A arte é, para mim, o que de melhor saiu da alma humana. Mas também pode ser ingrata. O artista, principalmente se for um artista marginal, maldito, que não está presente na grande mídia, além de ser criador, deve ser também seu próprio empresário/publicitário/editor, tudo, enfim. Não basta ao artista marginal criar. Deve ainda divulgar o que escreve, realizar sua própria propaganda, autopromover-se. Porque são raros os que se propõem a fazer a propaganda de alguém relativamente desconhecido. E porque, é ostensível, o sentido da arte não é só a sua existência, a sua criação, mas também é fundamental a sua recepção pelo público.
De modo que para que se leia a obra de alguém que pouco se conhece, é necessário que se deixe alguns motivos, e tais motivos podem ser a opinião de alguns leitores. É o que farei aqui. Alguns de meus contos são publicados em um dos mais importantes sites de literatura fantástica do Brasil, o
Estronho e Esquésito. Um deles, o conto
"A Lenta Morte da Mulher Bela" recebeu um número expressivo de comentários. Transcreverei alguns aqui no blog, com a intenção de que suscitem nos leitores o interesse de o ler, do começo ao fim, espero. Talvez alguns julguem isso como um exibicionismo. Não serei hipócrita em dizer que não há nada de exibicionismo no ato. Porém, todo ser humano é exibicionista, todos gostam de ver suas qualidades apreciadas. Alguns são discretos, mais reservados, mais conscienciosos, outros chegam a ser insuportáveis. Mas todos temos ao menos um pouco de exibicionismo. Negá-lo é uma hipocrisia. No entanto, minha intenção maior é, realmente, estimular os leitores a conhecerem e interagirem com o meu trabalho. Abaixo, alguns comentários deixados no citado site (
aqui o link), e, em seguida, o conto:
De Júlio César Vieira:
Com certeza um dos melhores contos que eu já li.
É incrível a comparação e a gente não consegue parar de ler, vai devorando.
De Alessandra Bellan:
Parabéns pelo excelente conto!
Suas descrições são de tirar o fôlego. Pude visualizar os ambientes com clareza, sentindo todo o clima denso que é criado na história, linha após linha. Adorei o final! Digno de reflexão.
De Rafael Schiabel:
Terminei a leitura emitindo um expressivo "Nossa!".
As palavras usadas e as descrições da mulher e da bestialidade de seus companheiros de quarto me fizeram adentrar na história.
Alessandro se mostrou um ótimo escritor. O clima sombrio e o sofrimento da mulher ficaram excelentes, além de proporcionar ao leitor uma reflexão sobre o que fizemos e ainda estamos fazendo com nosso planeta.
De Marina Rosa:
Realmente muito bom conto. Devorei com os olhos a tela desde o começo em uma imensa expectativa. O suspense contido no conto me levou a ficar até um pouco entorpecida no final, com a resolução e ainda querendo mais.
É fácil imaginar o estado da mulher bela da forma como é retratado, repugnante e ao mesmo tempo impressionantem ente impossível de parar de ler.
Excelente leitura, e muito boa para reflexão também. Adorei.
De Valdênia:
incrível, maravilhoso...
um conto surpreendente, rico e emocionante.
jamais imaginaria este final e no entanto ele fez mto mais sentido que qualquer outro.
De Joana D'arc Maciel:
Não esperava um desfecho como esse...realmente nos faz refletir sobre as nossas atitudes, a nossa indifença para com os problemas da Terra, que é nosso lar, nossa base, um dos motivos pelo qual vivemos.
Além disso, a narração do autor foi brilhante...me fez adentrar na cena, como se eu vivenciasse o momento, a dor e o sofrimento da mulher.
Aproveitando, deixo ainda este comentário, feito sobre o meu conto mais recente publicado, "O Meu 33º Assassinato". O comentário é de José Jorge (aqui o link):
Sem dúvida, um conto muitíssimo bem engendrado, digno de figurar entre os mais famosos casos de mistérios policiais!
O autor pareceu-me ser um profundo conhecedor da natureza humana, bem como dos seus inúmeros problemas psíquicos.
Vá em frente, amigo, você tem futuro, mas espero que nunca lhe ocorra a idéia de usar seu talento para fazer o mal, certo?
A Lenta Morte da Mulher Bela
A magnífica beleza daquela mulher deslumbrava a todos. Mesmo agora, gravemente doente, sua beleza ainda encantava. Mas um intenso sofrimento era plenamente visível em seu rosto de olhos fundos e encovados. Sua doença era verdadeiramente terrível, impiedosa, e, aos poucos, bem aos poucos, em uma extrema e quase imperceptível lentidão de brutal angústia, seu organismo ia sendo consumido pela absurda enfermidade. Era como a mais desolada e arrastada das marchas fúnebres.
Enfermidade que a definhava de uma forma digna da mais elevada comiseração. Seus sintomas algumas vezes surgiam, noutras, desapareciam por completo. Porém, quando retornavam, eram ainda mais violentos. Dores insuportáveis em todas as partes do corpo. Ela chorava copiosamente nestes momentos. Mas o que assombrava ainda mais era a inexplicável indiferença com que quase todos observavam a sua agonia.
Das dez pessoas que viviam em seu quarto, apenas uma delas sentia verdadeira piedade ao vê-la morrer de maneira tão lenta e sofrível. As outras aparentavam não se dar conta da devastadora desolação que acometia a bela e pobre mulher. No entanto, todos afirmavam que conheciam sua doença, que sabiam de suas causas a fundo e que possuíam a cura para a pavorosa e fatal enfermidade. Consideravam-se médicos de extrema perspicácia e inteligência. Havia até alguns que diziam que a doença não era grave, que seria facilmente curada e que exageravam no julgamento da intensidade de seus sintomas. Mas ainda não a haviam curado, apesar de todas as tentativas de fazê-lo, tentativas em realidade estúpidas, vergonhosamente insuficientes, enfim, absolutamente inúteis.
Todos os dez indivíduos também afirmavam com total segurança que conheciam o fato de que eles, todos eles, eram os responsáveis, os culpados pela bela mulher agora se encontrar enferma. Sim, a moléstia que a afetava foi causada pelas dez pessoas que viviam em seu quarto. Viviam em seu quarto e dependiam da bela mulher para tudo, para absolutamente tudo, inclusive para viver. Não viveriam sem ela. Daí então a urgente necessidade de curá-la. Se ela morresse, todos os dez morreriam com ela.
De modo que assombrava, era quase inacreditável a indiferença com que seus companheiros de quarto contemplavam a sobrenatural agonia que a passos de anômala marcha fúnebre levava aquela linda mulher a uma morte dolorosa e implacável. Algo realmente incompreensível. O que passaria pela mente dos cinco homens e das cinco mulheres que ali naquele quarto de doença viviam? O que passaria por seus sentimentos?
Talvez os moradores do quarto já estivessem tão habituados com a doença que causaram à mulher que já nem eram capazes de se emocionar com o vagaroso, lento, gradual sofrimento que ela irradiava. Havia ali somente uma pessoa que ainda agia intentando acender os sentimentos dos outros para que realmente tomassem consciência da iminente situação em que se encontravam. Porém, sempre inútil.
Mais e mais o clima reinante naquele quarto tornava-se pesado e nervoso. Sombras pesarosas iam surgindo dos cantos do ambiente carregado de densos espectros de ocaso. Lentamente, numa lentidão que parecia eterna. Em alguns momentos, luzes cintilavam em algumas pequenas reentrâncias quase ocultas que traziam consigo determinada esperança. Porém, em pouco tempo eram rapidamente subjugadas por nuvens escuras de uma fumaça de ignota origem.
Sistematicamente, a bela mulher em sua suprema agonia emitia gritos horripilantes, gemidos dilaceradores, que ensurdeciam e inflamavam os ouvidos dos seus companheiros de quarto, a ponto de sangrá-los. Mesmo assim, raramente se emocionavam, bem raramente...
Os gritos da bela mulher não eram reações desesperadas somente às suas dores excruciantes, mas ela reagia também às terríveis chagas que surgiam em todo o seu corpo e sangravam de forma inclemente, espargindo um sangue pútrido e mau-cheiroso, que se derramava por toda a cama, maculando os brancos lençóis e carregando o ar impuro de pestilentas emanações. As chagas desapareciam com o passar dos arrastados dias, mas sempre retornavam, cada vez piores, em cores mórbidas que iam do vermelho, ao roxo e finalmente ao negro.
E as pessoas ali respiravam aquela atmosfera mefítica, com uma imbecil tranquilidade sorridente. A mulher ardia em febre, e sua febre irradiava-se pelo ar, elevando a temperatura gradativamente. Ondas de enfermidade visivelmente partiam de seus entristecidos olhares de negras olheiras. Suas lágrimas não cessavam de escorrer como orvalhos de desgraça por seus miríficos cabelos negros. Sua face pálida e cadavérica implorava por misericórdia. No entanto, aqueles que viviam em seu quarto apresentavam um comportamento tão estúpido, tão indiferente, tão agressivo e miserável, que faziam, ainda que inconscientemente, com que a moléstia da mulher se agravasse ainda mais.
Em um instante soou um luto deprimente. E nas atmosferas ensombrecidas, mornas de enfermidade, densas de pesadelos, assomou pelo ambiente degradado a tensão desesperada de uma trágica marcha fúnebre. E suas notas noturnas vibravam como sinos agourentos de palpáveis maldições. Simultaneamente, adejaram pela janela as asas de um corvo que surgiu da noite distante, do espaço longínquo, e fitou seus olhos fundos de sentenças nas pessoas que ali no quarto estavam. O corvo assemelhava-se a um anjo. Trazia uma carta no bico.
Às vezes, os dias transcorriam em aparente serenidade. A serenidade funesta que antecede as mais devastadoras tormentas. E nos dias lentos, rastejantes, de tensão insuportável, relâmpagos e trovões, por vezes distantes, por vezes próximos, espargiam horrores e deixavam um odor ominoso pelo ambiente do quarto. E o clima obscurecia-se paulatinamente.
Ataques golfejantes de tosse assediavam os pulmões da bela mulher. Golfadas espessas de sangue espalhavam-se por todo o aposento. Um catarro amarelecido descia canhestramente de seu nariz. Ela debatia-se e revirava-se na cama inundada de um suor ardente, pegajoso e febril.
Pela janela semiaberta do quarto, uma estranha luminosidade avermelhada penetrou no ambiente de dúvidas e desesperos adejantes. A bela mulher desvairava, inebriada das mais absurdas catástrofes. Contorcendo-se de dor em todos os seus órgãos, ela levava as mãos amareladas e ressequidas, de veias proeminentes, à cabeça que latejava freneticamente.
Um sopro anômalo e rubro de sangue entrou com diabólica violência pela janela entreaberta. Tal sopro deve ter afetado a sanidade da bela mulher. Agonizante, como um furacão ela redobrou suas forças para erguer-se da cama sanguinolenta. Insana, descontrolada, enlouquecida, ela agarrou com suas mãos crispadas, de unhas crescidas e ensanguentadas, um por um o pescoço daqueles que viviam em seu quarto e os estrangulou com fúria alucinante. Nove dos dez moradores do quarto foram mortos dessa forma. Apenas aquela mulher que sinceramente tentava ajudar a bela enferma foi poupada. E, nesse instante, uma tênue fagulha de vida refulgiu em seus enormes olhos verdes. E o nome da bela mulher era Terra.