28 outubro 2011

O Homem que Não Sentia (FINAL)

- Bem, mas aí tu estás levando a um ponto extremo...

- E por que não levar ao extremo? Sempre há um extremo em tudo, não? Talvez somente atingindo o extremo é que se poderá sofrer o choque necessário para que tenhamos a noção do estado em que chegamos. Um ponto máximo. Posso vir a ser este ponto máximo. Por que não? Mas não serei muito diferente do restante da humanidade. Observa bem, Renato. A grande maioria das criações humanas dos tempos atuais nos leva à mecanicidade, acaba, de um jeito ou de outro, levando-nos à mecanicidade de forma intencional ou não. Desde os computadores e a internet que nos afastam do convívio social direto, do calor do contato humano, passando pela frieza dos televisores, até atingir a qualidade da arte produzida em nossos dias, músicas mecanizantes, literatura superficial, enfim, tudo nos leva a deixar de sentir, ou, se sentirmos, é na superfície, não passa de um sentimentalismo ridículo, efêmero, que passa sem deixar verdadeiros resultados. Sem que haja qualquer modificação de fundo. Entendes o que digo?

- Sim, eu entendo, teus argumentos são legítimos, mas não acho que devemos aceitar as coisas dessa forma... Por que tu tens que cultivar essa frieza se tu a reconheces como sendo negativa, segundo se depreende do teu discurso? Melhor seria reagir.

- Reagir para quê? E de que maneira? Os que reagem são esmagados pela mecanização da sociedade. Há um padrão a ser seguido. Quem não o segue, é descartado. Mas eu não pretendo simplesmente seguir o padrão. O que eu desejo, como já disse, é extremá-lo, e jogar na cara de todos. Eu quero ser o pior. A criação mais doentia e monstruosa dessa civilização decadente.

- Meu Deus, Vagner, o que houve contigo? Eu simplesmente não sei mais o que te dizer...

- Então não me digas nada, será bem melhor assim! Estou cansado, exausto das pessoas me dizerem coisas, todas elas sempre inúteis, falsas, hipócritas, egoístas, belas palavras disfarçadas em aparentes bondades, mas apenas mais uma expressão sorridente da frieza mecânica, robótica e imbecil que se irradia como um câncer do olhar de cada ser humano. Olha no olhar dessa gente, Renato.  O que tu verás lá? Nada, apenas um vazio fétido. Cada vez que toquei na mão de cada pessoa, absorvi dela essa estúpida frieza insípida, essa morte em vida. E agora me torno a própria frieza. Em pessoa. Essa é a minha lição. Essa é a minha obra.

- Não acredito que tu sejas isso...

- Se eu te matasse, acreditarias?

- Tu não farias isso, é meu amigo... claro que não farias...

- Tens razão em uma coisa e te enganas noutra. Sim, eu não faria, mas não porque sou teu amigo, não o sou mais, não mais. Não sou amigo de ninguém, e assumo o fato. Não te mato porque isso não seria inteligente da minha parte. É óbvio que dessa forma eu iria para a cadeia. Só por isso não descarrego minha arma em ti. Mas não que seja pelo motivo de alguma afeição minha com relação a ti.

- Bem, ok, Vagner. Ainda não consigo acreditar em tudo isso, ou é uma brincadeira de mau gosto, ou tu enlouqueceste definitivamente. Mas creio que devo ir embora, acho que já estou incomodando.

- Não, incomodando não. Na verdade, tua presença pouco me importa.

- Sim, entendo. Até mais, Vagner. Só posso dizer que... sinto muito...

- É? Eu não.

27 outubro 2011

O Homem que Não Sentia


- Então pretendes te matar?

- Não, não pretendo nada, não tenho pretensão de coisa alguma, cansa-me ter qualquer tipo de pretensão. E também não faz sentido pretender alguma coisa. Eu simplesmente encontrei esta arma e pensei que poderia a usar para me matar. Mas não, não vou utilizá-la. Não comigo... Até porque não haveria nenhum significado em meu ato, eu simplesmente me mataria. E que tem isso para o mundo? Viver ou morrer, não faz diferença alguma.

- Não entendo por que tu estás dizendo isso, o que aconteceu contigo, Vagner? Tu não eras assim... Estás com algum problema?

- Não, problema nenhum, já passei da fase de ter problemas. Ter problemas é tentar solucioná-los. Quando se vê que nenhum deles tem uma solução verdadeira, eles deixam ser problemas, passam a não ser nada, mais um peso que a gente carrega, eternamente, repleto de indiferença.

- Esquecer os problemas seria a solução?

- Quem falou em esquecê-los? Eu não os esqueço, apenas não dou atenção mais a eles. Tanto faz ter um problema ou outro, ou ter mais um. Todos continuaremos sempre na mesma condição, se formos parar para analisar a questão de maneira profunda. Não faz sentido se preocupar com os problemas. Aliás, nada faz sentido na vida. Sou um homem do século XXI. O que é que faz realmente sentido para alguém hoje em dia?

- Não, assim tu também já estás exagerando. Acho que tu não estás bem. O que te levou a pensar que nada tem sentido nenhum?

- O mundo. A vida. A humanidade. Vocês. Tu mesmo. Olhem só para este mundo, olhem para vocês todos. Que coisa mais desprezível. Não acredito em nada do que vocês possam me dizer sobre qualquer coisa de vida, de sentimento, de amor. Sim, acho que não estou bem, acho que enlouqueci, depois de tentar tudo e não conseguir nada. Restou-me a descrença e a frieza totais e absolutas. Nada mais me comove. Sim, isso mesmo, como não pensei nisso antes?... Nada mais me comove. O que há de mais pós-moderno que isso? Sim, eu posso ser o espelho, não, mais que o espelho, posso ser o homem-modelo... não, melhor ainda! Posso ser o espécime máximo, o auge da evolução da espécie humana, o seu mais bem acabado e adaptado membro para os dias de hoje. Sim, não irei me matar. Vou viver, para ser o homem que não sente absolutamente nada.

- Haha! Desculpa, cara, mas isso chega a ser engraçado. Tu estás ficando louco mesmo, isso que tu estás dizendo... isso sim, não tem sentido nenhum. Um homem que não sente nada? Impossível, todos nós sentimos alguma coisa, psicologicamente falando. Temos as nossas sensações, as nossas comoções. Claro que isso difere de pessoa para pessoa, alguns sentem mais, outros menos, mas todos sentem. E tu sempre foste muito sensível.

- Isso mesmo, Renato, eu fui muito sensível. Já não sou mais. Sentir, sensiblizar-me com o que quer que seja, seja com o sofrimento de alguém, de qualquer homem ou de qualquer ser vivo, já não tem nenhum sentido para mim. Quantos aos homens, todos são maus, até mesmo as crianças, já estão cheias, repletas, transbordante de maldade e egoísmo, merecem sofrer, portanto. Por que eu faria alguma coisa para evitar ou aliviar o sofrimento delas? Que sofram, que paguem. Elas também não se importariam comigo. E presta atenção no que eu disse: eu VOU SER o espécime máximo, eu IREI representar o auge da evolução humana, SEREI o símbolo maior de nosso tempo. Isso significa que ainda não sou. Mas que posso ser, tenho tudo para ser. Pois sei que já sou quase que um completo insensível. Irei, aos poucos, deixar de sentir a mínima emoção com qualquer música, com qualquer livro, com qualquer arte, filme, com qualquer acontecimento trágico ou belo, com qualquer pessoa, em qualquer parte do mundo.

- Meu Deus, tu estás doente mesmo Vagner... Não posso acreditar que estejas falando sério...

- Sim, podes até rir, mas eu sei... Eu sou, ou serei, aquilo que a sociedade, que esta civilização sempre buscou, consciente ou inconscientemente. Eu fui, eu estou sendo construído, estou sendo moldado. O homem sem coração, sem alma, sem emoções, robotizado, o homem- máquina, o homem mecânico. O homem do século XXI.

Amanhã, o final do conto.

(Na imagem, o quadro "Desespero" de Edvard Munch)

26 outubro 2011

Um Absurdo

cavar todos os dias
com uma pá
sem descanso
cavar a cada instante
como se fosse adiante
cavar com o pé
o que não é
até  achar diamante
a toda hora
como se fosse embora
cavar pelo pó
com um resto de bota
sem ter espora

cavar cova tão imensa
que seja cratera
e chegue ao outro lado
e à outra era
e arrancar petróleo e ouro
quanto mais cansado
com fôlego de touro
e rubis e esmeraldas
e trazer à luz
envolvidos em grinaldas

e enfim jogar tudo aos porcos
pelos chiqueiros tortos
e partir
sem ter o nome na lista

e como um vulto
que pelo longe some
sublimemente
morrer de fome

(eis a missão do artista)

24 outubro 2011

200 anos de Franz Liszt

Anteontem, 22 de outubro, um dos mais importantes compositores da história, o húngaro Franz Liszt (1811-1886) completou 200 anos de existência. Sim, porque os grandes artistas continuam existindo mesmo depois de mortos.

Não sou propriamente um fã de Liszt, seu estilo exagerado, grandiloquente e virtuosístico (no caso das obras pianísticas) não condiz muito comigo. Sou, como todos sabem, adepto da música mais contida (mas não menos poderosa) , mais densa, mais severa de Brahms. Brahms e Liszt eram grandes rivais em suas ideias musicais. Mas isso não me impede de apreciar várias das obras do compositor húngaro.

Gosto muito dos seus poemas sinfônicos, dos quais Liszt foi o desenvolvedor e estabelecedor do gênero.Um poema sinfônico, como sugere o próprio nome, é uma obra instrumental para orquestra cujo tema ou programa é literário, baseado em alguma obra, que pode ser um poema lírico, trechos de poemas épicos, um drama... Liszt foi um grande mestre do poema sinfônico e da música programática. Desempenhou papel decisivo na evolução da música do século XIX.

A música programática, ou de programa (não, não tem nada a ver com música para cabarés) é a música escrita para expressar um programa pré-estabelecido, geralmente de caráter literário, como no caso dos poemas sinfônicos. As óperas e dramas de Wagner, a Sonata "Dante" e as Sinfonias "Dante" e "Fausto" de Liszt, os poemas sinfônicos "Romeu e Julieta", "Francesca de Rimini" de Tchaikovsky, a Sinfonia Fantástica de Berlioz são exemplos típicos de música programática. A música programática de Liszt e Wagner rivalizaram na época com a música absoluta de Brahms, aquela onde não há programa algum que a defina, uma música mais "livre" e pessoal. 

Um grande número das peças para piano de Liszt são pequenos poemas musicados. Ou poemas em forma de música. Até mesmo seus belíssimos "Estudos Transcendentais" tem um caráter extramusical. Mas aprecio mais aquelas obras de Liszt que se aproximam da música absoluta, como os concertos para piano e a sublime Sonata em si menor. Na minha opinião, nessas obras, e nos poemas sinfônicos, está o melhor de Liszt, é onde ele melhor concretiza sua grande originalidade de ritmos e estruturas, sua grandiosidade por ora luminosa, por ora bizarra e ameaçadora, a sua sugestiva criação melódica. 

Ainda não posso deixar de mencionar que Liszt era um pianista fenomenal, dizem que foi o maior de todos os tempos, que hipnotizava, enfeitiçava as plateias com as suas insanas performances ao piano, principalmente as mulheres. Aliás, Liszt estava sempre cercado de mulheres, parece que fazia muito sucesso com elas.

Bem, quem estiver interessado em conhecer obras de Liszt, pode encontrar aqui.


22 outubro 2011

De Segundo em Segundo...

...o
tempo
é um algo estranho:
dizem que pode ser marcado
por ponteiros de cobre ou de estanho...

e ele vai indo
hora por hora

de hora em hora
de hora em hora

e quando se vê
tu já foste embora...

e vai avançando
de minuto em minuto

minuto a minuto
minuto a minuto

e quando se vê
outra vez de luto...

e aquele infindável
de segundo
sobre segundo

segundo
em segundo
segundo
em segundo

e quando se vê
já não há mais mundo...

não há mais mundo
há mais mundo
mais mundo
mundo
o...

21 outubro 2011

Não, Pelo Contrário

a palavra
quando é bem dita
nunca é a que está escrita
poesia é o que não se espera dela
é o que pulsa pelo onde que não é
do outro lado de um outro além
de sombra cristalina
que não se encontra
nem aqui nem na china

a minha palavra
que agora está a te atingir
está a tingir-te de outro vinho
mais tinto
que tu não vês
a poesia é um sangue espalhado
entre o de mim
e o em vocês

surgida de onde não se quer
e daquilo que não se aceita
a poesia é o que há de mais sublime
saído da vida mais imperfeita

a poesia
é um ar que trago
mas não respiro
por isso é que errei em tudo
para acertar com  minha palavra
como se fosse um tiro

19 outubro 2011

Meu conto A Doença da Luz e o filme Melancolia

Foi com surpresa que assisti ao filme "Melancolia" (Melancholia), escrito e dirigido pelo talentoso cineasta dinamarquês Lars Von Trier. O filme é verdadeiramente excelente, um dos melhores de 2011, sem contar que utiliza como trilha sonora excertos da ópera "Tristan und Isolde" de Richard Wagner, a minha ópera favorita. 

Mas o que mais me chamou a atenção no filme foi a sua temática de fundo: a aproximação ameaçadora de um planeta estranho de nosso planeta. Utilizei-me dessa mesma temática em meu conto "A Doença da Luz", escrito em outubro de 2008 e publicado aqui no blog durante o mês de novembro do mesmo ano na forma de capítulos.

Tendo em vista que o filme "Melancolia" está em voga, decidi republicar meu conto, na íntegra. Sei que o conto é relativamente extenso, mas talvez alguns o leiam... Acredito que não se arrependerão...


                            A Doença da Luz  (ou O Relato de Carlos Walter Mann)


7 de maio de 2025 - Meu nome é Carlos Walter Mann, e o relato que me foi solicitado pelos senhores encontra-se nas linhas a seguir. Procurei explicar os acontecimentos de acordo com as datas mais significativas para mim, algumas delas ficaram profundamente gravadas na memória. É a minha visão particular da catástrofe, vamos a ela...

23 de fevereiro de 2024 - Naquela manhã de verão plena de sol, ao levantar-me, percebi que a geladeira não estava funcionando. Tentei acender as luzes. Não havia energia elétrica. Imaginei que fosse apenas uma interrupção temporária no fornecimento de eletricidade. Logo deveria voltar. Minha esposa, Carolina, ainda dormia. Sentei-me e fui comer algumas frutas, e em seguida li o jornal. No entanto, passara-se mais de uma hora, a luz não retornara. Decidi ligar para a companhia de energia elétrica. O atendente não soube informar-me absolutamente nada sobre o que estava acontecendo. Disse-me que a interrupção no fornecimento de energia ocorrera durante a madrugada de forma misteriosamente inexplicável, e não era algo restrito a nossa região, mas atingia todo o país, melhor dizendo, atingia todo o planeta! Por mais absurdo que isso pudesse ser, até onde se sabia, não havia energia elétrica em nenhuma parte do mundo. Finalizou a breve conversa afirmando que o estranho e caótico caso já estava sendo seriamente estudado por milhares de técnicos e cientistas em todos os países do mundo e logo deveria ser solucionado.

            Em seguida, telefonei novamente para a companhia e solicitei para falar com um amigo que lá trabalhava. Desejava ter uma idéia melhor do que ocorria. Com muita pressa e nervosismo, meu amigo limitou-se a dizer que tudo ocorreu de uma hora para outra, a energia simplesmente deixou de ser fornecida simultaneamente em todos os países, sem nenhuma causa aparente. Não houve falha em nenhum ponto, todas as unidades produtoras de energia elétrica estavam funcionando perfeitamente, sem nenhum erro. Porém, não existia energia. As usinas ao redor do mundo não produziam absolutamente nada de eletricidade. E, até o momento, não havia explicação alguma. Fui deitar ao lado de Carolina e ler um livro.

19 de março de 2024 – A energia ainda não voltara. Apesar dos terríveis esforços em todo o mundo, não só nenhuma solução foi encontrada, como também a causa do pior desastre da história da humanidade permanecia uma incógnita. E ainda pior que isso: não só a eletricidade oriunda de usinas (fossem elas hidrelétricas, termelétricas, nucleares...) deixou de existir, mas também qualquer tipo de eletricidade produzida pelo homem: pilhas, baterias, células fotoelétricas, enfim, nada mais funcionava. Não era mais possível ao homem produzir energia elétrica. Creio que os senhores podem imaginar perfeitamente o caos absoluto que reinou no planeta. Sem a energia elétrica, o homem atual não é nada.

            Com o colapso energético, a comunicação entre os humanos deixou de existir, pois até mesmo as companhias telefônicas e os correios não tinham mais condições de funcionar. Sem telefones, sem internet, sem televisores, sem rádios, enfim, sem nada, teríamos regressado aos séculos em que não dependíamos da eletricidade, se isso fosse possível. Não era. Não estávamos preparados para tanto.

            A humanidade paralisou-se completamente. Imaginem as negras conseqüências da catástrofe... Basta lembrar que todas as instituições, todas as indústrias, todas as empresas, toda a ciência, praticamente todas as profissões, todos os governos, os mais banais afazeres, desde um celular a um automóvel, de uma calculadora a um computador, de uma lanterna a um avião são dependentes de energia elétrica. É inenarrável a titânica magnitude do desastre que rapidamente estabeleceu o mais absurdo caos entre a civilização...

14 de maio de 2024 – Esses dois meses que passaram foram decisivos no desenrolar da catástrofe e deram-me uma visão absolutamente desesperadora do que acontecia com a humanidade. Definitivamente, já não existia uma civilização. Não, não voltamos à barbárie. Antes tivéssemos voltado. Na verdade, involuímos de forma absurda para um estado de degradação inimaginável, o mundo via aflorar o lado mais negro e diabólico do ser humano, e eu pensava desolado no que estaria acontecendo naqueles instantes ao redor do mundo...

            Como qualquer tipo de comunicação à distância era impossível, inclusive deslocar-se com veículos automotivos, cujas baterias não funcionavam, eu não podia mais saber o que estava sendo feito para a solução da tragédia, se é que alguma coisa poderia ser feita. O que a ciência poderia fazer, como poderia construir qualquer nova tecnologia que não dependesse de eletricidade se todas as máquinas necessárias para tanto só funcionavam com eletricidade? Não havia saída para a civilização.

            Eu e minha esposa estávamos isolados e com medo. Havíamos consumido quase todo nosso estoque de alimentos. Onde obter mais? E como conservar alimentos sem geladeiras? Felizmente, o inverno se aproximava, e com o frio, a necessidade de refrigeradores seria menor. Mas precisaríamos de mais calor, de mais fogo. Deveríamos obter mais gás. Era imperativo voltar à cidade. Sim, porque vivíamos um pouco afastados dela. Nossa casa situava-se além do perímetro urbano, possuíamos uma pequena propriedade onde cultivávamos um vasto pomar e plantávamos alguns legumes e verduras, além de criarmos frangos. No entanto, tanto eu como Carolina trabalhávamos na cidade em nossos respectivos empregos, que haviam sido suspensos pela falta de energia.

            Em minha última visita à cidade, há menos de um mês, a maioria dos estabelecimentos comerciais haviam fechado suas portas, ou por falta de fornecedores ou por medo dos saques. A população, já perdendo seus empregos e sem dinheiro, não tinha alternativa, a não ser saquear os mercados para a obtenção de alimentos. Mesmo assim, eu deveria ir à cidade na esperança de encontrar o que nos faltava e conseguir mais gás. Felizmente, eu possuía uma pequena carroça e um cavalo. Foi o que possibilitou minha pequena viagem.

12 de maio de 2024 – No início da tarde, parti em direção à cidade. Por precaução, levei comigo uma arma de fogo. Conforme me aproximava da zona urbana, um cenário de desolação verdadeiramente apocalíptico ia se desenrolando. Eu via casas em ruínas, automóveis destruídos, pessoas e animais mortos às centenas pelas ruas imundas, abarrotados de todo tipo de lixo e sujeira. O mau cheiro da podridão infestava minhas narinas. “Meu Deus!” pensei comigo, “a ausência da eletricidade causou todas essas tragédias em tão pouco tempo?” E passei a imaginar os horrores que poderiam estar assolando o mundo naquele exato momento... Continuei avançando pelo que parecia ser o cenário de uma guerra. Não podia dizer como, mas acreditava que toda ou quase toda população da cidade estava morta ou desaparecida. O cavalo abria caminho por entre cadáveres, e os únicos seres vivos que eu via, além das plantas, eram alguns gatos, cachorros e aves perdidos por entre a destruição.

            Avistei o que havia sido um supermercado. Peguei a arma e entrei. O mercado fora saqueado, mas ainda pude encontrar alimentos enlatados e em conserva, bem como alguns pacotes de velas. Rapidamente, saí do mercado e dirigi-me até o depósito de gás. Ainda consegui encontrar três bujões intactos. Preocupado com a segurança de minha esposa, tomei o caminho de volta. Por entre os mortos, eu tentava desesperado entender o que estava acontecendo com a humanidade. O que ocorrera com a população de mais de 50 mil habitantes da cidade onde eu vivia? E enquanto refletia inutilmente, alguém surgiu por detrás de algumas árvores. Era um homem com aspecto de mendigo. Quando me avistou, partiu em minha direção numa corrida desvairada. Parecia enlouquecido. Peguei a arma, estava pronto para atirar. Porém, antes tentei interrogá-lo, saber quem era, o que estava acontecendo. Foi inútil, parecia não me ouvir. Ele se acercou da carroça ameaçadoramente. Matei-o com um tiro na cabeça.

            Alarmado com o ocorrido, temi pela vida de Carolina. Fui para casa o mais rápido possível. Para meu alívio, ela estava bem.

22 de junho de 2024 - Estávamos completamente isolados. Após ter matado aquele louco que se acercou da carroça, vi apenas mais dois humanos, ambos igualmente enlouquecidos. Também necessitei matá-los. O primeiro deles tentou se aproximar de Carolina enquanto ela tirava água de nosso poço artesiano. O segundo, encontrei no campo quando fui visitar nosso vizinho mais próximo, que ficava a cerca de 4 km. Tentou atacar-me com um machado. Acertei uma bala em seu peito e prossegui rumo a meus vizinhos. Não havia ninguém vivo por lá. Os cadáveres de Antônio, sua esposa e seus filhos jaziam apodrecidos no pátio. Apenas pus na carroça seus estoques de querosene e gás, assim como as velas que encontrei, e voltei para casa. Nessa tarde, reforcei drasticamente a segurança de portas e janelas.

            Durante a escura noite, não consegui dormir. Apesar de estarmos no princípio do inverno, o calor era insuportável. E já fazia cerca de uma semana que, durante estas noites densas e abafadas, eu ouvia ao longe gritos horríveis, dificilmente conseguiria descrevê-los, eram como urros, grunhidos, pios, gemidos, enfim, toda espécie de som aterrador. Eu não saberia dizer se eram de homens ou animais, ou de algum ser monstruoso. Naquela altura, em meio a tantas aberrações, eu tenebrosamente imaginava o que poderia ser aquilo e comentava com Carolina as idéias terrificantes que surgiam a minha mente, enquanto um gélido arrepio percorria nossas almas... Porém, naquela noite tudo parecia ainda mais intenso e perturbador, o calor, o clima físico e psicológico de opressão, os sons infernais da noite... Foi então que percebemos que se formava uma tempestade, uma absurda tempestade...

            A tormenta formou-se numa velocidade vertiginosa e assustadora. De uma hora para outra, violentas rajadas de vento surgiram dos céus congestionados, nossa casa parecia que seria derrubada em questão de minutos. Trovões atordoantes massacravam os céus, e dantescos relâmpagos como eu jamais vira bombardeavam os campos até onde a vista alcançava. A eletricidade que o homem não mais podia produzir estava ali devastando horizontes. Eram raios gigantescos, grotescamente ramificados, cruzando-se incessantemente por entre a pesada chuva. Víamos árvores serem atingidas, e um dos raios caiu em nosso pomar. A fúria do vento varria as extensões diante de nossos olhares aterrorizados. Havia algo de errado, de anômalo naquela tormenta, principalmente em seus raios. Eles eram doentios, imensos em demasia, suas ramificações ominosas e a freqüência com que surgiam nos céus eram completamente anormais.

            Durante aproximadamente uma hora, mal conseguíamos respirar de tanto medo e apreensão. Impossível expressar nossa sensação de alívio quando a tormenta cessou de forma tão súbita quanto iniciara. Nossa casa estava intacta. Porém, algumas árvores do pomar foram derrubadas e perdemos praticamente todas nossas plantações de legumes e verduras.

Meados de agosto de 2024 - Durante várias noites repetiram-se as absurdas tempestades de raios, sendo estes cada vez mais anômalos e destrutivos. Creio que só por um milagre nossa casa não foi atingida, porém nosso galpão, um pouco afastado da casa, recebeu uma das ramificações monstruosas e foi totalmente aniquilado. Nosso cavalo e nossos frangos estavam lá dentro. Morreram todos. Sem os animais, nossa situação tornava-se mais e mais difícil, para não dizer trágica.

            E quando finalmente chegou ao fim o período das tempestades, há cerca de quatro semanas, principiou-se um tempo violentamente seco, impressionou-nos a rapidez brutal com que a umidade desapareceu do ar. Um sol inclemente castigava nossa região em pleno inverno, e a temperatura ultrapassava os 30ºC. Era um calor insalubre, doentio, irradiava-nos uma sensação febricitante, deixando-nos irritadiços algumas vezes, e noutras abatia-nos com um insuportável desânimo e torpor.

            Não demorou muito para que infernais incêndios sem controle devastassem os campos e as matas da região, e densas nuvens de fumaça pioravam nosso já lamentável estado físico e psicológico. Eu e Carolina todos os dias tínhamos que retirar baldes e mais baldes do poço para apagar o fogo que ameaçava o pomar e as esquálidas tentativas de replantar nossas hortas. E a água começava a escassear rapidamente. Já iniciávamos a passar fome, mas graças ao próprio fogo ela foi aliviada. Freqüentemente, animais fugiam das chamas e aproximavam-se de nossa casa. Mesmo sendo contra a caça, não tive alternativa. Necessitei caçá-los para sobrevivermos. Abatia animais selvagens e domésticos, como vacas e ovelhas.

            Nossas noites tenebrosas eram agora iluminadas pelos deprimentes e intermináveis incêndios e pela luz amarelada e insuportavelmente triste de uma lua cheia ameaçadoramente esfumaçada, como surgida de um pesadelo pressago. Aqueles fantasmagóricos sons noturnos que infestavam as noites durante o período de tormentas cessaram por completo, mas nossa tensão permanecia. Carolina já entrara em depressão e meu estado psíquico não era muito melhor que o dela. Então, em certa tarde de muito sol, quando o fogo principiava a regressar, olhei para o céu intentando encontrar alguma nuvem de chuva. Porém o que vi foi algo inquietantemente estranho. Quase que ao lado do sol eu julguei avistar um outro. Sim, outro sol de um brilho menor e de tom avermelhado. No entanto, não me era possível, obviamente, fixar minha atenção na direção do sol e não tive certeza do que vi.

Início de novembro de 2024 - Meu decadente estado de alma por essa época deixou-me na memória apenas os fatos mais significativos, os mais terríveis dentro de tantos horrores. Os incêndios haviam cessado por completo. A temperatura diminuíra muito, o frio era absurdo para a época, com temperaturas próximas a zero. A luz do sol havia regredido, minguado canhestramente. Nossas fontes de alimentação encontravam-se no fim. O pomar já não possuía mais frutas, nossas plantações morreram inteiramente, o estoque de alimentos enlatados logo acabaria. Nossa única esperança de alimentação era a caça, cada vez mais difícil. Mesmo no estado em que me encontrava, eu partia em busca de animais e atirava no primeiro que surgisse, indistintamente. Era doloroso para mim abater animais selvagens, mas não havia saída. E eu estava certo que em breve não encontraria mais nenhum para abater.

            Fracos e atormentados psiquicamente, sentíamos que nossa morte se aproximava. Nada sabíamos do que estava acontecendo. E nem tínhamos mais condições de pensar nisso. Creio até que delirávamos...

            Dissera que a luz do sol havia minguado, regredido de forma absurda. A única explicação para o fenômeno seria aquele “outro sol” que eu havia visto há meses. Aquele sol de brilho estranho e avermelhado, de uma aura fantasmal, estava agora muito mais próximo. Eu delirava? A questão é que ele havia se aproximado muito da Terra e já encobria uma grande parte do sol. Porém, o que chamei de “outro sol”, não o era. Tratava-se, acreditei, de outro planeta, um gigantesco e ominoso planeta vermelho que se aproximava ameaçadoramente... Eu não tenho palavras para descrever a opressora e massacrante sensação de medo e horror que aquele inacreditável planeta nos causava. Nós sentíamos e víamos morrer a luz do sol, assim como morrera a eletricidade. Eu tinha apenas minha esposa e a luz dos olhos dela. Ela tinha apenas a mim e a luz de meus olhos. E foram essas únicas luzes, creio, que nos alimentaram e nos mantiveram vivos.

Meados de dezembro de 2024 - Acredito que o acontecimento derradeiro foi em dezembro, pelo menos foi o que posteriormente os senhores me relataram. Sinceramente, não sei como chegamos vivos até aquele dia. Recordo vagamente de que consegui abater um boi que surgiu em nossa propriedade, e foi comendo sua carne que sobrevivemos. O frio era insuportável, abaixo de -10ºC, com certeza, embora não houvesse como eu saber a temperatura exata. A água do poço estava congelada. Já prevendo que isso ocorreria, armazenamos dentro de casa grandes quantidades de água. Para nos aquecermos e cozinhar, fomos obrigados a queimar nossos próprios móveis. Creio que nos últimos dias chegamos a comer carne crua.

            A maior parte da luz solar era impedida de chegar à Terra devido à interposição do imenso planeta vermelho. Os dias eram sombrios, desolados, nevoentos, e afligia-nos psicologicamente de forma arrebatadora. Passávamos a maior parte do tempo dormindo, por fraqueza e para conservarmos o que nos restava de energia. Mal consigo lembrar desses dias infaustos. Só sei que quando dormíamos, éramos assediados por pesadelos insanos e indescritíveis. Imagens nebulosas de horrores, de morte, de epidemias, de genocídios, de loucuras, de guerras, de catástrofes ambientais naturais e provocadas pela mão humana vinham-me à mente e à de Carolina, durante nosso sono perturbado. Creio que eram como visões do que aconteceu ou acontecia com o restante da humanidade.

            Foi então que em uma noite de funesto silêncio, fomos acordados de nosso sono agourento por dois homens estranhos. Mal consigo lembrar-me do que vi, tamanho era nosso abatimento. Estávamos realmente próximos da morte. Eles carregaram-nos no colo até uma espécie de avião ou helicóptero desconhecido muito luminoso que estava nos fundos de nossa propriedade. Deitaram-nos em camas estranhas e nos deram algo igualmente estranho para beber, um líquido pastoso de sabor muito forte. Então, voltamos a adormecer quase que de forma imediata.

05/01/2025 - Foi o dia em que acordamos. Enigmaticamente, dormimos de forma ininterrupta por duas semanas. Nossos sonhos agora eram povoados por visões de paz e de belezas deslumbrantes, em um ambiente desconhecido, porém livres de horrores e tormentos. Quando despertamos, não sabíamos onde estávamos. Então vieram até nós um homem e uma mulher altos e de bondosa aparência, com uma fisionomia um pouco estanha, no entanto. Deram-nos de comer e de beber. O lugar em que nos encontrávamos consistia em algo como uma pequena casa de madeira simples, muito limpa e organizada.

            Era manhã, e o sol raiava lá fora com toda sua força e plenitude. A temperatura era agradável, e ouvíamos o canto de dezenas de pássaros, alguns conhecidos, outros não. Sentíamo-nos muito bem, tanto física quanto psicologicamente. Os terrores que havíamos vivenciado pareciam ser apenas pesadelos já superados... Não compreendíamos por que estávamos naquele local desconhecido, mas o casal que se encontrava conosco tranqüilizou-nos dizendo para aguardarmos que logo tudo seria explicado, ou pelo menos tudo o que deveríamos saber. Decidimos então esperar e não fazer nenhum questionamento por enquanto.

            Após nos sentirmos revigorados pela nutritiva refeição, saímos do aposento e fomos conhecer os arredores. O lugar era como uma pequena cidade, talvez uma aldeia, aparentemente isolada entre belos montes cobertos por densas florestas por um lado e vastos campos verdejantes por outro. Avistávamos algumas pessoas nas pequenas ruas da aldeia, nenhuma conhecida. Ouvíamos vozes articuladas em outras línguas, entre elas o espanhol. Não divisávamos nas ruas nenhum tipo de automóvel, apenas carroças e charretes puxadas por cavalos ou bois. O clima era um tanto medieval e estranho, contudo, de profunda paz e serenidade. Sentamos em um gramado para conversarmos sobre o que presenciávamos.

            Nesse momento, acercou-se a nós aquele homem alto, moreno, de aspecto grave e fisionomia firme, enérgica, porém marcantemente serena. O homem disse chamar-se César. Afirmou que era o momento de fazer-nos algumas revelações. Advertiu-nos para que não perguntássemos nada além do que ele nos dissesse. Impressionava a sensação de autoridade e confiança que ele transmitia, e nem pensamos em questionar sua advertência. O homem iniciou revelando-nos que o planeta que se aproximou da Terra foi o causador do aparente “fim” da eletricidade produzida pelas máquinas humanas. De alguma forma, seu poder eletro-magnético não conhecido pelos homens havia “sugado” para si, atraído como um imã, toda a eletricidade que a humanidade fabricara. A aproximação do planeta também foi responsável por uma série de desastres climáticos, ambientais e geológicos, todos agravados pela destrutiva ação do homem na Terra. Formaram-se apocalípticas tempestades, incêndios catastróficos, alterações aberrantes de temperatura, terremotos, maremotos, estiagens devastadoras em algumas regiões, enquanto em outras, inundações nunca antes presenciadas.

            Segundo César, a aproximação do astro também afetava a saúde física e psíquica dos humanos, causando uma espécie de loucura generalizada, além de uma série de epidemias desconhecidas pela ciência de nossa civilização. Disse ainda que a órbita do planeta era extremamente longa e irregular, mas que ele se aproximava da Terra de tempos em tempos, às vezes chegando muito perto, como neste caso, outras vezes, não muito. Era um planeta gigantesco, e seu poder de atração gravitacional muito maior do que o da Terra, o que por si só é causa suficiente de inúmeros cataclismas.

            Afirmou ainda César que o sinistro planeta possuía a capacidade inexplicável pelas leis da física conhecidas de se ocultar no espaço, não sendo identificado por telescópios, até que estivesse tão perto que poderia ser visto a olho nu. Acrescentou que alguns seres humanos, entre os quais eu e Carolina, eram imunes aos efeitos direto do planeta, mas não quis revelar os motivos dessa imunidade, completando que com o passar do tempo saberíamos. Finalizou revelando que aqueles que nos trouxeram para este lugar naquela noite eram seres extraterrestres com sua nave espacial, não entrando em maiores detalhes sobre o assunto. Sua última frase, um tanto enigmática e que muito me chamou a atenção, foi: “A maioria dirá que o planeta gigante destruiu a humanidade. Eu digo que a humanidade se autodestruiu, e o planeta apenas restabeleceu a ordem necessária, conforme o tempo revelará...”

            Não resisti e tive que fazer uma única pergunta: “Mas que lugar é este em que estamos?” César limitou-se a lembrar-nos de sua advertência inicial: não deveríamos realizar nenhuma pergunta. Em seguida, levantou-se do gramado e partiu calmamente.

            Bem, senhores, creio que não há mais nada a acrescentar. Escrevi quase tudo o que lembrei, procurando estabelecer datas para os acontecimentos, conforme vossos insistentes pedidos. Cumpri também com a ordem expressa dos senhores de não relatar nada mais além do dia em que César nos fez aquelas revelações. Muitas coisas descobrimos após aquele dia, outras revelações fantásticas e aterradoras, contudo, creio que não são para este relato, embora eu não compreenda o por quê. Aos poucos vamos entendendo os motivos de estarmos aqui, e o trabalho terrível que devemos realizar. Nossa vida não tem sido fácil, porém é uma luta extremamente gratificante.

            Como não foi esclarecido o motivo de ter-me sido solicitada a elaboração deste relato, não sei se cumpri com vossos objetivos. Escrevi o que julguei ser realmente importante. No entanto, sem dúvida haverá alguns pontos falhos, uma vez que minha memória não guardou vários fatos devido ao estado lamentável em que me encontrava. Alguns pontos foram-me lembrados por Carolina. Espero ter cumprido satisfatoriamente esta minha tarefa. Aqui está meu relato. Não sei o que os senhores farão com ele. Talvez, nem deva saber...

NOTA: O relato de Carlos Walter Mann foi encontrado no ano de 2008, na cidade de Santiago, no Rio Grande do Sul, Brasil. Estava ele impresso em algumas páginas colocadas dentro de uma pequena pasta vermelha. Tal pasta encontrava-se sobre a grama, à beira de um trevo de acesso à cidade, e foi recolhida durante uma manhã de sol por um senhor que realizava tranqüilamente uma de suas caminhadas matinais.



18 outubro 2011

Poema a um Urutau

na noite que é tu mesmo
e em que também anoiteço
tu te ocultas
como se não
como se não fosses
como se não soubesses...
mas eles é que não sabem
que tu estás em teu não estar

não sendo tu
só o teu ser é que é:
tu não serias o teu ser
se te mostrasses em aberto:
mostrar-se não é de um urutau

só o que paira de ti
é o espectro do que não
é o teu verbo que é fantasma
é o teu grito que não grita
teu lamento que apunhala
mas que ninguém vê o além
do estar a dor apunhalada...

ninguém te vê quando tu cantas
e o que cantas é este susto
que não nos deixa sinal...
deixa-me então
simbolizar-me em ti:
também ninguém vê o meu mal...