10 dezembro 2008

O Enigmático Sofrimento do Olhar de Van Gogh


Van Gogh
Auto-retrato

Um Poema do Mestre

A esperança, como um fósforo inda aceso

A esperança, como um fósforo inda aceso,
Deixei no chão, e entardeceu no chão ileso.
A falha social do meu destino
Reconheci, como um mendigo preso.


Cada dia me traz com que esperar
O que dia nenhum poderá dar.
Cada dia me cansa de Esperança ...
Mas viver é esperar e se cansar.


O prometido nunca será dado
Porque no prometer cumpriu-se o fado.
O que se espera, se a esperança é gosto,
Gastou-se no esperá-lo, e está acabado.


Quanta ache vingança contra o fado
Nem deu o verso que a dissesse, e o dado
Rolou da mesa abaixo, oculta a conta.
Nem o buscou o jogador cansado.


Fernando Pessoa

08 dezembro 2008

Menstruada

má...agoada
des/manchada em derr/amamentos
tu te purificas
ex/pulsando
trágica e catártica
lágrimas de útero
em alertas de término

tu te santi/ficas
em choros sanguino
lentos
lentos
pela tua pele
pelas tuas pernas
em rubras pétalas
das cho/rosas murchas
do jardim quente
do teu ventre
em chuvas...
eu absorvo
as tuas dores
melan
cólicas

05 dezembro 2008

Além...

queria expressar
além de toda expressão
dizer o que não é
escrever o que não posso
fazer arte do absurdo
que o limite do que existe
não me é e não me basta
não me é tal alto o céu
não me é tão fundo o inferno
não é tão negro o negro
nem tão belo o belo

queria fixar palavras
que passassem ao outro lado
do infinito
que ficassem mais além
da eternidade
palavras
que não fossem palavras
que fossem o universo
em essência de verbo
queria dizer tudo
não dizendo nada...

enfim eu não queria
que as minhas palavras
falassem do teu beijo
queria que elas...
fossem a tua boca

04 dezembro 2008

INTER - Campeão de Tudo

Não sou um fanático por futebol, mas aprecio bastante esse esporte. E o meu time é o Internacional. Assim, venho aqui deixar minha homenagem a mais uma façanha do Colorado: a conquista da Copa Sul-Americana, sendo o 1º clube brasileiro a vencê-la. Além do mais, segundo as palavras da própria Conmebol, o Inter passa a ser o mais INTERNACIONAL dos clubes brasileiros, sendo o único a conquistar todos os títulos disponíveis a um time do Brasil: Libertadores da América, Mundial Fifa, Recopa e Sul-Americana. Somente o Boca Júniors, da Argentina, também conquistou esses 4 títulos. Isso sem contar os títulos internacionais não oficiais que o Inter venceu, como o Torneio de Dubai. São façanhas que não podem passar ignoradas por um gaúcho. Em pouco mais de 2 anos o Inter vergou 5 dos maiores times mundiais (Barcelona, Boca, Stuttgart, Internacional de Milão, São Paulo) e quebrou vários tabus, como vencer o Boca no La Bombonera depois de 5 anos de invencibilidade do time argentino em torneios internacionais. O Inter é Mortal. Mata todos! Parabéns, "Glória do desporto nacional, Ó Internacional..."

03 dezembro 2008

Uma Tragédia Sem Importância...

Naquele ensolarado final de tarde primaveril, saí às ruas para mais uma de minhas costumeiras caminhadas. É sempre inspirador caminhar sentindo a brisa prazerosa tocar nossa face sob um límpido céu azul, ao paradisíaco aroma das flores e ouvindo o canto celestial das aves.

E quando já estava ao fim de meu passeio, encontrei sentada sobre uma calçada uma linda menina de cabelos brilhantes e olhos dourados, aparentando não mais que 13 anos de idade e vestindo uma roupa de cor verde bastante simples mas que muito se adequava à sua inocente beleza. Aproximei-me da menina e percebi que ela chorava copiosamente. Sentei-me ao seu lado e perguntei por que ela chorava tanto, ao que ela respondeu-me:

“Meus pais foram mortos há alguns dias, foram assassinados. Meu pai levou um tiro no peito, seu sangue respingou sobre mim. Minha mãe também foi ferida com um tiro, caiu no chão e teve sua cabeça esmagada sem piedade por aqueles homens cruéis. Meus irmãos mais jovens foram raptados pelos assassinos, eles os levaram. Eles gritavam e choravam desesperados, mas não podiam fugir. Só eu consegui escapar.

Eu fugi, e sem meus pais não sabia o que fazer. Nós vivíamos no interior de uma floresta, tínhamos a nossa casinha onde éramos tão felizes, mas ela foi destruída, e aqueles homens maus devastaram toda a floresta. E lá plantaram uns arbustinhos que chamavam de soja. Eu fiquei por um tempo escondida em um pequeno bosque, o único pedaço de mata que restou. Alimentava-me de algumas frutinhas que encontrava por ali.

Um dia os homens maus vieram carregando algumas coisas que não sei dizer o que eram e começaram a fazer sair uma nuvem branca sobre a soja. Acho que aquela nuvem era venenosa, porque ela veio até mim, e eu a respirei, e seu cheiro era horrível. Comecei a me sentir mal, fiquei tonta e saí da mata em direção ao rio.

Quando lá cheguei, bebi um pouco d’água para me sentir melhor, mas a água estava com um gosto muito ruim, e senti-me ainda pior. Havia coisas estranhas no rio, sujeiras, lixos, e as águas que antes eram tão limpinhas, tão bonitas, onde eu e meus irmãos brincávamos e pegávamos bichinhos da água, estavam marrom, mau-cheirosas e sem nenhum peixe. Também não havia mais na beira do rio as grandes árvores verdejantes onde nós tanto gostávamos de brincar.

Então saí do rio sentindo-me muito mal. Voltei para a mata, a nuvem branca já tinha passado. Foi então que ouvi tiros que se aproximavam de mim. Seriam aqueles assassinos? pensei. Eu devia fugir dali, ainda que mal tivesse forças para isso. Então saí da mata no mesmo momento em que vi aqueles homens matando a tiros uma família de cachorros-do-mato. Mataram todos os cachorros, pai, mãe e os três filhinhos, mataram por matar, para se divertir, porque nem levaram seus corpos, deixaram lá para apodrecer e saíram rindo muito satisfeitos.

Mesmo quase sem forças, eu consegui escapar. E assim, lentamente fui me dirigindo para a cidade. Então, com muita dificuldade, cheguei até aqui onde estou. Eu estava escondida naquela árvore, mas perdi todas as minhas forças, mal conseguia respirar, e caí sobre a calçada. Ainda consegui erguer-me, mas sentia que aquela nuvem venenosa que respirei no campo estava me matando, ela me asfixiava. Mas ainda vivia e lutava pela vida. Tentei caminhar pela rua, era tudo que podia fazer, na esperança de que alguém me ajudasse. Vi que vinham crianças, e pensei que elas não seriam más e então me ajudariam.

Mas eu muito me enganei. Aquelas crianças, ao verem que eu ali estava caminhando com dificuldade, juntaram muitas pedras para atirar em mim, acertando algumas com muita força. A dor que elas me causavam era insuportável. Eu sentia as pedras machucando e cortando minha carne, fraturando meus ossos, via meu sangue escorrer, e não podia fazer nada. Uma das pedras quebrou minha perna direita, e não pude mais caminhar. Eu já não agüentava mais, até que uma pedra enorme foi jogada sobre minha cabeça. Ainda ouvi e senti meu crânio ser esmagado, e logo a morte veio para aliviar minha dor. Ali está o que restou do meu corpo.”

Olhei à minha esquerda e percebi o cadáver de um pequeno pássaro de plumagem verde, amarela e azul esmagado por dezenas de pedras. Perplexo, voltei meu rosto para a menina e nem precisei perguntar, pois ela se adiantou:

“Sim, eu sou o espírito daquela avezinha, sou sua alma. Os homens acabaram com a minha vida, com minha família, com meu canto, com minha felicidade. E quem teria piedade de um pobre pássaro, quem daria atenção para mim? Ninguém, ninguém dá atenção para essas coisas... Esses são os humanos... O que vocês estão fazendo com a vida deste planeta? E quando toda essa vida morrer, o que será de vocês?”

Nesse instante, acordei de meu sonho. Sim, tudo não passou de um sonho. Ou pesadelo. Levantei-me, profundamente abalado. Horas depois saí para caminhar nas ruas. E qual não foi meu espanto ao encontrar em um local arborizado um pássaro verde, amarelo e azul esmagado por dezenas de pedras. Agora, era a realidade...

01 dezembro 2008

O Poema mais Trágico

Qual o poema mais trágico da literatura brasileira? O amigo leitor já pensou a respeito? Certamente, é uma decisão dificílima, ainda que a literatura brasileira não seja lá tão trágica, se compararmos com a alemã, com a inglesa, com a francesa... Nas américas, eu escolheria "O Corvo", de Poe, como o mais trágico poema. Mas ficando apenas no Brasil, qual escolher? Pensei bastante a respeito, e entre os poetas que conheço oscilei entre obras de Cruz e Sousa, Augusto dos Anjos, Fagundes Varela, Alphonsus de Guimaraens, Emiliano Perneta, entre alguns trágicos poemas de nosso Modernismo e Pós-modernismo, entre obras de alguns autores bem pouco conhecidos, enfim, analisei um quantidade razoável de poemas dentro de minhas possibilidades, mas acabei me decidindo pela poesia do talvez mais famoso de nossos poetas sombrios: Álvares de Azevedo. De fato, ele compôs um poema que é insuperável no quesito "tragicidade"(na minha opinião, que isso fique bem claro, afinal sempre haverá divergências naturais e compreensíveis, até porque eu não posso conhecer todos os poemas escritos no Brasil). E mesmo que o poema abaixo não seja o mais trágico entre os brasileiros, pois trata-se de uma análise obviamente subjetiva, como não pode deixar de ser em artes, é fato incontestável que muito dificilmente alguma obra em verso superará o profundo e radical desespero e melancolia deste escrito azevediano, o clima desolador de perda e de fim, a densidade perturbadoramente sombria de um universo emocional carregado de devastadores desejos e inquietações sem resposta e que se chocam fatalmente contra um mundo sem sentido. A seguir, o poema que, na minha humilde decisão, é o mais trágico da literatura brasileira. Se alguém quiser deixar sua contribuição, citando algum outro poema brasileiro que seja mais trágico do que este, sinta-se à vontade, será muito bem-vindo.

Lágrimas de Sangue

Ao pé das aras no clarão dos círios
Eu te devera consagrar meus dias;
Perdão, meu Deus! perdão
Se neguei meu Senhor nos meus delírios
E um canto de enganosas melodias
Levou meu coração!

Só tu, só tu podias o meu peito
Fartar de imenso amor e luz infinda
E uma Saudade calma;
Ao sol de tua fé doirar meu leito
E de fulgores inundar ainda
A aurora na minh'alma.

Pela treva do espírito lancei-me,
Das esperanças suicidei-me rindo...
Sufoquei-as sem dó.
No vale dos cadáveres sentei-me
E minhas flores semeei sorrindo
Dos túmulos no pó.

Indolente Vestal, deixei no templo
A pira se apagar — na noite escura
O meu gênio descreu.
Voltei-me para a vida... só contemplo
A cinza da ilusão que ali murmura:
Morre! — tudo morreu!

Cinzas, cinzas... Meu Deus! só tu podias
À alma que se perdeu bradar de novo:
Ressurge-te ao amor!
Malicento, da minhas agonias
Eu deixaria as multidões do povo
Para amar o Senhor!

Do leito aonde o vício acalentou-me
O meu primeiro amor fugiu chorando.
Pobre virgem de Deus!
Um vendaval sem norte arrebatou-me,
Acordei-me na treva... profanando
Os puros sonhos meus!

Oh! se eu pudesse amar!... — É impossível!
Mão fatal escreveu na minha vida;
A dor me envelheceu.
O desespero pálido, impassível
Agoirou minha aurora entristecida,
De meu astro descreu.

Oh! se eu pudesse amar! Mas não:
agora que a dor emurcheceu meus breves dias,
Quero na cruz sangrenta
Derramá-los na lágrima que implora,
Que mendiga perdão pela agonia
Da noite lutulenta!

Quero na solidão — nas ermas grutas
A tua sombra procurar chorando
Com meu olhar incerto:
As pálpebras doridas nunca enxutas
Queimarei... teus fantasmas invocando
No vento do deserto.

De meus dias a lâmpada se apaga:
Roeram meu viver mortais venenos;
Curvo-me ao vento forte.
Teu fúnebre clarão que a noite alaga,
Como a estrela oriental me guie ao menos
Té o vale da morte!

No mar dos vivos o cadáver bóia
— A lua é descorada como um crânio,
Este sol não reluz:
Quando na morte a pálpebra se engóia,
O anjo se acorda em nós — e subitâneo
Voa ao mundo da luz!

Do val de Josafá pelas gargantas
Uiva na treva o temporal sem norte
E os fantasmas murmuram...
Irei deitar-me nessas trevas santas,
Banhar-me na friez lustral da morte
Onde as almas se apuram!

Mordendo as clinas do corcel da sombra,
Sufocado, arquejante passarei
Na noite do infinito.
Ouvirei essa voz que a treva assombra,
Dos lábios de minh'alma entornarei
O meu cântico aflito!

Flores cheias de aroma e de alegria,
Por que na primavera abrir cheirosas
E orvalhar-vos abrindo?
As torrentes da morte vêm sombrias,
Hão de amanhã nas águas tenebrosas
Vos rebentar bramindo.

Morrer! morrer! É voz das sepulturas!
Como a lua nas salas festivais
A morte em nós se estampa!
E os pobres sonhadores de venturas
Roxeiam amanhã nos funerais
E vão rolar na campa!

Que vale a glória, a saudação que enleva
Dos hinos triunfais na ardente nota,
E as turbas devaneia?
Tudo isso é vão, e cala-se na treva
— Tudo é vão, como em lábios de idiota
Cantiga sem idéia.

Que importa? quando a morte se descarna,
A esperança do céu flutua e brilha
Do túmulo no leito:
O sepulcro é o ventre onde se encarna
Um verbo divinal que Deus perfilha
E abisma no seu peito!

Não chorem! que essa lágrima profunda
Ao cadáver sem luz não dá conforto...
Não o acorda um momento!
Quando a treva medonha o peito inunda,
Derrama-se nas pálpebras do morto
Luar de esquecimento!

Caminha no deserto a caravana,
Numa noite sem lua arqueja e chora...
O termo... é um sigilo!
O meu peito cansou da vida insana;
Da cruz à sombra, junto aos meus, agora
Eu dormirei tranqüilo!

Dorme ali muito amor... muitas amantes,
Donzelas puras que eu sonhei chorando
E vi adormecer.
Ouço da terra cânticos errantes,
E as almas saudosas suspirando,
Que falam em morrer...

Aqui dormem sagradas esperanças,
Almas sublimes que o amor erguia...
E gelaram tão cedo!
Meu pobre sonhador! aí descansas,
Coração que a existência consumia
E roeu um segredo! ...

Quando o trovão romper as sepulturas,
Os crânios confundidos acordando
No lodo tremerão.
No lodo pelas tênebras impuras
Os ossos estalados tiritando
Dos vales surgirão!

Como rugindo a chama encarcerada
Dos negros flancos do vulcão rebenta
Golfejando nos céus,
Entre nuvem ardente e trovejada
Minh'alma se erguerá, fria, sangrenta,
Ao trono de meu Deus...

Perdoa, meu Senhor! O errante crente
Nos desesperos em que a mente abrasas
Não o arrojes p'lo crime!
Se eu fui um anjo que descreu demente
E no oceano do mal rompeu as asas,
Perdão! arrependi-me!

Álvares de Azevedo

28 novembro 2008

Um Outro Mundo

poderá morrer o todo
que provavelmente é o tudo
mas o provavelmente nada
que minha alma é
não deixarei morrer...

na ponta de uma lança de sonhos
restará gotejando versos
a aura em sangue
de meu coração
se sublimando em incêndios
respirando um furacão

ainda restará minha alma
quando nada mais restar aqui:
sobre as cinzas da humanidade
erguerei um outro mundo
com tudo o que sinto por ti
o que sinto
é o sangue de aléns
que no eterno me corre:
morrer é não sentir
- a humanidade morre

26 novembro 2008

Nunca

achas que essa tormenta
acalmará minha tormenta?
qual tempestade
acaba com tempestade?
tornará a minha ainda pior
ou melhor:
melhor!

essa chuva torrencial
não fará transbordar
o copo de minha alma
que há muito tempo
transborda sem cessar
há muito
não me contenho em mim

esses tornados
ao baterem em meus ciclones
o tornarão final furacão

eu irei para o inferno?
ótimo!
o fogo infernal
só fará explodir
o incêndio
do que sinto...

24 novembro 2008

Do Pessimismo e Da Indiferença

“Pouco me importa.
Pouco me importa o quê? Não sei: pouco me importa.”

Fernando Pessoa

Por favor, não venham procurar ler coisas que não digo. Muito menos, venham querer dizer-me coisas que não quero. Quem disse que preciso saber do que é sabido ou que alguma coisa ainda precisa ser dita? Ou ensinada? Ensimesmada? Não há nada ali. Nem aqui. Por que insistir em ver uma luz no fim do túnel? Nem túnel existe. Só poço.

O poço da miséria humana. Por acaso achas que saíste dele? Sinto muito. Eu sou assim mesmo. Eu digo estas coisas chatas, antipáticas, que ninguém quer ouvir, ou melhor, ler. Detesto hipocrisias. Mas todos somos hipócritas. Não é mesmo, leitor? Nem sei por que estou escrevendo isto. Há momentos e há momentos. Este momento é de escrever isto. Dessa forma. Nesse tom. Negro, como o U de Urubu. Ou o U seria roxo? O U é sempre sombrio... Por isso, ele é a vocal principal de Futuro... Aposto que ninguém percebeu esse fato lamentável...

Aliás alguém percebeu alguma coisa? O que quer que seja? Alguém percebeu? Não, nunca ninguém percebe nada, é sempre tudo igual, tudo insuportável, tudo absolutamente monótono, imbecil, hediondo. Nada muda diante dos olhos carcomidos do homem, onde os vermes da apatia, da subserviência, da submissão, do riso imundo e degradante fizeram eterna morada. Risos fedorentos lançados aos ares miasmáticos do fundo do seu poço individual. Há uma luz no fim do poço. Um fogo-fátuo dança ali em sua valsa mefistofélica sempiterna. Que se danem! Danemo-nos. A Danação de Fausto.

Requiem aeternam dona eis, Domine! E os teus olhos? Onde estão os teus olhos? Céus! mas onde estão os teus olhos, os teus olhos tão belos? Por que eu deveria esperá-los? Lux Aeterna! Sim, tudo está bem. Não se preocupem com nada, afinal, o que é um beijo para quem está abraçado? Os senhores não concordam? Odeiam-me? Ótimo, mas odiar é uma perda de tempo, pois nunca se odeia como se gostaria de odiar, o ódio é sempre insuficiente. Já o amor, o amor basta. Por isso não temos nenhum.

Viram como nada muda? Como diria Drummond, sempre haverá uma pedra no meio do caminho. E ruas sempre esburacadas. Sempiternas. O que há no caminho da humanidade? As pedras das paredes do poço. Alguém viu no Jornal Nacional quantos hectares foram desmatados este mês na Floresta Amazônica? Por favor, se alguém sabe, diga-me, vou jogar na loteria. Quem sabe, ganho. Ah, não posso, eu sou pessimista, já sei que não vou ganhar. Por isso, também não espero que alguém leia meu próximo livro. Sei que ninguém vai ler. Aliás, quem é que lê alguma coisa. É tudo mentira, não lêem nada. Lêem coisa nenhuma. Se fazem. Isso, errado mesmo. Ah, lembrei, eu sou um errado. E acho que erraram nas contas, hein! Nesse ritmo, a Floresta Amazônica acaba antes. Vou comprar uma cadeira feita com madeira de lá, para ficar de recordação de suas árvores. Será que vem com um sagüi junto?

Já chega, basta de ironias. Tu não vieste. Não vieste. Eu te busquei enlouquecido e tu não vieste. Agora, Brahms, é o que resta. Sou triste, graças a deus. Deus. Só o que sei é que há pouco passou um louco montado em um cavalo de sangue. Belo cavalo, mas sangrou minha roupa com seus olhares, olhos de cavalo deveriam nos dar medo. Deveriam... E dão. E o cavalo passou agora, de madrugada. Ele me olhou, e eu reconheci seu rosto. Anda a solta. E o cavaleiro é tão jovem, já louco. “Tua febre que nunca descansa,/ O delírio que te há de matar!” Álvares. Os idiotas pensarão que é o Pedro Cabral. Não sei como deixam aquele louco assim. Um sopro nuclear correu atrás dele, vasto, claro, branco, luminoso, simpático, alegre, feliz. Vocês tinham que ver como o sopro nuclear sorria, lindo! Eu me emocionei. Eu chorei, para falar a verdade. Choro com facilidade, sou imbecil, sensível, romântico. Eu chorei. Eu sou. Aliás, “Fui tudo. Nada vale a pena.” Fernando Pessoa

21 novembro 2008

nos Meus Olhos

há muito mais que células
nestes olhos que te olham:
há sentidos cerebrais
sanguíneas quintessências
impulsos coronários...
no meu olhar há Vida.

há muito mais que vida
nestes olhos que te vivem:
há terrores pelas trevas
cantigas sempre em pânico
abismos do que sinto...
no meu olhar há Morte.

há muito mais que morte
nestes olhos que te morrem:
há desejos do infinito
angústias do sublime
paixões em beijo etéreo...
no meu olhar há Sonho.

há muito mais que sonho
nestes olhos que te sonham:
há essências de outros seres
tragédias de outros mundos
loucuras que não digo...
no meu olhar há Alma.

há muito mais que alma
nestes olhos que te amam...

20 novembro 2008

Poemas do Término e Contos do Fim XXXII

Já está em seus costumeiros pontos de distribuição a edição nº 32 do zine Poemas do Término e Contos do Fim, com o conto "Otacílio e Madalena ou A Morte do Pampa" e mais 5 poemas lunáticos. O zine pode ser enviado gratuitamente para qualquer cidade do Brasil ou exterior, sendo cobrada apenas a taxa de envio.

18 novembro 2008

a Torre

mundo que acaba:
e uma torre tão alta
ao alto ao longe me chama
em chamas meus olhos se aclaram
clara tua voz que me encanta
e o mundo ao nada se esvai
não posso ir-me sem ver-me
sem tocar na janela que cantas
asa de fim nos versos nasceu-me
nos céus me sonho em teu sonho
some-se nuvem em teus olhos
não posso temer ter-me em voar
em gotas de lua gelou-se meu sopro
vento de morte caiu-me em castelos
teu castelo em noite inflamada
na torre, só, tua palavra de febre
aprisionada...

17 novembro 2008

Elogio ao Urubu

É comum as pessoas perguntarem-me por que visto somente roupas pretas. Eu poderia relatar inúmeros motivos, mas como sei que não valerá a pena proferi-los, limito-me a responder: “porque eu gosto.” Porém, agora, deixarei bem claro, ou bem escuro, um dos motivos. É que eu queria ser um Urubu. Não, não estou brincando, não estou sendo irônico. Estou apenas realizando uma afirmação, absurda talvez, mas nem por isso ela é menos real que uma afirmação dita “sensata”. Qual seria a afirmação sensata? Eu jamais deixaria de ser um humano para ser um Urubu. Seria essa? Seja como for, pretendo provar até o final deste texto que é mais vantajoso ser um Urubu do que um ser humano. Poderão os poucos amigos leitores não concordar com as provas. Porém, provas não são sempre provas? Ah, pouco me importa.

Ah, a grandiosidade do Urubu!... Percebam que sempre neste texto escreverei Urubu com letra maiúscula. É devido a minha imensa admiração por este fantástico animal. Por favor, não confundam Urubu com corvo ou com abutre. Vamos a um pouco de biologia. Aqui no RS, costumamos chamar os Urubus de corvos. Tudo bem, são regionalismos, e nada mais nobre do que comparar os Urubus aos nobres corvos, como posso esquecer deste também magnífico animal, grande amigo de Poe? Porém, os Urubus não são corvos, nem parentes deles. Não há corvos no RS. Somente Urubus. Aqui, os parentes dos corvos são as gralhas negras, outro animal digno de todo nosso respeito. Os Urubus são aves de rapina da família cathartidae, os corvos não são aves de rapina, e pertencem à família corvidae. Já os abutres, mais próximos dos Urubus que os corvos, são maiores, mais fortes, mais indiscretos e barulhentos que os Urubus e na coloração de suas penas não predomina o preto, mas também há cinza, pardo, marrom e até branco. E não há abutres na América do Sul. Desculpem por esse parêntese, mas é necessário deixar bem claro, ou escuro, o que é o Urubu a que me refiro.

Urubus voam alto, muito alto, plainam a grandes alturas acima da mediocridade humana, sem medo de enfrentar a luz solar. Que maior sensação de grandeza e liberdade que o vôo de um Urubu? Comem carniça? Comem, e qual o problema? Sempre se diz que gosto não se discute. E percebam a vantagem de se comer carniça. Ela é abundante, dificilmente faltará. Eles vivem da morte. Encantador paradoxo. E a morte é o que mais vive hoje em dia. Em breve comerão os nossos cadáveres... Duvidam? Cuidado...

Alguém poderá rebater, dizendo que os Urubus despertam medo e repugnância e são mortos pelos homens por esse motivo. Sim, despertam medo, e é exatamente por isso que NÃO são mortos. As pessoas simples do campo, em geral, possuem a crença louvável de que matar Urubu traz azar. Muito raro alguém matar um Urubu. Eu nunca soube de alguém que o fizesse, a não ser por acidente. E quem vai querer comer carne de Urubu? Notem que o Urubu, apesar de toda destruição ambiental, ainda é uma ave relativamente comum. Ele resiste, o Urubu é uma ave forte. É uma grande ave! Um grande ser! E quanto à repugnância que ele desperta? Ora, pois que desperte! Os Urubus devem estar muito preocupados com a repugnância dos homens para com eles, rs rs rs!

Aliás, por que eles despertam repugnância? Porque comem carniça? Ou porque trazem mau-agouro? O homem também come carne morta, a diferença é que ele tempera e cozinha. E a alimentação dos Urubus é bem mais natural. E depois eles se purificam voando a poéticas alturas. Mas o homem não pode purificar sua alma, não pode acabar com a repugnância que desperta a todos com seus crimes, com sua perversidade, com sua hipocrisia... O homem é mais repugnante.

E diga-se, apenas de passagem: o Urubu não traz mau-agouro. Ele avisa. É um absurdo condenar o mensageiro pelas desgraças que nós mesmos trouxemos a nossa existência...

E, para finalizar: um Urubu não precisa de emprego, não precisa de dinheiro, não precisa de reconhecimento, não precisa de padrinhos para obter sucesso, aliás, não precisa de sucesso, não precisa de roupas nem de carros nem de computadores, não precisa seguir regras, a não ser as dele mesmo, não precisa ir pra praia pra dizer que se diverte, não precisa... enfim, um Urubu só precisa da morte. E isso é o que não falta. Eu queria ser um Urubu.

13 novembro 2008

Um Errado

lamento
e sinto
mas eu sou um erro
e erro
por sentir
e errar sem rumo
em tudo aquilo que não sou
e no meu absurdo mundo
os teus fortes são fracos
e eu caminho e me iludo
e por nenhum caminho eu vou
porque eu sou um errado
eu amo a lua
no escuro lado
e eu cuspo sangue
nos copos que tu me alcanças
e eu solto corvos
nas luzes que tu me ensinas
são todas insensatas
são sempre insanas
as minhas sinas
desprezo os teus acertos
odeio o que tu amas
eu morro na tua vida
a noite negra de tormenta
é a minha preferida
não me fales do que é certo
eu acerto só no erro
e esse teu claro sucesso
nada vale a um poeta:
é insosso! é pequeno!

da boca de quem amo
quero um trago de veneno...

11 novembro 2008

A Doença da Luz (ou O Relato de Carlos Walter Mann) - Cap.VI - Final

05 de janeiro de 2025 - Nesse momento, acercou-se a nós aquele homem alto, moreno, de aspecto grave e fisionomia firme, enérgica, porém marcantemente serena. O homem disse chamar-se César. Afirmou que era o momento de fazer-nos algumas revelações. Advertiu-nos para que não perguntássemos nada além do que ele nos dissesse. Impressionava a sensação de autoridade e confiança que ele transmitia, e nem pensamos em questionar sua advertência. O homem iniciou revelando-nos que o planeta que se aproximou da Terra foi o causador do aparente “fim” da eletricidade produzida pelas máquinas humanas. De alguma forma, seu poder eletro-magnético não conhecido pelos homens havia “sugado” para si, atraído como um imã, toda a eletricidade que a humanidade fabricara. A aproximação do planeta também foi responsável por uma série de desastres climáticos, ambientais e geológicos, todos agravados pela destrutiva ação do homem na Terra. Formaram-se apocalípticas tempestades, incêndios catastróficos, alterações aberrantes de temperatura, terremotos, maremotos, estiagens devastadoras em algumas regiões, enquanto em outras, inundações nunca antes presenciadas.

Segundo César, a aproximação do astro também afetava a saúde física e psíquica dos humanos, causando uma espécie de loucura generalizada, além de uma série de epidemias desconhecidas pela ciência de nossa civilização. Disse ainda que a órbita do planeta era extremamente longa e irregular, mas que ele se aproximava da Terra de tempos em tempos, às vezes chegando muito perto, como neste caso, outras vezes, não muito. Era um planeta gigantesco, e seu poder de atração gravitacional muito maior do que o da Terra, o que por si só é causa suficiente de inúmeros cataclismas.

Afirmou ainda César que o sinistro planeta possuía a capacidade inexplicável pelas leis da física conhecidas de se ocultar no espaço, não sendo identificado por telescópios, até que estivesse tão perto que poderia ser visto a olho nu. Acrescentou que alguns seres humanos, entre os quais eu e Carolina, eram imunes aos efeitos direto do planeta, mas não quis revelar os motivos dessa imunidade, completando que com o passar do tempo saberíamos. Finalizou revelando que aqueles que nos trouxeram para este lugar naquela noite eram seres extraterrestres com sua nave espacial, não entrando em maiores detalhes sobre o assunto. Sua última frase, um tanto enigmática e que muito me chamou a atenção, foi: “A maioria dirá que o planeta gigante destruiu a humanidade. Eu digo que a humanidade se autodestruiu, e o planeta apenas restabeleceu a ordem necessária, conforme o tempo revelará...”

Não resisti e tive que fazer uma única pergunta: “Mas que lugar é este em que estamos?” César limitou-se a lembrar-nos de sua advertência inicial: não deveríamos realizar nenhuma pergunta. Em seguida, levantou-se do gramado e partiu calmamente.

Bem, senhores, creio que não há mais nada a acrescentar. Escrevi quase tudo o que lembrei, procurando estabelecer datas para os acontecimentos, conforme vossos insistentes pedidos. Cumpri também com a ordem expressa dos senhores de não relatar nada mais além do dia em que César nos fez aquelas revelações. Muitas coisas descobrimos após aquele dia, outras revelações fantásticas e aterradoras, contudo, creio que não são para este relato, embora eu não compreenda o por quê. Aos poucos vamos entendendo os motivos de estarmos aqui, e o trabalho terrível que devemos realizar. Nossa vida não tem sido fácil, porém é uma luta extremamente gratificante.

Como não foi esclarecido o motivo de ter-me sido solicitada a elaboração deste relato, não sei se cumpri com vossos objetivos. Escrevi o que julguei ser realmente importante. No entanto, sem dúvida haverá alguns pontos falhos, uma vez que minha memória não guardou vários fatos devido ao estado lamentável em que me encontrava. Alguns pontos foram-me lembrados por Carolina. Espero ter cumprido satisfatoriamente esta minha tarefa. Aqui está meu relato. Não sei o que os senhores farão com ele. Talvez, nem deva saber...

NOTA: O relato de Carlos Walter Mann foi encontrado no ano de 2008, na cidade de Santiago, no Rio Grande do Sul, Brasil. Estava ele impresso em algumas páginas colocadas dentro de uma pequena pasta vermelha. Tal pasta encontrava-se sobre a grama, à beira de um trevo de acesso à cidade, e foi recolhida durante uma manhã de sol por um senhor que realizava tranqüilamente uma de suas caminhadas matinais.

08 novembro 2008

A Doença da Luz (ou O Relato de Carlos Walter Mann) - Cap. V

Meados de dezembro de 2024 - Acredito que o acontecimento derradeiro foi em dezembro, pelo menos foi o que posteriormente os senhores me relataram. Sinceramente, não sei como chegamos vivos até aquele dia. Recordo vagamente de que consegui abater um boi que surgiu em nossa propriedade, e foi comendo sua carne que sobrevivemos. O frio era insuportável, abaixo de -10ºC, com certeza, embora não houvesse como eu saber a temperatura exata. A água do poço estava congelada. Já prevendo que isso ocorreria, armazenamos dentro de casa grandes quantidades de água. Para nos aquecermos e cozinhar, fomos obrigados a queimar nossos próprios móveis. Creio que nos últimos dias chegamos a comer carne crua.

A maior parte da luz solar era impedida de chegar à Terra devido à interposição do imenso planeta vermelho. Os dias eram sombrios, desolados, nevoentos, e afligia-nos psicologicamente de forma arrebatadora. Passávamos a maior parte do tempo dormindo, por fraqueza e para conservarmos o que nos restava de energia. Mal consigo lembrar desses dias infaustos. Só sei que quando dormíamos, éramos assediados por pesadelos insanos e indescritíveis. Imagens nebulosas de horrores, de morte, de epidemias, de genocídios, de loucuras, de guerras, de catástrofes ambientais naturais e provocadas pela mão humana vinham-me à mente e à de Carolina, durante nosso sono perturbado. Creio que eram como visões do que aconteceu ou acontecia com o restante da humanidade.

Foi então que em uma noite de funesto silêncio, fomos acordados de nosso sono agourento por dois homens estranhos. Mal consigo lembrar-me do que vi, tamanho era nosso abatimento. Estávamos realmente próximos da morte. Eles carregaram-nos no colo até uma espécie de avião ou helicóptero desconhecido muito luminoso que estava nos fundos de nossa propriedade. Deitaram-nos em camas estranhas e nos deram algo igualmente estranho para beber, um líquido pastoso de sabor muito forte. Então, voltamos a adormecer quase que de forma imediata.

05 de janeiro de 2025 - Foi o dia em que acordamos. Enigmaticamente, dormimos de forma ininterrupta por duas semanas. Nossos sonhos agora eram povoados por visões de paz e de belezas deslumbrantes, em um ambiente desconhecido, porém livres de horrores e tormentos. Quando despertamos, não sabíamos onde estávamos. Então vieram até nós um homem e uma mulher altos e de bondosa aparência, com uma fisionomia um pouco estanha, no entanto. Deram-nos de comer e de beber. O lugar em que nos encontrávamos consistia em algo como uma pequena casa de madeira simples, muito limpa e organizada.


Era manhã, e o sol raiava lá fora com toda sua força e plenitude. A temperatura era agradável, e ouvíamos o canto de dezenas de pássaros, alguns conhecidos, outros não. Sentíamo-nos muito bem, tanto física quanto psicologicamente. Os terrores que havíamos vivenciado pareciam ser apenas pesadelos já superados... Não compreendíamos por que estávamos naquele local desconhecido, mas o casal que se encontrava conosco tranqüilizou-nos dizendo para aguardarmos que logo tudo seria explicado, ou pelo menos tudo o que deveríamos saber. Decidimos então esperar e não fazer nenhum questionamento por enquanto.

Após nos sentirmos revigorados pela nutritiva refeição, saímos do aposento e fomos conhecer os arredores. O lugar era como uma pequena cidade, talvez uma aldeia, aparentemente isolada entre belos montes cobertos por densas florestas por um lado e vastos campos verdejantes por outro. Avistávamos algumas pessoas nas pequenas ruas da aldeia, nenhuma conhecida. Ouvíamos vozes articuladas em outras línguas, entre elas o espanhol. Não divisávamos nas ruas nenhum tipo de automóvel, apenas carroças e charretes puxadas por cavalos ou bois. O clima era um tanto medieval e estranho, contudo, de profunda paz e serenidade. Sentamos em um gramado para conversarmos sobre o que presenciávamos.
(Continua...)

07 novembro 2008

A Doença da Luz (ou o Relato de Carlos Walter Mann) - Cap.IV

Meados de agosto de 2024 - Durante várias noites repetiram-se as absurdas tempestades de raios, sendo estes cada vez mais anômalos e destrutivos. Creio que só por um milagre nossa casa não foi atingida, porém nosso galpão, um pouco afastado da casa, recebeu uma das ramificações monstruosas e foi totalmente aniquilado. Nosso cavalo e nossos frangos estavam lá dentro. Morreram todos. Sem os animais, nossa situação tornava-se mais e mais difícil, para não dizer trágica.

E quando finalmente chegou ao fim o período das tempestades, há cerca de quatro semanas, principiou-se um tempo violentamente seco, impressionou-nos a rapidez brutal com que a umidade desapareceu do ar. Um sol inclemente castigava nossa região em pleno inverno, e a temperatura ultrapassava os 30ºC. Era um calor insalubre, doentio, irradiava-nos uma sensação febricitante, deixando-nos irritadiços algumas vezes, e noutras abatia-nos com um insuportável desânimo e torpor.

Não demorou muito para que infernais incêndios sem controle devastassem os campos e as matas da região, e densas nuvens de fumaça pioravam nosso já lamentável estado físico e psicológico. Eu e Carolina todos os dias tínhamos que retirar baldes e mais baldes do poço para apagar o fogo que ameaçava o pomar e as esquálidas tentativas de replantar nossas hortas. E a água começava a escassear rapidamente. Já iniciávamos a passar fome, mas graças ao próprio fogo ela foi aliviada. Freqüentemente, animais fugiam das chamas e aproximavam-se de nossa casa. Mesmo sendo contra a caça, não tive alternativa. Necessitei caçá-los para sobrevivermos. Abatia animais selvagens e domésticos, como vacas e ovelhas.

Nossas noites tenebrosas eram agora iluminadas pelos deprimentes e intermináveis incêndios e pela luz amarelada e insuportavelmente triste de uma lua cheia ameaçadoramente esfumaçada, como surgida de um pesadelo pressago. Aqueles fantasmagóricos sons noturnos que infestavam as noites durante o período de tormentas cessaram por completo, mas nossa tensão permanecia. Carolina já entrara em depressão e meu estado psíquico não era muito melhor que o dela. Então, em certa tarde de muito sol, quando o fogo principiava a regressar, olhei para o céu intentando encontrar alguma nuvem de chuva. Porém o que vi foi algo inquietantemente estranho. Quase que ao lado do sol eu julguei avistar um outro. Sim, outro sol de um brilho menor e de tom avermelhado. No entanto, não me era possível, obviamente, fixar minha atenção na direção do sol e não tive certeza do que vi.

Início de novembro de 2024 - Meu decadente estado de alma por essa época deixou-me na memória apenas os fatos mais significativos, os mais terríveis dentro de tantos horrores. Os incêndios haviam cessado por completo. A temperatura diminuíra muito, o frio era absurdo para a época, com temperaturas próximas a zero. A luz do sol havia regredido, minguado canhestramente. Nossas fontes de alimentação encontravam-se no fim. O pomar já não possuía mais frutas, nossas plantações morreram inteiramente, o estoque de alimentos enlatados logo acabaria. Nossa única esperança de alimentação era a caça, cada vez mais difícil. Mesmo no estado em que me encontrava, eu partia em busca de animais e atirava no primeiro que surgisse, indistintamente. Era doloroso para mim atirar em animais selvagens, mas não havia saída. E eu estava certo que em breve não encontraria mais nenhum para abater.

Fracos e atormentados psiquicamente, sentíamos que nossa morte se aproximava. Nada sabíamos do que estava acontecendo. E nem tínhamos mais condições de pensar nisso. Creio até que delirávamos...

Dissera que a luz do sol havia minguado, regredido de forma absurda. A única explicação para o fenômeno seria aquele “outro sol” que eu havia visto há meses. Aquele sol de brilho estranho e avermelhado, de uma aura fantasmal, estava agora muito mais próximo. Eu delirava? A questão é que ele havia se aproximado muito da Terra e já encobria uma grande parte do sol. Porém, o que chamei de “outro sol”, não o era. Tratava-se, acreditei, de outro planeta, um gigantesco e ominoso planeta vermelho que se aproximava ameaçadoramente... Eu não tenho palavras para descrever a opressora e massacrante sensação de medo e horror que aquele inacreditável planeta nos causava. Nós sentíamos e víamos morrer a luz do sol, assim como morrera a eletricidade. Eu tinha apenas minha esposa e a luz dos olhos dela. Ela tinha apenas a mim e a luz de meus olhos. E foram essas únicas luzes, creio, que nos alimentaram e nos mantiveram vivos.

(Continua...)

05 novembro 2008

A Doença da Luz (ou O Relato de Carlos Walter Mann) - Cap. III

22 de junho de 2024 - Estávamos completamente isolados. Após ter matado aquele louco que se acercou da carroça, vi apenas mais dois humanos, ambos igualmente enlouquecidos. Também necessitei matá-los. O primeiro deles tentou se aproximar de Carolina enquanto ela tirava água de nosso poço artesiano. O segundo, encontrei no campo quando fui visitar nosso vizinho mais próximo, que ficava a cerca de 4 km. Tentou atacar-me com um machado. Acertei uma bala em seu peito e prossegui rumo a meus vizinhos. Não havia ninguém vivo por lá. Os cadáveres de Antônio, sua esposa e seus filhos jaziam apodrecidos no pátio. Apenas pus na carroça seus estoques de querosene e gás, assim como as velas que encontrei, e voltei para casa. Nessa tarde, reforcei drasticamente a segurança de portas e janelas.

Durante a escura noite, não consegui dormir. Apesar de estarmos no princípio do inverno, o calor era insuportável. E já fazia cerca de uma semana que, durante estas noites densas e abafadas, eu ouvia ao longe gritos horríveis, dificilmente conseguiria descrevê-los, eram como urros, grunhidos, pios, gemidos, enfim, toda espécie de som aterrador. Eu não saberia dizer se eram de homens ou animais, ou de algum ser monstruoso. Naquela altura, em meio a tantas aberrações, eu tenebrosamente imaginava o que poderia ser aquilo e comentava com Carolina as idéias terrificantes que surgiam a minha mente, enquanto um gélido arrepio percorria nossas almas... Porém, naquela noite tudo parecia ainda mais intenso e perturbador, o calor, o clima físico e psicológico de opressão, os sons infernais da noite... Foi então que percebemos que se formava uma tempestade, uma absurda tempestade...

A tormenta formou-se numa velocidade vertiginosa e assustadora. De uma hora para outra, violentas rajadas de vento surgiram dos céus congestionados, nossa casa parecia que seria derrubada em questão de minutos. Trovões atordoantes massacravam os céus, e dantescos relâmpagos como eu jamais vira bombardeavam os campos até onde a vista alcançava. A eletricidade que o homem não mais podia produzir estava ali devastando horizontes. Eram raios gigantescos, grotescamente ramificados, cruzando-se incessantemente por entre a pesada chuva. Víamos árvores serem atingidas, e um dos raios caiu em nosso pomar. A fúria do vento varria as extensões diante de nossos olhares aterrorizados. Havia algo de errado, de anômalo naquela tormenta, principalmente em seus raios. Eles eram doentios, imensos em demasia, suas ramificações ominosas e a freqüência com que surgiam nos céus eram completamente anormais.

Durante aproximadamente uma hora, mal conseguíamos respirar de tanto medo e apreensão. Impossível expressar nossa sensação de alívio quando a tormenta cessou de forma tão súbita quanto iniciara. Nossa casa estava intacta. Porém, algumas árvores do pomar foram derrubadas e perdemos praticamente todas nossas plantações de legumes e verduras.

(Continua...)

02 novembro 2008

A Doença da Luz (ou O Relato de Carlos Walter Mann) - Cap.II

14 de maio de 2024 – Esses dois meses que passaram foram decisivos no desenrolar da catástrofe e deram-me uma visão absolutamente desesperadora do que acontecia com a humanidade. Definitivamente, já não existia uma civilização. Não, não voltamos à barbárie. Antes tivéssemos voltado. Na verdade, involuímos de forma absurda para um estado de degradação inimaginável, o mundo via aflorar o lado mais negro e diabólico do ser humano, e eu pensava desolado no que estaria acontecendo naqueles instantes ao redor do mundo...

Como qualquer tipo de comunicação à distância era impossível, inclusive deslocar-se com veículos automotivos, cujas baterias não funcionavam, eu não podia mais saber o que estava sendo feito para a solução da tragédia, se é que alguma coisa poderia ser feita. O que a ciência poderia fazer, como poderia construir qualquer nova tecnologia que não dependesse de eletricidade se todas as máquinas necessárias para tanto só funcionavam com eletricidade? Não havia saída para a civilização.

Eu e minha esposa estávamos isolados e com medo. Havíamos consumido quase todo nosso estoque de alimentos. Onde obter mais? E como conservar alimentos sem geladeiras? Felizmente, o inverno se aproximava, e com o frio, a necessidade de refrigeradores seria menor. Mas precisaríamos de mais calor, de mais fogo. Deveríamos obter mais gás. Era imperativo voltar à cidade. Sim, porque vivíamos um pouco afastados dela. Nossa casa situava-se além do perímetro urbano, possuíamos uma pequena propriedade onde cultivávamos um vasto pomar e plantávamos alguns legumes e verduras, além de criarmos frangos. No entanto, tanto eu como Carolina trabalhávamos na cidade em nossos respectivos empregos, que haviam sido suspensos pela falta de energia.

Em minha última visita à cidade, há menos de um mês, a maioria dos estabelecimentos comerciais haviam fechado suas portas, ou por falta de fornecedores ou por medo dos saques. A população, já perdendo seus empregos e sem dinheiro, não tinha alternativa, a não ser saquear os mercados para a obtenção de alimentos. Mesmo assim, eu deveria ir à cidade na esperança de encontrar o que nos faltava e conseguir mais gás. Felizmente, eu possuía uma pequena carroça e um cavalo. Foi o que possibilitou minha pequena viagem.

15 de maio de 2024 – No início da tarde, parti em direção à cidade. Por precaução, levei comigo uma arma de fogo. Conforme me aproximava da zona urbana, um cenário de desolação verdadeiramente apocalíptico ia se desenrolando. Eu via casas em ruínas, automóveis destruídos, pessoas e animais mortos às centenas pelas ruas imundas, abarrotados de todo tipo de lixo e sujeira. O mau cheiro da podridão infestava minhas narinas. “Meu Deus!” pensei comigo, “a ausência da eletricidade causou todas essas tragédias em tão pouco tempo?” E passei a imaginar os horrores que poderiam estar assolando o mundo naquele exato momento... Continuei avançando pelo que parecia ser o cenário de uma guerra. Não podia dizer como, mas acreditava que toda ou quase toda população da cidade estava morta ou desaparecida. O cavalo abria caminho por entre cadáveres, e os únicos seres vivos que eu via, além das plantas, eram alguns gatos, cachorros e aves perdidos por entre a destruição.


Avistei o que havia sido um supermercado. Peguei a arma e entrei. O mercado fora saqueado, mas ainda pude encontrar alimentos enlatados e em conserva, bem como alguns pacotes de velas. Rapidamente, saí do mercado e dirigi-me até o depósito de gás. Ainda consegui encontrar três bujões intactos. Preocupado com a segurança de minha esposa, tomei o caminho de volta. Por entre os mortos, eu tentava desesperado entender o que estava acontecendo com a humanidade. O que ocorrera com a população de mais de 50 mil habitantes da cidade onde eu vivia? E enquanto refletia inutilmente, alguém surgiu por detrás de algumas árvores. Era um homem com aspecto de mendigo. Quando me avistou, partiu em minha direção numa corrida desvairada. Parecia enlouquecido. Peguei a arma, estava pronto para atirar. Porém, antes tentei interrogá-lo, saber quem era, o que estava acontecendo. Foi inútil, parecia não me ouvir. Ele se acercou da carroça ameaçadoramente. Matei-o com um tiro na cabeça.

Alarmado com o ocorrido, temi pela vida de Carolina. Fui para casa o mais rápido possível. Para meu alívio, ela estava bem.
(Continua...)