoas não conseguem enxergar algo tão claro. O ser humano tem dificuldade em ver o óbvio. Exatamente por ser óbvio. Há um conto de Poe, "A Carta Roubada", que trata do assunto. No conto, a carta,  muito procurada, foi escondida no local mais óbvio. Exatamente por isso, nunca foi encontrada. As pessoas preferem criar explicações "sofisticadas", acostumadas que estão, condicionadas  uma ciência que prefere a complicação das explicações teórico-racionais labirínticas, do que a simplicidade e a clareza da percepção intuitiva.

Escrevi em 2009: "O certo é que o planeta inteiro passa por um descontrole climático nunca antes visto pela civilização, e que está aqui, diante de nós, e nós fingimos que tudo é natural, e que o homem não tem culpa nenhuma nisso tudo. E sabem por quê? Por que esse descontrole, esse caos, é lento, é progressivo, é insidioso. Não se percebe seu avanço, a não ser quando é tarde demais.

Quero dizer que o homem vem enganando a si mesmo, dando desculpas, buscando evasivas, escapatórias, fugindo à sua responsabilidade quanto à vida do planeta. 

Eu aprendi, por exemplo, quando estudante do então 1º grau, que o clima do RS era um dos mais constantes do Brasil, com raros períodos de grandes cheias ou grandes secas, que havia aqui uma das melhores distribuição de chuvas do país. Eu aprendi isso. E meus pais e meus avós confirmam que as secas e as enchentes extremas aconteciam, mas era de vez em quando. Pois agora, não tem um ano que nós não tenhamos ou uma seca ou uma enchente de proporções catastróficas."

Isso escrevi em 2009. O texto na íntegra pode ser conferido aqui. Agora, em 2015, Santiago vive o pior período de tempestades da sua história, a ponto de as pessoas terem que trocar a cobertura de suas casas, que teoricamente deveria suportar uma chuva de granizo, por materiais mais resistentes. É que esses granizos que estão caindo não são granizos normais. Muitos, eu sei, ainda negarão o óbvio. De que não se trata de mudança climática, e que nem o homem tem culpa. É como escreveu certo filósofo: "As pessoas não aprendem as lições da vida nem a canhonaços". 

21 outubro 2015

de acordo com Fernando Pessoa

é melhor tudo que não é
só por não ser o que é

o que é é sempre menos
do que seria se fosse
porque o ser nunca se alcança

o homem se caracteriza
por nunca atingir
o homem que não é

por isso há o sonho:
se quem sonha sabe sonhar
não se quer realizar o que sonha
porque deixa de ser sonho
mas sonha porque sabe que o sonho
é só quando o que não é
pode ser sem ter que ser
pois ao sê-lo deixará de sê-lo






19 outubro 2015

Árvore é Passado

a árvore passa
porque o progresso passa.
assim, sem sentido,
que a humanidade o perdeu:
atrofiou seu sentido
de encontrar sentido
de fazer sentido
em ser sentido

qual sentido seguir?

a árvore passa
no sentido de que é passado
o progresso passa
no sentido de que anda

mesmo sem sentido
que é passo a passo
(é fato
não pessimismo)
ir no sentido do abismo


17 outubro 2015

do que Impede a Vida

o que impede a vida
são os que querem saber para todos:
“não olhe pela janela,
eu já olhei
e não há nada lá fora”

são como aquelas visitas indesejadas
que te impedem de sair
por nunca irem embora

o que impede a vida
no homem efêmero
são os que querem
que calcemos os seus próprios sapatos
de menor número

o que impede a vida
é estar-se certo
de que o mundo
está certo
dentro dos limites
que ele  (não) tem

é como sempre pisar no seco
da estrada já pronta
para evitar de pisar
no vasto do campo
e molhar o pé

os que vivem
e criam
são os que veem o que não é