10 outubro 2012

Não Reconheço Nenhuma Autoridade


desde as fezes
que se exalam nos intestinos
os restos vegetais e animais
absorvidos pelo estômago
os colesteróis que circulam pelo sangue
o suor, a lágrima e o óleo
que escorrem pela pele
as secreções dos órgãos sexuais
os ácaros acumulados entre os poros
as bactérias que fermentam
nos recônditos da boca
as poluições do ar
entranhadas entre os pelos do nariz
os catarros dos brônquios
as ceras dos ouvidos
os maus-hálitos provindos do esôfago

até as sinapses dos neurônios
abarrotadas de não-confessados pensamentos
invejas, fraquezas e cobiças
temores, vaidades e angústias
taras, maldades e hipocrisias
vazios, vazios e vazios
por todo o comum estado humano
de psíquica miséria
é que declaro
que não reconheço
nenhuma autoridade e hierarquia
nenhum ser humano
acima de mim

09 outubro 2012

Após a Boca de Urna, o Boca do Inferno

Faz três séculos que o grande Gregório de Matos, o Boca do Inferno, botou a boca no mundo. De lá para cá, o mundo mudou. Será? Se tivesse mudado tanto, a sua poesia não seria tão atual. É só conferir abaixo o poema "Epílogos", que deixo em homenagem às eleições municipais das cidades brasileiras. 


Epílogos (Trechos)


Que falta nesta cidade?................Verdade
Que mais por sua desonra?...........Honra
Falta mais que se lhe ponha..........Vergonha.

O demo a viver se exponha,
Por mais que a fama a exalta,
numa cidade, onde falta
Verdade, Honra, Vergonha.

Quem a pôs neste sacrócio?..........Negócio
Quem causa tal perdição?.............Ambição
E o maior desta loucura?...............Usura.

Notável desventura
de um povo néscio, e sandeu,
que não sabe, que o perdeu
Negócio, Ambição, Usura.

E que justiça a resguarda?.............Bastarda
É grátis distribuída?......................Vendida
Que tem, que a todos assusta?.......Injusta.

Valha-nos Deus, o que custa,
o que El-Rei nos dá de graça,
que anda a justiça na praça
Bastarda, Vendida, Injusta.


E nos frades há manqueiras?.........Freiras
Em que ocupam os serões?............Sermões
Não se ocupam em disputas?.........Putas.

Com palavras dissolutas
me concluís na verdade,
que as lidas todas de um Frade
são Freiras, Sermões, e Putas.

A Câmara não acode?...................Não pode
Pois não tem todo o poder?...........Não quer
É que o governo a convence?........Não vence.

Que haverá que tal pense,
que uma Câmara tão nobre
por ver-se mísera, e pobre
Não pode, não quer, não vence.

Gregório de Matos

08 outubro 2012

Uma Certeza


certo
é que nasce o sol
e morre
e que nasce a lua
e morre
e que nasce o sol
e morre
e que nasce a lua...
mais que isso?
nem flutua

já quase nada
nada a ser dito.
(ponto)
homens que se acotovelam
se (r)indo
em seu cagar infinito

deixar uma letra que fique
(não-lida)
para que eu não fique em nada
da história
(mentida)
civilizada

escrever
é dizer o quê
a quem?
ser poeta
é desrimar o coração

ser humano
é rimá-lo
com ilusão

04 outubro 2012

Do Fundamental


fundamental
não é o que está feito
é o que está latente
passo ainda não passado
mas astralizado
mais em frente

consequência não-sólida
ainda não-contente
pata de tigre na mata
como um sopro
fatal
mas silente

qual sábio garante
que um vento de veste leve
não vista outro vestido
desvistado
e se torne tornado
mais no diante?

a flor que cai
traz outra queda
em sua queda?
o que é que envolve
o que vem?
o lento
ou o de repente
traz um ato que é fato
um outro ato que esconde
e mais um
que se sente

ah...
o além-motivo
(ausente)
pelo que não
nos motivamos:
um sorriso
rindo do riso
da gente

03 outubro 2012

Um Ouvido pelo Outro


então
o quê?
qualquer coisa que se sim
ou não
se faça
não irá impedir
nem o breve nem o largo
do derramamento da taça

qualquer coisa
que se diga
cruza incólume
de tímpano a tímpano
de traça por traça

qualquer trecho
que se leia...
nem teia
qualquer música
que se toque...
nem toque

é nada

cada um
é ninguém
e todos
não valem um
ou uva
já passa

nem estou comigo
e mal
sei por que digo

02 outubro 2012

De Por que um Partido deve deixar o Governo...


Sempre que escrevo sobre política, fico com a desagradável sensação de que saí cheirando mal. Afinal, como diz aquele velho clichê, “a política fede”. E no Brasil, o fedor é mais pungente. Admiro os políticos pela sua capacidade de não vomitar estando envoltos em tanto fedor.  Dado esse preâmbulo, como as eleições municipais estão aí, deixo algumas considerações.

1 – “Os políticos e as fraldas devem ser mudados frequentemente e pela mesma razão.” Alguém discorda do que disse Eça de Queiroz? De minha parte, estou certo de que um mesmo partido não deve ocupar mais do que por 8 anos seguidos o poder.  Oito anos deve, ou deveria, ser o tempo máximo de um mesmo partido permanecer no governo. Mais que isso, leva à acomodação. Tanto do governo quanto de quem se favorece do governo. Mesmos os partidos, mesmos os favorecidos. Quem está na mamata são sempre os mesmos. Sim, porque mamata há com todos os partidos.  Isso não adianta. Sempre haverá os aproveitadores do partido que estiver no poder, seja qual for. Por isso, é importante que o partido mude. Para que mude os favorecidos, para que outros também possam se aproveitar e não sempre os mesmos. Para que se formem outras “panelas” com outras pessoas. Portanto, está na hora de o PP deixar o poder em Santiago.

2 – E também ocorre que determinados partidos preferem fazer tais coisas e deixar de fazer outras. Não digo que prefiram simplesmente “porque sim”. “Preferem” porque assim são seus direcionamentos. Que têm a ver com toda a história e com aqueles que fizeram e mantêm o partido. Não existe partido que faça tudo em tudo. Cada um faz de acordo com seus interesses e de acordo com quem está por trás de seus interesses. Lá de vez em quando faz por sua ideologia. Se é que a tem. E não venham me dizer que o que vale é a pessoa e não o partido. Isso é conversa fiada. Ingenuidade. A pessoa faz o que o partido e as forças que sustentam o partido deixam que a pessoa faça. No caso do PP em Santiago, não digo que ele não fez coisas boas para o município. Porém, deixou a desejar em vários pontos, o que vem se repetindo desde gestões anteriores do partido. A questão do emprego é uma delas. Sem falar na "Política da Aparência", na preocupação com enfeites no centro, olvidando-se do resto. Outra sigla que assuma a prefeitura poderá deixar de cobrir alguns pontos cobertos pelo PP, mas dará, ou deverá dar, atenção a outros que estão um tanto “esquecidos”, ou deixados em segundo plano. Ou, que simplesmente, não podem ser feitos pelo PP, visto que as forças por trás de um partido de direita impedem, não desejam que sejam realizados.

3 – Em uma de suas colunas no jornal “Correio do Povo”, intitulada “Coincidências Rurais”, o jornalista Juremir Machado da Silva escreve que muitas das mudanças de que necessita a sociedade brasileira são impedidas pelos grandes proprietários rurais, que, na defesa de seus interesses, não desejam, por exemplo, a reforma agrária e buscam também o amolecimento da legislação ambiental para terem “liberdade de destruição”. O hediondo Novo Código Florestal está aí para provar. Ocorre que tais produtores patrocinam, sustentam os partidos de direita na câmara, entre eles, o PP. Qual a preocupação do PP com o meio ambiente? Para mim, parece ser nula. Não é à toa que o deputado Luiz Carlos Heinze , do PP, é claro, foi um ferrenho defensor desse Código. E aqui em Santiago, como se dá essa sustentação?

4 – Alguns dizem que hoje não há mais esquerda e direita. O curioso é que os que dizem isso são os que são, geralmente, de direita. A direita é sempre direita. E não quer que exista a esquerda. O que ocorre é que muitos partidos de centro ou ficam como melancias em cima do muro, ou se aproximam de partidos que estão no poder. Qual é a ideologia do centro?  Já os partidos de esquerda existem. Mas muitos afrouxaram e se aproximaram da direita, adotaram práticas de direita.  Sempre em prol de “seus interesses”. Voltamos ao velho clichê: “política fede”. Mas continuam sendo esquerdas, “enternecidas”, para usarmos um eufemismo. Esquerda total hoje no Brasil talvez seja o PSol. Talvez. Seja como for, cada partido tem interesses diferentes. Alguns são os mesmos, como roubar. Não digo que todos os políticos roubam. Mas todos os partidos,quando assumem o poder, dão a sua roubadinha. O PT roubou com o seu mensalão. E o PMDB junto. O PSDB, antes ainda, também roubou com o seu mensalão. E junto com vários outros, como o Dem e o PP. Tivemos no RS vários escândalos de desvios de verbas durante o governo de direta da Yeda. Um foi o do DETRAN. Diziam até que o ex-deputado Marco Peixoto poderia estar envolvido. Mas não deu em nada. Normal. E como a mídia é de direita (inclusive em Santiago), ela não divulga nada. Não é dos seus interesses.

            Então é isso. Cada partido tem seus interesses. Por isso temos que trocar os partidos de vez em quando. Para que não fiquem em voga sempre os mesmos interesses. E os mesmos interessados. E os mesmos favorecidos. Porque... resolver mesmo a situação, quem é que resolve? O mundo não tem solução. E só a arte vale a pena. 

5 – Já falei, no blog, sobre os candidatos a vereadores. Confira aqui. Por isso, nem vou me deter no assunto. Só acrescento que chegamos ao final da campanha e têm muitos candidatos que querem ser vereadores apenas para estar no meio da política e do seu fedor (talvez, o salário compense).  São como baratas que gostam de lixo. Sim, porque não apresentaram proposta nenhuma. Nada. Alguns, devem desejar o cargo para pagar festas e beberagens para os amigos. Só pode.

6 – E como diria o Capitão Rodrigo em “O Tempo e o Vento” do Érico Veríssimo: “Governo é governo. Sempre é divertido ser contra.”

30 setembro 2012

A Pós-Moderna História de Chapeuzinho Vermelho (de Sangue)


A bela Chapeuzinho verde-limão, contrariada e com muita má-vontade, levava em uma pequena sacola os remédios para sua avó, conforme ordenara sua mãe. Eram medicamentos contra a hipertensão e a diabete, adquiridos gratuitamente em uma farmácia popular. Os tempos mudaram. O mundo está melhor.  

Chapeuzinho detestava ir à casa de sua avó, porque ela deveria seguir uma trilha por entre a mata, e a natureza causava respulsa à bela menina, de pele tão branquinha. Reclamava dos mosquitos, tinha medo das cobras nojentas, repugnava-lhe ter que atravessar a pontezinha sobre o riacho, pois receava que ela pudesse cair, já que era muito velha. A ponte, não a menina. E cairia naquela água suja, imunda, pois há muito o riacho não era mais virgem. Volta e meia, poderiam ser observadas algumas fezes flutuando naquelas águas plácidas.

            O canto dos pássaros não a comovia, antes, a irritava. E a beleza das árvores? Na cidade ela até gostava, mas no meio do mato não tinha graça nenhuma, todas aquelas árvores ali amontoadas, quase todas iguais.  Era uma menina urbana e moderna, preferia passear nos shoppings e contemplar as vitrines das lojas, como toda boa consumidora que adorava andar sempre muito bem arrumadinha. De modo que somente visitava sua avó quando era obrigada por sua mãe. Nesses momentos maldizia aquela velha rabugenta que fedia a fumaça de fogão. E maldizia sua mãe também, aquela mulher antiquada e autoritária.

            Porém, logo ao tomar a trilha que levava à casa de sua avó, Chapeuzinho foi surpreendida ao perceber que grande parte da mata havia sido cortada e queimada. A ausência da vegetação, no entanto, não a incomodava em absoluto, era até melhor, porque assim ela poderia pegar um pouco de sol, “andava muito branca”, diziam suas amigas.  Só o que lhe perturbava era o cheiro de fumaça do mato queimado, que a deixava ainda mais irritada. Caminhando pela trilha, Chapeuzinho chutou o casco seco de um tatu que fora tostado. “Bicho sujo! Que nojo!”, exclamou pra si mesmo. Logo adiante, viu o corpo de uma capivara que havia sido abatida a tiros. Chapeuzinho sorriu ironicamente. É que uma de suas amigas gordinhas tinha o apelido de “Capivara”. “Mas que bicho mais feio essa tal de capivara.”

            Chapeuzinho estranhou não ouvir tantos cantos de aves como das outras vezes. Melhor assim, pensou. Já estava muito mau-humorada mesmo, e o silêncio seria melhor, ou até cantarolar algum sertanejo universitário ou pagode. Caminhando um pouco mais, a menina avistou o cadáver de um cachorro-do-mato. Estava queimado. Nesse instante, Chapeuzinho lembrou-se das histórias de sua avó, quando contava sobre o lobo-guará, belo e antigo animal que nunca mais fora visto nas imediações. Apesar de sua avó insistir que o lobo-guará era um animal dócil e inofensivo, Chapeuzinho não acreditava. A velha devia estar caduca, ou na sua insistente e irritante mania de defender a natureza, exagerou nas qualidades do lobo. Para Chapeuzinho, lobo era lobo. E lobo era sempre mau. Não merecia viver. Deu graças pelo animal não existir mais por aquelas bandas. Imaginem se ela cruzasse com um lobo-guará pelo caminho! O animal estúpido poderia agredi-la e até matá-la.

            Finalmente, atravessando a floresta em grande parte queimada e devastada, Chapeuzinho chegou à casa de sua avó, que vivia sozinha. Como batera várias vezes à porta, e sua avó não atendia, resolveu entrar. Encontrou-a deitada inerte sobre a cama. Chapeuzinho tentou reanimá-la. Foi inútil. Sua avó estava gelada, não respirava, devia estar morta. Chapeuzinho entrou em pânico. Não gostava muito de sua avó, não ficou realmente sensibilizada ao verificar sua provável morte, porém, o problema é que ela não sabia o que fazer estando sozinha diante de uma pessoa sem vida. Olhou pela porta e não avistou ninguém pelas redondezas. Da porta mesmo, gritou por socorro algumas vezes. Um caçador, que passava pelas imediações carregando um saco de tatus e perdizes, ouviu os gritos da menina e dirigiu-se até a casa.

            Chapeuzinho sentiu-se aliviada com a chegada do caçador, e pediu que ele fizesse algo para ajudá-la com a avó. O caçador disse que nada faria, pois a velha já estava morta. Provavelmente, fora o coração. E, por outro lado até seria bom. Afinal, a avó de Chapeuzinho não passava de uma velha chata, rabugenta, caduca, que com suas manias ecológicas vivia tentando impedir que os caçadores entrassem em suas matas. Felizmente, aquela velha imbecil estava agora morta, e ele e seus amigos poderiam caçar à vontade e extrair a madeira de suas terras. Não que já não o fizessem há algum tempo de forma clandestina. Porém, agora teriam mais liberdade e menos estresse para fazê-lo. O que seria muito justo.  Aquelas terras deveriam ser úteis para alguma coisa além de servir de abrigo para sapos e macacos barulhentos.

            Chapeuzinho então, vendo que seria inútil pedir auxílio ao caçador, decidiu voltar para sua casa e comunicar à mãe sobre o ocorrido. No entanto, o caçador a impediu, puxando-a pelo braço e falando em seu ouvido:

- Que é isso, mocinha gostosa, fica mais um pouco. Vamos aproveitar que estamos sozinhos aqui... Com essas roupinhas aí e com essa carinha de safada, tu tá pedindo pra levar, hein.

            Chapeuzinho tentou resistir, empurrando o caçador, mas ele era, obviamente, muito mais forte e conseguiu subjugá-la, derrubando-a no chão. E arrancou suas roupas com fúria e sofreguidão, esbofeteando seu rosto delicado para que ela parasse de gritar. Baixou as calças e, segurando o pênis, exclamou estupidamente:

            - Olha como é grande! Isso é pra te comer melhor, hahaha!

            E penetrou brutalmente a coitada Chapeuzinho. A violência do caçador durante o estupro causava na menina fundos cortes que sangravam copiosamente. A menina, não suportando a dor, esperneava incessantemente, até que em um momento logrou acertar com força seu joelho nos testículos do caçador. Este se enfureceu ainda mais, “Onde se viu uma putinha dessas dando coices nos meus ovos!”, gritou. Indignado, agarrou a cabeça de Chapeuzinho e a bateu violentamente contra o chão por várias vezes, até que ouviu o barulho de seu crânio rachando e sentiu alguns respingos de sangue em seu rosto vermelho de ódio e de monstruoso apetite sexual.

            E, no corpo já sem vida de Chapeuzinho, o caçador prosseguiu o estupro, prosseguiu até dilacerar o órgão sexual da menina, até deixá-lo em carne viva e expor as suas entranhas. Em seguida, apanhou sua espingarda e o saco com tatus e perdizes que largara em um canto, e fugiu pelo que restava da mata, abandonando o cadáver ensanguentado de Chapeuzinho. Agora sim, vermelho.

            Quando saía da floresta e aproximava-se do riacho, o caçador assustou-se com a revoada de um enorme e agourento urubu inteiramente negro que estava pousado sobre uma rocha à beira d’água. Com o susto, o caçador escorregou nas pedras lisas e úmidas, bateu brutalmente a cabeça na rocha e estirou-se fulminado sobre as pedras. Seu crânio abriu-se com a violência do choque, e pedaços sanguinolentos de sua massa encefálica podiam ser vistos à beira do riacho, em uma poça de sangue.

            Dias depois, seu corpo foi encontrado pela polícia. Os policiais tiveram trabalho para afugentar o bando de urubus que fazia um banquete arrancando seus intestinos. Um dos policiais poderia jurar que os murmúrios lúgubres dos urubus quando afugentados assemelhavam-se muito a risadas...

Moral da história: a justiça tarda, mas o urubu não falha.

28 setembro 2012

Permita-me...*


permita-me
que eu me apresente
pois quando eu venho
já é tarde demais...

a minha face
não se revela no antes
mas não que eu não esteja
entre o todos
estou
como sendo um filho
criado em oculto
que nem se conhece
e nem se sabe que se cria

sou o filho de quem me negam
e quando ainda não sou conhecido
levo a face incógnita
que se parece amor
como se eu fosse um outro
daquilo que é o ser em mim

estão todos certos
de que eu nunca serei
que me sou impossível
e que minha vinda
é o próprio absurdo
filho bastardo
que julgam abortado

a princípio
enquanto cresço
eu nem existo
mas quando venho
(e eu sempre venho)
curvam-se à minha face

o meu nome?
O Horror

* Poema inspirado em O Coração das Trevas, de Joseph Conrad

26 setembro 2012

Coisas...


ali onde olhos
canto de noite
e um  outro
canto de atrás
de um outro
olho de noite
de outro ausente
invisível de paz

sensação
do que não é
e se acima
cinza de névoa
longe vapor
de café e mágoa
vista vaziada
que se veste de nada
mar sem algo
nem alga
ausência de oceano
onde me estranho
em que não haja
o que não alma
e nem se alta
algum desígnio
propenso ou denso
e nem saudade
e nem se importa
se se enfurece
ou se acalma

um lugar ali
onde olhos
que não está
nem no cá
nem que vi

25 setembro 2012

Obrigado, Shostakovich


Em 25 de setembro de 1906, nascia, em São Petersburgo, Rússia, o genial compositor Dmitri Shostakovich (1906-1975). O texto a seguir não conta a história de Shostakovich, não trata de sua vida, não é uma análise, não é uma dissertação. É um agradecimento em forma de uma humilde homenagem a um dos meus compositores favoritos. Portanto, é um texto altamente subjetivo, é uma forma de expressar a minha visão da obra daquele que considero como o maior compositor nascido no século XX.

Obrigado, Shostakovich, por mostrar ao homem do século XX o que o homem do século XX era. E ainda é. Porque o agora é o fruto do século XX. Obrigado por colocar a humanidade em seu devido lugar. Obrigado por não sonhar, mas ter pesadelos. Por dizer à tua época, à nossa época, a todas as épocas aquilo que cada uma das épocas não gostaria de ouvir. Obrigado pela verdade quase palpável da tua música. Pela expressão do teu mundo que indicou o caminho que a humanidade seguiria nos anos presentes e subsequentes.  

Obrigado, Shostakovich, por não ter piedade ou sentimentalismos. Obrigado, por desnudar o ser humano sem misericórdia, por retirar o ranço de todas as suas máscaras, das suas falsidades, hipocrisias e mentiras. Obrigado por devastar nossos ouvidos com a imensidão da miséria humana. E por debochar, ridicularizar, fazer escárnio, escracho de toda a vergonha desses ideais falhos que ainda insistem em apregoar que nos levarão a algum lugar, que atingirão algum substancial objetivo. Obrigado pela força apocalíptica do teu pessimismo. Pelo teu cuspe na cara do homem. Do homem da riqueza e da empresa. Do homem da guerra e da política. Do homem do nada e da desgraça.

Obrigado, Shostakovich, pela gravidade tensa e ao mesmo tempo sarcástica da forma como nos revelaste. Obrigado pelo teu pesar rítmico sem freios e sem meio-termos. Pela tua obsessão nervosa em expressar o caos e a loucura, a desesperança e a fatalidade. Aquilo que persistem em negar. Em esconder. Em esquecer. Obrigado pela coragem da tua obra. Pela fúria dos teus compassos.  Pela sombra das tuas notas densas. Pelo áspero tom de nunca que atravessa as ondas do teu tempestuoso mar.

Obrigado, Shostakovich, pelo teu mistério. Pela névoa aflita das tuas florestas noturnas. Pela morte que paira em cada canto das tuas funerárias partituras que nunca cedem. Pelo agouro de entre céus nublados. Pelo desconhecido que falou através de ti. Talvez sem mesmo tu conheceres. Pelo grito insano entre risos e ânsias que preenche a treva dos tempos. Obrigado pela tua angústia frente à existência.

E obrigado por venceres. Por te ergueres assustador e invencível diante do vazio humano. E, obrigado, com tua sombria vitória, por teres desvendado nossa essência. E o nosso ego. Eu te agradeço, amigo, pela companhia, pela catarse, pela compreensão. Obrigado, Shostakovich.

23 setembro 2012

Não Disse


entre um
sim
e um
som
silêncio
segredo
entre um
nada
e a calma
nada
se abala
nem nunca
que passa
entre
um sol
e sonata
o sempre
se alaga
e um verso
vazio
de nada
de adaga
ao longe
ao largo
ao vago
se sangra
em adágio
de água
que pedra
nenhuma
perturba
ou afaga
nem nada
(a)tinge
no lago
sereno
de selva
tranquilo
de sopro
distante
que nada
infringe
se sábio
se silvo
serpente
se sonho
se esquece
se fogo
se ascende
e ao fim
eu não disse
nem algo
nem vale
nem nada

21 setembro 2012

Dia da Árvore. Motivos para Comemorar.

Hoje é o Dia da Árvore. O que poderíamos comemorar?...

Bem, podemos comemorar o que disse Maria Helena Bassan Benedetti, agrônoma da Secretaria do Meio Ambiente (SEMA-RS):

"Nunca na história desse estado, assistiu-se a tamanha devastação das nossas matas (as que sobraram, pois temos menos de 10% do que havia!) como nesses últimos meses. A situação parece uma avalanche... Sem controle e crescente a cada dia.


Grande parte da destruição é respaldada por licenciamentos irregulares, principalmente neste período eleitoral.

O mais grave disso tudo é a perda de água que essa
s atitudes provocam, por redução da área de infiltração e por escoamento superficial. O resultado disso tudo nós sabemos, porém, a maioria teima em ignorar que a água é um elemento vital e indispensável não só a vida, mas para o desenvolvimento das atividades produtivas.
A produção agrícola está a necessitar de maior volume de água... A população aumentando... Quando iremos acordar?"


O que mais podemos comemorar? Ah, as secas recordes em todo o planeta neste ano de 2012, desde aqui, Rio Grande do Sul, passando pelo centro do país, chegando ao México,  EUA e Canadá. Milhões e milhões de árvores que viraram fumaça. Na Europa, países como Portugal, Espanha, Inglaterra, Grécia viram o pouco que resta de suas matas sendo consumido por queimadas incontroláveis.

Também podemos comemorar o avanço sem controle da desertificação na África Subsaariana, na Índia, na Rússia e na China. Podemos comemorar a devastação causada pela mineração nas florestas equatoriais e tropicais da África Central. E também o aniquilamento das florestas da Indonésia para se plantar dendê, usado, entre outras coisas, em chocolates. 

Também é digno de comemorarmos a construção sem freios de hidrelétricas ao redor do mundo, principalmente aqui no Brasil, inundando quilômetros e quilômetros de florestas virgens. E por aí vai, bah, há muito o que se comemorar no dia de hoje.

E o nosso Novo Código Florestal, hein? Maravilha! Comemoremos!

E não penses, amigo, que plantando uma árvore vais realmente contribuir com o que verdadeiramente importa para as árvores, para os animais e para os seres humanos. Plantar uma árvore no quintal, no terreno, na frente da casa, fazer um matinho de eucalipto no meio do campo vai salvar o quê? Mesmo que todos plantemos, de nada adianta. Bem, é melhor do que não plantar nada. Mas o que importa mesmo são as florestas originais, as vegetações nativas. Uma floresta não é um amontoado estúpido de árvores, é todo um ecossistema incrivelmente equilibrado, com leis próprias, únicas, que não podem ser quebradas, nem pelas plantas, nem pelos animais, muito menos pelos seres humanos. Uma vez desfeito o equilíbrio, o reflorestamento artificial de muito pouco contribui para se retornar ao que era, mesmo que seja com árvores nativas. Os animais não mais estarão ali. Os cursos de água já terão sido irremediavelmente alterados. Matas de reflorestamento quase sempre se tornam desertos verdes. Florestas sem vida.

Reflorestar é, no fundo, inútil, em termos de vida planetária e biodiversidade. Devemos é preservar as vegetações restantes de qualquer forma, a qualquer custo. Mas não é o que pensam os governos ao redor do planeta. Desde Santiago até a Indochina. Comemoremos.


19 setembro 2012

Manifesto Inflexível


eu não concedo
não sou
de concessões
não suavizo
não volto atrás

eu não agrado
não dou o braço
não busco a paz
não mais
não me retrato
não retrocedo
(se um dia eu fiz
eu me arrependo)

não dou ouvidos
radicalizo
definitivo
e sem sorrisos
eu ironizo

eu não perdoo
não alivio
não temporizo
não acredito

faço miséria
e mau poema...

nem sinto pena

18 setembro 2012

O que é se importar?


o que é se importar?
é se achar importante?
ou talvez se vir
de algum lugar que não
para outro lugar que sim?
se importar
é comprar de fora
a si próprio?

ou será
que se importar
é deixar de portar
o que nunca se teve?

ou talvez
seja abrir
portas ao contrário...
ou deixar de abrir
as portas
que nunca se viu?

afinal
o que é se importar?

sei lá...
eu não me importo.

17 setembro 2012

Poemerda à Civilização


dente
cariado
dentre
caído
quedado
por dentro

destecla
de piano
de
cadência
de marcha
de fúnebre

de década
em década
de cágono
desmontado
a com passo
de cágado

peito
desfeido
de peido

engasgo
gago
caco
caralho

falo falhado
de falácia
de falência

a humanaidade...
farelo
e decadência.

14 setembro 2012

O que ouve?


silêncio
no que há em torno
do que me vou tornando

observa
(silente)
há um som oculto
em tudo
que  não se revela..
(a chama que queima
surge do o quê da vela?)

aquilo que desejo
deseja em mim de qual onde?
por que desejo um algo
e não outro
que se esconde?
e o que não desejo
por que silencia?

o que é então que calava
pelo entre
da tua voz que sorria?...

o que forma tornados em torno?
o que houve naquilo que ouve?
qual o distante
do que se é longe?

há algo mais
ou de menos?
verbo que verba somente sinais
que algo que há na tua voz
para um vós
que não me escutais?...