a poesia não pode ser um suco com açúcar que só te lambuza a superfície dos lábios. a poesia tem que ser um ácido sulfúrico que te penetra até a medula dos ossos: não é pra te agradar é pra te fazer sentir.
de modo que escrever sorrisos enquanto o planeta morre não é só um puto de um egoísmo mas é também um desperdício do melhor mais forte e mais profundo uso da palavra: a poesia.
as pessoas são engraçadas. elas deixam de fazer o que gostam para trabalhar para um dia poderem fazer o que gostam. mas nunca fazem o que gostam porque acabam só trabalhando e acabam mentindo que gostam de trabalhar.
se só se escreve o que se vive só se escreva o que se sinta. se só se escreve o que se ama só se escreva o que se beba. se só se escreve o que se passa só se escreva o que se morra. se só se escreve o que se sofre só se escreva. e que se foda.
ah quem me dera deixar uma palavra de vida que te fizesse sorrir tão distante de tudo que te esquecesse do mundo uma palavra de ontem que te fizesse dormir tão largada no vento que te voltasse no tempo uma palavra de alma que te fizesse sonhar tão profunda no escuro que te levasse até o fundo uma palavra de morte que te fizesse chorar tão do fundo de mim que te levasse até o Fim.
um poeta não deveria existir não deveria viver deveria só deixar sua poesia e desaparecer. para que ninguém soubesse de sua vida e do que ele fez só deixar a poesia e sumir de vez. um poeta que se preste nem deveria nascer para não ter que explicar que aquilo que escreveu de onde foi diabos! que viveu. só deixar a poesia para que a amassem sem ter uma vida para que o odiassem. mas a poesia exige uma vida pra matar porque a poesia é uma doença e quem leia que se vire e tchau e bença.
então não haverá o longe só incêndios no horizonte o sempre será ontem no silêncio esgotado de uma fonte.
e tudo se desfará em breve no calo de um canto de pássaro calado pelo derrame da neve e passará o pássaro ao desmanche de um sorriso falso desmoronado por entre os olhos de cuja luz não restará um traço.
e daquela árvore que me olha despencada pela vitória do abismo cairá folha por folha ao abalo do bafo do sismo.
então haverá um nada no olho do furacão e só restará o que sinto no nada do meu coração.
o difícil não é ter o que dizer o difícil é dizer. ter o que dizer quase todo mundo tem você também. o difícil é dizer de forma que fique bem de forma que fique firme: tem que ser bem dito. mas o ainda mais difícil é não ter medo de dizer: quem escreve (de forma que fique forte) tem que ser maldito.
meu ser vive no longe e nos espelhos em tudo que é distante e onde não chego em tudo que é longínquo e só me vejo meu ser vive nas luas e aos alheios vive nas ruas e aos enterros pelas estradas e no que é tarde onde não estou e nem me espero pelos astrais e por alardes no que se foi no que virá no que já era ou que nem seja em alto abismo em funda estrela no que procuro ou que me canso em todo quase e ao não me alcanço pelo desastre e pelo canto meu ser se vive no que me almo no nem que sinto no não que vi mas meu coração meu coração tu o tens que ele está aqui.
ave que canta quando meu dia acaba: o teu canto nunca vai passar porque eu sinto os teus fatais. e o que eu sinto eu amo e o que eu amo não morrerá jamais.
o sangue espalhado o sonho extirpado os sons já extintos a seca coroada o sangue afogado a sanga cortada o sexo aflito o senso perdido o sangue esquecido a saga acabada o sol já desfeito o seco do peito e o sangue maldito.
Nº36: que fique posto: nunca confie em alguém que está sempre (eu disse sempre) com um sorriso no rosto.
Nº37: se você perguntar para qualquer pessoa se ela prefere quantidade ou qualidade é quase certo que ela responderá: qualidade. será mesmo? quem aí prefere viver 40 anos de muita intensidade do que 80 anos meia boca?
o Amor (propriamente dito) só conhece duas tragédias: ser amado e não amar ou amar e não ser amado. tudo o mais (que você possa imaginar) vem disso e se não vem é papo furado.
como você não soube que tudo assim cairia? que só na arte se eterniza o que é grande se perpetua o que é fundo? como você não soube? como você deixou morrer? você não viu as aves caindo dos ares astros caindo dos cosmos sonhos caindo dos ontens olhos caindo dos longes? tudo aquilo que não coube que se reste nesta ode. como você pôde?