16 janeiro 2020

Sobre uma Verdade de Fernando Pessoa

"Querer não é poder. Quem pôde, quis antes de poder só depois de poder. Quem quer nunca há-de poder, porque se perde em querer."

 Fernando Pessoa (como seu heterônimo Bernardo Soares)

quando podemos 
não sabemos como podemos 
(porque queremos primeiro 
e aprendemos depois) 
e quando aprendemos 
o tempo de poder já passou 
e jamais obtemos os dois 

quando se aprende a poder 
ou já não se pode mais 
ou já se deixou de querer 
(pelo fato de que já não se pode) 
e então fingimos querer outras coisas 
que são só as que podemos 
disfarçadas do que queremos 
e quando as conseguimos 
percebemos que nada temos 
porque não era o que queríamos 

a verdade é que nunca queremos 
o que podemos 
porque o que se pode 
(exatamente por se poder) 
não tem valor em se querer 
e ainda mais lá no fundo 
(em relação ao que se quer) 
nunca sabemos se é o que podemos 
nem conhecemos o que é que queremos

14 janeiro 2020

Mensagem aos Extintos

seres que estão sendo extintos: 
a que oculto o mistério lhes leva? 
quando partirem levem com vocês 
meu fracasso humano 
quando se forem 
arrastem com força 
meus ausentes planos 
e meu longínquo sangue 
derramem bem longe 

o que pulsou comigo 
não deixem que siga 
na desalada vida 
e o desperado verso 
que perambula e erra 
escondam desta terra 

é o que me esperanço 
nos confins a que se destinam 
que eu me esqueça do existe 
em seus eternos jamais 

mas guardem em almas 
e mantenham nos ares 
esta arte dos tardes
para quando voltarem

12 janeiro 2020

Poesia é o que Não Presta

a poesia é o que não presta:
é uma pausa para pensar
em um mundo em pressa
um soco para sentir
em um mundo em festa
um grito para avisar
em um mundo em fim
a poesia é tudo o que resta

é aquilo que não pode ser dito
sendo dito
é um atentado aos não-atentos
a poesia venceu o seu tempo
tempo do qual venceu a validade
poesia é se importar com o que morre
quando ninguém mais há-de

quem escreve querendo dizer alma
não há quem o capta
e sem nada acaba
(nem paz nem palavra)
que um poeta não presta
e não há nada que o valha

09 janeiro 2020

Céu Perdido

sendo música que é sem ter que ser
assim me espero no que nada sou
vejo os campos tão amplos do profundo
vastos meus que nunca foram benditos

porque ao âmago sempre inútil seco
aqueles verdes vagos passam e levam-me
em raio de horror tornado ciclone
e olho  noturno para o céu que oceana

e todos sorrisos são como pássaros
última passagem em culpa sanguínea
tudo é triste abaixo dO que não é

e em quatorze versos não disse nada
não disse porque estou rouco e mais louco
e tudo é tão longe em febre tão pouco

07 janeiro 2020

Apenas Parasitas

o homem quer dominar a vida
o homem quer conquistar planetas 
o homem quer desvendar mistérios
o homem quer inventar robôs 
mas o homem não consegue
nem apagar o próprio incêndio 
que ele mesmo causou 
no seu próprio quintal
(antes tem que aprender
a limpar o próprio cu)

05 janeiro 2020

Aquecimento Global é Realidade

Não é só na Austrália. Não é só no Brasil. Também foi nos EUA, na Rússia, no Quênia, na Bolívia, na Indonésia, na França... Em 2019, o mundo foi varrido por incêndios nos seus quatro cantos. O planeta está ardendo e queimando. Três dos meses mais quentes da história estão em 2019. O degelo no ártico bateu recordes. Espécies estão sendo extintas pelo aumento do calor, sem mencionar os outras fatores, como caça, tráfico e destruição do habitat.. Apesar das negativas dos cegos e dos idiotas, o Aquecimento Global não é uma possibilidade, mas a realidade que vivemos. Porém as pessoas não mudam suas mentalidades e atitudes, continuam poluindo sem freios, continuam votando em políticos estúpidos inimigos da natureza, como Bolsonaro e Trump. As empresas e o agronegócio só pensam em aumentar seu lucro e o consumo, às custas da morte do planeta. A década de 2020 se desenha sombria e ameaçadora.

01 janeiro 2020

Que o Progresso não Para

o homem pós-moderno pós-humano
e a máquina
(ou vice-versa que dá no mesmo)
não podem parar:

mais combustível para o carro
mais energia para a casa
que o carro não para
e a casa há de sempre ser clara

lâmpada acesa
geladeira repleta
comida na mesa
indústria sem freio
que o progresso não cessa
nem se confessa

não se perdoa o atraso
(retrocesso é pecado)
o navio deve ir
o avião deve ar
hidrelétrica termelétrica
nuclear

o shopping a fábrica a loja
a lavoura o fogo a forja
a mina a moeda o carvão
mais alta e vasta energia
ao micro ao celular à razão
na água na terra no céu
a máquina e o mundo
acelerador até o fundo
até que o tudo se exploda

e a vida?
que se foda

30 dezembro 2019

Tu, Tempo

tu, Tempo, és Deus
teu é o trono que nos traga
e o que nos traz 
e tudo a ti se entrega
teu é o trovão e o troar do martelo
é teu o tudo do que tememos
és tigre e treva
a tormenta que nos leva
tua é a tuba a trompa e a trombeta
a taça e a traça
o trágico e o túmulo
e as tampas das tumbas

ave Tempo!
e o pulo preciso do teu puma
e o peso do punhal no teu pulso
e os passos do teu compasso
e a pressa do teu presságio
e a presa da tua praga
que ninguém pisa ou apaga 

tu preparas o pesar da tempestade
e só ao passar o temporal
é que tu Tempo por linhas tortas 
trazes a Verdade 

27 dezembro 2019

Feliz Ano Novo!

enquanto crescem a desigualdade e a miséria do povo
Feliz Ano Novo!
enquanto florestas se transformam em desertos mortos
Feliz Ano Novo!
a cada segundo 15 animais nas estradas são mortos
Feliz Ano Novo!
enquanto o que tu comes é cada vez mais venenoso
Feliz Ano Novo!
suga-se a vida derrama-se o sangue pelo lucro de poucos
Feliz Ano Novo!
enquanto o planeta é consumido por brasa e por fogo
Feliz Ano Novo!
nossos caminhos cada vez mais absurdos absortos
Feliz Ano Novo!
nosso futuro é dos porcos dos tolos dos torvos
Feliz Ano Novo!
enquanto a esperança morre até para os corvos
Feliz Ano Novo!

seca teu copo e frita teu ovo!
Feliz Ano Novo!

24 dezembro 2019

Algo de Chopin

algo que fosse apenas Noite
sem deixar de se tornar
no jamais deixar de sê-la
e o sonho fosse estar vivo
entre o que de noturno meu ver deseja
longe de toda estas manhãs
estas manhãs de ações inúteis
de se fazer acontecer
em que só o não é que acontece

noturnos sem amanheceres
sem trabalhos que a nada levam
sem balbúrdias de humanos vácuos
de lá pra cá de cá pra nada
sem problemas de homens de bens
no seu mundo que anda
ao abismo
nas suas ruas sem sentidos
por suas vidas sem caminhos
quem me dera nunca iniciasse
o (não)sol das manhãs não minhas

21 dezembro 2019

Mein Herz

disseram-me que o real é isso
que aí está e que aí se vê
e que não há nada além do desejo 
mas há fundos de lagos 
em que nunca alcança 
a existência do que eu vejo

o que existe existe
ou existe porque eu crio e existe?
dependendo de como se vê
(casório ou velório)
a mais clara flor é alegre
ou é triste

e quem me dirá que pensar é saber
se sempre quando penso
me vêm pensamentos
que nem sei de onde vêm?
se eu pensasse certo
sobreviveria no nada do deserto?

só se sente o sonho
quando o sonho chega ao fim
e ainda quando sinto
não domino o que me vem a sentir
e o vinho só é tinto
porque os meus olhos
(que têm limites para abrir)
e o meu coração
(que não tem limites pra sentir)
o percebem assim

o que é ser o que se é
se nem se sabe o que é o Ser?
o que sinto e vejo
vale para todos
ou é só o que escrevo?

e isto é um verso
ou é só um verbo
em um sonho do universo?

19 dezembro 2019

(Des)Humano

I - artista
é quem desafia o humano
a que ela seja mais humano
é quem busca mais humanidade
indo contra a humanidade

II – em uma época
em que o ser humano
não quer ser humano
(porque isso envolve conhecer-se
que é ir além da superfície)
mas quer ser máquina
movida a coisas e bugigangas 
ser artista é destruir-se
para não ser aquele humano
sem ser

15 dezembro 2019

Sem ter Limpado a Própria Bunda

a humanidade é grande
como piada
(se alguém de fora nos observa
mais ri do que chora)

Deus é um irônico
o homem é um ridículo:
a ciência é como um lunático
que sonha em dominar o cósmico
sem ter limpado a própria bunda:
a ciência é dos histriônicos
o mundo é dos homúnculos

a humanidade é uma gargalhada:
governos e autoridades
são mais babacas
do que o povo de palhaços
que vive de cagadas

o ser humano é uma risada
sem graça
mais desgraçada
a cada ano...

quem me dera
um verso de bem longe
que não tivesse nada de humano...

11 dezembro 2019

Quando Morreste

quando morreste
não que tiveste morrido
mas nem soubeste
o que houveste de vivo
ou que nem és o que foste
ou nunca foste o que em ti morreste:
não tiveste sede e cedeste

acabou-te os olhos
bem antes de olhar acima
e foi de palmo a palmo
o sonho enterrado
(como sempre) errado

agora (con)tentaste
em varrer o teu pó
(so)correm-te astros mortos
pelas estéreis sobrancelhas
e vomitaste nas mesas
entre mingaus e certezas
as (des)entranhas vermelhas
e roxas

e sorrias como quem acha que sente
deixando à mostra
pelo véu da boca
uma pérola de ostra
e um (re)pasto de lama

e nem há arte
que possa falar-te

09 dezembro 2019

Breve Cantata Fúnebre

lá vêm as ruínas a reinar de novo
boa sorte
já vejo o sangue pelas minhas cartas
boa sorte
o horror aos poucos vem se erguendo em flores
boa viagem
urubus se benzem sobre os horizontes
boa viagem
felinos partem no caçar dos deuses
boa noite
um piano pesa sobre as esperanças
boa noite
nos meus olhos sumiu-se o amanhecer
boa morte

07 dezembro 2019

Marcha Fúnebre para uma Marcha

a marcha dos sem terra
a marcha dos sem água
a marcha dos sem teto
a marcha dos sem chão
a marcha dos sem céu
a marcha dos sem tumba
a marcha dos sem campo
a marcha dos sem mata
a marcha dos sem pão
a marcha dos sem pés
a marcha dos sem pata
a marcha dos sem vez
a marcha dos sem voz
a marcha dos sem paz
a marcha dos sem quando
a marcha dos sem onde
a marcha dos sem como
a marcha dos sem choro
a marcha dos sem reza
a marcha dos sem força
a marcha dos sem festa
a marcha dos sem astro
a marcha dos sem rastro
a marcha dos sem graça
a marcha dos sem nada
a marcha dos sem tudo
a marcha dos sem vida
a marcha dos sem noite
a marcha dos só...
Morte.

04 dezembro 2019

A Masturbação da Humanidade

um dia, ó ser humano uma-ova
no sonho de ser o que não foste
enquanto apodreciam teus ovos
deixaste levas de palavras em lavas
e promessas orgasmas.
mas agora só esporros de larvas
águas porcas lavadas
suínas lavagens de lágrimas
sangue suor e desgraça
e olhos fodidos por corvos.

sonhos após sonhos
ejaculados pelos esgotos
vão teus escrotos vazados
vão teus escravos amargos
de esperma em esperma
sem esperanças de esperas
se esvazia tua ampulheta
e gota a gota se extingue o gozo
da tua brochada punheta.

02 dezembro 2019

Seis Decepções

I – quando se diz para a humanidade 
é inútil dizer à frente
é inútil prever no antes:
de nada adianta
qualquer coisa que se adiante

II – o mundo é torto e lodo 
e tudo é todo dos tolos
a rodo

III – qualquer verso que eu faça
não vale mais que um gole de vinho
whisky
cachaça

IV – quanto mais alguém se insere com todos
mais não passa de nada

V – o humanidade é mesmo só isto:
uns secam os mares com redes
outros pescam lambaris de caniço

VI – quem acha que conseguiu
não percebe que a vida é vento:
ou é porque não sabe
que tem o que não quis
ou é porque não vê
que vai querer outra coisa 
no próximo momento

29 novembro 2019

O Triunfo do Horror

a vida tornou-se a negação da vida
vale mais um Puma® nos pés
do que um Puma nos campos
vale mais um carro Jaguar mecânico
do que a alma de um Jaguar autêntico
afagam-se as máquinas
afogam-se as árvores
entroniza-se o robótico
aniquila-se o humano.

a esperança nos horizontes
assume os tons da poluição
os sons sombrios do Não:
ao contrário de César
não fomos não vimos não vencemos
não ouvimos a razão
e asfixiamos o que se sente

olho para o céu e não vejo cor
olho para o mar e não vejo ser
olho para o sangue e não vejo amor

não consigo ser lírico
não consigo ser épico
e malemal sou dramático
não há o que diga seja o que for:
eis o Triunfo do Horror.

25 novembro 2019

Todo Mundo é Suicida

todo mundo.
quem é que não se mata?
quem não morre por?
de vício cobiça comida trabalho ou amor?

todo mundo
morre de tanto.

“o todo
é o prolongamento do indivíduo” (Kant)
quem não sabe
que a humanidade
é um lento firme vasto suicídio?
mas não sabem que é porque cada
um de nós se mata.
e logo
atingiremos a meta.

todos se destroem
por um desejo
ou um sucesso (a)final.

e nosso suicídio nem grande será
será reles baixo mesquinho
morremos por um punhado de nada
em papel
e em metal.