22 abril 2019

Sobremortos

I - na vida temos a ilusão da escolha
mas tudo nos é imposto:
desde os impostos
passando por custos e preços
desgraças desejos
até nossos postos
até nossos gostos

II – porque nossa vida está condicionada de uma maneira
que não haja maneira de haver vida
e de tal forma
que não se saia da fôrma

III – viver tornou-se apenas sobre:
sobretudo uma sobrevida
de sobremortos
na busca de um sem sentido
sobrenada

17 abril 2019

Assombração

a minha parte do que é
estará depois do que já não:
tenho a última máxima extrema
o final tornado lema
o que não foi tornado são

terei o alcanço (al)cansado
quando me tiver tornado vento
o tormento a me ventar tornado
em (re)voltas e (re)tornos
do Tempo em mil pedaços
triunfante e sobre-humano
sobre os  meus fracassos

a minha parte irei sem ela
como quem faz e deixa
como quem beija e passa
a graça a lábio a vela
só assombros e alarmas
só escombros e fantasmas


16 abril 2019

Agrotóxico*

o agro é pop?
o agro é pó
o agro é papo
o agro é podre

o agro é mórbido 
o agro é sádico
o agro é sórdido
o agro é estúpido 

(o agro é (só)lucro)

o agro é túmulo
o agro é tétrico
o agro é trágico
o agro é tóxico


*Este poema se refere somente aos setores e produtores do agronegócio que se beneficiam da brutal e absurda utilização de agrotóxico e pesticidas, a qual se encontra num crescimento desenfreado e monstruoso em nosso país, principalmente durante o governo Temer e MAIS AINDA, agora, com Bolsonaro. Pesquisas comprovam que estamos comendo alimentos e tomando água altamente contaminados. 

14 abril 2019

Dois Brasis

I - nesta era
(que logo já era)
de burros e ignorantes
em que escrever é tudo em vão
já está anos-luz adiante
quem lê
as linhas
da sua própria mão

II - existem dois Brasis:
o dos seres vivos
e o dos imbecis

12 abril 2019

(Há)mar

o amor
um quanto de alma
e um tanto de arma

um espanto vasto de tê-lo
e um quando rastro de achá-lo

amargaridas de areias pelas luas
amaremotos de azulado pelas rosas
amarelos de sonhos pesadelos
entre sangues oceanos e castelos

noites entre estrelas e cardumes
entre aromas ares águas e perfumes

amor no que se for
a mar (a)fundo
de armadura

que amar...
(h)ámargura
mas (h)ámar

(Poema escrito em 8 de abril de 2018.)



100 Dias (Desastrosos) de Governo Bolsonaro

O presidente Biroliro disse que 95% das metas do seu desgoverno para os três primeiros meses foram atingidas. E eu acredito. Vejamos suas metas:

- Aumentar a destruição ambiental deixando tudo na mão de ruralistas.

- Liberar o máximo possível de agrotóxicos cancerígenos.

- Puxar o saco do Trump e entregar o país pra os EUA.

- Demitir o fiscal que o multou por pesca ilegal.

- Brincar de guerrinha virtual contra a Venezuela.

- Zerar investimentos em educação, cultura e ciência, ajudando a estabelecer o culto à ignorância dele e sua trupe.

- "Facilitar a vida" de caçadores.

- Empenhar-se em aprovar a Deforma da Previdência e fazer as pessoas trabalharem mais recebendo menos.

- Continuar a destruição dos direitos dos trabalhadores iniciada por Temer, e mesmo assim aumentar o desemprego.

- Aumentar os índices de violência contra a mulher.

- Falar asneiras, absurdos, passar fiasco e envergonhar o país.

- Encobrir a corrupção de sua família e de seus ministros.

- Glorificar os horrores da ditadura.

- Colocar no governo um bando de corruptos e imbecis.

- Fazer de bobo você que votou nele.

09 abril 2019

Ave Averno!

"nada é tão ruim
que não possa ficar pior"
tudo já rui
em um poço de horror
nada é tão poço
que não possa afundar mais
nada que eu possa
vai afastar a cova
nada que eu faça
vai apagar o fogo
ou abrir a fumaça
já é muito esgoto
no fundo do posso
está tudo a um passo
dos corvos do morta
do nada do abismo
da beira do findo
não foi por falta
de verso e de aviso

a minha alma já torta
caiu de asas no mundo
nada é tão fundo
que possa abismar
o meu pessimismo

vendaval furacão
as cismas e os sismos
nada é tão mero
que não tenha ficado grave:
começar do zero
outros seres outros olhos
outras árvores outras aves
outras vezes outras vozes outras naves...
Ave!



07 abril 2019

Trompas e Trombetas

a céu que não descia
pairava um mas
aquém do verde negro
loucura em vão
um álcool lento a lento
do que mais fiz
um vento em som de adeus
do que não vou
em queda aquela estrela
quando me vi
desejo insana a vida
fracasso e luz
sangrar venena o azul
tristeza o sim
que seja o que escrevi
o que não sou

05 abril 2019

A Noite é Luz

quando a noite acaba além
além do dia que não venha
o dia continua sendo noite
e vemos a alma que nos resta
como se espiássemos por uma fresta
e assim vemos o que é vida
na noite que nunca termina

o dia é o massacre do que se vive
vidas aniquiladas por trabalho
espancadas por chicote e malho
sempre inútil por mais que se faça
responsáveis por menos que nada
trabalhos em busca de desejos
que não se realizam pelo jugo do trabalho

não é mais o dia que nos traz esperança
o dia mecânico monótono robótico
esmagado por sucessos e progressos
por problemas e pressões e decadências
o dia morreu como morre o homem

a Noite é a última resistência da vida
e o homem ainda vivo é livre na noite
como os animais que só saem quando anoitece
porque são caçados durante o dia:
o dia tornou-se a peste e a morte.
só na Noite é que existe Luz.

03 abril 2019

Alguma Definição de Literatura

se eu escrever otimismos e autoajudas
não terei escrito coisa nenhuma
se eu passar a mão na cabeça do leitor
nem terei sido escritor
literatura não se faz com sorrisos 
e gestos de coraçãozinho
não se escreve sob céu azul
não se pensa sobre a vida 
assistindo a comédias de finais felizes
literatura é o incômodo o soco no estômago
o ácido do limão o punhal revirando a ferida
a provocação para que se reaja

literatura não é um compêndio de esperanças
não é um manual prático para sucessos
literatura tem que escancarar o verme
que nos rói a alma na normalidade do dia a dia 
tem que ser a vela em nosso particular abismo
colocar o espelho diante do nosso horror

a literatura tem que me mostrar 
que o mal do mundo sou eu
que não é só o meu vizinho quem destrói o planeta:

quero literatura que me diga que estou morrendo
para que eu perceba que estou vivo

01 abril 2019

Corvo

Deus está morto:
fomos a nós que nos matamos.

meu olho absorto:
foi sempre horror por entre os anos

o mundo é este porco:
e fomos nós que o carneamos

o amor é um aborto:
foi entre pós que o causamos

o homem está morto:
somos adeus que nos mandamos

30 março 2019

Existe Brahms

a esperança
(que tem por princípio
bater na cara a porta)
e o fracasso
que nos debocha a cada passo
que importa?

que importa
o que se chama sonho
este irmão de sangue
do horror e do medonho?

que importa
isso de vida aquilo de morte?
isso vitória  aquilo derrota?
vitória ou sucesso
é só acaso destino boa sorte.

o nada que não veio
a ausência que não tive
o inútil que não pude?
que importa?

que importa a-final
os meus não desígnios 
os meus não ditames?

não tem importância.
o que importa
é que existe Brahms.

29 março 2019

Aos Caçadores Filhosdaputa

caçador filhodaputa montedebosta
por que não pega tua arma e te atira na cara
com os dois canos da tua espingarda?

caça-dor filhodaputa montedemerda
por que não te dá um tiro por trás
e deixa a vida selvagem em paz?

caça-horror filhodaputa montedeesterco
por que não pega tua arma e bate punheta
e deixa a vida viva em nosso planeta?

caça-desgraça filhodaputa montedefezes
por que não pega tua arma e te arrebenta a cabeça
e deixa que a vida entre a vida aconteça?

caçador filhodaputa montedenada
só quem deve ser caçado é tu:
pega tua arma e arrebenta teu cu.

27 março 2019

O Nosso Abismo é logo ali

Estrela que te és longe do que somos
tu que não nos sabes é que és feliz
aquilo que te vemos nem és tu
tua luz que a nós chega já passou
a tua verdade é sempre distante
e por ser distante é que é verdade
por não nos saberes não te fracassas
triunfas por nunca nos iluminares
ser indiferente é tua vitória
e nos dar as costas é o teu poder

Estrela, o que é isso onde tu estás?
onde tu estás nisso onde não nos és?

o que é que existe nesse teu abismo?
sim, 
porque o NOSSO abismo... é logo ali...

24 março 2019

Soneto Mau e Manco

como eu queria fazer poemas leves
daqueles que me congelassem
e esta minha eterna chuva
a transformassem em neve

como eu queria fazer poemas breves

daqueles que se leem sozinho
que quando em pensasse em uva
eu já me tivesse o vinho

mas eu só faço poemas graves:

como eu queria ao pensar em vida
que estivesse em eterna greve

mas nestes tempos de horror e febre

de caos e erros de sul ao norte
só se encontram rimas para a morte

23 março 2019

Versos a um Gatinho Morto

o filhodaputa que te matou
(porque quem mata um gato é um filhodaputa:
se for por acidente é filhodaputa por um tempo
se for por intenção é filhodaputa para sempre)
o filhodaputa que te matou
deixou mais triste a minha rua
(cada felino que morre
deixa mais triste o mundo)
o filhodaputa que te matou
tirou da minha rua a tua graça a tua dança
o teu alto a tua grandeza
arrancou da minha rua a tua presença de paz
arrancou do meu olhar a inocência do teu
extirpou o encantamento
em que me elevava com tua leveza
em que eu sorria com tua ternura
em que eu sonhava com teu mistério

minha rua ficou mais triste e o mundo ficou mais chato

onde quer que tua alma agora esteja
estão estes versos nos teus bigodes
ou tocados por tuas patas
enquanto retornas triunfante
para a próxima civilização

21 março 2019

Bach-Nosso

Bach Nosso que estais nos Sons 
interpretadas sejam as Vossas notas
venham a nós os Vossos concertos
sejam erguidas as Vossas cantatas
assim nas casas como nos seres

a Paixão nossa de cada dia
nos mandai hoje
perdoai as nossas supérfluas
assim como nós perdoamos aos que não têm te ouvido
e não nos deixeis ouvir música em vão
mas ensinai-nos a amar

em nome de Bach
Beethoven
e de Johannes Brahms

Amém.

Hoje, 334 anos de Johann Sebastian Bach, o Pai da Música.

19 março 2019

Fazer Parte da Humanidade

fazer parte da humanidade:
ser obrigado por lei
a viver de acordo com a lei
lei que foi acordada por outros
sem que você participasse do acordo

fazer parte da humanidade:
ter que trabalhar mais do que viver
durante as melhores horas do dia
quando não se pode quando não se deve
naquilo que não se quer
para fazer algo que se queira
quando já não há mais tempo de se fazer

fazer parte da humanidade:
ter que aparentar o normal
quando o normal é a doença
parecer com os parecidos
chafurdar na merda para ser aceito
e depois são preocupações e estresses
desesperos  e crises de nervos
para poder viver em paz

fazer parte da humanidade:
cansar-se uma vida inteira
para poder enfim descansar
deixar de fazer o que se quis
para dizer que tem a vida que se quer
até tornar-se responsável
pelo sua máscara de parecer feliz

fazer parte...
meu Deus, quanta miséria!
menos mal
que se faz Arte

17 março 2019

Beethoven batendo na Porta

seja a justiça não-feita
esteja a justiça torta
por mais que se saiba
ninguém se importa

quer passe por rio podre
quer passe por mata morta
por mais que se mate
ninguém se importa

se não pulsa alma nos olhos
nem corre sangue na aorta
por mais que se morra
ninguém se importa

ninguém se importa
até que se escute as quatro notas
do princípio da Sinfonia Quinta
de Beethoven
a bater na sua  porta

15 março 2019

Um Desastre

as pessoas querem ser agradadas acariciadas justificadas
querem autoajudas que lhe digam que suas merdas
não fedem tanto
e que podem seguir cagando ad infinitum 
até transbordar o planeta.

as pessoas querem ler coisas belas-bonitas
daquelas de se pendurar em paredes
como uma samambaia inofensiva
ou palavras-vassouras que varram seu próprio horror
para debaixo do tapete 
que encobre sua miséria.

as pessoas querem palavras light
que podem ser digeridas-lidas durante banquetes
que não pesem nem no estômago nem na consciência.

as pessoas querem palavras legais-boazinhas
de sorrisinho humilde como mordomo de palácio
que entregam cartinhas e flores
em bandejas de ouro.

enfim, as pessoas até gostam 
de escritores-poetas
desde que façam literatura de enfeite.
mas eu como sou um desastre
me bati contra a mesa
e derrubei todos os vasos.