11 maio 2013

Uma Lenda e Um Tributo a Brahms (Conto reelaborado e republicado)


Ainda estou no clima dos 180 anos de Brahms. Decidi reelaborar este conto que escrevi em 2006. Vamos envelhecendo e amadurecendo. Creio que agora deixei melhor esta obra, da qual eu já gostava bastante. Agora, enquanto publico o conto, não escuto Brahms, mas a sua amada, escuto peças de Clara Schumann. Bom, basta de comentários. Aqui está o conto reelaborado. Mais uma simples homenagem que faço a Brahms.

 É manhã. E caminho pelo campo a descobrir o que é que me observa. E o campo é verde, vivo e vasto. Alguém, algo, algum ser, de forma permanente e misteriosa, oculto sob o invisível, vigia-me cheio de presságios... É aurora e o sol sobe como quem canta. E a aurora é bela e fria. No céu imensamente azul, no céu estranhamente azul, uma grande ave paira sobre meus sonhos. É ela que me observa? Porém quem é que toca a Sinfonia nº. 1 de Brahms? Sim, porque vibra essa obra em meus tímpanos, porém não sei de onde ela nasce.

            Dos grandes e roxos olhos da ave eu fito a saudade. E a ave parte ao longe sob o sol que brilha e assim percebo que não é ela que me observa. Sol que brilha como quem ama. Imperador , doador da vida, que também mantém fixo seus olhos de luz, fogo e raio sobre minha consciência. Mas não é ele que me observa. À medida que caminho por entre flores e enxames de borboletas, vejo que o astro solar ascende entre o que existe, cintila sobre a tranquilidade escura e iminente das folhas ancestrais das árvores das matas que avisto na distância do meu desejo. E a cintilar nas árvores fêminas, o sol proclama com cristalinas trombetas que não é ele que me observa, porque ele somente o faz durante o dia, e quem me observa o fará eternamente... Porém quem é que toca o concerto para piano nº. 2 de Brahms? Sim, porque vibra essa obra em meus tímpanos, mas não sei de onde ela nasce.

            Vem uma névoa do onde não é. Névoa densa e fria e longa e bela. Um céu nublado que amorteceu a luz solar. E o sol se mortifica em benefício à sombra. Um gelado estremecimento anímico traz consigo um inconcebível enigma... Que almas são aquelas que diviso flutuando invisíveis por entre a neblina? Que dança de espectros assoma solene ascendendo em alto cedro negro. Espíritos brancos e céleres valsam em perfeito equilíbrio e simetria e miram meus olhos, mas não são eles que me observam, apesar de tão fantástico espetáculo. Quem é que berra dentro do bosque? Bosque em sonhos, sombrio. Contudo não sou eu que sonho. Porém quem é que toca o Trio para piano, violino e violoncelo n°1de Brahms? Sim, porque vibra essa obra em meus tímpanos, mas não sei de onde ela nasce.


            É Tarde. Sinto que parte minha inspiração, ainda que permaneça ouvindo tantos gritos e grunhidos e rugidos e urros e gemidos e lamentos e murmúrios e sussurros que caem e sobem, que vão e voltam, que voam e brilham, que crescem e morrem, que dançam e beijam na tarde em névoa da mata inaudita. E sei que não são essas coisas que me observam. Há segredos e arcanos inacessíveis por trás de tão largo labirinto. Porém, quem é que toca o quarteto para piano e cordas nº. 3 de Brahms? Sim, porque vibra essa obra em meus tímpanos, mas não sei de onde ela nasce.

            Correu por entre o tenso um gato-do-mato. Dizem que há algo que não é nos olhos dos felinos. Escondeu-se atrás de um cipreste. Que nuvens etéreas se evolam daquele cipreste, carregadas de intensa paixão desesperada?... No entanto, a paixão não é minha. Talvez eu perca minha paixão. Sei que a vertigem em um dos galhos do cipreste mergulha na emotividade psíquica daquelas nuvens vermelhas que não sei de onde caem. Só sei que não existem ciprestes em nossas matas nativas... Portanto, não é nem o gato nem o cipreste que me observam. E nem mesmo aquele seres inclassificáveis que agora cruzam montados em lobos-guarás. Porque eu os conheço. Avistando as longínquas colinas e coxilhas longas e adormecidas sob as nuvens densas, tensas, nervosas e carregadas, eu sei que não é ele. Seu sorriso lembra algo absolutamente familiar. Eu, um cavaleiro de uma coroa perdida há muitos séculos, eu, um nada absoluto, fitando os cavalos e as ovelhas pastarem ao longe... Sei que não pode ser ele. Porém, quem é que toca o Concerto para Violino de Brahms Op.77 de Brahms? Sim, porque vibra essa obra em meus tímpanos, mas não sei de onde ela nasce.

 Inverno magnífico e trágico! Vejo teus olhos com febre nos horizontes. Olhos que choram e sangram lilases. Talvez sejam eles que me observam. Talvez eu esteja atingindo o ápice do segredo, o auge de todos os enigmas e mistérios... Mas não... O que é que importa? Porém quem é que toca o Quarteto para Cordas n°1 de Brahms? Sim, porque vibra essa obra em meus tímpanos, mas não sei de onde ela nasce.

            A névoa se dissipa. Meu coração se acalma e segue batendo lento, muito lento, sublimemente lento, canhestramente lento. Já que não sou mais eu. Sou talvez uma possibilidade de fuga. Aqueles perfumes balsâmicos dos pântanos e arbustos já assombrados e alarmados surgem melancólicos, enquanto o sol asfixiado em incensos desmaia cantando no chumbo, no verde, no roxo do céu de ocaso. Simultaneamente, aos berros de sapos, uma lua titânica surge em plenilúnio, carregada, fantasmagórica, ascendendo rápido por entre invisibilidades e nimbos. Inauditamente amarela e dourada. Uma lua noturna nasce triunfante e pungente. Quantos anseios e ânsias, e desejos e sonhos cavalgam com ela naquele conhecido dramático tropel? E quem é que me observa? E quantos fantasmas violinam no crepúsculo tardio que avança? E quantos seres que não sei que seres dançam nas nuvens avermelhadas, arroxeadas, acinzentadas e inflamadas na noite que ainda não é? Que Dança Fatal é esta que me inquieta e perturba? Divina ou demoníaca? Porém quem é que toca o Quinteto op. 34 de Brahms? Sim, porque vibra essa obra em meus tímpanos, mas não sei de onde ela nasce.

            E aquela lua onírica que me observa? E aquela lua de vinho? E aquela noite em que te amo? E aquela coruja? Aquela noite sangrenta... Aquela lua de lábio... Aquelas estrelas de Eros... Aquele longe de alma... Aquele vento de olhos... Aqueles astros pagãos... Aquela noite que é tua. Mas não é ela que me vigia, que me contempla, que me observa. Aquela lua não é a lua. Aquela lua é um sinal, talvez Trono, talvez Virtude. Talvez Deusa-Mãe. E dela goteja o que sonhei. Grotescos sentimentos. Gotejam olhos e tristezas de distante. Existências que se calamitam. Coisas rubras ao redor das árvores se abraçam com as minhas aspirações inexistentes, estranhamente velhas, nunca-vistamente verdes. E quem é que me observa? Porém quem é que toca o Réquiem Op.45 de Brahms. Sim, porque vibra essa obra em meus tímpanos, mas não sei de onde ela nasce.

Ainda não é noite, é quase. Subindo, eu fito a noite se menstruando de onde partem sussurros e músicas em surdina, e cantos de despedaçados espíritos, e sonhos de amores fatais, febres de inflamações cardíacas, tragédias de sublimes arquétipos do espaço infinito, da eternidade que assombra, de beijos sanguíneos na boca, na língua, que pairam nos dilacerados outonos entristecidos. Vejo olhos em todos os cantos, em todos os rios, em todas as matas, em todos os céus, em todos os seres! Quem é que me observa? E quem é que toca Brahms? Quem é que toca Brahms numa tormenta apocalíptica, a febre de Brahms, a fúria de Brahms, o sonho de Brahms! Quem é que toca Brahms, quem é que me observa? A Tristeza? A Tragédia? A Paz? A Força? A Paixão? A Tempestade? De Brahms? Que jamais se rende, que jamais se verga, que jamais se entrega!

            Sim, porque vibra a Sinfonia nº. 4 de Brahms em meus tímpanos, e agora eu sei de onde ela nasce... É tu que tocas, é tu que me observas...

            É Noite. E pela primeira vez sinto medo, pois estou no escuro da Noite e sei que é tu que me observas... Eu sigo meu caminho, olhando-te, somente com a lâmpada daquela nota em dó menor...

09 maio 2013

Dois Dentes de Esperança


I

hoje
tudo é comprado
(até virgindade)
e tudo é vendido
há até
quem venda esperanças
aos olhos vendados
do povo fodido

II

quem crava seus dentes
nas veias cavas macias
das nações indefesas?
o lucro vampírico
das grandes
em
presas

07 maio 2013

Johannes Brahms - 180 Anos

Comemoro hoje os 180 anos do meu compositor favorito, o mestre Johannes Brahms. Minha indigna homenagem está na forma do soneto abaixo, que escrevi há três anos, quando do 113º aniversário de falecimento do gênio de Hamburgo. Porém, agora reelaborei grande parte do soneto e creio que ficou mais bem acabado e mais amadurecido. Ok, tudo bem, o aniversário agora não é de falecimento, mas de nascimento. E daí? Brahms nunca morre. 


Soneto à Hora da Morte de Brahms

Segundo frau Tuxta, Brahms chorou de tristeza à hora da sua morte, o motivo não lhe pôde dizer: “Quando vi que as suas tentativas eram inúteis, vi que grandes lágrimas começaram a cair dos seus olhos e a rolar pelo seu rosto abatido. Fitou-me com tristeza, deixou-se cair e expirou”.

tensas e trágicas lágrimas tuas
furiando em ondas à força e a peso
ressoos de angústia infinito e desejo
cantos-horrores amores e ruas...

invernos e febre em lágrimas duas
violinos rompendo em cosmos acesos
sangram eternos terríveis arpejos
e um céu em silêncio às claras já nuas...

um denso pesar voou ao fatal...
o que é isso em ti que insano me abrigo?
que é este sonho que me arma um sinal?

lágrima lenta que lento eu te sigo
morre o sentido degrau a degrau
mas toda minha alma nasce contigo...

05 maio 2013

Os 260 mil que morreram de fome na Somália*


em um planeta esplêndido
(ainda que já agônico...)
onde há regiões miríficas
de natureza vivída
e onde a vida é fantástica
onde  a água é límpida
e há o esplendor telúrico...

neste mundo magnífico
entre o mistério cósmico
como podem, eu me pergunto atônito
reunirem-se bilhões de míseros
em lugares que são infindos túmulos
por entre águas que são mais que pútridas
amontoados como vermes fúnebres
sobre o lodo seco imundo esquálido
comendo lixo e o que houver de péssimo
por entre a doença a peste a pústula
onde nem há o consolar das árvores
e não há nada a não ser catástrofe

e mais adiante vê-se um campo onírico
onde o que é belo até se torna mágico
onde da vida há um fulgor titânico
e onde jamais puderam aquelas gentes trágicas
(e pior que trágicas, aqueles seres tétricos)
pisar a terra verde com seu passo trôpego...

a quem pertence neste mundo prático
as vastas terras desde lá o gênesis?

humanidade estúpida!

*Poema dedicado aos bilhões de miseráveis esquecidos pelo "progresso".

04 maio 2013

da Meia-Noite


quando morto
logo ao ponto
de deixar de existires
é como quando
em um ponto do céu
uma ave
desaparece
(que tudo cesse...)

então estarás no ponto
na volta ao ponto inicial
ao ponto mínimo branco
brotado
entre o negro dômino
de uma roda que é ponto
de filosofia oriental

fênix e reis
renascem das cinzas
e nunca perdem a majestade
(o cedo
é o muito tarde)

(que tudo cesse...)
como se passando do ponto
da meia-noite
fatal
natural
infinital
não amanhecesse...

02 maio 2013

Politicamente Correto


I

o cavalo
sendo chicoteado
para andar sempre
(com tapa-olhos)
no caminho reto:
o politicamente
correto

II

a máquina
(sem cérebro)
bem governada
para nunca sair da estrada:
o homem
(sem cérebro)
bem governado
para nunca sair da linha




28 abril 2013

Fragmento Absurdo de Uma Existência Futura n°2 – A Vagina e o Extrato de Tomate


Me acordei-me com os gritos irritantes de uma mulher sendo estuprada bem na calçada da rua, na frente da minha casa. Tenho o mau-hábito de chamar de casa o porão bolorento e empesteado em que vivo. Fui ver quem era. Funkeiros de merda. Não estava sendo estuprada, era a maneira estúpida daquela puta dar. Como já eram seis da tarde, decidi levantar e ir ao supermercado comprar bebidas, cigarros e algumas porcarias enlatadas e empacotadas baratas.  

“Fodam essa vadia longe daqui!”, gritei pra aqueles bostas, enquanto dava um coice na bunda imunda de um deles e fechava o portão enferrujado, úmido e pegajoso. Mais um dia de chuva ácida. Por isso moro no porão, não há perigo de haver furos no teto causados pelo ácido da chuva. E se a casa desabar, o que é bem provável com as enchentes sem fim dos últimos meses, o porão ainda permanecerá quase que intacto, comigo e com os ratos, baratas e mosquitos. Antes também convivia com sapos, eram os mais simpáticos, mas desapareceram. Devem ter sido vítimas de algum tipo de poluição ou radiação. Certa vez li que os anfíbios eram facilmente afetados pela radiação ultravioleta do sol. Deve ser verdade.

Cheguei ao mercado já de noite, com os pés embarrados. Disseram-me que eu deveria limpá-los, esfregá-los em um tapete imundo num canto da entrada. Mandei que tomassem no cu, queria sair dali logo e voltar para o meu porão ouvir Penderecki.  E tudo teria corrido bem, teria feito minhas compras estúpidas numa boa, como sempre faço, não fosse aquela cena absolutamente imbecil e nojenta que fui obrigado a observar, que me deixou ainda mais mal-humorado.

Uma velha que devia ter mais de 80 anos, mais feia que uma bruxa sifilítica, não por ser velha, mas por ser feia mesmo, de repente, rindo como um palhaço idiota, tirou toda a roupa, inclusive suas calcinhas grudentas, abriu as pernas raquíticas e tapadas de feridas e começou a enfiar em sua vagina um vidro de extrato de tomate. Sei lá o que ela pretendia, devia estar se masturbando. Todos os outros no mercado observavam com ar de curiosidade e satisfação. Eu apenas sentia nojo.

Mas a velha apertou com tanta força aquele vidro de extrato de tomate que ele se quebrou no meio de sua vagina e os cacos cortaram aquilo que deveria ser seu clitóris. E uma mistura de sangue e extrato de tomate escorreu até o chão. Nisso, um gorducho enlouquecido com uma camiseta com aquelas ridículas propagandas de cerveja, que surgiu não sei de onde, se atirou entre as pernas da velha e começou a lamber e a chupar aquele asqueroso líquido vermelho que escorria. As expressões de prazer, tanto da velha quanto do gordo, deram-me náuseas. E olhem que sou forte de estômago, acostumado que sou a comer entre os esgotos. Creio que a velha teve um orgasmo.

Alguém, um bosta, é claro, mas que não havia percebido antes, filmava aquela cena maldita e berrava que iria postá-la na internet, com o que todos concordavam, guinchando como jaguaras sarnentos. Passaram-se alguns minutos, a velha se levantou, sempre rindo, com as pernas abertas, pingando uma gosma avermelhada e voltou a fazer compras, pelada. O gorducho abriu um vidro de pepinos em conserva, empinou e bebeu todo o líquido, balbuciando que gostava de água de pepino em conserva com extrato de tomate, enquanto tirava para fora seu pênis e se masturbava.

E ninguém deu mais bola pra tudo aquilo, voltaram pra suas compras, e, como se fossem múmias, nem mais falaram uma palavra sequer sobre o “show com molho”. Estavam todos acostumados, somente eu ficara repugnado. Merda, ainda sou um sensível. Ah, que se foda, pensei. Peguei minhas garrafas de conhaque bagaceira, minhas carteiras de cigarro barato e minha merda de comida e voltei pra casa sem pagar nada. Quando estava na saída do supermercado, o gorducho que havia chupado a velha gritou: “não vai pagar, seu sem-vergonha?” Ele era o segurança do mercado. Mandei aquele filho da puta à puta que pariu. E foi minha mais profunda filosofia de toda aquela semana.


27 abril 2013

Patético


Beethoven compôs
a Sonata Patética
na época
que patético
significava
algo como “trágico”
estando de acordo
com o romântico
daquela época

hoje mudou-se rápido
e patético
significa algo como “ridículo”
e escrevo um poema patético
estando de acordo
com o homúnculo
desta época

hoje
a humanidade é prática:
as coisas passam tão súbitas
que logo o tudo é nada
fogo de palha
mísera
palha assada


25 abril 2013

de Povo e de Festa


I

enquanto vai o povo
in festança
vai nossa câmara
in festada

II

o povo
medíocre
em seu imediatismo
acha que é homem
quem troca logo o bico
e depois
leva um chute de bico
do político
medíocre
em seu imerdiatismo

III

quando vejo os políticos
reunindo-se em suas campanhas
sinto insuportáveis ascos
em saber o que há...
no cheiro daquelas picanhas
e na graxa daqueles churrascos



24 abril 2013

Triunfo das Pragas


não sei...

talvez bombom
sobre  madeira de mesa
com o recheio (por carunchos)
mastigado

talvez panela
sobre grade de fogão
com a comida (por moscas)
vomitada

talvez livro
em canto de estante
com as páginas (por traças)
destroçadas

talvez banheira
em escuro de quarto
com as águas (por ratos)
defecadas

talvez armário
em fundo de cozinha
com as gavetas (por baratas)
preenchidas

não sei...
mas talvez seja só isso
o coração humano

22 abril 2013

das Armas


um revólver taurus
calibre 38
seis tiros
4 polegadas
de início
depois
pode ser pistola
uma beretta mesmo
ou quem sabe a magnum 44
ou até espingarda
garrucha
mosquete
arcabuz

e o que dizer da metralhadora?
nem precisa
ser as moderníssimas atuais
já serve a dos anos 30
a thompson “tommy gun”
do capone e turma

mas claro que perfeito
também é um fuzil de assalto
até uma sub
ou indo para a browning m2
sem desprezar canhões
bazucas
e granadas

e depois
até serve um punhal
uma besta da idade média
uma machadinha
ou um facão de campanha
ou a faca mesmo
usada nas carneadas
e ainda uma espada de guerra
daquelas de ponta afiada
para deixar na cara
a assinatura

qualquer uma
tudo isso
tem bom uso
na literatura

21 abril 2013

O que é mesmo Terrorismo?


É terrorismo explodir bombas em lugares públicos, durante eventos e comemorações, matando pessoas inocentes? Obviamente que sim. Mas também não é terrorismo a dominação político-econômico-cultural, a imposição da lei do mais forte a outros povos e nações também inocentes? E o que é exatamente ser inocente? O pensamento americano de que eles, e somente eles, são o centro do mundo não é algo presente na mente e no comportamento da grande maioria dos cidadãos norte-americanos? Isso também não é uma agressão à humanidade? E também não é uma forma de terrorismo?

A reação terrorista é violenta, brutal, inaceitável? Sem dúvida. Mas e o que provoca essa            reação? Somente a religião? É fácil culpar os homens pelas suas supostas atitudes religiosas, porque dessa forma, intencionalmente, ocultam-se os motivos mais profundos, mais complexos, onde se escancara a injustiça dos dominantes sobre o dominados.

O que dizer da atuação exploratória, predatória das grandes multinacionais nos países subdesenvolvidos? Há justiça no neocolonialismo? E os seus absurdos lucros obtidos? Obtidos em cima do quê? De quem? Quem paga o lucro estratosférico das grandes empresas? Paga de que forma? Consumindo? O consumismo é uma escolha absolutamente livre de cada indivíduo ou é uma imposição dissimulada da mídia? Seria isso terrorismo? A quem serve a grande mídia? Aos oprimidos?

A concentração de renda não seria a mais sórdida categoria de terrorismo? A concentração é legal, a lei permite. Aí se encontra a sua maior malignidade. O diretor de uma grande empresa trabalha mais do que um agricultor familiar no campo? Então, por que mesmo sua renda é inconcebivelmente mais alta? E isso não é terrorismo? Quando o terrorismo é praticado pelas elites, não se chama terrorismo, chama-se sistema financeiro, chama-se bancos e banqueiros, chama-se “desenvolvimento”, chama-se  “progresso”.

O dito “marginal” que assalta, as quadrilhas criminosas que se proliferam, a violência dos centros urbanos devem ser combatidos e punidos? Logicamente. Mas e o que ocasiona tal violência? E o desejo de consumo, alimentado, por exemplo, pela televisão, pelas vitrines dos shoppings, pela ditadura da “vida feliz” dos nossos dias, esse desejo imposto pelos padrões da sociedade, não é uma atitude terrorista? E os que não podem satisfazer essa imposição intitulada “desejo de consumo” porque a sociedade não lhes permite devido às “regras do sistema”...  esses fazem o quê? E quem estabeleceu tais “regras”? Com que propósito? Pelo benefício de quem?

É cômodo dizer que os homens são terroristas, assassinos, criminosos, violentos e que devem estar mortos ou atrás das grades. E talvez realmente o sejam. Mas o que ou quem os fez assim?


“Do rio que tudo arrasta, diz-se que é violento. Mas ninguém chama violentas às margens que o comprimem.”

Bertolt Brecht




19 abril 2013

Para quê Dizê-la?


o que será que diz
a palavra que nunca disse?
mas eu sei o que ela é
só não consigo fazer
com que ela diga
o que no fundo
estou me sempre dizendo

mas não é bem que eu saiba
é talvez que eu sinta
e como saber e sentir
em uma palavra tão só?
talvez se confundam tanto
que se tornem outra coisa além
que não a coisa a ser dita

e também não é bem sentir
que o sentir ainda não é
bem o que está aqui ou ali
talvez seja um algo mais ao alto
em que tão claro
que não vejo do que me veja
e ainda que eu veja
não me alcanço tornar tornado

mas também ...
por que eu hei de dizê-la?
seja lá o que eu diga
não fará alguém olhar uma estrela

18 abril 2013

Arte da Fuga


a realidade
é maior e melhor
com Fantasias de Brahms
com a Isolde de Wagner
ao Luar de Beethoven
em Noturnos de Chopin...

a vida é mais vida
se Romântica
de Bruckner
mas Inacabada...
de Schubert
e se sabendo a Arte da Fuga
de Bach...



16 abril 2013

Fragmento Absurdo de Uma Existência Futura n°1


Fumando mais um cigarro, sentado no horror da minha cozinha, recordo-me, em deprimente indiferença (uma suprema indiferença tem sido a tônica da minha vida), os tempos em que eu assaltava bancos com meus amigos.  Bons tempos. Agora devem estar todos mortos. Eles, meus familiares e aquelas mulheres, poucas, bem poucas, que amei. Ou quase isso. Na verdade, nem sei se estão mortos ou não. Nunca mais soube deles. Nem tenho como saber, por mais que eu deseje. E também, agora,  já nem desejo tanto assim.  De que adiantaria? Mas devem estar mortos, é o lógico, dadas as circunstâncias. E em breve eu também estarei morto, é só uma questão de tempo. Sinto-me realmente doente. Não sei de qual doença se trata, é tudo tão confuso, uma reunião de sintomas de que nunca ouvi falar, sobre os quais nunca li, mesmo com os razoáveis conhecimentos de medicina que possuo. 

É como se minha pele ardesse e coçasse, saindo pequenas feridas purulentas em várias partes do corpo. Meus olhos ardem e estão sempre vermelhos. Às vezes, tenho pequenos sangramentos do nariz, dos olhos, das feridas da pele. Meu catarro grosso e amarelado volta e meia está manchado de sangue. Seguidamente, tenho febre. Por vezes, alta. Minha cabeça dói. Tenho tonturas, vertigens. De vez em quando, algum tipo de alucinação. Além de outros sintomas menores. Deve ser alguma doença oriunda da água contaminada ou da comida apodrecida. Ou, talvez, levando-se em conta os problemas de pele, pode ser efeito da radioatividade. Afinal, ela deve estar muito alta nessa região. E não só aqui, obviamente.  Aliás, a doença não deve ser A doença, mas AS doenças. Devo estar com um monte de merda em meu corpo. Só sei que não é aquele vírus que dizimou a cidade, porque o principal sintoma da epidemia era diarreia, e isso, pelo menos, eu não tenho. Ou também pode ser uma mutação do vírus, sei lá. Mas enfim, agora, o que importa? Como sei que não há forma de me curar, ainda que eu soubesse do que se trata, aguardo a morte. E mesmo que eu pudesse me curar, viveria pra quê?

Seja como for, a doença não me tirou o apetite. Tenho fome. E muita. Agora mesmo, estou pensando no que vou comer. Há meses, eu e alguns vizinhos, que já estão mortos, saqueamos todos os supermercados da cidade. Eu e meus vizinhos fomos os únicos que sobrevivemos após a epidemia do vírus desconhecido. O vírus havia contaminado a rede de água da cidade, mas nunca bebíamos água da torneira. Bebíamos de um grande poço artesiano que mantínhamos em conjunto. Quando a população inteira foi morrendo rapidamente, defecando sangue e pedaços de órgãos, isolamo-nos em nossas casas, bebendo água somente do poço e nos alimentando de nossos estoques. Mas, quando os estoques acabaram, tivemos que sair para procurar comida.

Nas ruas, cadáveres e mais cadáveres, todos mortos, todos. O fedor era insuportável. É interessante notar como a necessidade imperativa, imediata, de alimentos parece debochar daquilo que chamamos de “humanitarismo”, “compaixão” “amor ao próximo”. Pisando por entre cadáveres, sofríamos com a morte de outros seres humanos, muitos, conhecidos meus, mas isso não impedia que corrêssemos por entre eles esmagando involuntariamente seus crânios ou afundando os pés na sua carne apodrecida, ou chutando seus corpos para abrir caminho o mais rápido possível, sem absolutamente nada daquilo que chamaríamos “respeito pelos mortos”. E quanto aos meus vizinhos, em nenhum momento eu pensei em auxiliá-los na busca por alimentos, ou em dividir parte do que eu tinha conseguido saquear. Muito pelo contrário, era cada um por si, e o que conseguíamos pegar antes que algum outro pegasse era comemorado como uma gloriosa vitória. Naturalmente que brigas existiam, e violentas. Eu mesmo tive que matar dois de meus vizinhos. Quando digo que tive de matar, era porque a questão era simples: ou eles ou eu. O primeiro, matei com um espeto que estava ao meu alcance em um supermercado, pois disputávamos os últimos pedaços de carne fresca. O segundo, estourei os miolos com minha pistola, para poder ficar com um imenso estoque de frutas secas que ele tinha roubado.

De modo que agora, logo ao acabar de fumar meu cigarro, comerei algumas nozes. É curioso notar a forte semelhança do formato interno das nozes com o cérebro humano. Mais interessante ainda é o fato de eu ter obtido essas nozes estourando o cérebro de um dos meus vizinhos, com o qual eu até mantinha uma amigável relação. Remorso? Que nada!  O que significaria agora o remorso? Fiz o que deveria ter feito. E isso é tudo. Valeu a pena pelas nozes que comerei agora.

15 abril 2013

Três Considerações Sobre o Fanatismo


I

fanatismo
é observar um galho
como se fosse a árvore
e querer que o galho
seja a árvore

II

todo homem se suicida:
seja em corpo ou mente
em psique ou alma
de tal ou qual forma
em maior ou menor grau

fanatismo
é não perceber seu suicídio
como suicídio

III

fanático
é quem quer
que o seu eu
seja o meu



12 abril 2013

Um Círculo


o infinito é um círculo
que se infinita em seu dentro
por círculos infinitos
ao infinitesimal
o universo é um círculo
que se circula a si mesmo
circulando o que envolve
e o (re)tornando círculos
fazendo do círculo
o universal
a vida é um círculo
que em uma volta
é o que se vive
e em outra volta
é o que se morre
e em (re)volta
é o que (re)nasce
ao imortal
o cosmos é um círculo
do olho que olha
do surgir da água
ao cair da folha
um círculo
da estrela ao átomo
da música ao dito
o círculo é um infinito




11 abril 2013

Contos de Terror

O amigo e escritor baiano Paulo Soriano, em parceria com o também escritor Luciano Barreto, lançou a nova versão de seu excelente site dedicado à literatura fantástica e de terror, um dos mais importantes da categoria no Brasil, intitulado Contos de Terror. Na página, bastante ampla e diversificada, estão reunidos os autores brasileiros (e não só brasileiros) do passado e do presente que têm escrito e publicado dentro da literatura fantástica, gênero consolidado na Europa e em diversos países sul-americanos, como Argentina e Uruguai, mas que ainda sofre determinado preconceito no Brasil. Tenho a honra de ser um dos autores participantes. 

Vale a pena conferir o site, principalmente os fãs do gênero. Basta clicar aqui.

10 abril 2013

Morte da Humanidade


caim
matou abel
irmão
matou irmão
ou o outro
matou o outro?

o outro é o mesmo
e o mesmo
matou o mesmo?
outro
é igual a outro
o outro é todos
e o todo é um

o outro
é o eu mesmo
que é o homem
e o eu
matou o outro
e o outro era o homem
o homem
matou a si mesmo
e o si mesmo
matou a humanidade

08 abril 2013

da Realidade


o trono real
sempre passa
quem é rei hoje
amanhã some
e não passa de um nome
passado pisado
pela pressa da traça:
a realidade
é o que vemos
do opaco 
da fumaça

qual a real-idade
do que se olha?
talvez seja
a da folha
que se passa
quando voa
talvez seja
a do tigre
dente-de-sabre
que o que era
noutra era
ninguém sabe

o real está onde?
é claro como o dia
ou anoitece como a noite?
é antes pensado
ou antes sentido?
ou é aquilo
que se esconde?

talvez o real
seja o símbolo
ou a primeira camada
de um sinal
por isso
o que dizem sê-lo
não me vale um selo
de 1 real