19 maio 2019

Decadência

o que me resta de alma
mal dá pra cobrir
um vão do ente:
sou um doente em vão

e vão todas as gentes
no vácuo do (des)humano
a vagar para o abismo
ano após ano
asno após asno
ismo após ismo
sem saber de si mesmo:
eu e meu cinismo

reconheço que desagrado
e que não toco
nenhum vão do que se sente
com meu taco em não
(e os outros pensam que o são)

reconheço que me degrado
cataratas de sangue e caos
e outras quedas e tals

é o que se chama Evolução?
então 
fico com minha busca
(como quem dirige um fusca)
por um resto de consciência
no que me fiz Decadência

16 maio 2019

Sem Paz

I - as pessoas querem acabar 
com seus problemas:
se conseguissem
acabariam com elas mesmas

II - as pessoas querem paz
como se paz
fosse não ter com o que se preocupar...
mas paz
é não se preocupar
com a paz que não se tem

III - ter paz de consciência?
se nem consciência se tem?

IV - "ser ou não ser...
eis a questão..."
mas o que é o Ser?
é o que não sou
é o que não és
é o que não são

14 maio 2019

Poeta é Saber que Não se Pode

I - não escrevo
para que os outros me leiam
me entendam me decifrem

escrevo para eu fazê-lo
com os outros

II - não escrevo
para melhorar ninguém
(só o si
melhora a si
quando cai em si)

escrevo a meu ser
que saindo da miséria que sou
se vá além do que nem sei
e do que nem vou

III - poeta
é saber que não se pode:
é perceber
que não se percebe
é dar-se conta
de que não se dão conta

11 maio 2019

Van Gogh, Goethe, Bach

ler Van Gogh
ouvir Goethe
contemplar Bach
se não causar
um além do que se é
(não falo de ciência nem de fé)
se em nossos dias pequenos
não mover minúsculas partículas
de mínimo mais amor (ao menos)
se não trouxer
uma certa irmandade
(ou coisa que há-de)
com uma simples estrela
ou com (por exemplo)
um complexo esquilo
de que adianta
(sobre Van Gogh, Goethe, Bach...)
decifrá-lo
entendê-lo
senti-lo?

10 maio 2019

Sobre os Homens Ocos*

nós somos os homens ocos
(e já nem digo cagados)
em cujas cucas já poucas
há um caldo de água de coco
vazado pelos buracos
que ao menor toque de tocos
se faz em cacos

os nossos crânios 
esmagados por tacos
a pauladas da vida mecânica
pelos socos do mundo vácuo

antes fôssemos loucos
mas nos acocoramos 
diante do caos 
como os porcos
que curvam as fuças 
diante dos céus

não valemos nem para troco
menos do que macacos
pior do que meros tolos
nós somos os homens ocos
chocos botando ovos
na vida de só rebocos:

já nos disseram os corvos
que somos os homens mortos

*Poema inspirado em T.S.Eliot:

“Nós somos os homens ocos
Os homens empalhados
Uns nos outros amparados
O elmo cheio de nada.”

07 maio 2019

A Morte e as Quatro Canções Graves de Brahms

em 1896 Brahms compôs as Quatro Canções Graves
sua penúltima obra (Opus 121)
Brahms morreu um ano depois.
em 1896 faleceu Clara Schumann
viúva de Robert Schumann
e o grande amor não-concretizado (talvez tocado)
de Johannes Brahms.

em 1896 Brahms compôs as Quatro Canções Sérias
músicas de um pessimismo absoluto.
meses depois Brahms estaria de luto
pela morte de Clara Schumann.
em 3 de abril de 1897
Johannes Brahms faleceu
(meu compositor favorito)
e ficou de luto por ele mesmo.
"Ó Morte, quão amarga tu és"
diz um dos trechos das 4 Canções Graves.

Brahms sabia que em breve
seu amor Clara Wieck Schumann
doente
estaria com a Morte.
em 1896 aos 63 anos de idade
Brahms compôs as Quatro Canções (bem) Sérias
e dedicou a ele mesmo
no seu aniversário em 7 de maio de 1896.
menos de um ano depois
Brahms morreria de câncer de fígado.
em 7 de maio de 2019
Brahms completou 186 anos
de Imortalidade

04 maio 2019

No Escritório do Homem de Sucesso

o homem de sucesso sentado 
engordurado no seu escritório
de brancos tons de ilusório
uma enorme janela fechada (do lado)
e um ar livre de fachada 
no marketing da entrada
e dentro o ar-preso-oprimido-condicionado

enquanto lá fora voam pássaros
ali dentro voam notas
enquanto ali dentro nascem notas
lá fora morrem pássaros

vê e nota 
o notável homem de sucesso
predador idiota
praga e presa do progresso

a vida passa de mãos vazias
mas o homem vai contando suas moedas
de ouro cheias as moedas passam
e a vida vai matando seus dias
nos dias de morte 
e de almas vazias

02 maio 2019

Três Tacadas

I (do valor)
para o planeta

um catador de lixo
é infinitamente superior
a qualquer empresário
para o futuro da humanidade
há muito mais valor
em um mendigo
do que num milionário

II (do riso)
quando falo sério
serializo
como faria o serial killer
(quanto ocaso é sério...)
quando é riso
ironizo
(nem falo em sorriso
porque sorriso é mais mistério)

III (do poeta)
para o poeta
não vale a máxima
(que é mínima)
'faça o que eu digo
não faça o que eu faço"
porque o que o poeta fala
é sua poesia
e poesia é o que ele faz.

e poesia é coisa de cor vermelha
que a ninguém se aconselha

30 abril 2019

Do Fim Desta Civilização

tu gato vasto noturno
atento ao tenso vazio da treva
tu vês ainda mais vezes
que vazio sou eu
que não me estou
no que te leva

tu sabes, gato
que toda a ciência
não vale o sentido
do teu olfato
e que tudo na vida
é um inspirar - expirar

inspirar é nascer - crescer
e se cresce até um máximo
expirar é envelhecer - morrer
depois que se enche os pulmões da vida
até o máximo

a vida toda e toda vida
é uma grande inspiração - expiração
desde a existência de um gato
até a história de uma civilização

28 abril 2019

Os Detalhes da Luz

insana palavra de sombra
verbo-clarão na verdade
nada
ilumina o tanto da noite
do que os relâmpagos da tempestade

agouro de coruja amiga
que pia
ao que não me iludo
teus olhos de vastos noturnos
que alertantemente
veem tudo

que segredo que há
entre o que céu
e uma revoada de urubus?
só a sombra
percebe os mínimos detalhes
da luz

26 abril 2019

O Messias

Handel 
compôs o comovente Oratório "O Messias"
obra imortal
Brézil
elegeu o deprimente mor otário jair messias
obra imoral

imoral também sou eu
em colocar diamante e merda
no mesmo cofre:
um grande e um nada 
na mesma estrofe

mas meu poema é universal:
vale para qualquer comparação
entre um artista e um político
(em maior ou menor grau)
em qualquer país
qualquer planeta
qualquer galáxia
e coisa e tal

24 abril 2019

Poético

reconheço como grande
o homem que NÃO reconhece como grande
os que se acham grandes

só os verdadeiros fortes
não ficam do lado dos mais fortes:
a força está
em não se dobrar à força
poder
é não se curvar ao poder
(não importa o que puderem)

de modo
que não convém a um poeta
estar do lado dos ricos
(e digam o que quiserem)

22 abril 2019

Sobremortos

I - na vida temos a ilusão da escolha
mas tudo nos é imposto:
desde os impostos
passando por custos e preços
desgraças desejos
até nossos postos
até nossos gostos

II – porque nossa vida está condicionada de uma maneira
que não haja maneira de haver vida
e de tal forma
que não se saia da fôrma

III – viver tornou-se apenas sobre:
sobretudo uma sobrevida
de sobremortos
na busca de um sem sentido
sobrenada

17 abril 2019

Assombração

a minha parte do que é
estará depois do que já não:
tenho a última máxima extrema
o final tornado lema
o que não foi tornado são

terei o alcanço (al)cansado
quando me tiver tornado vento
o tormento a me ventar tornado
em (re)voltas e (re)tornos
do Tempo em mil pedaços
triunfante e sobre-humano
sobre os  meus fracassos

a minha parte irei sem ela
como quem faz e deixa
como quem beija e passa
a graça a lábio a vela
só assombros e alarmas
só escombros e fantasmas


16 abril 2019

Agrotóxico*

o agro é pop?
o agro é pó
o agro é papo
o agro é podre

o agro é mórbido 
o agro é sádico
o agro é sórdido
o agro é estúpido 

(o agro é (só)lucro)

o agro é túmulo
o agro é tétrico
o agro é trágico
o agro é tóxico


*Este poema se refere somente aos setores e produtores do agronegócio que se beneficiam da brutal e absurda utilização de agrotóxico e pesticidas, a qual se encontra num crescimento desenfreado e monstruoso em nosso país, principalmente durante o governo Temer e MAIS AINDA, agora, com Bolsonaro. Pesquisas comprovam que estamos comendo alimentos e tomando água altamente contaminados. 

14 abril 2019

Dois Brasis

I - nesta era
(que logo já era)
de burros e ignorantes
em que escrever é tudo em vão
já está anos-luz adiante
quem lê
as linhas
da sua própria mão

II - existem dois Brasis:
o dos seres vivos
e o dos imbecis

12 abril 2019

(Há)mar

o amor
um quanto de alma
e um tanto de arma

um espanto vasto de tê-lo
e um quando rastro de achá-lo

amargaridas de areias pelas luas
amaremotos de azulado pelas rosas
amarelos de sonhos pesadelos
entre sangues oceanos e castelos

noites entre estrelas e cardumes
entre aromas ares águas e perfumes

amor no que se for
a mar (a)fundo
de armadura

que amar...
(h)ámargura
mas (h)ámar

(Poema escrito em 8 de abril de 2018.)



100 Dias (Desastrosos) de Governo Bolsonaro

O presidente Biroliro disse que 95% das metas do seu desgoverno para os três primeiros meses foram atingidas. E eu acredito. Vejamos suas metas:

- Aumentar a destruição ambiental deixando tudo na mão de ruralistas.

- Liberar o máximo possível de agrotóxicos cancerígenos.

- Puxar o saco do Trump e entregar o país pra os EUA.

- Demitir o fiscal que o multou por pesca ilegal.

- Brincar de guerrinha virtual contra a Venezuela.

- Zerar investimentos em educação, cultura e ciência, ajudando a estabelecer o culto à ignorância dele e sua trupe.

- "Facilitar a vida" de caçadores.

- Empenhar-se em aprovar a Deforma da Previdência e fazer as pessoas trabalharem mais recebendo menos.

- Continuar a destruição dos direitos dos trabalhadores iniciada por Temer, e mesmo assim aumentar o desemprego.

- Aumentar os índices de violência contra a mulher.

- Falar asneiras, absurdos, passar fiasco e envergonhar o país.

- Encobrir a corrupção de sua família e de seus ministros.

- Glorificar os horrores da ditadura.

- Colocar no governo um bando de corruptos e imbecis.

- Fazer de bobo você que votou nele.

09 abril 2019

Ave Averno!

"nada é tão ruim
que não possa ficar pior"
tudo já rui
em um poço de horror
nada é tão poço
que não possa afundar mais
nada que eu possa
vai afastar a cova
nada que eu faça
vai apagar o fogo
ou abrir a fumaça
já é muito esgoto
no fundo do posso
está tudo a um passo
dos corvos do morta
do nada do abismo
da beira do findo
não foi por falta
de verso e de aviso

a minha alma já torta
caiu de asas no mundo
nada é tão fundo
que possa abismar
o meu pessimismo

vendaval furacão
as cismas e os sismos
nada é tão mero
que não tenha ficado grave:
começar do zero
outros seres outros olhos
outras árvores outras aves
outras vezes outras vozes outras naves...
Ave!



07 abril 2019

Trompas e Trombetas

a céu que não descia
pairava um mas
aquém do verde negro
loucura em vão
um álcool lento a lento
do que mais fiz
um vento em som de adeus
do que não vou
em queda aquela estrela
quando me vi
desejo insana a vida
fracasso e luz
sangrar venena o azul
tristeza o sim
que seja o que escrevi
o que não sou