Anteontem, 27/01/2011, Wolfgang Amadeus Mozart completaria 255 anos. Ma o gênio austríaco viveu pouco: faleceu com 35 anos de idade. Viveu pouco e compôs muito. Para ser exato, compôs 626 obras. K626 refere-se à sua última e
maior obra: o Réquiem.
Mozart, por ser um compositor do período classicista (aliás, o ponto mais alto do Classicismo musical), onde a razão predominava sobre a emoção, evitava, na maioria de suas obras, uma manifestação muito intensa do sentimento, evitava o "pathos", o sentimento trágico (que seria a marca do movimento posterior, o Romantismo). Porém, em várias de suas composições isso não acontece. Mozart, conhecido por expressar a beleza e o colorido da vida, da natureza, e uma felicidade angelical, celeste, divina, na maior parte de suas obras, também escreveu páginas de uma profunda dramaticidade, onde a tragédia nos toca intensamente, atingindo o âmago da alma. E essas obras trágicas, sombrias, estão entre as melhores do gênio classicista, tanto que Mozart é considerado, devido a tais composições, como um anunciador do Romantismo.
Há muito sentimento, uma emoção densa, inquietante, em obras como a sinfonia 40, os concertos para piano 20 e 24, a ópera Don Giovanni, alguns quintetos, quartetos, sonatas para piano, para violino e piano, a Missa K427, entre outras. Agora, nenhuma delas é tão trágica, tão perturbadora e tão comovente como o seu inefável Réquiem.
Trata-se de uma das obras máximas da música universal, o maior dos réquiens, capaz de emocionar até alguém com o coração empedernido. Impossível não se assombrar diante de uma composição de uma magnitude sobrenatural que se assoma em uma apocalíptica majestade.
Mas o que é um réquiem? É uma missa fúnebre, a representação máxima da cerimônia de despedida. Uma missa para a alma dos mortos. Vejam só que caso curioso, ou talvez uma ironia do destino: Mozart, famoso por suas notas luminosas e cheias de vida, tem como sua maior obra justamente uma obra que trata da morte. E vejam que curioso também isto: o Réquiem é sua última obra. Mozart morreu antes de finalizá-la. E Mozart não o compôs de livre e espontânea vontade. Alguém poderia pensar: Mozart sabia que iria morrer e quis compor sua própria missa fúnebre. Não, o Réquiem foi um encomenda do Conde Walsegg para a morte de sua esposa. Mas sem saber, talvez apenas pressentindo, Mozart compôs um Réquiem para si mesmo.
Há a lenda de que o emissário do conde que foi até Mozart encomendar a obra seria a própria morte. Isso ocorreu cinco meses antes de seu falecimento. Durante esse período, Mozart não completou o Réquiem. O que é um absurdo para o gênio, que escrevia impressionantemente rápido. Tanto é que nos legou 626 obras em apenas 35 anos de existência. Escrevia óperas inteiras em apenas 15 dias, como no caso de A Clemência de Tito. Porém, depois de 5 meses, Mozart não havia completado o Réquiem. Certamente, ele pressentia que quando finalizasse essa obra, morreria. Não terminou, morreu antes. O que Mozart não conseguiu completar, principalmente os números do Sanctus, do Benedictus e do Agnus Dei (no total, o Réquiem contém 14 números), foi terminado pelo seu discípulo Franz Süssmayr, que não logrou, obviamente, atingir o mesmo nível sobrehumano dos números escritos somente por Mozart.
O Réquiem de Mozart é um profundo mistério, em todos os sentidos. No primeiro número, o Introitus, entramos em um mundo de dor e sofrimento, prenunciado pela respiração ofegante de alguém que agoniza, sentimento transmitido pelos instrumentos de sopro do início. No assombroso Kyrie, não sabemos se ali há desespero ou confiança. No Dies Irae, está a fúria devastadora do Apocalipse, parecemos entrar em um furacão que se debate entre um coro de anjos nem um pouco amistosos. No Tuba Mirum, soa uma terrível trombeta sentenciosa. No Rex Tremendae, somos invadidos por uma angústia em seu último grau. Uma calma divina, porém sombria e impregnada de súplica, tranquiliza-nos no Recordare. Mas o horror retorna impiedoso no Confutatis, que finaliza em um ar sepulcral arrepiante. Em seguida vem a tristeza que nos dilacera do Lacrimosa, onde o Amen final se ergue sobre a humanidade de forma espantosa e desafiadora. O Domine Jesu Christe é de um tumulto onde luzes e sombras rivalizam sem cessar. E no Hostias, após um momento de indescritível sublimidade celestial, que não chega, no entanto, a nos trazer paz, ressurge o trecho Quam olim Abrahae, de um clima de ameaça e de desespero avassalador. Os três números seguintes não foram terminados por Mozart. O último número, o Communio, é, musicalmente, apenas a repetição do final do Introitus unido ao Kyrie.
Com seu Réquiem, Mozart deixa-nos seu testamento definitivo. E uma tentativa de salvar a humanidade.